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Maíra Zimmermann de Andrade.

Jovem Guarda Além do iê iê iê: Estilo de Vida Jovem nos Anos


1960. (UFSC-CFH – graduada em História, SENAC-SP - mestranda em Moda, Cultura e Arte).

Este artigo resulta do projeto de pesquisa Jovem Guarda Além do iê iê iê: Estilo de Vida
Jovem nos Anos 1960, apresentado o Programa de Mestrado Moda Cultura e Arte1, após concluída a
monografia Transformação Social pela Cozinha: Consumo das Mulheres no Brasil do
Desenvolvimentismo.2 A referida pesquisa abordou os discursos produzidos acerca da modernidade
do segundo pós-guerra, entre os anos 1950 e 1960, nos Estados Unidos e União Soviética, os quais
alcançaram o Brasil no governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961), com o intuito de
compreender como as mudanças sociais relacionadas à revolução no consumo foram representadas
nos meios de comunicação, impactando a vida das camadas médias da população brasileira,
principalmente a das mulheres, na esfera privada.
Os “Anos Dourados” brasileiros abriram possibilidades para que a popularização das
roupas e a consciência de moda chegassem por aqui nos anos 1960. Maria Claudia Bonadio
identifica em sua pesquisa3 o início do prêt-a-porter brasileiro, período no qual a passagem da alta-
costura para o consumo de roupas prontas coincide com a modernização industrial: “[...] nos anos
1960, diversos criadores de alta-moda se aproximam da indústria e criam também roupas prontas, tal
movimento é parte da ampliação da produção industrial de roupas, que apresenta no período um
crescimento sem precedentes”.4
Na música, o rock brasileiro estava claudicante pelo excesso de baladas5 e falta de
atitude. Até o começo da década, o jeito de vestir-se da população juvenil acompanhava o tom
romântico das composições de Cely Campelo e Sérgio Murilo, eleitos rainha e rei do rock em 1961,
pelos leitores da Revista do Rock.6 Os cantores versavam sucessos internacionais para o português e
foram os pioneiros da música jovem no Brasil.7 Cely e Murilo usavam roupas clássicas, nos moldes
dos anos 1950. Ambos faziam o estilo bons-moços e, apesar de cantarem certo tipo de rock, A
Bonequinha que Canta8 era um Broto Certinho9. “[...] 1962 foi um ano de mudanças, com a

1
Centro Universitário SENAC-SP
2
Defendida em novembro de 2004, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas, no curso de História, na Universidade Federal
de Santa Catarina (UFSC), sob orientação do Professor Doutor Henrique Espada Lima.
3
BONADIO, Maria Claudia. O fio sintético é um show! Moda, política e publicidade Rhodia S.A. 1960-1970. Campinas, 2005.
Tese (Doutorado em História) Departamento de História, Universidade Estadual de Campinas.
3
De acordo com Maria Claudia Bonadio, “Dados estatísticos revelam que essa é a primeira vez que a indústria de confecções
tem um índice de crescimento superior à fabricação de calçados. O Censo industrial de 1970 apresenta dados bastante
significantes em termos de geração de empregos, seus números indicam que entre 1950 e 1970 os números de estabelecimentos
e de pessoal ocupados pela indústria de confecções quadruplicaram [...]” (BONADIO, 2005, 65).
5
FRÓES, Marcelo. Jovem Guarda em ritmo de aventura. São Paulo: Editora 34, 2004, p. 39.
6
FRÓES, 2004, p. 20.
7
Idem.
8
De acordo com Marcelo Fróes, Celly Campello recebeu este título em alusão à “Cellymania” que assolou o país três anos antes
do estouro da Beatlemania na Inglaterra, quando tivemos bonecas de Celly sendo lançadas no mercado de brinquedos, além de
uma série de lembrancinhas da cantora (FRÓES, 2004. p. 23).
9
LP lançado pela cantora em abril de 1960, que trazia uma gravação de “Over de Rainbow” juntamente com o sucesso “Banho
de Lua” (FRÓES, 2004, p. 23).
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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passagem dos reinados de Celly Campello e Sérgio Murilo. Os ícones daquela primeira geração
assistiam a uma rápida movimentação do mercado, com gravadoras investindo em novos nomes”.10
Para a geração de 1960, essa postura “careta” não fazia mais sentido, o estilo de vida
moderno da cidade demandava outra atitude: “[...] o barato, então, era descobrir a imagem e o
movimento no cinema, acelerar ou disparar na garupa os roncos das lambretas picantes, beber café
de máquina nas ruas mais badaladas da city, ‘espirrar’ gás de crush no terno dos quadrados ou
envenenar qualquer escapamento à mão, mesmo que à mão não estivesse um Chervrolet 54 ou um
Oldsmobile 56”.11
Era este o clima, quando a “invasão inglesa”, liderada pelos Beatles, chega no Brasil em
1963, após o lançamento nacional de seu primeiro compacto, prevalecendo “[...] como sinônimo de
toda a movimentação eletrificada da juventude brasileira”.12 A popularização da televisão13 abriu
espaço para o lançamento de programas especializados em rock14, focados no público jovem. Em
agosto de 1965, a TV Record lança o programa Jovem Guarda15, liderado por Roberto Carlos,
Erasmo Carlos e Wanderléa. Embalado pelo sucesso internacional dos Beatles16, colocavam no ar a
versão brasileira do iê iê iê.
Portanto, esta pesquisa: Jovem Guarda além do iê iê iê: Estilo de vida jovem nos anos
1960 busca entender como o movimento Jovem Guarda lançou moda, definindo um estilo de vida
jovem rebelde17 na crescente sociedade de consumo brasileira. Para isso, foca-se em duas
publicações da época: as revistas O Cruzeiro e Realidade, que serão analisadas sob dois aspectos: o
jornalístico, nas matérias que tratam do tema, e o publicitário, vinculado aos produtos da Jovem
Guarda.
A Segunda Guerra (1939 a 1945) trouxe possibilidades para que houvesse, pela primeira
vez na história, um não reconhecimento entre gerações, fomentado, em grande parte, pelo acesso aos
bens de consumo. Essa transformação material abriu espaço para o surgimento da geração dos
adolescentes, beneficiada com o que pode ser chamado, segundo Hobsbawm, de uma revolução
social e cultural, acontecida a partir de 1945.18

