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SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO CIVIL – JOHN LOCKE

Idéia principal do referido livro:

Expõe sua teoria do pacto social e defende o liberalismo, buscando derrubar de forma definitiva o
absolutismo inato.

Pontos do pensamento de Locke:

1. Contratualismo

Prega o surgimento do Estado a partir de um contrato no qual todos os homens consentiram na


sobreposição de um poder estatal do qual a ordem e a paz entre si passou a ser mantida e garantida pelo
referido poder.

2. Liberalismo

Movimento que teve como eixo principal o desenvolvimento da liberdade pessoal e o progresso da
sociedade. Para Locke os homens se juntam em sociedade política e submetem-se a um governo com a
finalidade de conservarem suas propriedades. Sustentou que o poder não é somente do soberano, mas
de todos, liberdade fundamental dos indivíduos. Formamos estados por livre associação para produzir
mais.

3. Empirismo

Movimento que acredita nas experiências como únicas (ou principais) formadoras de ideias, discordando,
portanto de ideias natas. Locke descreve a mente humana como uma tabula rasa (folha em branco),
aonde por meio da experiência, vão sendo gravadas as ideias.

O Estado de Natureza de Locke

O Estado de Natureza de Locke é diferente do Estado de natureza hobbesiano (uma vez que é baseado
na insegurança e na violência: "guerra de todos contra todos"), para Locke o Estado da natureza é de
relativa paz, concórdia e harmonia. Um dos direitos do homem no Estado natural é a propriedade privada.
Por teoria da propriedade em Locke entende-se a posse de bens móveis e imóveis.

Como vimos, a propriedade já é realidade no Estado de natureza e, sendo uma instituição anterior à
sociedade, é um direito natural do indivíduo que não pode ser violado pelo Estado. Em Hobbes quem
detinha a propriedade era o soberano e os súditos não tinham direito algum, em Locke o objetivo final é
que o Estado garante o direito de propriedade.

Como a razão natural na compreensão de Locke ensina que todos os homens são iguais e livres, porém
com direitos aos bens, porém sempre surge o perigo eminente da invasão e a tomada dos bens de uns
sobre os outros na medida em que todos são proprietários. A saída é estabelecer um contrato entre os
homens que dê total segurança e proteção aos proprietários, não vindo a acontecer a distribuição de uns
sobre os outros. Então o contato social é a realização da passagem do Estado de natureza para a
sociedade política ou civil e visa exclusivamente preservar e proteger a comunidade tanto dos perigos
internos como dos externos.

Resumo dos capítulos

CAPÍTULO I
Locke volta a refutar no primeiro capítulo de seu tratado, as teses do filosofo Sir Robert Filmer
(1588 – 1653), defensor assíduo do Absolutismo, alicerçado em bases divinas. Como havia exposto no
primeiro tratado, Adão não tinha em qualquer hipótese ou por direito, ou por doação divina, a autoridade
sobre seus filhos e sobre o mundo, e se o teve, isso é impossível de se estender e determinar até a
atualidade, o que leva Locke à busca de reiterado entendimento da legitimidade do domínio e poder de
determinados indivíduos sobre outros.
Assim, Locke define um de seus conceitos-chave, que é o de poder político, que seria o “direito
de fazer leis com pena de morte e, conseqüentemente, todas as penalidades menores para regular e
preservar a propriedade, e de empregar a força da comunidade na execução de tais leis e na defesa da
comunidade de dano exterior; e tudo isso tão-só em prol do bem público”. (Locke, 1978, p. 34)

