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Giane Alves de Carvalho é socióloga, doutoranda em Sociologia Política, pela Universidade Federal de Santa Catarina.
gianealves@hotmail.com
Resumo
Este artigo tem como ponto de partida a discussão teórica do conflito social em Simmel, mais especificamente, sua
relação com a violência contemporânea, evidenciando, assim, os limites e divergências teóricas de ambos os conceitos
que se encontram vinculados aos aspectos trágicos de ausências de relações recíprocas e perda da originalidade do
indivíduo moderno.
Palavras-Chave
Simmel. Conflito social. Violência. Cultura moderna.
imagem de uma sociedade harmônica em Rous- conflito, constituindo uma das mais vivas ações
seau; no “imperativo moral” de Kant; na perspec- recíprocas, pois somente se mostra quando se
tiva naturalista de ordem social em Durkheim; no produz a luta (Simmel, 1986a).
funcionalismo de Parsons, ao destacar que todo
sistema social se estrutura com base no acordo e Assim, os fenômenos sociais, vistos ao
no consenso; em Mills com sua ênfase na noção partir do ângulo positivo do conflito social,
de pacto social, entre outros. aparecem sob uma nova luz. O rompimento
com a visão dicotômica é justamente entender
Em outro plano, encontram-se teorias que o conflito não somente sob uma perspectiva
Conflito, violência e tragédia da cultura moderna:
reflexões à luz de Georg Simmela
Giane Alves de Carvalho
abarcam a noção de conflito social, como Hob- negativa. O lado positivo do conflito é consi-
bes, ao tomar a imagem da discórdia social e crer derado no sentido de permitir mecanismos de
que o pacto social somente é possível através da socialização, sendo percebido nas entrelinhas
coerção; Hegel e Marx, ao voltarem-se para os dos trabalhos de Simmel; um “mal” necessário
conflitos de classe social, assim como as ênfases que nem sempre é mal.
no conflito social, claramente presentes nas aná-
lises de Giddens, Touraine e Dahrendorf. Sendo assim, para Simmel, a teoria so-
ciológica do conflito está articulada em dois
Para além destas abordagens, Simmel traz momentos: o primeiro analisa a natureza so-
um novo paradigma dos conflitos sociais ao ciológica do conflito como um mecanismo de
compreender o conflito social como meio cons- socialização; e o segundo apresenta uma refle-
tante de integração social que vise a socialização xão sobre o conflito em relação às estruturas do
dos sujeitos. Sua perspectiva dualista permite grupo social e dos grupos em conflito (SIM-
compreender a relação direta entre conflito e MEL, 1986a).
consenso, como um eixo real que se encontra
empiricamente em toda unidade social. No que se refere ao aspecto da natureza so-
ciológica, Simmel compreende que o conflito é
Sendo assim, questiona-se a possibilidade de projetado para resolver os dualismos divergen-
o conflito social ser um fator positivo nas socie- tes. É uma maneira de conseguir algum tipo
dades modernas. Simmel traz a resposta ao evi- de unidade, mesmo se for pela aniquilação dos
denciar que tal conflito não somente possui um opostos. A intenção do conflito é resolver a
lado positivo, mas também se torna elemento tensão entre os contrastes.
necessário da natureza sociológica, pois apresen-
ta-se como forma de socialização ambivalente. Em relação à estrutura grupal, a preocupa-
ção de Simmel é justamente a necessidade de
Desse modo, o conflito que desvela e mas- orientação e centralidade para o conflito social,
cara, ao mesmo tempo, faz referência a uma pois este pode tanto ser uma forma de socializa-
forma de dissociação, de confrontação, de rup- ção como tornar-se o conflito dos conflitos de
do amor e do ódio, de forças atrativas e repul- fora da sociedade, pois ele existe para a socie-
sivas, a sociedade precisa, demasiadamente, dade assim como para ele mesmo.