10
FRÓES, 2004, p. 37.
11
MEDEIROS, Paulo de Tarso C. A aventura da Jovem Guarda. São Paulo: Brasiliense,1984, p. 18.
12
FRÓES, 2004, p. 43.
13
Segundo dados da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, em 1962, foram vendidos, no Brasil, cerca de 300 mil
aparelhos de TV (AMORIM, Edgar Ribeiro de (Coord.) TV Ano 40: quadro cronológico da televisão brasileira: 1950 – 1990.
São Paulo: CCSP, 1990)
14
Segundo Erasmo Carlos, “Antes era o rádio, depois veio a televisão, com programas especializados em rock [...]” (FRÓES,
2004, p. 72).
15
Em agosto de 1965, a TV Record buscava uma alternativa para a proibição do futebol ao vivo nos domingos, e contratou a
agência publicitária Magaldi & Maia Publicidade para lançar o programa. (FRÓES, 2004, p. 76).
16
A Odeon lançou, em 1965, no Brasil o LP Beatles 65’ (FROÉS, 2004, p. 73).
17
Rebelde, neste texto, deve ser entendido como o jovem que assume práticas destoantes dos costumes sociais tradicionais, mais
especificamente os de comportamento pessoal e familiar, de vestimenta e de lazer.
17 HOBSBAWM. Eric. Era dos extremos: o breve século XX 1914-1991. São Paulo: Cia. das Letras, 1995. p. 282-362.
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A configuração econômica e cultural da geração pós-guerra, materialmente mais
confortável que a anterior, possibilitou o surgimento de um mercado consumidor jovem, ansioso por
um novo estilo e moldes mais modernos para se espelhar. A cultura do consumismo e do
descartável19 desvalorizou o paraíso dos eletrodomésticos dos anos 195020, entendendo-o como
representação do núcleo familiar, passando a enaltecer o universo do tempo presente, onde o que
vale é a liberdade individual:
Além da cultura hedonista, o surgimento da “cultura juvenil” foi um elemento essencial no dever
estilístico do prêt-à-porter. Cultura juvenil certamente ligada ao baby-boom e ao poder de compra dos
jovens, mas aparecendo, mais em profundidade, como uma manifestação ampliada da dinâmica
democrática-individualista. Essa nova cultura é que foi a fonte do fenômeno “estilo” nos anos 1960,
menos preocupado com perfeição, mais à espreita de espontaneidade criativa, de originalidade, de
impacto imediato. Acompanhando a consagração democrática da juventude, o próprio prêt-à-porter
engajou-se em um processo de rejuvenescimento democrático dos protótipos de moda.21

O nascimento de uma cultura de jovens será invariavelmente associado a uma cultura


de modismos efêmeros, trajada como símbolo por estes mesmos jovens, na tentativa de definir seu
lugar no mundo, e por empresas, no lançamento de seus produtos no mercado. No Brasil, a moda se
consolida como fenômeno de massa, difundida pelo estilo irreverente e rebelde, representado pelos
cantores da Jovem Guarda, trazendo o espírito moderno dos novos tempos para o Brasil cosmopolita
e industrializado:
[...] A velha sociologia do desenvolvimento costumava descrever essas mudanças sublinhando
fenômenos como o crescimento da industrialização e da urbanização, a transformação do sistema de
estratificação social com a expansão da classe operária e das camadas médias, o advento da
burocracia e das novas fórmulas de controle gerencial, o aumento populacional, o desenvolvimento
do setor terciário em detrimento do setor agrário. É dentro desse contexto mais amplo que são
redefinidos os antigos meios (imprensa, rádio e cinema) e direcionadas as técnicas como a televisão e
o marketing. Saber que é nas grandes cidades que floresce este mundo moderno; a questão que se
coloca é conhecermos como ele se estrutura, e em que medida ele determina parâmetros novos para a
problemática da cultura. Por isso se faz necessário entender como se articulam no período os diversos
ramos de difusão de massa.22

Os jovens, como força motriz cultural dessa sociedade, buscam na arte e em especial na
música seu principal grito de expressão, identificação e pertencimento. A indústria da moda e
fonográfica, aliadas, funcionarão como um canal de comunicação e força de expressão, lançando
estilo de vida, disseminado pela indústria cultural e baseado em ídolos, para um público formado

