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O que é o capitalismo?

(incompleto)

Introdução

Há uma confusão generalizada sobre esta definição.

Vou explicar o que é o capitalismo sucintamente, tanto quanto possível e sem nunca ter lido o
Capital do Karl Marx que provavelmente só ia complicar com termos técnicos. Se algumas
coisas forem completamente óbvias, não leves a mal, é só para seguir o raciocínio.

Exploração

Imagina estas 3 situações:

1 - Um agricultor tem um terreno, cultiva-o e fica com o que produz.

2 - Em vez desse terreno, tem um tão grande que é preciso 10 pessoas para o cultivar. Então
ele combina com 9 pessoas, trabalham juntos e repartem o que produzem.

3 - Em vez de trabalhar, o agricultor contrata 10 trabalhadores e paga-lhes um salário. Isto é o


que acontece no capitalismo e é exploração (não que o trabalho assalariado não existisse fora
do capitalismo).

As situações 1 e 2 não são ideais mas existem fora da lógica capitalista.

Na situação 3, o patrão fica com tudo o que os agricultores produzem e depois, dessa riqueza,
tira uma parte para lhes pagar os salários. Ou seja, os trabalhadores estão a ser roubados
porque o patrão nunca lhes pode pagar o que eles produziram, senão não teria lucro. Isto é
exploração e acontece em todo o sistema capitalista. Também acontece fora do sistema
capitalista, associado à posse de escravos em que o escravo tem que receber uma certa
quantia para poder viver. Essa associação do trabalho assalariado à miséria e escravidão durou
até à época moderna, em que se tornou a norma.
Propriedade Privada

Mas há aqui uma coisa por explicar: por que é que estes trabalhadores não vão simplesmente
para os seus próprios campos, trabalhar lá e ficar com tudo o que produzem? É aqui que entra
outro pilar do capitalismo: a propriedade privada garantida pelo monopólio da violência do
estado. Se não houvesse a ameaça de prisão ou pior, os agricultores não se submeteriam a
estas condições e ficariam com o que produzem. A violência do estado, mesmo fora do
capitalismo, sempre foi justificada como a única maneira de escapar ao caos completo e
violência desmesurada. Mas, desde a época moderna, o argumento geralmente é atribuído a
Thomas Hobbes, que definiu a condição humana fora da civilização como "solitary, nasty,
brutish and short" que está errado em tudo. Os caçadores-recolectores não civilizados até na
esperança média de vida superavam as populações do neolítico civilizadas.

A propriedade privada é um direito do estado de direito. Aparece na constituição e na


Declaração dos Direitos Humanos da ONU. Mas é diferente dos outros direitos.

Eu usufruir do direito à vida ou à educação ou liberdade de expressão, etc. não impede


ninguém de fazer o mesmo. Podemos todos estar vivos, ter educação, etc.. O direito de
propriedade privada funciona exactamente ao contrário. Eu possuir alguma coisa significa que
mais ninguém a pode usar. Ou seja, é uma restrição à liberdade de todas as pessoas do
mundo. Na propaganda Orwelliana dos tempos que correm, o direito de propriedade é muitas
vezes chamado "liberdade", precisamente o oposto do que realmente é.

O argumento a favor do direito de propriedade é defendido sobretudo com base numa versão
da "Tragedy of the commons", que o usufruto livre dos recursos é pouco eficiente, vai destruir
esses recursos num desperdício completo e a privatização vai aumentar a eficiência e
produtividade. É um argumento completamente falacioso e que foi usado para justificar crimes
horrorosos, não só no contexto colonial mas também na Europa. Diz a wikipedia sobre o “PIB
verde” da China, por exemplo, uma medida do PIB a que é retirado o que se pode contabilizar
do impacto ambiental:

Independent estimates of the cost to China of environmental degradation and resource


depletion have for the last decade ranged from 8 to 12 percentage points of GDP growth.[20]
These estimates support the idea that, by this measure at least, the growth of the Chinese
economy is close to zero.

Claro que a propriedade privada não é uma componente exclusiva do capitalismo. Até
caçadores-recolectores gostam de ter as suas coisas. Mas ter uma camisola não é a definição
de propriedade privada e por isso distingue-se "propriedade privada" de "posses". A
propriedade privada é aquela que pode ser usada para obter mais capital por isso inclui os
meios de produção, a habitação, patentes, artimanhas financeiras, etc.
Mistificação

A diferença no capitalismo é aquilo a que Marx chamava a mistificação. Neste caso da


propriedade privada, ocorre um fenómeno que é a separação fictícia entre a propriedade de
uma pessoa ou empresa e o despojamento do resto das pessoas. No império romano, era
óbvio quem era o escravo e o escravizador e os próprios romanos admitiam isso. No primeiro
ano do curso de direito, os estudantes aprendiam que:

slavery is an institution according to the law of nations whereby one person falls under the
property rights of another, contrary to nature.

No regime feudal, idem. Era óbvio quem oprimia e quem era o opressor. Com a vinda da peste
negra e a crise demográfica que diminuiu imenso a mão-de-obra disponível e deu ao povo
mais poder do que tinham antes, os servos conseguiram impor uma medida aos nobres que se
virou contra eles: exigiram ser pagos em dinheiro pelo trabalho que faziam. E, para além dessa
medida, conseguiram muita liberdade e imensos direitos. Mas serem pagos em dinheiro teve
várias consequências negativas, uma delas esta mistificação. Obviamente, o trabalhador de
uma fábrica em Manchester no século XIX sabia quem era o patrão dele e quais eram as suas
intenções. Mas se não fosse o patrão a contratá-lo, ele teria emprego? Teria um emprego
ainda pior?

A mistificação é o que leva as pessoas a achar que têm que estar é gratas por terem um
emprego, sem pensar no sistema que obriga a que vendam a própria vida para sobreviver. E
por isso temos o "Emprego, emprego, emprego - a causa das causas" do PS, como se isso fosse
uma promessa muito progressiva e "socialista". Não há, aliás, um único partido que não esteja
rendido à lógica capitalista, limitando-se os “extremistas” a prometer reforços do estado social
que há 50 anos (não em Portugal, claro) seriam considerados demasiado conservadores para
um partido de centro-direita.

Isto insere-se na questão da alienação, de que falo mais à frente.


Despojamento

Então para criar uma população de trabalhadores dispostos a aceitar o sistema capitalista, é
preciso despojar a população. Foi o que aconteceu na Europa e no resto do mundo, em que a
população foi despojada para só poder ter acesso aos meios de sobrevivência através do
mercado. Esta é outra característica do capitalismo, a escassez artificial, de que falo mais à
frente.

