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5 motivos para discutir questões de gênero na escola

Por Jarid Arraes


Desde quando nascemos, somos ensinados o que podemos ou não podemos fazer de acordo
com nosso gênero. O doutrinamento de gênero começa com as cores dos enxovais, os brinquedos que
ganhamos de presente e o tipo de roupa que nossos pais nos dão para vestir.

Reprodução/ Facebook

Meninas usam vestidinhos de princesas, meninos usam camisetas de super heróis. Enquanto
os garotos brincam com carros, brinquedos de montar e praticam atividades que lhes estimulam o
contato com o mundo exterior, as meninas recebem jogos de panelas, pias, utensílios domésticos de
brinquedo e aprendem a brincar com bonecas, fingindo que são mães. As garotas ganham Barbies de
cabelos loiros, com corpos irrealmente magros, e escutam que precisam ser bonitas e agir como
donzelas.
Isso é o que chamo de doutrinação de gênero. Nossa cultura tem uma forte ideologia de gênero
sendo disseminada pela sociedade, nas escolas, nos ambientes de lazer e nas famílias brasileiras,
sejam ela tradicionais ou não. E a pior parte disso é que essas ideias sobre o que é “ser menino” ou
“ser menina” estão contaminadas por hierarquizações; ou seja, as crianças acabam aprendendo que
meninos podem fazer mais coisas e que as meninas devem agir de maneira submissa e contida. Na
prática, o machismo é perpetuado: os homens aprendem a ser predadores e as mulheres enfrentam
altos índices de violência machista – aquela que acontece contra as mulheres por motivações
misóginas, como a ideia de que devem obedecer seus parceiros ou que não podem rejeitar um avanço
sexual.
Se você ainda não entende a relevância desse tema, veja cinco motivos pelos quais as questões
de gênero precisam ser discutidas ainda na escola:
– Divisão desigual de tarefas domésticas

Imagem: Reprodução / Plan Brasil


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A Plan Brasil realizou uma pesquisa com meninas de 6 a 14 anos, em 2014, e os resultados
mostram que a desigualdade entre homens e mulheres começa em casa: 76,3% dos lares são cuidados
exclusivamente pela mãe. E já que a mãe é a responsável pelos cuidados domésticos e infantis, a ideia
de que mulheres devem ser as únicas responsáveis por essas tarefas se naturaliza. Por isso, 81,4% das
meninas entrevistadas responderam que arrumam a própria cama, 76,8% lavam a louça e 65,6%
limpam a casa, enquanto apenas 11,6% dos seus irmãos arruma a própria cama, 12,5% lavam a louça
e 11,4% limpam a casa.
Por qual motivo as garotas são as únicas que “ajudam” as mães nos cuidados domésticos,
enquanto os garotos desfrutam de mais tempo livre para brincar e estudar? Esse tipo de informação
ainda soa muito naturalizada para as pessoas; afinal, mesmo entre adultos, essa divisão do trabalho é
uma realidade. Enquanto os homens descansam, as mulheres se desdobram em jornadas triplas de
trabalho: fora de casa, dentro de casa e com as crianças.
Se as questões de gênero fossem discutidas nas escolas, as crianças teriam a oportunidade de
entender que todos são responsáveis pelos cuidados do lar e que a paternidade não é isenta de tarefas
dedicadas aos filhos.
– Machismo no ambiente educativo
Segundo uma recente pesquisa realizada pela Agência ÉNois, com garotas entre 14 e 24
anos, 39% já sofreram algum tipo de preconceito na faculdade por serem mulheres. Ou seja, as garotas
podem até estudar, mas nem por isso deixam de enfrentar o machismo dentro das salas de aula. Em
muitos casos, os professores são os próprios responsáveis pelas situações de discriminação, quando
tecem comentários sexistas ou constrangem suas alunas. Além disso, os colegas homens também
podem exercer um papel assediador e agressor nesses ambientes – muitas universidades brasileiras
enfrentam casos gravíssimos de estupro e violência contra as alunas.
No ambiente escolar infantil, a discriminação pode existir de maneiras naturalizadas – como
a divisão desigual do acesso aos esportes, quando os meninos têm mais dias e tempo na quadra, ou
quando atividades são separadas de acordo com o gênero das crianças.
– O machismo amedronta as garotas
De acordo com os dados divulgados pela Agência ÉNois, 94% da jovens entrevistadas já
sofreram assédio sexual verbal feito por homens, enquanto 90% já deixaram de fazer alguma coisa
devido ao medo da violência. Se 9 entre cada 10 garotas já deixaram de fazer algo por conta do medo
de sofrerem assédio, de serem vítimas de estupro ou de enfrentarem outros tipos de violência, isso
mostra que nossa sociedade não permite que as mulheres sejam realmente livres. Essa falta de
liberdade encontra reforço no silêncio e na ausência de discussões educativas sobre o que é machismo.
Para que esses números diminuam, é preciso que os garotos aprendam, desde cedo, que o
respeito pelas mulheres é algo mandatório. Não estamos falando aqui de ensinar qual time torcer,
qual religião professar ou que tipo de posicionamento político adotar; falamos sobre violência, de
mulheres apanhando, sendo estupradas e morrendo. O respeito pelas mulheres não é opcional ou
questão de opinião.
– O machismo afeta o desenvolvimento das garotas