19 MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la. A moda no século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 159.
20 O modelo justo, quadrado, sob medida dos anos 50, tão bem representado por Ira Levin, em seu romance Mulheres Perfeitas,
no qual ele cria uma metáfora da esposa ideal, personagens de comportamento programado, fazendo uma crítica à sociedade de
consumo dominada pela mídia: “Era isso que todas elas eram, todas as esposas de Stepford: atrizes de anúncios, felizes com
detergentes, ceras, sabões, xampus e desodorantes. Atrizes belas, de busto grande e talento pequeno, desempenhando o papel de
donas-de-casa burguesas de uma forma pouco convincente, boa demais para ser real” (LEVIN, 2004, p. 60). Sua versão
masculina foi eternizada no filme norte-americano O homem do terno cinzento (EUA, 1956). O “sexo forte” teve mantido os
seus atributos, agora calcados em uma moral nitidamente capitalista. Para os homens, a volta ao lar é marcada por uma
adaptação à impessoalidade institucional que vigora nos Estados Unidos [...] A figura masculina de provedor de família classe
média suburbana cresce neste momento. Afinal, prover significa necessariamente estar apto para retomar cargos antigos, novas
ocupações e, assim, manter a estabilidade financeira para que nada faltasse a sua família – filhos e esposa (FORNAZARI, 2001,
p. 20).
21 LIPOVETSKY, Gilles. O império do efêmero. A moda e seus destinos nas sociedades modernas. São Paulo, Cia das Letras,
2002, p 115.
22
ORTIZ, Renato. A moderna tradição brasileira: cultura brasileira e indústria cultura. São Paulo: Brasiliense, 2001, p. 39.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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“[...] graças à prosperidade e pleno emprego da Era de Ouro e à maior prosperidade dos pais, que
tinham menos necessidade do dinheiro dos filhos para o orçamento familiar”.23
Nos anos 1950, as mães inspiravam-se no New Look da Alta Costura de Cristian Dior,
pareciam bonecas impecáveis, em seus vestidos rodados, posando estaticamente, com
liquidificadores e batedeiras, congeladas com um postiço eterno sorriso.24 A revolução democrática
do prêt-à-porter, segundo Lipovetsky,25 a partir dos anos 1960, disponibilizará ao crescente mercado
jovem roupas baratas, prontas e de boa qualidade: “[...] pela primeira vez na história do conto de
fada, Cinderela tornou-se a beldade do baile não usando roupas esplêndidas”.26
Os jovens passam a andar em grupo, adotando um comportamento rebelde e irreverente.
Reconhecendo-se em seus pares, negam o modo de vida dos pais e, indagando os costumes vigentes,
acabam por gerar conflitos. Mudando-se as concepções de valor, as antigas serão questionadas,
tornadas obsoletas, como se já não pudessem ser vestidas, por demais apertadas. A rebeldia torna-se
forma e símbolo de contestação, tendo a arte como novo suporte de identidade e a música como
espaço de troca de emoções comuns. É uma mudança de valores no próprio ouvinte, permitindo a
comunicação efetiva entre cantor e público, uma concepção de vida na qual tem particular
importância a interação entre quem está no palco e quem está na platéia. Segundo Paul Friedlander,
em seu livro Rock and Roll: uma história social, “[...] a música oferece um conhecimento
significativo e identidade”. Os Beatles, banda de rock inglesa, com sua atitude moderna, apaixonada,
irreverente e indiferente às normas vigentes,27 disseminarão esse fenômeno, consolidando a
Beatlemania no mundo a partir de 1964,28 abrindo as portas a um estilo de vida jovem, como uma
poderosa força de fenômeno de comunicação de massa,29 e, também, forte questionadora de
costumes. Nas palavras de Paul McCartney:
Acho que demos algum tipo de liberdade para o mundo. Conheço muitas pessoas hoje que dizem que
os Beatles as liberaram. Se você pensar bem, o mundo era um lugar ligeiramente de classe alta até os
Beatles aparecerem. Atores regionais também tinham de ter uma dicção shakespeareana muito boa; e
depois começou a ser suficiente que você tivesse seu próprio sotaque, sua própria verdade. Eu acho
que libertamos muita gente que estava bitolada, que talvez estivesse começando a viver sob a linha
autoritária de seus pais. Sempre que um jornalista me perguntava: “Você estudou alguma coisa? –
estudei um pouco de literatura, não muito – eu dizia: “Ah sim, Shakespeare, e sempre citava: “To
thine own self be true” (“Ao seu próprio eu seja verdadeiro”). Acho que isso era muito adequado
aos Beatles. Sempre fomos muito fiéis a nós mesmos – e acho que a brutal honestidade que os

23 HOBSBAWM, 1995, p. 321.


24 Sobre a feminilidade e conformismo no período 1946 – 1956 ver MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la. A moda no século
XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003 (capítulo 5, p.124-157).
25 LIPOVETSKY, 2002, p. 107.
26 HOBSBAWM, 1995, p. 325.
27
MEDEIROS, Paulo de Tarso C. A aventura da Jovem Guarda. São Paulo: Brasiliense, 1984, p. 13.
28 “Lançado em janeiro de 1963, Please Please Me conseguiu o que Love Me Do não conseguira: elevou os Beatles ao topo das
paradas e desencadeou o início da Beatlemania. Enquanto Please figurava durante seis meses entre os mais vendidos, os Beatles
lançavam outros hits: From Me to You, She Loves You, (com o famoso refrão, yeah-yeah-yeah!) e I Want to Hold Your Hand.
Esta não só consolidou o sucesso dos Beatles na Inglaterra como, ao se tornar o seu primeiro grande hit nos Estados Unidos em
fevereiro de 1964, lhes abriu as portas da América e do mundo” (MUGGIATI, 1985, p. 82).
29 Uma sociedade que abriga um enfrentamento: por um lado, consolidação de mercado de consumo de massa, por outro,
manifestação artística cultural: “há um cabo-de-guerra entre [...] ‘as duas diferentes formas de exigência do rock’: de um lado
uma função estético-cultural enquanto práxis cultural dos jovens, de outro, forma econômica enquanto mercadoria e distribuição
de massa (FRIEDLANDER, 2006, p. 16).
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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Beatles tinham era importante. Assim, manter-nos firmes em nossa posição e dizer realmente o que
pensávamos, em certo sentido, dava a outras pessoas no mundo a idéia de que elas podiam ser
sinceras e encontrar sucesso em seus intentos e, de fato, isto era uma coisa boa.30