A fracção que o patrão paga aos empregados no exemplo 3 é determinada pela quantidade de
empregados disponíveis para fazer o trabalho. Como o capitalismo é um sistema de expansão
constante que despoja toda a gente vai sempre haver muita mão-de-obra disponível e a
fracção vai sempre tender para o valor mais baixo possível - o salário mais baixo possível que
ainda permita que o trabalhador sobreviva e se reproduza (e aqui entra também o apoio do
estado, a única coisa a manter vivos trabalhadores do Wall-Mart nos EUA, a empresa mais
subsidiada do país se contabilizarmos isso) . Para além disso, com o nascimento do capitalismo
nasceu também a ciência da demografia, o controlo da população e promoção da natalidade,
consoante as necessidades do capital, que dura até hoje. Escreve Silvia Federici:

As Eli Hecksher noted, "an almost fanatical desire to increase population prevailed in all
countries during the period when mercantilism was at its height, in the later part of the 1 7th
century" (Heckscher 1 966: 1 58). Along with it, a new concept of human beings also took
hold, picturing them as just raw materials, workers and breeders for the state (Spengler
1 965: 8). But even prior to the heyday of mercantile theory, in France and England the state
adopted a set of pro-natalist measures that, combined with Public Relief, formed the embryo
of a capitalist reproductive policy. Laws were passed that put a premium on marriage and
penalized celibacy, modeled on those adopted by the late Roman Empire for this
purpose.The family was given a new importance as the key institution providing for the
transmission of property and the reproduction of the work-force. Simultaneously, we have
the beginning of demographic recording and the intervention of the state in the supervision
of sexuality, procreation, and family life.
Imperativos de mercado

A diferença entre o capitalismo e outros sistemas opressivos é o mercado. Os mercados


existem há milénios mas no capitalismo funcionam de forma diferente. Por exemplo, na época
feudal, o mercado era uma oportunidade para o camponês trocar o que tinha a mais por coisas
que queria.

Num sistema capitalista, tudo está no mercado. Para ter acesso aos meios de produção, o
trabalhador tem que se vender no mercado. E os capitalistas dependem do mercado para
comprar mão-de-obra e vender produtos.

Uma das consequências dessa dependência do mercado é a inevitabilidade de colocar o lucro


acima de qualquer outra preocupação. Voltemos ao exemplo 3.

O terreno ao lado do 3 é 10 vezes menor e trabalhado por um único agricultor que o possui.
Um ano, há uma má colheita. O agricultor que tem o terreno pequeno não consegue alimentar
a família e vem de mão aberta pedir um empréstimo. Oferece o terreno dele como segurança
e o dono do 3 dá-lhe dinheiro suficiente para se aguentar. Mas no ano seguinte há outra má
colheita. O agricultor perde o terreno e o dono do 3 contrata-o para trabalhar no seu próprio
terreno, por uma fracção do que ele produz.

Mas do outro lado há outro capitalista, com um terreno ainda maior. Para piorar as coisas, ele
adopta uma medida para aumentar a produtividade - mete os trabalhadores dele a trabalhar
12 horas por dia, por exemplo. O dono do terreno 3 não consegue vender os produtos dele ao
mesmo preço que o gajo do lado se não adoptar as 12 horas também.

Decorre algum tempo e as condições e remuneração vão piorando para os trabalhadores.


Também podemos incluir aqui alguma medida - por exemplo monoculturas - que aumente a
produtividade mas tenha externalidades, neste caso impacto ambiental negativo.

Mas com o passar do tempo, o feroz vizinho capitalista com um terreno ainda maior não
aguenta, não consegue baixar os preços tanto quanto um outro capitalista com um terreno
ainda maior, ainda piores condições para os trabalhadores e ainda mais externalidades, ou
mesmo só uma maior produtividade decorrente da maior concentração de terreno. O vizinho
acaba por vender o terreno a esse e o nosso amigo do 3 também. Está formado um
monopólio. O capitalismo é o único sistema de opressão em que, ao estado, cabe assegurar o
direito de propriedade privada e a expropriação pode acontecer por factores meramente
"económicos".
O Estado

Esta corrida para o fundo é uma característica do capitalismo. Mas desde cedo, na Europa, o
estado assumiu a função de tornar a situação tolerável para a população, com a táctica da
cenoura e do pau.

A cenoura é o estado social, que surge cerca de um século depois do surgimento do


capitalismo agrário para lidar com os problemas sociais. O pau é a polícia e a prisão (e às vezes
o exército). O capitalismo existe em contradição com o estado. Depende dele mas andam
sempre às turras.

Então suponhamos que o estado intervém nesta questão dos campos e impõe algumas
medidas de protecção ambiental e dos trabalhadores, e até algo para controlar os monopólios.
É aqui que acontece uma crise.

Crises

Se o território está ocupado, os trabalhadores são caros e leis impedem que haja
externalidades, os capitalistas deixam de investir. Como o dinheiro tem tendência para
acumular quando o trabalho da maioria é roubado por uns poucos, deixa de haver dinheiro a
circular para gerar mais dinheiro. Sem dinheiro a ser investido, deixa de haver emprego e a
população insurge-se. Como o único acesso que têm aos meios para sobreviver é através do
mercado, exigem emprego. Isto é uma crise. Ou seja, entraves à acumulação de capital.

As soluções para este tipo de crise são variadas. Por um lado, pode-se acabar com benefícios
aos trabalhadores, como aconteceu no assalto neoliberal, para tornar a mão-de-obra mais
barata e amedrontada. Pode-se abrir fronteiras – isto merecia uma explicação melhor, já que
os acordos de “comércio livre” também não são bem o que o nome diz -, usar o FMI e o Banco
Mundial para expropriar populações noutros locais e obter mão-de-obra barata no
estrangeiro. Pode-se acabar com serviços do estado social, como a privatização da saúde e
ensino que tem vindo a acontecer na Europa, uma privatização dos commons do século XX e
XXI. E pode-se começar a fazer fracking pelo mundo fora, que se lixem as restrições
ambientais. Passa a haver onde investir.

Mas quando se adopta esse tipo de medidas, surge outro problema. Agora quem vai gastar
dinheiro nos produtos? Desde os anos 70, a solução para este problema foi o crédito. Houve
uma enorme publicidade aos cartões de crédito, começou-se a incentivar comprar casa e ficar
a pagá-la durante a vida toda, surgiram os pay day loans, a dívida dos estudantes
universitários, etc.
Mas isso levou a nova crise quando o pessoal não conseguiu pagar e tivemos 2007.
Social-democracia

Então como se explica que, num sistema tão perverso, se viva tão bem na Europa e nos EUA?
Há várias explicações.

A primeira é que o capitalismo é um sistema extremamente produtivo. Mesmo nos primórdios


do capitalismo agrário inglês, já a agricultura inglesa produzia tanto como a francesa, apesar
de empregar muito menos mão-de-obra. E isso foi sem químicos nem tractores, agricultura
completamente biológia, pela definição de hoje, mais produtiva por causa de técnicas agrárias
não tecnológicas. Maior produtividade não se traduz imediatamente em maior prosperidade
para o povo e o início do capitalismo foi marcado por dois séculos de fome na Europa. Depois
de muita luta social, frequentemente contra repressão violenta do estado, os capitalistas
foram obrigados a ceder em coisas como o ordenado mínimo, a semana de 40 horas, o fim do
trabalho infantil, etc. É também aqui que entra o Keynes, meter dinheiro nas mãos do povo
para eles poderem comprar o que é produzido.

(Contudo, mesmo essa produtividade nunca chegou para convencer pessoas habituadas a ser
livres a render-se a este sistema. As palavras de um trabalhador americano do século XIX:

"As late as 1854, a little group of highly skilled pianoforte makers in New York declared that a
daily wage was equivalent to slavery and hoped that “the day is far distant when they [the
wage-earners] will so far forget what is due to manhood as to glory in a system forced on them
by their necessity and in opposition to their feelings of independence and self-respect. May
the piano trade long be spared such exhibitions of the degrading power of the day system."