CAPÍTULO II – DO ESTADO DE NATUREZA


Para se entender o poder político e suas origens, Locke nos diz que devemos saber como
convivem os homens em seu estado de natureza, ou seja, do modo em que se achariam naturalmente
sem nenhum tipo de subordinação estatal, estado no qual ninguém se obriga para com outro ou se
subordina, havendo apenas uma mutualidade de inter-relações, como nos explica ao citar Richard
Hooker, teólogo inglês defensor da igualdade natural dos homens: “Oferecer-lhe [ao próximo] algo que
lhe repugne ao desejo deve necessariamente afligi-lo em todos os sentidos tanto quanto a mim; de sorte
que, se pratico o mal, devo esperar por sofrimento…”(LOCKE, 1978, p.35)
Pelas premissas de Hooker, Locke nos afirma novamente a assertiva de que no estado de
natureza todos são iguais e providos das mesmas faculdades, subordinados apenas a Deus: . . .”nenhum
deles [homens] deve prejudicar a outrem na vida, na saúde, na liberdade ou nas posses, [...] [todos] são
propriedade d’Aquele que os fez, destinados a durar enquanto a ele aprouver e não uns aos outros, e
sendo todos providos de faculdades iguais [...] não há a possibilidade de supor-se qualquer
subordinação entre os homens. ( I d e m ,   p.36)
Dentro da perspectiva do estado de natureza, Locke reconhece o direito de  qualquer um
castigar a transgressão e perturbação de sua tranqüilidade por outrem, no intuito de cessar a violação
de sua paz na medida em que esta foi infringida, o que é direito coletivo, haja vista a inexistência de
superioridade ou jurisdição de uns sobre os outros.
Percebe-se a ligação da mencionada faculdade à lei de Talião, ou da “infricção a uma pessoa
do mesmo dano que haja causado a outrem.”(HOUSSAIS, 2001), e temos a confirmação dessa
similaridade na referência de Locke ao talionato, quando diz que “todos têm direito de castigar o
ofensor, tornando-se executores da lei da natureza.” (LOCKE,1978, p.37)
Deixando-nos alguns princípios assimilados posteriormente no direito Penal e Civil, Locke nos
ensina que além do castigo à transgressão cometida, o sujeito passivo (vítima) tem também o direito
particular de buscar a reparação dos danos sofridos por parte de quem os causou (CC art. 402-
material / 953- moral / CP- art. 91,I ), apropriando-se de seus bens (art. 942 CC) no fim de ser
ressarcido e impedir que o infrator repita o delito. Notam-se algumas das bases sobre as quais o
italiano Cesare Beccaria se sustentou em sua obra “Dos Delitos e das Penas”(1764), na qual faz
menção às faculdades acima mencionadas por Locke, ao sustentar que a pena deve também focar-se
nesse ressarcimento do dano causado, na punição e conscientização da ilicitude do ato por parte do
transgressor. (BECCARIA, 2004)
Por fim Locke critica o Absolutismo ao sustentar ser melhor viver em estado de natureza, no
qual o homem se subordina somente a si, a viver sobre o domínio de um monarca com o poder
centralizado em si e que manda nos outros da maneira que melhor lhe aprouver, o que não concretiza
um pacto no qual lhe é outorgado o poder, pois como diz Locke: “todos os homens estão naturalmente
naquele estado [de natureza] e nele permanecem, até que, pelo próprio consentimento, se tornem
membros de alguma sociedade política.”( LOCKE, 1978, p.39.)

CAPÍTULO III – DO ESTADO DE GUERRRA


Este é um estado de inimizade e destruição advindo de desentendimento de indivíduos no
estado de natureza que declaram guerra entre si, podendo contar com o auxílio de terceiros que queiram
vir se juntar à causa. Locke reconhece essa possibilidade ao afirmar que temos o direito de declarar
guerra àquele que me a declara, como o permite a lei natural, por não se restringir a qualquer tipo de
convenção.
Desta forma Locke afirma que a tentativa de dominação ou escravização é algo que dá ensejo
ao estado de guerra, uma vez que no estado de natureza todos são livres: “aquele que tenta colocar a
outrem sob poder absoluto põe-se em estado de guerra com ele…” (LOCKE, 1978,p.40)
Em seguida Locke faz a diferenciação entre estado de natureza e estado de guerra (algo
inexistente na concepção hobbesiana, na qual os dois são praticamente os mesmos). O primeiro ocorre
quando os homens vivem entre si em gozo de suas liberdades sem maiores problemas: “quando os
homens vivem juntos conforme a razão, sem um superior na Terra que possua autoridade para julgar
entre eles, verifica-se propriamente o estado de natureza.” (LOCKE, 1978, p.41)
Logo, o ato de se infringir as mencionadas prerrogativas quando em vivência no estado natural,
àquele que teve seu patrimônio dilapidado, cabe o direito de declarar guerra a seu agressor, devido à
inexistência de quaisquer órgãos reguladores das atipicidades cometidas, o que não ocorre quando da
existência de um pacto social que garanta a resolução do conflito de modo equânime, e isso que deve
ser buscado pelos indivíduos para que o estado de guerra pereça de forma definitiva.

CAPÍTULO IV – DA ESCRAVIDÃO
Para Locke, “a liberdade natural do homem consiste em estar livre de qualquer poder superior
na Terra ,e não sob a vontade ou autoridade legislativa do homem, tendo somente a lei da natureza
como regra”. (LOCKE, 1978, p.43) Assim, ´podemos dizer que também no estado social, o homem deve
se subordinar somente àquele poder cujo consensualmente anuiu, estando livre para fazer tudo o que
não é defeso por tal poder, princípio de nosso Direito Constitucional “Ninguém será obrigado a fazer ou
deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei” (CR, art. 5º II)
Em relação à escravidão, é mais do que clara a repulsa de Locke a tal modo de domínio,
gerador de infinitos conflitos e ninharias. Para ele, só existe uma possibilidade do mencionado  m o d u s
v i v e n d i :   os casos em que a pessoa perde o seu direito à vida. Podemos ter o exemplo de um
cidadão que cometeu alguma falta gravíssima passível de pena de morte, casos em que Locke,
reconhece a possibilidade de escravização: “aquele a quem a entregou [a vida] pode, quando o tem
entre as mãos, demorar em tomá-la, empregando-o em seu próprio serviço”…(LOCKE, 1978,p.43)