De acordo com as autoras Valerie Mendes e Amy de la Haye, em seu livro A Moda do
Século XX, no capítulo 6: 1957-1967: a riqueza e o desafio adolescente,31 a transformação visual,
possibilitada pela revolução material do pós-guerra, abriu espaço para que, assim como na música,
os costureiros também pudessem ousar na criação estilística, mudando o foco de seu público: “em
meados da década de 60, o ritmo da moda internacional não estava mais sendo estabelecido por
costureiros parisienses, mas por um talentoso grupo de estilistas em Londres. O aspecto mais
significativo dessa mudança foi que o gume da moda começou a se concentrar no jovem médio da
rua, não em uns poucos indivíduos selecionados e ricos [...].32 Inegável popularização do fazer e
consumir moda pela gente comum.
O estilo britânico, amplamente incorporado pela Jovem Guarda, foi analisado por
Elisabeth Wilson, em sua obra Enfeitada de Sonhos. No capítulo IX, O traje de oposição,33
argumenta que a variedade de estilos dos jovens britânicos nos anos 1960 estava mais ligado com
uma questão de afirmação da juventude do que com uma forma de revolta.34 Segundo a mesma
autora, um grupo de grande importância na Inglaterra deste período são os mods, que em sua
moda exploravam o mercado das roupas, rádio e dança: “[...] grupo de miúdos pequeno-burgueses
e que pertenciam a famílias judias comerciantes de roupas, que andavam com os semi-beatniks do
Soho, nos finais dos anos cinqüenta, e na sua impaciência de se distinguirem da multidão,
olhavam para a América para descobrir o seu estilo”.35
Linda Benn DeLibero, no artigo A garota do ano: uma história pessoal e crítica de
36
Twiggy, afirma que a década de 1960 não foi apenas um paraíso para quem gostava de comprar,
mas, principalmente, uma explosão consumista para os jovens. Twiggy, a rainha do mod, era
invejavelmente famosa e, com apenas dezessete anos, ameaçava os padrões de esnobismo clássico
britânico, com sua jovialidade e seu padrão infantil. A explosão do consumo, atrelada à busca cada
vez mais freqüente de ícones oferecidos pela indústria cultural, fez de Twiggy uma referência da
moda nos anos 1960: “Fixando uma imagem completamente inócua de várias suaves violações de
classe e gênero, a industria cultural fez de Twiggy um mito das maravilhosas propriedades de
transformação, não da consciência social e política, mas da moda e do estilo. O look, hoje, vem de

30 BEATLES, The. Antologia. São Paulo: Cosac & Naify, 2001, p. 356.
31
MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la. A moda no século XX. São Paulo: Martins Fontes, 2003, p. 158-193.
32 MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la, 2003, p. 159.
33
WILSON, Elisabeth. Enfeitada de sonhos. Lisboa: Edições 70, 1989, p. 241-277.
34
Idem, p. 255.
35
WILSON, 1989, p. 257.
36
DELIBERO, Linda Benn. A garota do ano: uma história pessoal e crítica de Twiggy. p. 52-70. in BENSTOCK, Shari &
FERRIS, Suzanne (orgs.) Por dentro da moda. Rio de Janeiro: Brasiliense, 2002.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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baixo. A moça da classe operária com dinheiro no bolso pode ser tão chique quanto uma debutante.
Eis o que Twiggy quer dizer”.37
Lipovetsky, em seu livro, O Império do Efêmero: a moda e seu destino nas sociedades
modernas38, no capítulo III, A moda aberta, aborda a questão da moda jovem associada ao
surgimento da individualidade. No Brasil, os integrantes da Jovem Guarda reuniam a capacidade de
expressar com seu estilo de vestir e (mal) comportar-se a mesma sensação de rebeldia de uma
geração inteira, lançando estilo com seu visual original – de inspiração britânica.39 A partir da
distribuição de sua imagem pelos meios de comunicação de massa, acabarão caindo no gosto do
público, sendo conseqüentemente imitados por seus fãs; o senso de originalidade se perde, tornando-
se múltiplo:
É após a Segunda Guerra Mundial que a moda se transforma em plural, é a partir daí que poderemos
falar em “anti-modas”, como por exemplo, os beats: é a partir dos anos 1960 que ganharão uma
amplitude e uma significação novas. Com as vogas hippie, [...] a moda viu-se desestabilizada, os
códigos foram multiplicados pela cultura anticonformista jovem, manifestando-se em todas as
direções na aparência do vestuário, mas também nos valores, gostos e comportamentos.
Anticonformismo exacerbado, que encontra sua origem não apenas nas estratégias de diferenciação
em relação ao mundo dos adultos e outros jovens, mas mais profundamente no desenvolvimento dos
valores hedonistas de massa e no desejo de emancipação dos jovens, ligado ao avanço do ideal
individualista democrático. O mais importante historicamente é que estas correntes foram
impulsionadas fora do sistema burocrático característico da moda moderna [...].40