Mas realmente as pessoas esqueceram-se do que é a liberdade e aceitam este sistema.)

A outra explicação é o que apontou o Piketty. As guerras mundiais nivelaram a europa. A


propriedade privada foi destruída - pensemos no que restaria do Pingo Doce se Portugal
tivesse sido devastado como foram os países do centro da Europa, por exemplo. Os países
europeus perderam as colónias - processo que continuou ao longo do século XX. Os estados
europeus também contraíram imensa dívida durante as guerras e a inflação foi usada para as
pagar. A inflação, até certo ponto, derrete as fortunas acumuladas. Por isso, depois da 2ª
Guerra Mundial, houve um período de excepcional igualdade económica. E foi preciso
reconstruir, pelo que o crescimento económico foi gigantesco e súbito – emprego bem
remunerado para toda a gente. Foi uma boa altura para o povo, mesmo sem a explicação
seguinte.

Outra explicação, pelo menos tão importante como as outras duas, é a União Soviética. A
ameaça ideológica de um país paupérrimo que se industrializou tão rapidamente e se dizia
socialista obrigou os governos dos diversos países a criar um estado social fortíssimo,
sobretudo na Europa. Quem conhece a história da União Soviética sabe que, quando os
marxistas autoritários tomaram o poder do estado, destruíram todos os exemplos de
verdadeiro socialismo (Kronstadt, Território Livre, etc). No entanto, chamar àquilo “socialismo”
tinha utilidade propagandística tanto para os países ocidentais, que podiam apontar o dedo e
denunciar um estado autoritário, como para a própria União Soviética, por motivos óbvios.

Contudo, a explicação mais importante é mesmo a extracção de riqueza ao terceiro mundo. O


processo começou há séculos mas dura até hoje, colonialismo seguido de neo-colonialismo.
Ironicamente, o neo-colonialismo demonstra a hipocrisia ideológica do capitalismo. O mercado
livre é uma força equalizadora e os países desenvolvidos não conseguiriam competir com o
terceiro mundo num mercado livre. O economista Há-Joon Chang, que de radical não tem
nada, descreve bem esse fenómeno de mercados livres para o 3º mundo e proteccionismo em
casa.
Fascismo

O problema é que o capitalismo gonna capitalismo. A desigualdade está a atingir recordes,


multimilionários queixam-se de dormir mal por estar a desaparecer a classe média e os
políticos não sabem que mais tentar. Tony Blair fala de uma terceira via, Obama promete
esperança e revelam-se iguais aos outros todos. O povo radicaliza-se. Por um lado, temos
Noam Chomsky e David Harvey, radicais de esquerda que foram ignorados durante décadas, a
dar conferências pelo mundo fora, já para não falar de Piketty, Graeber, etc. Por outro, temos
o Trump, a alt-right, o neo-nazismo.

A máquina capitalista, que mantém os trabalhadores subservientes, que os "deforma",


expressão de Paulo Freire, no sistema de ensino, que lhes promete democracia através do
sistema político concebido para assegurar que não há democracia, leva a que eles fiquem
vulneráveis à demagogia e populismo dos fascistas (uma vez que o status quo é serem
vulneráveis à demagogia e populismo dos “moderados”). É isso que estamos a ver a acontecer
hoje em dia.

A alienação, que faz com que o povo não seja capaz de produzir no seu dia-a-dia a sociedade
que quer, confere-lhes um sentimento de impotência quando políticos de todas as facções se
limitam a encolher os ombros e recomendar austeridade mas ainda mais quando prometem
utopias e se revelam mais do mesmo. Trumps e nacionalistas a exaltar as virtudes de valores
tradicionais ganham um apelo especial.
Propaganda

A propaganda é crucial para tudo isto.

Temos os candidatos políticos de fato e gravata charmosos, como estrelas de cinema e um


nível baixíssimo na discussão política dos meios de comunicação.

Temos o sistema de ensino a inculcar as virtudes capitalistas de seguir regras, aceitar o


sacrifício e competir por recompensas, etc.

Temos o relativismo moral de um país em que na escola recitam "I pledge allegiance to the
Flag of the United States of America, and to the Republic for which it stands, one Nation under
God, indivisible, with liberty and justice for all." a acusar outros de extremismo religioso. O
relativismo moral de ser o salvador da Europa contra os selvagens nazis apesar de ter deitado
duas bombas atómicas sobre cidades de um país que estava a negociar a rendição e de a maior
parte do exército alemão ter sido destruído pelos russos. O relativismo moral de acusar este e
aquele de atrocidades apesar de manter o mundo inteiro sob domínio militar imperialista. Na
Europa, as coisas não são muito diferentes.
Racionalização

Todos os problemas sistemáticos que aqui referi são, na propaganda, racionalizados como
problemas acidentais.

É aquele ou outro mauzão, como o Reagan, a Thatcher ou o Bush, apesar de os de "esquerda"


fazerem igual ou pior.

É aquele país que tem muita corrupção, apesar de a corrupção ser legal nos EUA através dos
lobbies, da Irlanda ter tido um crescimento obsceno do PIB legalmente por se render à lógica
do sistema, de o Cameron no RU ter andado a leiloar reuniões pessoais com os capitalistas, etc
etc.

É um povo que tem tendência para isto ou para aquilo: os portugueses para ser preguiçosos,
os alemães para o autoritarismo, os árabes para oprimir as mulheres, etc.

Uma de que gostas muito: é as novas tecnologias, estão a manipular a informação, a destruir a
democracia, a retirar poder aos trabalhadores, etc.

É as corporações, porque o capitalismo puro é perfeito (argumento libertário mas certas


versões mais moderadas também aparecem no mainstream, mesmo entre pessoas da
“esquerda” moderada).

Etc
Ambiente

Para além de tudo isto, temos a questão ambiental. O capitalismo exige crescimento
constante. Costuma-se dizer que a taxa de crescimento saudável é à volta de 3%. Alguém
calculou a taxa de crescimento do capitalismo desde a sua origem e deu um pouco mais de 2%
por ano. Aqui existe a contradição entre um sistema económico de expansão constante e o
planeta finito em que nos encontramos. Mas mais importante ainda é que crescimento de 2 ou
3% ao ano é exponencial. Para além de toda a destruição ambiental que já existe, a poluição,
as cidades gigantescas, a destruição de ecossistemas, etc. temos que imaginar que isso vai
continuar e crescer cada vez mais depressa. Nos primeiros séculos do capitalismo já havia
alguma preocupação com a destruição ambiental mas na altura não era tão grave. Havia muito
mundo fora do capitalismo, muito espaço livre para ocupar. Hoje em dia, olhamos para as
metrópoles gigantescas, as estradas e automóveis, os produtos de consumo e pensar em
crescimento exponencial de tudo isto é assustador.