CAPÍTULO V – DA PROPRIEDADE
Locke considera em seguimento ao Gênesis, que Deus deu a Terra aos homens em comum,
para que estes se utilizassem desta para a subsistência e conveniência. “Embora a terra e todas as
criaturas inferiores sejam comuns a todos os homens, cada homem tem uma propriedade em sua
própria pessoa; a esta ninguém tem qualquer direito senão ele mesmo.” (LOCKE, 1978, p.45) Note-se
que Maquiavel anteriormente a Locke nos deixou ensinamentos neste sentido, ao dizer no cap. XIX de
sua obra “O Príncipe” que para que não seja odiado por seus súditos, o Príncipe jamais deve usurpar
os bens e patrimônio destes: “quando os súditos têm seu patrimônio e honra respeitados, vivem
geralmente satisfeitos”. (MAQU IAVE L, 2004,p. 110)
Em continuidade, Locke nos diz que aquele espaço ao qual o indivíduo incorporou para si
através do trabalho é de sua propriedade exclusiva e não lhe pode ser contestada (salvo problemas de
escassez), pois se necessitássemos do consentimento de todos para apropriarmo-nos de uma
macieira, por exemplo, morreríamos de fome “É a tomada de qualquer parte do que é comum com a
remoção para fora do estado em que a natureza o deixou que dá início à propriedade.” (LOCKE, 1978,
p.46)
Assim o é também com a terra: “a extensão de terra que um homem lavra, planta, melhora,
cultiva, cujos produtos usa, constitui sua propriedade.” (LOCKE, 1978, p.47)
Locke ressalta a importância do trabalho nesse sentido, ou seja, de incorporação de maior
propriedade, algo que foi demasiado crucial no âmbito do protestantismo, que incorpora tal conduta à
preceitualização divina: “ aquele que em obediência a esta ordem de Deus, dominou, lavrou e semeou
parte da terra, anexou-lhe por este meio algo que lhe pertença.. . ” ( I d e m )   Note-se que Max
Weber (1864-1920), em sua obra “A Ética protestante e o espírito do Capitalismo” fez uma abordagem
muito importante nesse sentido, ao afirmar que a mencionada conduta (do trabalho como importante para
a dignificação do homem), foi muito importante no âmbito do desenvolvimento do Capitalismo, à medida
em que concorreu para o desenvolvimento econômico-social por ter o trabalho como base importante em
sua doutrina. (WEBER, 2004)
Quanto aos problemas relativos à escassez das terras, Locke considera impossível tal
contestação, pois o espaço dado por Deus a cada um dos homens para usufruto é mais do que suficiente
para sua satisfação, e no caso de desacordo com qualquer outro homem, é passível de modificação,
podendo aquele que teve sua propriedade disposta a terceiro, trocá-la por outra tão quão produtiva
quanto a anterior.
Retornando à questão do trabalho, Locke nos chama a atenção não só para o acúmulo de
propriedade, mas também para a sua valorização: “. . .considere qualquer um a diferença que existe entre
um acre de terra plantado [...] e um acre da mesma terra em comum sem qualquer cultura e verificará que
o melhoramento devido ao trabalho constitui a maior parte do valor respectivo.” ( I   d e m ,   p.50) “A
grande arte do governo consiste no aumento de terras e no uso acertado delas”(I  d e m ,   p.51)
Ao longo do tempo, com o crescimento populacional, a escassez passou a ser iminente, o que
culminou em pactos e leis fixando os limites dos respectivos territórios, dando ênfase à legitimidade de
sua posse.
Em seguida Locke nos explica o surgimento do dinheiro, advindo da necessidade de se
acumular bens sem o problema da fungibilidade, ou seja, sem o perecimento de seus bens com o tempo.
(Note-se que o processo se iniciou com a permuta ou troca, que aos poucos foi sendo substituída pela
moeda – “as moedas fabricadas com uma liga de ouro e prata apareceram pela primeira vez no século VI
a.C. Tanto os monarcas como os aristocratas, as cidades e as instituições começaram a cunhar moedas
com seu sinete de identificação para garantir a autenticidade do valor metálico da moeda.” (ENCARTA
2001)
José Afonso da Silva em seu “Curso de Direito Constitucional Positivo”,considera a propriedade
como direito individual indispensável (p.180), ao lado da vida, igualdade, liberdade e segurança, todos
elencados no art. 5º de nossa Carta Magna, relativo aos direitos e deveres individuais e coletivos, que
assim define em seu Inciso XXIII: “ a propriedade atenderá a sua função social”, e em seu inciso XI que “a
casa é asilo inviolável.”
Tais desígnios são pertinentes da primeira leva de direitos a serem assegurados aos
indivíduos ainda na idade Moderna (os quais J. J. Canotilho define como “Direitos de Defasa do cidadão
perante o Estado,” considerando Locke o pai do individualismo possessivo, p.384; Moraes chama-os de
“Direitos da primeira Geração ou negativos”, sucedidos pelos sociais, econômicos e culturais (2ª), e pelos
de solidariedade ou fraternidade (3ª) p.27;) com a declaração dos direitos do homem e cidadão pouco
após o término da Revolução Francesa, com a declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, que
deveriam ser dispostas em quaisquer constituições que viessem a existir, sendo substituída a
p o s t e r i o r i ,   pela “Declaração Universal dos Direitos Humanos” em 1948 pela assembléia das Nações
Unidas.