Os jovens como grupo, buscarão entre si, e não em seus pais, códigos de comunicação.
Modernos e cosmopolitas, era o momento de cada um estar na sua:
O poder de mercado independente tornou mais fácil para a juventude descobrir símbolos materiais ou
culturais de identidade [...] eles não tinham como entender o que seus mais velhos haviam vivido ou
sentido – mesmo quando estes se dispunham a falar do passado [...] A Era de Ouro alargou esse
abismo, pelo menos até a década de 1970. A cultura jovem tornou-se a matriz da revolução cultural no
sentido mais amplo de uma revolução nos modos e costumes, nos meios de gozar o lazer e nas artes
comerciais, que formavam cada vez mais a atmosfera respirada por homens e mulheres urbanos.41

O rock tornava-se o novo estilo de vida dos jovens: “Revitalizado no finalzinho dos
anos 50 e começo dos anos 60 pelos movimentos de contestação da juventude nos vários cantos do
planeta, ele se transformou numa forma e num símbolo que transcendeu a esfera musical e sua
ambígua participação no circuito industrial, para revelar-se uma produção criadora, capaz de
expressar um repertório de experiências estéticas e existenciais praticadas ativamente no contexto da
rebeldia”42.
No Brasil, o rock “encontrou na juventude do mundo industrializado, esperançoso na
recuperação econômica gradual do pós-guerra, seu principal público entusiasta – e por isso mesmo
seu consumidor em potencial”.43 Quando findava o ano de 1964, Roberto Carlos torna-se o grande

37
DELIBERO, Linda Benn, 2002, p. 58.
38
LIPOVETSKY, 2002.
39
“[...] Enquanto isso, Roberto Carlos mandava fazer 10 ternos no estilo usado pelos Beatles, para usar durante suas
apresentações no programa que estava por estrear.” (FRÓES, 2004, p. 72).
40
LIPOVETSKY, 2002, p. 126.
41
HOBSBAWM, 1995, p. 322-323.
42
MEDEIROS, 1984, p. 15.
43
FRÓES, 2004, p. 17.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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ídolo da juventude, com a música “O Calhambeque”, sendo requisitado para programas de TV e
shows. “A vida de Roberto Carlos se transforma completamente, e o novo ídolo enfrenta
dificuldades semelhantes às dos Beatles após o estouro da Beatlemania no primeiro mundo”44. A
TV Record, com o sucesso do programa Jovem Guarda, oferecerá ao publico jovem uma
variedade de ícones pop, os quais, em decorrência de associação com a própria marca, definirão
um estilo jovem na sociedade brasileira.
Apesar da explosão da cultura jovem no mundo a partir dos anos 1950, somente nas
últimas décadas do século XX o tema começou a chamar a atenção da historiografia. Exemplo
deste fato é a publicação do volume II de História dos Jovens45 de Giovani Levi e Jean-Claude
Schmitt, em 1996. Dois pesquisadores do campo da moda como fenômeno sócio-cultural, de
fundamental importância para o desenvolvimento desta pesquisa, Gilles Lipovetsky e Elisabeth
Wilson, publicam seus livros nos anos 1980. A Moda do Século XX,46 de Valerie Mendes e Amy
de la Haye, é publicado no Brasil apenas em 2003, e A Moda e Seu Papel Social: Classe, Gênero
e Identidade das Roupas,47 de Diana Crane, somente em 2006.
Tendo em vista a importância da expansão do mercado de consumo brasileiro na
década de 1960, o tema recebeu pouca atenção de estudos acadêmicos. Porém, a partir dos anos
1990, o assunto vem merecendo cada vez mais atenção, como, por exemplo, a de Anna Cristina
Camargo Moraes Figueiredo: Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada: publicidade,
48
cultura de consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964). Figueiredo, através do
estudo de anúncios publicitários do período, identifica o surgimento da noção de que o sentimento
de liberdade estaria embutido no ato de consumir.49 E o estudo de Fernando Novais e João Manuel
Cardoso de Mello: Capitalismo Tardio e Sociabilidade Moderna,50 que identifica o surgimento do
capitalismo e revolução material causada pelos bens de consumo recém-chegados à sociedade
brasileira51.
Além da já citada pesquisa da historiadora Maria Claudia Bonadio: O fio sintético é
um show! Moda, política e publicidade: Rhodia S. A. 1960-1970,52 que traz uma ampla pesquisa
de fontes publicitárias dos anos 1960 (particularmente interessantes para esta pesquisa) e 1970,
Bonadio identifica o surgimento do prêt-à-porter no Brasil nos anos 1960, e analisa todo o esforço