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Imagem: Reprodução / Agência Énois

Segundo as informações colhidas pela Agência ÉNois, 77% das garotas acham que o
machismo afeta seu desenvolvimento. Isso acontece porque as meninas crescem ouvindo que não
podem realizar certas atividades, que determinadas profissões são “masculinas” ou que elas devem
adotar um tipo de comportamento que as limita. Ditar barreiras que as meninas não podem transpor
só pelo fato de seres meninas é algo que prejudica muito o seu desenvolvimento – isso mina sua
autoconfiança, destrói sua autoestima e as ensina que não são capazes, somente por serem do gênero
feminino.
– Trabalhar a igualdade na escola pode ser muito simples
Esqueça os longos textos cheios de termos acadêmicos e as discussões complexas sobre o que
é gênero e o que é sexualidade – eles podem ter um papel importante na Universidade e em outros
ambientes educativos, mas, com crianças, as questões de gênero são muito mais simples.
Estimular que as crianças se divirtam juntas, sem fazer distinção entre elas, sem impor que
brinquem com brinquedos e atividades separadas pelo gênero – ou ainda permitir que adolescentes
transgênero tenham um ambiente seguro onde sejam respeitados – são coisas desenvolvidas na
prática, de maneira tão fluida quanto são naturalizadas as ideias machistas.
Professores capacitados se tornam aptos a discutir sobre questões de gênero de maneira
acessível, utilizando exemplos, atividades lúdicas e conversas sinceras. Até mesmo um desenho
animado pode repassar mensagens positivas sobre equidade entre meninos e meninas. As crianças
são capazes de aprender muito rapidamente – para assimilarem e reproduzirem valores de respeito
umas pelas outras, somente uma educação livre de machismo será capaz de favorecer.
Eduque-se também

Imagem: Reprodução / Agência Énois

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A menos que você pense que homens são superiores às mulheres e que as coisas devem ser
mantidas como estão – ou ainda que devem voltar a um modelo mais parecido com o do passado,
onde mulheres eram ainda mais submissas e mais dependentes dos homens -, defender que questões
de gênero sejam discutidas nas escolas é uma excelente opção. Talvez essa seja a melhor forma de
promover a equidade e combater os altos números de estupros, feminicídios e violência doméstica,
além de desestimular a desigualdade salarial e outras tantas mazelas que se baseiam no machismo.
Muitos julgam ter a cabeça já bem “moderninha” e pensam que os tempos são outros. Porém,
por mais que tenhamos avançado bastante na conquista dos direitos das mulheres, no dia-a-dia a
cultura machista ainda é dominante. Embora leis sejam importantes, elas não solucionam
definitivamente o problema da violência contra a mulher, porque somente um esforço educativo pode
disseminar valores de igualdade e respeito. Por isso, discutir gênero nas escolas é importante e
urgente: afinal, o papel do ambiente escolar não é somente preparar os alunos para provas e
vestibulares, mas também promover a cidadania e a responsabilidade social para professores,
coordenadores, funcionários, alunos e suas famílias.
Aproveite que o assunto tratado é educação e eduque-se com responsabilidade.
Link: http://www.revistaforum.com.br/questaodegenero/2015/06/19/5-motivos-para-discutir-questoes-de-genero-na-
escola/

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