CAPÍTULO VI – DO PÁTRIO PODER


Locke critica a mencionada expressão, nos dizendo que pode nos conduzir ao erro, pois parece atribuir
totalmente ao pai o poder sobre os filhos, quando na verdade sabemos o quão é imprescindível o poder
exercido pelas mães: “seria preferível chamar esse direito de ‘poder dos pais’, para qualquer obrigação
que a natureza e o direito de geração impõem aos filhos, subordinando-os com toda certeza por igual a
ambas causas nela concorrentes.”(LOCKE,1978, p.55)
Em continuidade, Locke nos fala de algo que faz algum diferencial mesmo quando em estado
de natureza: a experiência, que segundo ele, através da idade ou a virtude ( v i r t ú   em Maquiavel –
Príncipe cap. XXV), pode atribuir ao homem maior domínio sobre os demais, e isso é de nossa natureza
(inclusive da dos animais).
Os únicos passíveis de jurisdição, porém temporária, são os filhos, que até atingirem a
maturidade, são dependentes dos pais, assim como foram Caim e Abel de Adão e Eva, sucessivamente:
“. . .o poder que os pais têm sobre os filhos resulta do dever que lhes incumbe – cuidar da progênie
durante o estado imperfeito da infância.”(LOCKE, 1978, p.56)
É só na maturidade (hoje a “maioridade” ocorre para nós aos 18 anos conforme o art. 5º de
nosso CC: “A menoridade civil cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à
prática de todos os atos da vida civil.” Porém quando a maturidade chega, é uma incógnita…), um estado
no qual o jovem já dispõe do devido discernimento, que ele pode passar a gozar de todas suas
liberdades (Locke considerava ser nos aproximados 21 anos), e não depende mais de seus pais ou
tutores.
Em seguida Locke faz menção aos loucos e defeituosos que não atingem o grau de razão em
que teriam o necessário discernimento, ensinando que estes jamais se libertam do governo dos pais,
regra levada a cabo por nosso Código Civil, que assim define em seu art. 3º II: “são absolutamente
incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil, os que por enfermidade ou doença mental, não
tiveram o necessário discernimento para a prática desses atos.”
Após a maioridade, quando perde a jurisdição dos pais, o filho deve manter sempre a honra e o
respeito por ambos: “não há estado ou liberdade que possa dispensá-los desta obrigação.” (LOCKE,
1978, p.59) Porém há de se lembrar que jamais os pais poderão continuar a exigir de sua prole eterna
obediência e absoluta submissão.
Temos assim duas vertentes distintas: a primeira, a obediência, diz respeito ao dever dos
filhos de respeitarem seus pais quando ainda incapazes, e reciprocamente, o dever dos pais de
contribuírem para a formação do filho até o ápice de sua maturidade. A segunda vertente abordada
por Locke, a veneração, é referente ao respeito e atenção dos filhos para com os pais após o escopo
de sua maturidade, haja vista a importância destes em sua formação anterior, apesar de não
exercerem mais a total jurisdição sobre eles.
Em abordagem a outra forma de exercício do poder, Locke nos fala da faculdade de se doar a
herança: os pais tendo em vista o temperamento e veneração dos filhos após a maioridade, doa a
herança da maneira que melhor lhes aprouver, o que de certo modo deixa os filhos co-obrigados a
obedecer-lhos mesmo após a maioridade, visando sempre o recebimento da herança, o que faz com
que o pai ainda tenha sobre eles um certo “reinado”, o que leva Locke a compará-los com monarcas
políticos, que estabelecem sua sucessão após a morte.