44
FRÓES, 2004, p. 17.
45
LEVI, Giovani; SCHMITT, Jean-Claude. História dos Jovens. Vol I e II. São Paulo: Cia das Letras, 1996.
46
MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la, 2003.
47
CRANE, Diana. A moda e seu papel social: classe, gênero e identidade das roupas. São Paulo: Senac, 2006.
48
FIGUEIREDO, 1998.
49
Idem, p. 29.
50
MELLO, João Manuel Cardoso de; NOVAIS, Fernando A. Capitalismo tardio e sociabilidade moderna. In: SCHWARCZ,
Lilia (org.) História da vida privada no Brasil: contrastes da intimidade contemporânea. Vol. 4. São Paulo: Cia das Letras, 2000,
Cap. 9.
51
Idem, p. 560.
52
BONADIO, 2005.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
7
publicitário que a Rhodia S. A., a fim de criar o gosto pelo fio sintético, empreendeu em suas
campanhas editoriais e desfiles para lançar uma “moda brasileira”, muitas vezes utilizando
elementos da cultura nacional (música, arte e pintura).
Obras que contextualizam o jovem no cenário sócio-cultural brasileiro, como a de
Marcelo Ridenti, Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da TV,53
principalmente a primeira parte: Brasil, anos 60: povo, nação, revolução,54 assim como a de Paulo
Sérgio do Carmo, Culturas da Rebeldia: a juventude em questão,55 com principal foco na primeira
parte: Os anos 50: anos dourados e Os anos 60: anos rebeldes,56 relacionam-se, nesta pesquisa, com
a questão do nascimento de uma cultura jovem ligada às movimentações artísticas dos anos 1960.
No Brasil, o início da sociedade de consumo está intimamente ligado aos movimentos
musicais como impulsionadores da venda de produtos. A Jovem Guarda gerou até o momento
muitas biografias, ou livros de memórias, como o Almanaque da Jovem Guarda57, de Ricardo
Puglialli, lançado em 2006, trazendo uma variedade de imagens e vasta quantidade de dados sobre a
Jovem Guarda, entre 1957 e 1968, fato que, por si só, aponta a importância do tema. Todavia,
poucos estudos acadêmicos consistentes têm se voltado ao tema, compreendendo mais
abrangentemente sua ampla e marcante penetração social, tendo, talvez por isso, muitas vezes, o
estigma de um irrelevante movimento alienado, o que reduz muito o seu significado.58
São recentes os lançamentos de livros que demonstram maior aprofundamento no
tema, como o do jornalista Marcelo Fróes, Jovem Guarda Em Ritmo de Aventura,59 que data de
2000. Fróes traça com riqueza de fontes, entrevistas e dados da indústria fonográfica o surgimento
do rock no Brasil até o início da Jovem Guarda, com principal ênfase nas histórias de Roberto
Carlos, Erasmo Carlos e Wanderléa, evidenciando a importância do marketing musical aliado à
imagem dos cantores pop.
A historiadora Ana Bárbara Pederiva tratou especificamente do tema da Jovem Guarda
em sua pesquisa, publicando-a em livro: Jovem Guarda: Cronistas Sentimentais da Juventude.60
Pederiva associa a efervescência das novas idéias da década de 1960 à transformação de função e
sentido das roupas, que causaram conseqüentes transformações no comportamento:
A roupa deixou de ser um agasalho e passou a assumir uma identidade visual. Essa identidade
significava uma maneira de ser a partir dos mais variados produtos à venda e enfatizada pela mídia
mediante recriações sem fim. O vestuário acabou sendo uma marca de identificação do movimento

53
RIDENTI, Marcelo. Em busca do povo brasileiro: artistas da revolução, do CPC à era da tv. Rio de Janeiro: Record, 2000.
54
Idem, p. 19-59.
55
CARMO, Paulo Sérgio do. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Senac, 2001.
56
Idem, p. 17-58.
57
PUGLIALLI, Ricardo. Almanaque da Jovem Guarda. São Paulo: Ediouro, 2006.
58
Para ficar apenas no universo artístico: “Ainda que tenha existido por um período oficialmente curto (entre 1965 e 1968), a
Jovem Guarda semeou uma infinidade de talentos nas diversas tendências que surgiriam posteriormente em nossa cena
musical”(FRÓES, 2004, p. 13).
59
FRÓES, 2004.
60
PEDERIVA, Ana Bárbara Ap. Jovem Guarda: Cronistas sentimentais da juventude. Rio de Janeiro: Nacional, 2001.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
8
Jovem Guarda e, neste sentido, acabou se tornando agregador de diversas expressões sociais e
veículo de difusão de novas idéias.61

Jovem Guarda além do iê iê iê: Estilo de vida jovem nos anos 1960 analisa a Jovem
Guarda por dois pontos de vista: o comportamental e o mercadológico. As roupas, além de seu aspecto
de mercado, funcionarão como peça chave na definição do lugar do jovem, servindo como
instrumento de contestação. Os cantores têm o suporte dos meios de comunicação de massa62 para
conquistar o imaginário dos fãs, difundir a sua imagem – conformada pelo traje - e reiterar suas idéias.
Indústria fonográfica e de moda convergem associadas à imagem representativa do cantor, ou cantora
de rock, transgredindo o padrão comportamental, com o cabelo comprido e na testa, terninho ou mini-
saia, e o musical, com a guitarra elétrica. Tupã Gomes Corrêa, em sua tese Disco & Moda: função do
rock na articulação do mercado cultural,63 atenta para o fato de que a dimensão da importância das
roupas está naquilo que representam, mais do que nas suas simples características como produtos de
mercado. Segundo o autor, a moda agrega valor de identidade. No caso da música, é um veículo de um
modo de ser que, ademais, embute publicidade e por ela se consolida:64
A utilização pelo aparato publicitário, além de servir para associar o produto à música que ilustra sua
divulgação, também serve para divulgar essa ilustração sonora. Ela pode ser uma música específica já
conhecida, uma composição especial para a divulgação, ou apenas um gênero musical. Este, a exemplo
do rock, associado a inúmeros produtos, tem percorrido o mundo, divulgando de cigarros a automóveis,
de refrigerantes a tantos produtos, especialmente roupas.65

Além do aspecto música, a Jovem Guarda enquanto movimento jovem se oferece como
produto. Em 1966, foram lançadas as calças “Calhambeque” 66, sucesso explosivo de público: “[...] a
marca encontrou tamanha receptividade, que as primeiras produções não foram suficientes para
atender ao mercado do Rio e de São Paulo”.67 Os jovens, tocados pelo novo estilo, inspirados pelos
roqueiros da Jovem Guarda, estão prontos para ousarem no vestir, consumindo um universo de
produtos muito além do tanto que compravam de discos de seus ídolos.68
Os cantores cumpriam papéis emblemáticos no programa de televisão semanal,
apresentando-se em “[...] cenários e figurinos projetados com competência; direção de cena
dinâmica; em suma, tudo montado para criar o clima adequado ao surgimento de ídolos, paixões –