E o que torna tudo mais inaceitável é o facto de que podíamos ter a prosperidade que
gozamos neste momento e até melhor. O capitalismo leva a que haja imenso desperdício de
recursos e de trabalho. Se todos os materiais e trabalho humano que foram gastos a construir
estradas e automóveis e a conduzi-los e a mantê-los e a obter petróleo tivessem sido usados
para criar uma rede de transportes públicos global, teríamos transporte muito mais ecológico,
eficiente, rápido e que exigiria muito menos mão-de-obra. O mesmo se passa com todos os
objectos de consumo que estão concebidos para ser usados em massa mas são vendidos para
uso individual (a suburbanização, um projecto político deliberado), com todos os produtos e
empregos que só existem para que haja lucro, a obsolescência planeada, ser mais barato
comprar um produto novo que vem do outro lado do mundo do que substituir uma peça, etc.
Escassez artificial

Em relação à escassez artificial, é simples. Não se pode vender um produto se esse produto
existe em abundância. Num dos artigos do Tanque dei como exemplo o ar não poluído que se
vende nas cidades mais poluídas da China e da Índia. Mas podia ter dado o exemplo dos locais
em Portugal em que a água foi privatizada. A empresa - apesar de não ter propriamente direito
de o fazer, mas como sabemos é só por causa da corrupção - fechou as fontes de água potável
que havia nesses locais. Se houver abundância de água potável, não podem lucrar no seu
negócio de vender o bem mais essencial à vida.

Esta questão é importante porque é uma das características mais fundamentais do


capitalismo. Produz-se todos os anos mais comida do que é necessária para alimentar toda a
população mundial. Mas pessoas passam fome e não é só em África ou na Índia, é nos próprios
países desenvolvidos.

A criação de pobreza é crucial para o capitalismo. O gajo da TED Talk que te recomendei é um
exemplo de pessoas que vivem sem dinheiro ou com muito pouco dinheiro. Para as
estatísticas, vivem em pobreza extrema e o capitalismo vai lá aliviá-los e colocá-los só em
pobreza relativa. O documentário "The Economics Of Happiness" acompanha esse processo
numa vila dos Himalaias. Como diziam os nativos americanos, antes de chegarem os europeus,
não tinham dinheiro por isso não tinham pobres.

Há-de sempre haver alguém que mostre indicadores de esperança média de vida ou outro
número qualquer a indicar que agora a população está melhor. Mas o argumento de que se vai
melhorar a qualidade de vida a alguém justifica mesmo invasão, expropriação e os horrores
que se verificam pelo 3º mundo quando lá chega o capitalismo?

Esse argumento é fraco mas perde todo o peso quando constatamos que a maior parte da
riqueza criada é retirada do país. Se a população vive melhor, viveria ainda melhor se
mantivesse e gerisse a riqueza criada.

Para além disso, não nos podemos esquecer de que o capitalismo cria pobreza por
necessidade. É por isso que nunca conseguiu eliminar a pobreza, nem nos países
desenvolvidos. Esta situação está, obviamente, a piorar e por isso os países da periferia da
Europa são espremidos, Detroit sofre uma crise humanitária – definição da ONU – e a pobreza
infantil no RU cresce.
Pós-escassez

Isto levanta outro problema que é o da pós-escassez. Quando podemos fazer uma mudança
para que deixe de haver pobreza, para que deixe de se trabalhar tanto, para que se possa
usufruir dos frutos da produção considerável do capitalismo? No sistema capitalista, é
impossível. A pós-escassez já foi alcançada mas continuamos a trabalhar demais porque o
objectivo não é satisfazer as nossas necessidades e desejos, é crescer a economia. Os
imperativos do mercado são o lucro e o crescimento e é para isso que tudo acontece no
capitalismo.

Há marxistas que acrescentam mais uma camada de irracionalidade a tudo isto. Insistem no
pleno emprego – entenda-se trabalho alienado e assalariado – sem que o objectivo seja
enriquecer capitalistas. O sistema capitalista pode ser cruel e injusto mas obrigar pessoas a
passar a vida a trabalhar para que alguns possam viver com luxo pelo menos tem lógica. No
projecto destes ideólogos marxistas, todo o trabalho serve para quê? É o ídolo do progresso da
causa comunista.
Alienação

Há também a questão da alienação. O trabalhador num sistema capitalista não tem a


possibilidade de viver a sua vida como quer. A única liberdade que tem é a de consumir.
Cumpre ordens do patrão, quer trabalhe para o público ou para o privado, ou trabalha por
conta própria. Em cada situação, está dependente da vontade do mercado, o tal mercado com
imperativos que se sobrepõem às vontades e necessidades humanas.

A alienação vai para além de receber ordens do patrão, é um fenómeno mais geral relacionado
com todo o afastamento que sentimos em relação ao mundo e ao resto da humanidade
quando tudo é mediado através do mercado. No extremo, e parcialmente como metáfora,
fala-se de enclosures (como as que aconteceram em Inglaterra ao território) às próprias
relações sociais e a toda a vida. Tudo é um produto de mercado, uma commodity. Isto é visível
naquelas ideologias que vêem toda a realidade como relações de mercado, desde conversas
entre pessoas a processos biológicos como a evolução. No limite temos os libertários
americanos a definir toda a moralidade nestes termos: tens direito à vida porque possuis a tua
vida.

Voltamos aqui ao conceito da mistificação e do emprego. Quem oprime é o patrão específico


ou o político ou a corporação ou o estado ou o FMI, desligado e independente do sistema em
que existe.

A mistificação transforma a opressão numa lei natural, universal. É por isso que surgiu o "myth
of barter", o mito de que sempre houve trocas entre humanos, sempre houve um mercado, e
o dinheiro surgiu espontaneamente na sociedade humana porque é muito complicado trocar
um porco por laranjas. É preciso haver uma pessoa que quer um porco e que tenha
exactamente o número de laranjas que tu queres e esteja disposta a fazer a troca, por isso
inventa-se o dinheiro para simplificar tudo. É um mito que os economistas começaram por
dizer que tinha acontecido. Quando se verificou que nada disso existe e presumivelmente
nunca aconteceu, passaram a dizer "imagina uma sociedade sem dinheiro em que...".

Quais são as consequências para as nossas vidas individuais e para a sociedade como um todo
de ver tudo como uma transacção comercial? De ver números em todo o lado? De nos
imaginarmos a nós próprios como produtores-consumidores? Para responder a estas
questões, só podemos investigar as vidas, a mundividência e cultura de quem está fora, de
caçadores-recolectores, de tribos agrícolas primitivas, de pessoas que vivem ou viveram de
formas diferentes da que o capitalismo lhes tenta impôr. Só através deles podemos olhar para
nós próprios.

É por isso que o fardo do homem branco é tão relevante. Quando se espalharam pelo mundo,
os europeus ficaram bastante surpreendidos por não haver um único indivíduo primitivo a
querer voluntariamente juntar-se à civilização, enquanto que europeus a desertar as missões
colonialistas para ir viver com os nativos eram um problema sério. Para perceber por que é
que a “ajuda” dada a pessoas do 3º mundo a ter uma vida de classe média não é bem
recebida, é preciso olhar para a história da criação da pessoa-máquina na Europa. Escreve
Silvia Federici:

“from the point of view of the abstraction


process that the individual underwent in the transition to capitalism, we can see that the
development of the "human machine" was the main technological leap, the main step in the
development of the productive forces that took place in the period of primitive accumulation.
We can see, in other words, that the human body and not the steam engine, and not even
the clock, was the first machine developed by capitalism.”
(…)
“The idea of transforming this lazy being, who dreamt of life as a long Carnival, into an
indefatigable worker, must have seemed a desperate enterprise. It meant literally to "turn the
world upside down," but in a totally capitalist fashion, where inertia to command would be
transformed into lack of desire and autonomous will, where vis erotica would become vis
lavorativa, and where need would be experienced only as lack, abstinence, and eternal
indigence.”