CAP. VII – DA SOCIEDADE POLÍTICA OU CIVIL


Como ensina o Gênesis, Deus fez o homem no intuito de que este convivesse em
sociedade, dando-o a razão e o discernimento necessários para seu relacionamento com os demais, o
que inicia-se pela sociedade conjugal, que tem como fim a procriação e o cuidado para com a prole
até sua maturidade, sendo essa a principal razão da continuidade dos laços entre homem e mulher, e
um dos motivadores do desenvolvimento do trabalho, de acordo com Locke.
Considerando diferentes a sociedade conjugal e a política, o autor resolve por focar-se na
segunda, após breve explanação sobre a primeira. Ela nasce a partir do momento em que os
indivíduos resolvem por abrir mão de seu direito natural (Estado de natureza – cap II), passando-o às
mãos da comunidade, da forma que a lei estabelecer: “. . .excluindo-se todo julgamento privado de
qualquer cidadão particular, a comunidade torna-se árbitro em virtude das regras fixas
estabelecidas…” (Locke, 1978, p. 67)”
Assim, aqueles que unem-se nesse intuito de estabelecer entre si um m o d u s
v i v e n d i ,   com órgãos responsáveis pela resolução de controvérsias e punição dos infratores,
encontram-se numa sociedade política ou civil: “…por essa maneira a comunidade consegue, por meio
de um poder julgador estabelecer que castigo cabe às varias transgressões, (…) bem como possui o
poder de castigar qualquer dano praticado contra qualquer dos membros, (…) e tudo isso para a
preservação da propriedade de todos os membros dessa sociedade… “ ( I d e m ) .   Note-se a partir da
citação, a criação dos poderes Legislativo e executivo, aos quais Locke delega o a faculdade da criação
e execução das leis, sistema posteriormente aprimorado pelo francês Montesquieu (1689 -1755) em sua
obra “O espírito das Leis”, na qual trás a tona o sistema de pesos e contrapesos ( c h e c k s a n d
balances).
Logo, só da forma retro-mencionada que se torna possível a existência de uma sociedade civil,
coexistindo nos demais casos o estado de natureza; assim Locke considera a monarquia, que não é
constituída através de uma outorga consensual entre seus membros: “. . .onde quer que existam pessoas
que não tenham semelhante autoridade a que recorrerem, (…) estarão tais pessoas no estado de
natureza; e assim se encontra qualquer príncipe absoluto em relação aos que estão sob seu domínio.”
(Locke, 1978, p.68).
Para que haja a modificação desses estados monárquicos, há a necessidade de um juiz
imparcial, que decide de forma justa e sem inclinações (o que não aconteceu nas monarquias) os
conflitos existentes. Locke nos diz ainda que a monarquia é pior do que o estado de natureza ordinário,
porque há alguém com um poder superior ao meu que se acha senhor de tudo.
Ninguém em seu estado de natureza pode ser expulso de sua propriedade ou ser submetido ao
poder político de outrem sem dar consentimento, pois como já explicitado por Locke, todos são livres,
iguais e independentes, e só através de um pacto civil visando maior tutela destas liberdades que ocorre
o fim do tão estudado Estado, e a formação de um corpo político que representa a maioria (LOCKE x
ROUSSEAU). “Todo homem, concordando com outros em formar um corpo político sendo um governo,
assume a obrigação para com todos os membros dessa sociedade de submeter-se à redução da maioria
conforme a assuntar. . .”(Locke, 1978, p. 71)
Locke logo após se depara com duas objeções: Quando ocorreu de homens se reunirem e
formarem um pacto da forma mencionada? Como pode ter ocorrido se todos nós nascemos sob um
governo qualquer?
Em resposta, Locke nos explica que o governo precede à historia, e só após sua formação é
que se iniciam relatos a seu respeito.
Como o modo de se justificar, Locke se utiliza das palavras do jesuíta Espanhol José de
Acosta (1539 – 1600), que em quando da exploração da América relatou a inexistência de quaisquer
governos. “[No Peru] não tiveram, durante muito tempo, reis nem comunidades, vivendo em bandos,
como o fazem até hoje na Flórida os Cheriquanas, os do Brasil e de muitas outras nações que não
tem reis certos, mas quando se oferece a ocasião, na paz ou na guerra, escolhem os chefes conforme
lhes convém…“ (ACOSTA CITADO EM LOCKE, 1978, p. 73). Como explicita Locke, tais sociedades
iniciaram-se com a união voluntária e acordo mútuo entre os homens que agiam livremente.
Explicando o porquê do surgimento das monarquias, Locke baseia-se na figura do Pai, que
como até a atualidade costuma ser consenso, é o responsável pelo sustento e gerencia dos filhos, e o
seu castigo quando da transgressão das leis entre si impostas, o que foi se transferindo de tempos em
tempos, culminando nas monarquias, mas ele considera que tal poder exercido pelos pais era legitimo,
pois o era feito de forma natural:. ..”não pode haver dúvida que faziam o uso da liberdade natural para
instalar aquele que julgavam o mais apropriado a bem governar.” (Locke, 1978, p. 74); porém comete-
se um enorme engano ao se considerar que o governo monárquico surgiu por natureza, vez que
surgiu como ensinou Locke, pelo consentimento tácito, pois já acostumados com a autoridade paterna,
os indivíduos verificaram-na como a melhor e mais segura.
O surgimento das monarquias de forma mais concisa como o era na época de Locke, se deu
segundo ele, pela superioridade de determinados indivíduos na chefia de guerras e conflitos, nos
quais destacaram-se por sua maior capacidade e agilidade a frente do povo, o que trouxe confiança
dos demais por ele, algo que passou a vigorar em primeiro plano sem malícia, dando origem às cruéis
monarquias, sustentadas por argumentos esdrúxulos como os de Sir. Robert Filmer.
Em resposta à questão de nosso atrelamento a formas de governo precedentes ao nosso
nascimento, Locke volta a mencionar que somos livres, e por isso podemos criar nossa própria forma
de governo, desde que longe daquela, pois se não houvesse tal possibilidade, o mundo continuaria
gerido por uma única monarquia: ”. . .quem quer que nasça sobre o domínio de outrem pode ser
igualmente livre e pode tornar-se governante ou súdito de governo separado ou distinto (…) todos
teriam de ser uma única monarquia universal se os homens não tivessem tido a liberdade de se
separarem das famílias e dos governos (…) indo formar comunidades distintas e outros governos…”
(Locke, 1978 p. 78)
Finalizando a questão relativa às formas de governo e sua aceitação, Locke  nos fala que nos
casos de esta ser expressa, o individuo coobriga-se como membro de tal governo, porém o problema
centra-se no consentimento tácito, que para Locke dá-se quando o individuo não manifesta sua
vontade e interesse para com a manutenção da jurisdição, o que o vincula até que não queria mais
manter-se sobre determinado poder, tendo a faculdade de retirar-se da comunidade, o que não
ocorre com aquele que a aceitam de forma expressa.