61
PEDERIVA, Ana Bárbara Ap. De barquinho, calhambeque ou em disparada em busca de um
sonho.http://www.rj.anpuh.org/Anais/1998/autor/Ana%20Barbara%20AP%20Pederiva.doc. Acessado em 21/03/08.
62
O sistema de comunicação de massa é entendido como um “processo de transmissão de idéias entre indivíduos, inserido em
um setor de transmissão simbólica” (WRIGHT, 1973, p. 11)
63
CORRÊA, Tupã Gomes. Disco & moda: função do rock na articulação do mercado cultural. São Paulo, 1988. Tese de Livre
Docência. Departamento de Jornalismo e Editoração. Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo.
64
CORRÊA, 1988, p. 15-16.
65
Idem, p. 32.
66
Registrada pela Agência Magaldi, Maia & Prosperi Publicidade, que cobrava royaltyes pela sua utlização (Visão, p. 26).
67
Visão, 09/09/1966, p. 26.
68
“A história da Jovem Guarda [...] é um pouco da história da indústria fonográfica brasileira – tamanho o impacto daquelas
músicas sobre o público jovem, que começou a comprar discos como nunca, numa época em que suportes de maior fidelidade
sonora começavam a ser disponibilizados (notadamente quando os ruidosos bolachões de 78 rpm deram lugar aos compactos de
33 & 1/3 rpm” (FRÓES, 2004, p. 13).
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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e vendas”.69 De acordo com a revista Visão, de nove de setembro de 1966,70 o mercado jovem,
neste período, “vale a metade do Brasil”,71 representando um imenso potencial de compra.72 O
sucesso foi tanto que a marca Jovem Guarda acabou desenvolvendo outros produtos como saias,
sapatilhas, botas, cintos e chapéus.73
Para perceber como o estilo irreverente e rebelde trazido pela Jovem Guarda era
representado nos meios de comunicação de massa, foram delimitados dois meios impressos: a
revista O Cruzeiro e a revista Realidade, no período de 1965 a 1968.
Para compreender o impacto do comportamento rebelde da Jovem Guarda na
sociedade brasileira, sem se ater somente à venda de produtos, delimitou-se a análise das
reportagens referentes à Jovem Guarda, no intuito de se analisar como a imprensa interpretava
esse novo estilo de vida jovem.
Para perceber como a publicidade utilizava a imagem de rebeldia associada à Jovem
Guarda, para vender os produtos, serão analisados anúncios publicitários que contenham
referência às grifes da Jovem Guarda.
A opção por O Cruzeiro74 dá-se em razão de ela ter sido uma revista bem adequada
aos padrões morais tradicionais e aos “bons costumes”. Segundo Anna Figueiredo, O Cruzeiro
tinha enorme popularidade e alcance no período, já em 1959 liderava as preferências de todas as
faixas de renda e idade, de acordo com pesquisa realizada pelo Instituto de Opinião Pública e
Estatística – IBOPE, embora fosse maior a porcentagem de leitores entre os segmentos mais
abastados e instruídos.75 Com a análise dos conteúdos da publicidade, é possível perceber,
conforme a mesma autora, que o desenvolvimento do capitalismo no Brasil proporcionou,
progressivamente, uma cultura de consumo no país. Assim como nos Estados Unidos e Europa,
isso se passava com as camadas médias da população.76
Para estabelecer um contraponto entre a visão tradicional oferecida pela revista O
Cruzeiro, visando entender como os jovens eram representados com, supostamente, maior atualidade e
identidade, buscou-se outra revista, de linha editorial quase antagônica, fruto de seu tempo: “Talvez