Ou melhor ainda, Charlie Chaplin, no grande ditador:

Greed has poisoned men’s souls, has barricaded the world with hate, has goose-stepped us
into misery and bloodshed. We have developed speed, but we have shut ourselves in.
Machinery that gives abundance has left us in want. Our knowledge has made us cynical. Our
cleverness, hard and unkind. We think too much and feel too little. More than machinery we
need humanity. More than cleverness we need kindness and gentleness. Without these
qualities, life will be violent and all will be lost….

(…)
Don’t give yourselves to these unnatural men - machine men with machine minds and machine
hearts! You are not machines! You are not cattle! You are men! You have the love of humanity
in your hearts! You don’t hate! Only the unloved hate - the unloved and the unnatural!

Isto está relacionado com uma questão possivelmente alheia ao capitalismo em si e de que são
culpados também os marxistas, que é o mito do progresso. A história é uma progressão
ascendente, em que descobrimos cada vez mais coisas e melhoramos cada vez mais a condição
humana. Será verdade? Quais são os critérios? E se se verificar que realmente há algum tipo
de progresso, isso dá-nos a permissão ou a obrigação de o impor a toda a gente do mundo?

Mais importante do que responder a essas perguntas é denunciar a ideia errada de que
sociedades primitivas – termo odiado por muitos cientistas e esquerdistas, que neste caso
significa “que não usam tecnologia mais avançada que “x”” - não progridem ou não têm
conhecimento.
Trabalho

A evolução produz animais que gostam, sentem prazer, ao fazer aquilo que têm que fazer.
Aqui há um conflito com o materialismo científico que informa a ideologia capitalista – e que
de científico não tem nada pois foi demolido pelo Newton – que vê os animais e outros seres
vivos como robots inconscientes, incapazes de gostar seja do que for. Na verdade, isto é uma
aplicação de princípios de mercado à natureza, tudo o que um ser vivo faz é para maximizar o
próprio lucro, mas não vale a pena explorar essa ideia agora.

O que interessa é que aquilo que precisamos de fazer para sobreviver é agradável. Comer,
dormir, socializar, sexo, etc. Caçadores-recolectores caçam e recolhem comida para
sobreviver, o que explica por que sentimos tanto prazer em certas actividades que substituem
essas hoje em dia, como desporto, FPSs, caça e pesca, etc.. Há até quem explique o nosso vício
na televisão e computadores com base na imagem intermitente do ecrã. O fogo já era usado
por proto-humanos, evoluímos com ele e grande parte do tempo dessa gente devia ser
passado à volta da fogueira, a olhar para as chamas. É só uma ideia.

Onde quero chegar é a que não temos que sofrer para sobreviver, não estamos concebidos
para isso. Do mesmo modo que um urso enlouquece e ratos consomem heroína em
detrimento de água até morrer se estiverem em jaulas pequenas, o capitalismo provoca uma
enorme quantidade de problemas psicológicos, neuroses que são também racionalizadas e
medicadas sem abordar a causa de fundo.

O capitalismo separa a esfera da produção da do consumo; as obrigações e o sacrifício da


liberdade e do prazer. É isso a alienação. O trabalho é feito a troco de dinheiro, um péssimo
motivador. Um cozinheiro não faz o seu trabalho porque quer alimentar outras pessoas,
porque quer partilhar os frutos do seu talento, porque quer contribuir para a sociedade, fá-lo
porque tem que o fazer para sobreviver, para ser pago. Mesmo quem tem a sorte de ter uma
carreira a fazer algo de que gosta submete-se a isso. Cumpre ordens, cumpre horários, cumpre
requisitos desumanos porque os mercados não são humanos. E para sobreviver, para viver,
para ter alguma coisa, tem que meter o seu trabalho ao serviço do capitalismo. Como diz David
Graeber:

For me, this is exactly what's so pernicious about the morality of


debt: the way that financial imperatives constantly try to reduce us
all, despite ourselves, to the equivalent of pillagers, eyeing the world
simply for what can be turned into money-and then tell us that it's
only those who are willing to see the world as pillagers who deserve
access to the resources required to pursue anything in life other than
money. It introduces moral perversions on almost every level .
Se há trabalho que nunca poderá ser agradável, deve ser distribuído democraticamente. Mas
mesmo trabalho fisicamente intensivo pode ser agradável e seria feito voluntariamente desde
que não fosse alienado, desde que não sentíssemos a falta de liberdade e de responsabilidade
características do capitalismo. Tanto anarquistas como o próprio Marx imaginam que na
utopia que virá depois do capitalismo, todos quererão trabalhar porque serão livres de o fazer.
Carpinteiro ao início da manhã, agricultor ao fim, crítico de literatura ao início da tarde,
remador de barcos antes do jantar. Trabalho livre, voluntário, agradável e útil.

Todos esses radicais também perceberam rapidamente que se o trabalho fosse distribuído e
levado a cabo para satisfazer necessidades e desejos humanos em vez de obter lucro, seria
muito reduzido. Para além de podermos parar de produzir tudo em quantidades exageradas
que não chegam a quem precisam delas, podíamos acabar com: caixas do Pingo Doce, lojistas,
call centers, todo o marketing, contabilistas, a maior parte dos gestores, bancos e todo o
sector financeiro, todos os políticos, burocratas e certos serviços sociais que só existem para
remediar os problemas causados pelo capitalismo, etc. Já para não falar de toda a mão-de-
obra que isso iria libertar para fazer as actividades que realmente vale a pena manter. E do
facto de que a inovação e automação não estão ao serviço da humanidade mas do lucro.
Atomização

Neste contexto da alienação está também o fenómeno da atomização. Quando foram


expropriados os camponeses feudais - e são expropriados hoje em dia no terceiro mundo -
aconteceu um fenómeno parecido com o que está a acontecer a Portugal neste momento:
jovens a deixar as famílias para ir à procura de trabalho. Claro que, na altura, o impacto e a
escala foram muito maiores. As comunidades feudais eram verdadeiras comunidades, a família
tinha menos importância que a comunidade em que se vivia. A família nuclear é uma inovação
capitalista.

Esse tipo de comunidades cumpre uma série de funções que no capitalismo foram substituídas
pelo estado e pelo mercado. É difícil falar aqui de causa e efeito, o que interessa é que
trabalhadores assalariados a trabalhar 40 horas por semana não têm tempo para educar
crianças, cuidar de idosos e cuidar uns dos outros. Este sistema promove um individualismo
cerrado, sem responsabilidades para com os demais.

Esta desresponsabilização é o reverso da medalha da perda de liberdade. Com liberdade, vem


responsabilidade. Quando os trabalhadores americanos se opunham à escravidão assalariada
por lhes tirar a liberdade também condenavam o “new spirit of the age: gain wealth, forgetting
all but self”.