CAP IX. DOS FINS DA SOCIEDADE POLÍTICA E DO GOVERNO


Locke nos fala que apesar dos homens terem total liberdade sobre suas posses, e não terem
qualquer obrigação com qualquer outro no estado de natureza, estão expostos a inúmeros perigos que
podem culminar na perda de sua propriedade e tranqüilidade para terceiros, pois são vulneráveis: “… a
punição da propriedade que possui nesse estado é muito insegura, muito arriscada.” (Locke, 1978,
p.82).
Mais do que óbvio, o surgimento das sociedades civis tem como escopo, a preservação da
propriedade, o que não se demonstra tão firme no estado de natureza: “O objetivo grande e principal,
(…) é a preservação da propriedade. Para este objetivo, muitas condições faltam no estado de
natureza” (Idem). Locke enumera várias condições inexistentes no estado de natureza:
1 – Uma lei firmada e reconhecida por todos, pela qual devem se pautar.
2 – Um juiz imparcial para a resolução de conflitos de acordo com a lei.
3 – Algo que assegure a devida execução da sentença imposta.
Um grande motivador da saída dos indivíduos de seu estado de natureza, levando a se
associarem aos demais, é a incerteza sobre o resultado de suas ações quando em estado de natureza:
“Os inconvenientes a que estão expostos pelo exercício irregular e incerto do poder que todo homem
tem de castigar as transgressões dos outros obrigam-nos a se refugiarem sob as leis estabelecidas de
governo e nele procurarem a preservação da propriedade. (Idem, p.83)
Tendo em vista uma maior proteção à sua propriedade e bens, apesar de perder alguns de
seus direitos exclusivos do estado de natureza (principalmente a autotutela), o homem tem lucros ao
resolver por ligar-se a uma sociedade política, pois ao contrario, fica a mercê da vulnerabilidade. A
concepção de Locke é bastante diferente da hobbesiana, que vê o Estado como um “mal necessário”.
(HOBBES, 2004)

CAP. X – DAS FORMAS DE UMA COMUNIDADE


Locke aborda as diversas formas de governo que se tornam possíveis quando há a criação das
sociedades civis.
Se há a nomeação de pessoas de tempos em tempos para a elaboração das leis, deparamo-
nos com uma democracia, segundo ele. Nos casos de dar-se tal faculdade nas mãos de alguns homens
escolhidos, e a seus herdeiros e sucessores, deparamos-nos com uma oligarquia, podendo haver
também as monarquias, que podem ser hereditárias (Locke já nos falou do problema que pode causar a
hereditariedade), ou eletivas.
Por fim Locke nos dá a definição de Comunidade, que deve ser interpretada segundo ele com o
significado de “ c i v i t a s ” ,   correspondente à forma de associação por ele mencionada, na qual vários
indivíduos unem-se em torno de um mesmo objetivo, visando o bem comum.

CAP XI – DA EXTENSÃO DO PODER LEGISLATIVO


Locke nos diz que a primeira e fundamental lei positiva que for instruída dentro de uma nova
sociedade, deve estabelecer junto a si o poder legislativo, poder supremo e sagrado dentro de uma
comunidade, sem o qual jamais poderá haver a possibilidade de se legislar sem o consentimento dos
seus representantes: “[não] pode qualquer edito de quem quer que seja, (…) ter a força e a obrigação da
lei se não tiver a sanção do legislativo escolhido e nomeado pelo público”… (Locke, 1978, p.86).
Fazendo algumas ressalvas ao poder legislativo, que pode ser exercido por um ou mais
cidadãos, Locke nos diz que:
1- Ele não pode ser mais do que aquilo que as pessoas lhe outorgaram: “… não poderá ser mais
do que essas pessoas tinham no estado de natureza antes de entrarem em sociedade e o cederam à
comunidade, porque ninguém pode transferir a outrem mais poder do que possui.” (Locke, 1978 p. 87)
Seu objetivo é a preservação dos direitos dos súditos, e nada mais.
2 – Ele jamais pode chamar a si o poder de governar por meio de decretos extemporâneos e
arbitrários, (AI 5…) somente deve o fazer por leis a partir das  quais os magistrados o efetivarão, para
que não caia na autoridade, o que é um dos motivos que levam o individuo a celebrar o pacto, visando
seu fim: “o poder que tem o mando deve governar mediante leis declaradas e recebidas, e não por
prescrições extra temporais e resoluções indeterminadas”. (Locke, 1978, p. 88)
3 – Tal poder não pode jamais retirar dos indivíduos a sua propriedade (o que  é um dos
principais motivos de sua criação), ou lançar impostos sobre esta sem seu consentimento. É errôneo
pensar que o poder legislativo pode fazer o que quiser, mas isso pode ser possível naquelas
comunidades em que o legislativo esta alicerçado só sob um único individuo permanentemente, pois
nos casos de assembléias variáveis, os legisladores não o fazem por saber que voltarão estar
submissos como os demais.
4 – o poder legislativo não pode transferir seu poder de elaboração de leis a terceiros, pois só
o povo que tem legitimidade para o fazer.