alcançar relações quantitativas de harmonia
e discordância, da associação e da competi- O “Homem Social” não é parcialmente so-
ção, de tendências favoráveis e desfavoráveis cial e nem parcialmente individual. Sua exis-
(WOLFF, 1950). tência é dada por uma unidade fundamental
que não possa ser esclarecida de nenhuma outra
Além disso, é importante destacar que a so- maneira que não seja a síntese ou a consciência
ciologia de Simmel também se volta para o es- de duas determinações logicamente contradi-
Conflito, violência e tragédia da cultura moderna:
reflexões à luz de Georg Simmela
Giane Alves de Carvalho
forço de compreender a vida, uma vez que para tórias: indivíduo e sociedade (COSER, 1977).
ele a finalidade está na própria vida e não pode
ser encontrada fora dela. A essência da vida é Neste sentido, ainda para Coser, a insis-
a intensificação, o aumento, o crescimento da tência na dialética perversiva da relação en-
plenitude do poder, a força e a beleza interior tre indivíduo e sociedade contempla todo o
própria na relação, não a todo o objetivo defi- pensamento sociológico de Simmel. O indi-
nível, mas puramente ao seu próprio desenvol- víduo é determinado ao mesmo tempo em
vimento. Por seu aumento, a vida própria faz que está sendo determinado. A incorporação
exame no valor potencialmente infinito (SIM- na rede de relações sociais é um fator inevi-
MEL, 2000). tável da vida humana.
violência não se referem às conseqüências, mas mente instrumental e cresce quando a ordem
sim às causas. No entanto, se a violência for social se desfaz, onde não há “atores” estratégi-
entendida como ausência de conflito, sintoma cos envolvidos, dispensando a comunicação e a
de desequilíbrio na ordem social, de não re- relação entre atores. A outra idéia é denomina-
conhecimento mútuo e de negação do outro, da, pelo autor, por violência não instrumental,
pode-se, então, partir da compreensão simme- que significa a impossibilidade para os atores
liana de relação recíproca entre meios e fins, ou sociais estruturarem suas práticas em uma re-
seja, a violência vista como um processo dialé- lação de mudanças mais ou menos conflitivas,
tico entre meios e fins. traduzindo-se num déficit nas relações, na
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gônicas entre conflito e acordo. visto, a necessidade vital do conflito), mas sim no
descompasso desproporcional entre indivíduo e
Neste sentido, compreende-se que esta sociedade. Este conflito doentio é caracterizado
perda de energias possibilita brechas profun- pela separação entre “coisas” e “homem”, inexis-
das para a difusão da violência. Mas Simmel tindo uma reciprocidade conflitual entre socieda-
vai além, ao perceber a complexidade das re- de e indivíduo. O mesmo processo fatal que, na
lações sociais dos indivíduos nos processos de esfera cultural, conduz inevitavelmente à perda
socialização da vida moderna. Sua preocupa- de sentidos, também vigora na esfera material da
ção em torno da inexistência de uma relação sociedade, ocasionando a perda da liberdade.
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rias de interesses materiais (SIMMEL, 1986). uma profunda discrepância entre indivíduo e
sociedade, mais especificamente entre culturas
Além disso, a exacerbação da violência con- subjetiva e objetiva. A decadência do indiví-
temporânea não se confunde com o caráter duo contrapõe-se ao crescimento de uma obje-
patológico do conflito social, porque não se tividade científica, social e econômica, pilares
configura pela dualidade discrepante e pelo des- da cultura moderna.
compasso entre cultura objetiva e subjetiva, mas
utiliza os mesmos para se manter, seja de uma O conflito da cultura moderna assume
forma simbólica ou não, visível ou invisível. um caráter trágico marcado pela incapacida-
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1. Embora suas obras tenham sido traduzidas em vários países do continente e servindo como fonte inspiradora
para a compreensão das mais diversas questões da modernidade, no Brasil, em termos de traduções, ainda
não se alcançou tamanho reconhecimento das obras de Simmel.
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