As implicações políticas da atomização também são evidentes. O sectarismo é uma causa e


efeito da atomização. A maior parte das pessoas concorda em relação à maior parte dos
assuntos e os políticos tomam medidas que vão consistentemente contra a vontade popular,
isso está bem estudado. O povo unido jamais será vencido, toca a dividi-lo. Repito que é difícil
aqui separar causa e efeito mas os esforços para destruir as comunidades feudais, capazes de
montar resistência forte contra a opressão, foi bastante propositada.
Capitalismo ético?

Será, apesar de toda a história do capitalismo, possível capitalismo ético? Para perceber por
que não, é preciso perceber a natureza sistémica do capitalismo.

Um CEO de uma corporação gigantesca pode ter um súbito ataque de escrúpulos e decidir não
aplicar uma medida que vai destruir um pântano ou floresta ou então pode decidir que uma
fábrica no terceiro mundo tem condições demasiado cruéis e mete lá condições melhores. Se
fizer isso, é despedido. Há uma lei nos EUA que obriga as empresas a tomar as decisões que
lhes dêem os maiores lucros mas essa lei não é necessária. As empresas têm que adoptar as
medidas que lhes tragam maiores lucros porque estão em competição constante, como o
agricultor do exemplo 3.

Isto é difícil de perceber até para muita gente da extrema-esquerda mas todos o fazem.
Apontam o dedo para os capitalistas, a burguesia, os 1%, o outro partido político, os
imigrantes, o estado, a EU, ONU ou o FMI, etc. Mas tudo é movido por imperativos de
mercado.

Como se pode adoptar medidas que obriguem as empresas a tomar decisões éticas?

A direita tem uma solução que é “votar com os nossos dólares”, o que levanta uma série de
problemas. Para isso ser possível, os consumidores teriam que estar bem informados sobre
todos os produtos, o que, para além de impossível, é precisamente o que a publicidade
previne. A publicidade serve, entre outras coisas, para enganar as pessoas acerca dos produtos
que compram. Há também as etiquetas que dizem que um certo produto é ético, verde,
biológico, etc. Isso é terreno fértil para fraude, mas mesmo que funcionasse levava-nos ao
problema seguinte.

Os produtos “éticos” são caros. Por causa da tendência de o capitalismo baixar os salários,
torna-se impossível para a populaçao pagar o consumo ético. Por definição, se todos
comprarem os produtos mais éticos e se recusarem a obter dinheiro de forma pouco ética –
como o CEO ali acima – não conseguem viver. É um sistema que obriga, imperativamente, a
que haja práticas pouco éticas, pelos próprios processos de mercado. Só a afluência ocidental,
decorrente da exploração do terceiro mundo ao longo de séculos, permite que haja esta
mistificação, esta racionalização de que podemos ter um capitalismo ético desde que
paguemos mais por algo produzido de forma “ética”.

Isto levanta outra questão: o tal lucro que tem que ser obtido a todo o custo no sistema
capitalista vem de consumo. Logo, não será o lucro, o consumo, o capitalismo, por definição,
democrático?
É óbvio que não. Eu posso comprar um carro da marca que quiser mas não posso comprar um
bilhete num transporte público que não existe (o documentário Taken For A Ride, que já
publiquei, mostra como o estado e os privados nos EUA destruíram o transporte público).

Ou seja, tenho uma atitude completamente passiva, escolho a partir de uma certa quantidade
de produtos que foram produzidos com vista a ter lucro (com base em decisões de capitalistas,
não dos trabalhadores ou do povo). É assim que funciona a nossa política também, daí que a
noção de voto surja nas duas actividades. A diferença é que, quando se vai participar no
espectáculo democrático, cada pessoa tem um voto. No mercado, como sabemos, a maior
parte tem quase nada e uns poucos têm quase tudo.

Do mesmo modo, posso ter a escolha de ir ao café da esquina todo gentrificador que faz
smoothies com fruta biológica em vez de ir ao McDonald’s. O equivalente aos transportes
públicos seria uma cantina pública tipo as da UC. Mas e se eu quiser não ter um emprego que
me deixe só uma hora para almoçar? Onde meto o meu dólar?

E se eu quiser que haja controlo democrático sobre as viagens no espaço? Limito-me a não
comprar carros da Tesla? Se quiser que não destruam uma floresta, como aconteceu aqui em
Valongo, para construírem um edifício gigantesco e asqueroso de transporte de encomendas,
que, maravilha das maravilhas, vai criar montes de empregos?

Seja como for, esta ideia de votar com os dólares só faz sentido para quem vê todas as
interacções humanas e processos biológicos como operações de mercado e vive na ilusão de
que qualquer transacção num mercado é por definição voluntária, o que é pura ideologia.

A “esquerda” que existe nos governos por esse mundo fora, e que de esquerda não tem nada,
tem outra solução que é imposições do estado. Como expliquei ali em cima, estas imposições
colocam entraves à acumulação de capital, atrasam o crescimento e levam a crises. A solução
para essas crises é acabar com essas restrições.

O neoliberalismo, ou seja as medidas que associamos à Thatcher e ao Reagan, são exemplos


deste processo. São mistificados como um fenómeno que aconteceu naquela altura por razões
específicas. E tudo o que está mal hoje em dia é porque se desligou a produtividade dos
salários, porque se atacou os sindicatos, etc. Não, é porque essa foi a única maneira de sair da
crise. E se fosse eleito um político de “esquerda” que se recusasse a tomar essas medidas, a
crise iria continuar e agravar-se. Vi um meme há tempos que ilustrava a questão. Havia
republicanos com o texto “O nosso programa é tirar dinheiro aos pobres, dar dinheiro aos ricos
e destruir o ambiente” e democratas com o texto “Nós perdemos contra aqueles gajos”.
Finalmente temos outra solução que vem da extrema-esquerda (as propostas da extrema-
direita não vale a pena discutir). Apesar de a extrema-esquerda englobar muitos pontos de
vista diferentes, estou aqui a falar de uma única proposta que é o socialismo, um termo que
tem sido arrastado pela lama na propaganda por isso tenho que definir. O socialismo é a
posse, pelo povo, dos meios de produção. É disso que falam os marxistas quando dizem que “o
socialismo total levará ao comunismo total”. Por outras palavras, estamos a falar de
cooperativas. O problema de ter cooperativas é que elas fazem parte do sistema de mercado.
Por muito que as decisões sejam tomadas pelos trabalhadores, estão a competir, nem que seja
com outras cooperativas. Tudo está no mercado, precisam de dinheiro, precisam de lucros,
precisam de crescer, e acabam por ter que reduzir os próprios salários, ignorar as
externalidades, etc. Pode ser que, sendo todos os negócios cooperativas, pudesse acabar o
capitalismo, como esperam os marxistas. Eu tenho sérias dúvidas acerca dessa ideia mas, no
aqui e agora, cooperativas podem ajudar muita gente, mesmo que não sejam um passo na
direcção certa (também não são na direcção errada, só não vão para lado nenhum).

A mesma lógica aplica-se à caridade, às ONGs e às Startups com missões de ajudar o mundo.
Os projectos que não visam o lucro são financiados pela riqueza que já foi extraída aos
trabalhadores e propõem resolver os problemas causados pelo capitalismo. Ou seja, na melhor
das hipóteses, fazem as vezes de um estado social, mas frequentemente sem a réstia de
participação popular que uma democracia representativa admite.