CAP. XII DOS PODERES LEGISLATIVO, EXECUTIVO E FEDERATIVO DA COMUNIDADE


Coma já mencionado por Locke, o poder legislativo é aquele que Tem o direito de saber como
se deverá utilizar a força da comunidade no sentido da preservação dela própria e dos seus membros,
mas apesar desta tarefa, ele não trabalha permanentemente, e seus membros devem voltar à
normalidade para que também sujeitem-se às leis que fizeram, e aproximem-se mais do bem geral, o
que contrariamente os poderia levar a agir de forma arbitrária, ou visando interesses exclusivos.
Na fiscalização do cumprimento das leis, ficará o poder executivo, responsável por
acompanhar sua execução e eficácia, que ficará bastante separado do legislativo, por este se reunir
poucas vezes.
Por último Locke menciona o poder federativo, responsável pela segurança e defesa dos
interesses da comunidade fora dela, o qual deve ser também regido pelo executor, pois segundo ele:
“… é quase impraticável colocar-se a força do Estado em mãos distintas e não subordinadas, ou os
poderes executivo e federativo em pessoas que possam agir separadamente, em virtude do que a força
do público ficaria sob comandos diferentes, o que poderia ocasionar, em qualquer ocasião, desordem e
ruína.” (Locke, 1978 p. 92)

CAP. XIII-DA SUBORDINAÇÃO DOS PODERES DA COMUNIDADE


Locke nos ensina que como o poder legislativo age de acordo com os interesses da
comunidade visando sua preservação e salvaguarda, jamais pode ir contra esta, casos nos quais a
mesma pode alterá-lo, outorgando-lhe a outros indivíduos, pois é sempre o poder supremo nos casos
de falhas ou corrupção no poder legislativo, o que não ocorre nos casos de boa gestão, em que o
legislativo goze de tal prerrogativa:”… enquanto subsiste o governo,o legislativo é o poder supremo; o
que deve dar leis a outrem deve necessariamente ser-lhe superior…” (Locke, 1978, p.93)
Nos casos de vacância temporal do legislativo (cap XII) momento em que não está atuante, a
referida guarda e supremacia advém do executivo que apesar de irresponsável pela continua
fiscalização das leis; esta pessoa única também pode chamar-se suprema, em sentido mais tolerável,
“não que tenha em si todo o poder supremo, que é o de fazer leis, mas porque possui em si a suprema
execução…” (idem)
Retomando o poder legislativo, Locke nos fala sobre o modo e freqüência de suas reuniões,
nos ensinando que podem ser reguladas constitucionalmente, com a precisão de reuniões durante
intervalos de tempo, ou quando as exigências ou ocasiões trouxerem tal necessidade, devendo em
ambos casos o executivo agir no sentido de possibilitar de forma precisa as mencionadas reuniões.
Se o executivo não concorre para a possibilitação das reuniões, e utiliza-se da força para
impedi-las, Locke nos diz que o povo tem o direito de utilizar-se da força, pois seu emprego sem o
consentimento do povo por parte do executivo, coloca-o num estado de guerra para com a sociedade.
Seu poder de convocar o legislativo, não o trás ou dá supremacia, é apenas um encargo, uma
obrigação em prol do bem publico e da continua manutenção das leis.
Locke nos fala neste presente capitulo dos casos em que o poder legislativo nada deliberou
sobre determinado assunto, ou simplesmente não o regular de forma amplamente necessária,
momentos em que cabe ao executivo buscar utilizar-se do meio mais eguaz possível, visando o bem
da comunidade: . ..o executor das leis, tendo o poder nas mãos, possui o direito de (…) fazer o uso dele
para o bem dasociedade, em muitos casos em que a lei municipal não estabeleceu qualquer direção,
ate que o legislativo,(…) pondere a respeito.” ( I d e m , p.96) Na atualidade, claro que pouco
adversamente, nosso poder executivo tem através de nossa Magna Carta prerrogativa similar, possível
devido às medidas provisórias, (reguladas no art. 62) que dão a faculdade ao chefe do executivo, de
editar medidas provisórias nos casos de relevância e extrema necessidade, suprindo a vacância do
poder legislativo, que pouco após é chamado a deliberar no intuito de aprovar ou não a medida,
possível de ser convertida em lei.
Quando age em favor do bem público em casos em que não há previsão legal ou que há a
necessidade de vir contra esta, o executivo utiliza-se do instituto chamado prerrogativa, devendo ir
sempre a favor do povo. Exemplo simples desta utilização, é o caso em que há a necessidade de
demolição de uma casa próxima de outra que está pegando logo, para que este não mais se alastre.
Como é bastante visível, há a necessidade do mencionado ato, que se tido em momento posterior,
culminara na destruição de propriedade; porém, visando o interesse coletivo, o executivo jamais
poderá deixar de se utilizar desta hermenêutica nestes casos mais extremos.
Locke nos diz que as primeiras sociedades tinham a prerrogativa como principal base de seus
governos, pois poucos eram as leis positivas, que foram paulatinamente germinando das
necessidades modernas, e substituindo a arbitrariedade dos reis, trazendo cada vez mais de forma
concreta, segurança para a sociedade, o que jamais pode ser considerado uma “usurpação do poder”,
como Locke nos ensinou: “sendo o objetivo do governo o bem da comunidade, quaisquer alterações
que se introduzam nele visando a um objetivo não podem representar usurpação contra quem quer
que seja (…) a prerrogativa só pode ser a permissão do povo aos governantes para praticar alguns
atos de livre escolha onde a lei silencie, e por vezes, vá também, diretamente contra a letra da lei, a
favor do bem público”… (Locke, 1978, p. 99)
Por fim, Locke nos pergunta o que pode-se fazer se esta prerrogativa se tornar arbitrária por
parte do poder executivo, e referindo-se a divindade nos diz que a única coisa que se pode ser feita, é
apelar para esta: “… quando o corpo do povo (…) está submetido a um poder sem direito, contra o qual
não exista apelação na terra, ficam então na liberdade de apelar para o céu”… (Id e m ,   p.101)