69
MELO, Chico Homem de (Org). O design gráfico brasileiro anos 60. São Paulo: Cosac Naify, 2006, p. 47.
70
Um mito nasce em 12 meses. Visão, 09/09/1966.
71
Idem, p. 26.
72
“Agora, através de um movimento musical – reprodução exata do que vinha acontecendo em várias partes do mundo –, esse
potencial começa a ser despertado, a ganhar corpo, a exigir e a comprar. Uma indústria nasceu para suprir esse inicial e
minguado mercado juvenil. Um mercado que amadurece e se prepara para repetir o que já aconteceu nos Estados Unidos, na
Grã-Bretanha, na França, na Itália e em outros países industrializados. Sem ser qualquer coisa de novo nos sistemas de
marketing daqueles países, o lançamento de um ídolo popular como motivador de vendas só agora é experimentado pela
primeira vez, e com sucesso, no Brasil.” (Visão, 09/09/1966, p. 26).
73
Idem.
74
O Cruzeiro fazia parte do grupo empresarial de comunicação Diários Associados, de propriedade de Assis Chateaubriand. A
revista surgiu em 1928, com uma tiragem que já alcançava 200.000 exemplares nos anos 1950.
75
FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes. Liberdade é uma calça velha, azul e desbotada: publicidade, cultura de
consumo e comportamento político no Brasil (1954-1964). São Paulo: Ed. Hucitec, 1998, p. 23.
76
FIGUEIREDO, Anna Cristina Camargo Moraes, 1998, p. 158.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
10
Realidade seja também a revista que melhor retrata as condições vividas naquele Brasil da segunda
metade dos anos 60, época das grandes transformações do mundo e de desenvolvimento acelerado do
país sob o domínio do regime militar”.77 A revista Realidade (Abril), lançada em 1966, tinha uma
atitude mais contestadora, era valorizada por intelectuais pela profundidade de suas matérias, e
também pelo público em geral, pois chegou a vender quase meio milhão de cópias em sua fase inicial.
Inovadora, chamou a atenção do mercado, contando com quase uma centena de páginas de
publicidade por edição. A revista circulou por dez anos, mas apenas três no que pode ser chamado de
condições ideais, de abril de 1966, até dezembro de 1968, quando se instaura o AI-5.78
A escolha de 1965 como ponto de partida para esta pesquisa justifica-se especialmente em
razão do início da veiculação do programa Jovem Guarda pela TV Record79, evento que consolida o
estilo de vida jovem rebelde como fenômeno, através dos meios de comunicação de massa. A partir
deste momento, o que então acontecia na música internacional, principalmente com o estouro do rock
britânico pelo mundo, finalmente chega à moda brasileira, impondo a popularização da estética jovem,
ou seja, pela primeira vez a influência da cultura jovem sobrepõe o gosto das elites em termos de
moda: mini-saia80 para as meninas, cabelo comprido e terninho moderno81 para os meninos.
O ano de 1968 como delimitação final da pesquisa dá-se pelo fato de ter ocorrido o fim do
programa Jovem Guarda,82 mesmo período, aliás, em que tem início o Tropicalismo, movimento
cultural e musical que, a partir do segundo semestre de 1968, mudaria o curso da cena pop brasileira,83
enquanto Roberto Carlos aderia ao estilo romântico.84 “Com o anúncio do término do Jovem Guarda,
a imprensa começou a especular quem seriam os novos líderes da juventude [...]”85 Os jovens
demandavam um outro tipo de atitude. Segundo Erasmo Carlos, “A Jovem Guarda já estava um pouco
saturada, o Tropicalismo já tinha surgido. A juventude começou a seguir as propostas dos novos

77
MIRA, Maria Celeste. O leitor e a banca de revista. A segmentação da cultura no século XX. São Paulo: Olho
d’água/FAPESP, 2003, p. 69.
78
MIRA, 2003, p. 60.
79
De acordo com Marcelo Fróes, “a estréia oficial do programa aconteceu no dia 5 de setembro de 1965, entrando para a
história com uma série de matérias posteriores, como: ‘Roberto Carlos foge para não ficar nu’; ou ‘Jovem Guarda estremece a
televisão’; ou ainda ‘Roberto Carlos foi o pão da estréia’” (FRÓES, 2004, p. 76).
80
Essa mudança se faz sentir especialmente através da popularização da mini-saia (que sai das ruas e ganha espaço, também, na
alta costura), do visual jovem e andrógino proposto pela modelo Twiggy, que domina a Swinging London, e especialmente
através da imposição do prêt-à-porter (MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la, 2003, p. 159-194). No Brasil, essa mudança se
faz sentir imediatamente e, pela primeira vez, as principais revistas femininas em circulação (Claudia e Jóia) trazem editoriais de
moda recheados de mini-saias, meias-calças coloridas e “clones” de Tiwggy. (BONADIO, 2005, - ver capítulo 3).
81
Os Beatles adotaram o estilo confortável e elegante proposto por Cardin, “Abandonando as jaquetas de couro e camisetas de
seu período em Hamburgo em favor do visual mais elegante [...] O impacto cultural dos Beatles foi enorme e seu visual inicial
[...] influenciando milhares de jovens. Na apresentação no London Palladium, em outubro de 1963, eles usaram conjuntos
elegantes, com calças de boca fina e jaquetas elegantes sem gola sobre camisas de colarinho alto, em estilo mod. [...] Todos os
aspectos de sua aparência, do corte de cabelo em tigela, às botas de salto cubano, foram muito copiados. Para satisfazer a vasta
quantidade de meninas adolescentes que os acompanhavam, foi produzida uma série de roupas (incluindo meias) com retratos
dos “Fab Four”’ (MENDES, Valerie; HAYE, Amy de la, 2003, p. 177).
82
“[...] Roberto não poderia salvar o Jovem Guarda – que, após algumas discussões internas na Record, foi sumariamente
suspenso da programação [...]” (FRÓES, 2004, p. 206)
83
FROÉS, 2000, p. 207.
84
“Cantando ‘Canzone Per Te’ no Festival de San Remo” (FRÓES, 2004, p. 207).
85
FROÉS, 2004, p. 207.
Texto integrante dos Anais do XIX Encontro Regional de História: Poder, Violência e Exclusão. ANPUH/SP – USP. São Paulo, 08 a 12 de setembro de 2008. Cd-Rom.
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artistas. A menina que gostava da ingenuidade da Jovem Guarda já tinha crescido e estava interessada
em outras coisas, daí a identificação do outro público”.86
A revista Realidade também sofre duras transformações no ano de 1968. De acordo com
Maria Celeste Mira, “[...] após o AI-5, a festa acabou. A posição de enfrentamento dos editores
arrefeceu e, em conseqüência, a liberdade dos criadores. Vários jornalistas saem da redação. Alguns
continuam tocando a revista que, embora ainda realize boas reportagens, não tem mais o brilho de
antigamente”.87 Outros estudos sobre a revista Realidade também se limitam ao ano de 1968: como o
de Letícia Nunes de Moraes, Leituras da Revista Realidade, 1966-1968 88, e o de J. S. Faro, Revista
Realidade 1966-1968: tempo da reportagem na imprensa brasileira.89 Foi no breve período de 1966
até 1968 que a revista pôde se manter fiel aos princípios do novo jornalismo a que se propunha.

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86
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87
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89
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