Esses projectos podem aliviar os sintomas mas nunca podem tocar nas causas dos problemas.
Ainda no outro dia falei com um escocês que falava do nosso dever de dar ajuda ao 3º mundo
mas só até certo ponto porque também não nos podemos empobrecer ao fazer isso. Só pode
dizer uma coisa destas quem não compreende por que é que o 3º mundo é o 3º mundo. E
ilustra bem a questão.

No caso de projectos que visam o lucro mas procuram obtê-lo de forma ética ou justa, têm
uma missão impossível. Se há lucro, ou há alguém a trabalhar cuja produção está a ser
explorada ou está a haver externalidades, destruição ou expropriação de qualquer coisa não
incluída nas contas.

Sem dúvida haverá projectos deste tipo que podem ajudar muita gente. Mas no final de
contas, o objectivo final é criar mais produtores-consumidores, espalhar o capitalismo, impor
um modelo de sociedade e de vida humana a todo o mundo. E repito que só a exploração,
expropriação e destruição já existentes podem financiar este tipo de iniciativa. E é preciso
lembrar que, mesmo com números a contar uma história de grande melhoria da qualidade de
vida (living standards, o que lembra o que disse Vandana Shiva: “There’s no such thing as a
living standard, there are ways of life”), estamos a falar da criação de uma sociedade em que
há pobres, sem-abrigo, pessoas a passar fome e uma grande quantidade de pessoas a
trabalhar em empregos horrorosos para sustentar uma classe média e uma burguesia.
Imperialismo e homogeneização

Esta missão messiânica de levar o capitalismo aos pobres indigentes de todo o mundo
assemelha-se à do império Romano de civilizar os bárbaros. Com a imposição da ordem
imperial, e apesar da ideia de que os romanos eram muito respeitosos de tradições locais,
estabelece-se uma norma, um estilo de vida homogeneizado.

Por isso ainda hoje em dia quase todas as línguas europeias têm raízes latinas e gregas, era a
língua do império. A onde ia o império contruía-se edifícios romanos, impunha-se uma ordem
social romana, a moeda romana, o exército romano, etc. Com o fim do império, começou a
haver descentralização e por isso temos hoje as várias línguas diferentes – muitas das quais já
desapareceram por causa da nova ordem imperial; relembro que há pouco mais de um século
em França menos de metade da população falava francês.

Por muito que em Portugal se fale português e no Japão japonês, todos vestimos roupa da
Zara e comemos no McDonald’s, todos temos empregos das 9 às 5 ou semelhante, todos
somos pessoas-máquina, parte da gigantesca máquina capitalista. Quem está fora desta lógica
aparece nas estatísticas como pobreza extrema e tem que ser salvo.

Esta homogeneização, não só das estruturas de cada sociedade mas sobretudo do corpo e da
mente das pessoas que nelas vivem, é o que nos impede de perceber a opressão do próprio
sistema, como o peixe da analogia de Marshall Mcluhan não se apercebe da água em que
nada. E pior, impede-nos de perceber que mais há e de imaginar alternativas.

A homogeneização inicial foi a submissão da população europeia às necessidades do


capitalismo (um tema em si gigantesco). Nesse contexto aparecem as primeiras casas “de
correcção”, com um carácter religioso que se propunham apanhar os indigentes, vagabundos e
preguiçosos e dar-lhes uma educação moral e trabalho. Eram um misto de fábrica, escola e
prisão e é nelas que se baseiam essas instituições hoje em dia. Ou seja, a criação de pessoas-
máquina está hoje em dia massificada e institucionalizada por causa do sistema de ensino.

Economia

Esta questão da homogeneização é uma das maiores críticas a toda a “ciência” da economia.
Para criar estes modelos teóricos em que o capitalismo vai resultar em tudo bom para toda a
gente, é preciso partir de certos pressupostos; de que a terra está privatizada (expropriação);
de que todas as pessoas vendem o seu tempo no mercado (escravidão assalariada); de que
tudo está no mercado (comoditização); etc..
Digo uma das maiores porque a maior é obviamente que a economia enquanto ciência não
passa de propaganda para legitimar o poder e a ideologia dominante.
Conclusão

Então, no final de contas, o que é o capitalismo? Como todos os sistemas políticos, económicos
e sociais, o capitalismo define-se por um tipo de relação entre seres humanos. O Marx
inventou o materialismo histórico e diz que toda a história e toda a existência da humanidade
se baseiam nas condições materiais em que as pessoas vivem. É um exercício interessante
pensar em todas as situações e maneiras em que o materialismo histórico não se verifica.

Qual é o tipo de relações que existe no capitalismo? É um tipo de relações com base nos
imperativos do mercado. O capitalismo está muitas vezes associado às cidades e às fábricas
mas tem a sua origem no sector agrícola do sul e sudeste de Inglaterra no século XVI. Foi lá
que surgiu esta lógica em que a competição obriga as pessoas a agir de modo a dar sempre
primazia ao lucro.

No capitalismo, a economia baseia-se em trabalhadores completamente despojados, que não


possuem nada e têm que obter tudo através do mercado. A opressão do povo faz-se, ao
contrário de escravos romanos ou servos feudais, através de meios puramente “económicos”.

Por causa da natureza do capitalismo, em que o capital existente tem que ser investido e
transformado em mais capital, apesar de começar no sector agrícola num local muito
específico, o capitalismo expandiu até tomar conta de todo o mundo e todas as áreas de
actividade humana. Um aparte aqui:

(Os camponeses despojados na primeira fase do capitalismo não só se tornaram mão-de-obra


disponível como também consumidores de comida que compravam no mercado – já que não
tinham acesso aos meios de produção directamente.
Contudo, para além de comida, também não tinham acesso a todas as outras necessidades
como roupa, mobília, panelas para cozinhar, etc. Os servos feudais produziam eles próprios
quase tudo de que precisavam. Esta nova classe de despojados não tinha com que produzir
essas coisas.
Nos mercados, estes produtos eram caros por serem feitos por artesãos e esta nova classe de
assalariados, por causa dos imperativos capitalistas, era muito mal paga, não tinha dinheiro
para comprar tudo isso. Isso impulsionou a produção de objectos de uso diário baratos em
massa na lógica capitalista de aumentar a produtividade e reduzir os custos.
O capitalismo é o único sistema em que uma limitação do mercado impulsiona a produção. Ao
contrário de, por exemplo, o comércio de bens de luxo na época feudal, que só podia
acontecer se houvesse nobres ricos capazes de os comprar. Esta característica ajuda a explicar
a natureza de expansão cancerígena do capitalismo.)

Pode parecer tudo uma grande teoria da conspiração e, ao falar do capitalismo nestes termos,
parece que estamos a falar de uma entidade inteligente que realmente tem vontade própria.
Mas ao olhar para a actividade do dia-a-dia vemos como tudo isto acontece através das vidas
normais de quem vive no capitalismo, mesmo quando têm as melhores intenções. “O
capitalismo somos todos nós”.

O dinheiro só tem uma função: ser trocado por obediência. Mesmo quando compramos um
produto estamos, por um lado, a comprar a obediência de quem o vende e das autoridades
que nos violentariam se não pagássemos, e por outro a comprar o trabalho que foi feito para o
produto existir. O dinheiro é poder.

Só nos sonhos mais fantasiosos de economistas é que todas as transacções a dinheiro são
voluntárias. Sobre todo o emprego assalariado está suspensa a guilhotina da pobreza. Obter
dinheiro é uma compulsão, um imperativo do capitalismo e os que o têm e estão dispostos a
pagá-lo como salários têm poder sobre todos os outros. Mas mesmo esse poder é limitado,
mais uma vez, pelos imperativos do mercado e a necessidade de obter lucro.

Ao longo da história da humanidade, houve muitas instituições ilegítimas; a Igreja, a


aristocracia, o estado. De alguma forma, a mistificação do capital é tão poderosa que custa a
muita gente perceber que as empresas são instituições ilegítimas, que oprimem, que são
autoritárias, que têm poder ilegítimo. O capitalismo é incompatível com a democracia.

Por que fica toda a gente horrorizada com políticos autoritários, com agentes do FMI ou de
alguma instituição europeia que não foram eleitos (oh meu deus, onde está a democracia?)
mas não se importam com os Musks, Gatess e Bezoss dos mundo? São pessoas com imenso
poder, até poder para manipular os estados, porque o dinheiro é poder.

Só se pode justificar essa ignorância voluntária pela ideia vaga de que a capacidade de
acumular dinheiro depende de uma certa virtude moral e capacidade intelectual. Aqui há uma
forte dissonância cognitiva. Ideólogos que defendem o capitalismo defendem também a
moralidade inerente do mercado e estes ricaços devem ser pessoas que contribuíram muito
para a sociedade (argumentos que surgem desde há séculos, como por exemplo da caneta de
John Locke). Por outro lado, justificam o sistema opressivo com base numa noção vaga de
pecado original, de que as pessoas são por natureza egoístas – o argumento de Adam Smith.
Se realmente são egoístas, temos que lhes retirar o poder de acumular cada vez mais. Se não
são, podemos acabar com o autoritarismo. Mas penso que num sistema em que os egoístas
triunfam e o altruísmo custa, é normal que vejamos mais egoísmo do que seria de esperar. E
mesmo assim há pouco.

A acumulação de grandes fortunas depende de vários factores, entre eles a sorte, mas o mais
importante é a falta de escrúpulos. A questão da exploração é muitas vezes posta do ponto de
vista do trabalhador – estás a ser explorado, estão a ficar com a maior parte do que produzes.
Mas também pode ser vista do outro lado – começa um negócio, mete pessoas a trabalhar
para ti, fica com os lucros e depois nem precisas de trabalhar. Mas para fazer isso, é preciso
não ter qualquer empatia para com as pessoas que empregamos, é preciso aceitarmos o facto
de que vão desperdiçar as vidas a trabalhar para nos enriquecer. A mistificação funciona para
os dois lados: grato por ter um emprego, caridoso ao fornecer emprego.

Que direito têm estas pessoas e estas mega-corporações de ficar com o dinheiro que é fruto
do trabalho de milhares ou milhões de pessoas? Toda essa riqueza é baseada no roubo, daí a
afirmação de Proudhon “A propriedade é roubo”. Para além das guerras imperialistas, o apoio
a ditadores criminosos, as condições perigosíssimas de trabalho, pessoas a morrer à fome e
frio ou falta de água ou falta de cuidados de saúde - situações que exigem alguma
compreensão sobre a natureza sistémica do capitalismo para atribuir devidamente as culpas –
a propriedade como homicídio torna-se completamente óbvia na questão da propriedade
intelectual. Daí o sujeito com Hepatite C que foi ao parlamento dizer ao ministro “Não me
deixe morrer”. Que direito?

Mas repito que não podemos apontar o dedo aos ricaços mauzões, a culpa não é deles. Repito
também que o capitalismo é o único sistema em que a expropriação pode acontecer através
de mecanismos puramente “económicos”, com o poder político, a violência, o estado a limitar-
se a garantir o direito da propriedade privada. Então até os ricaços estão na posição de comer
ou ser comidos, explorar ou ser explorados. No caso desses 3 (Gates, Musk e Bezos), é quase
impossível perderem a fortuna mas no caso de um milionáriozeco, se ganhar escrúpulos, se
decidir não explorar mais ninguém, não destruir o ambiente, etc., o dinheiro deixa de entrar.
Para conseguir sobreviver tem que adoptar um estilo de vida de classe média baixa, lá se vai o
Jaguar e a casa de férias, a escola privada para os filhos, o lar de luxo para a mãe e o pé-de-
meia chorudo; no limite terá até que arranjar um emprego – e se não quiser explorar ninguém
terá que ser um emprego péssimo, ser ele próprio explorado, comido. E mesmo assim terá que
consumir produtos “não éticos” se quiser poupar dinheiro.

Por isso é mais fácil racionalizar que o capitalismo é bom, que a exploração de pessoas no 3º
mundo é boa para eles (uma pena o governo corrupto deles tê-los escorraçado da terra em
que viviam mas pelo menos faço o que posso agora ao oferecer-lhes um emprego. Ainda que
pague mal, é melhor que o nada que têm agora), que o problema ambiental se há-de resolver
com reciclagem e carros eléctricos, que a pobreza há-de acabar logo que a economia cresça o
suficiente desde que o pessoal dê dinheiro para a caridade, etc.

E mais uma vez insisto na mistificação, na ideia de que tudo isto é a ordem natural do
universo, a racionalização da exploração como missão messiânica, o “direito ao trabalho”, etc.
O sistema, como todos os sistemas, auto-legitima-se.

Tendo em conta tudo isto, parece que o sistema é monolítico e imparável mas é óbvio que tem
havido mudanças importantes ao longo dos séculos. É possível mudar tudo o que está mal,
resolver os problemas e inverter os processos negativos. Mas tudo isso tem que acontecer de
baixo para cima – não se pode criar democracia através de processos autoritários – através de
pessoas unidas, informadas e politicamente activas.

Por isso é preciso subverter a atomização, eliminar as barreiras que existem entre as pessoas –
esquerda e direita, novos e velhos, ricos e pobres, homens e mulheres, até portugueses e
estrangeiros. É preciso disseminar diferentes pontos de vista, escapar ao monopólio de
informação que é transmitida pelos meios de comunicação em massa tradicionais (sem
esquecer que estamos a lidar com pessoas deformadas – o Paulo Freire tem uma abordagem
interessante a esta questão). E é preciso desligar a política do festival de intrujice e
mediocridade que passa por governo. A política tem que ser feita pelas pessoas, cara a cara,
não por engravatados na capital ou na câmara municipal.

No 3º mundo, há uma inversão. Ainda existem comunidades e o pessoal, mesmo não tendo o
mesmo acesso a informação, sabe o que lhes está a acontecer, não temos que os convencer a
lutar contra o capitalismo. Mas têm muito mais dificuldade a combater o sistema porque são
mais fáceis de ignorar e suprimir. No 1º mundo, temos uma população atomizada e doutrinada
mas temos muito mais poder, até em Portugal, para obrigar os governos a ouvir-nos e os
governos têm menos poder para reprimir – se bem que em Espanha estamos a observar o
regresso de repressão estatal violenta.

Por isso temos imensa responsabilidade de criticar o que existe e fazer todos os possíveis para
melhorar a situação, tanto para nós como para o resto do mundo.

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