CAP. XVI DA CONQUISTA


Locke nos diz que tal forma de poder é algo muito comum em guerras, e que não é uma forma
legitima de manifestação do poder político, pois “sem o consentimento do povo, não é possível nunca
fundar-se nova sociedade”. (Locke, 1978, p. 104). Ele compara a mencionada conquista através de
guerras, à conquista que um ladrão tem de meu patrimônio: sob ameaça de uma arma, seria legitima a
entrega de minha propriedade a outrem? Jamais aquele que conquista em guerra injusta pode ter
qualquer direito à submissão e obediência por parte do conquistado.
Para Locke, o poder que o conquistador pode ter do conquistado é puramente despótico, sendo
aceitável somente sobre a vida dos que participaram desta e perderam seus direitos (cap. IV-
escravidão), o que não abrange aqueles que não tomaram parte na batalha, salvo o expresso
consentimento dos mesmos: “quem tem direito sobre a pessoa de um individuo para destruí-lo conforme
quiser, nem por isso tem direito sobre o que lhe pertence para possuí-lo e desfrutá-lo. (…)
o   direito de conquista se estende somente à vida dos que tomaram parte na guerra
e   não às suas propriedades”… (Locke, 1978, p. 107). Como parte da propriedade dos indivíduos temos
a família, e Locke reconhece que esta jamais deve responder por nada nos casos de escravização do
patriarca: ”Salvos prejuízos e danos obtidos com a guerra, não podemos prejudicar a família.”
(Id e m )   Quanto aos filhos, a recíproca se repete, pois como já explicitado, estes são livres de sujeição
a qualquer governo (se sujeitam somente ao poder dos pais até a maioridade cap.VI),
e   são os legitimados à herança dos pais.
Locke diferencia ao inicio a conquista (chamada por ele de usurpação estrangeira) da
usurpação, que para ele é uma conquista interna, na qual tal conquistador jamais pode ter o direito a
seu favor, por estar este direito na posse de um terceiro legitimado.
Como visto no capítulo anterior, o conquistador passa a ter o direito sobre aqueles com quem
guerreou e venceu, algo não reconhecido nas formas e regras de governo por parte do usurpador, vez
que esta jamais será legitima, pois “…quem quer que adquira o exercício de qualquer parte do poder
por meios diferentes do que as leis da comunidade prescreveram, não tem direito a ser obedecido…”
(Locke, 1978, p. 112). Assim, só a sociedade, e de forma que a lei estabelecer, é a legitimidade para a
escolha de seus dirigentes, não tornando-se jamais submissa a qualquer forma de poder arbitrário
como a advinda da usurpação.

CAP. XVIII – DA TIRANIA


Se a usurpação é o exercício do poder ao qual outrem tem o direito, a tirania é segundo Locke,
o exercício do poder alem do direito que lhe fora outorgado, algo que não pode caber a ninguém. Ela
consiste em fazer o uso do poder tido em mãos, não para a vontade daqueles ao qual estão sujeitos,
mas em vantagem própria e privada, algo já combatido anteriormente pelo rei Jaime Stuart, que rezava
que: “… o rei justo e virtuoso, (…) reconhece ter sido criado para promover a riqueza e a propriedade
de seu povo”. (Locke,1978, p. 113)
Segundo Locke, não só as monarquias podem ser sujeitas a tal arbitrariedade, pois em
quaisquer formas de governo nos quais o poder de um legitimado se aplicar para fins serão os de
interesse de seu povo, tal governo encontrar-se-á em uma tirania. Para Locke, o ato de se possuir
mais poder ou posses do que os demais, não me dá o direito de exorbitar as faculdades a
mim atribuídas: “. . .possuir com pleno direito grande poder e riquezas, (…) esta tão longe de valer como
desculpa e muito menor como razão, para a rapinagem e opinião”… (Locke, 1978, p. 115).
Nos explicando o porquê de não se poder opor às ordens de um príncipe
quando estas são legítimas, (o que pode gerar baderna) Locke enumera quatro fatores que dão ensejo
à condição de quem o faz:
1. O príncipe não responde por quaisquer atos não considerados ilegais em seu governo, o que o
livra de qualquer tipo de censura ou condenação judicial.
2. Tal faculdade não impede o questionamento de sua regularidade, mas se o príncipe ou rei o for,
a arbitrariedade dos responsáveis pelo constrangimento e desrespeito às leis deve ser julgada.
3. Nos casos de não haver a faculdade acima mencionada, deve haver a existência de
mecanismos satisfatórios para a resolução dos conflitos e desentendimentos existentes quando
do exercício do poder pelo legitimado, capazes de garantir boa relação e o destrinchar de
quaisquer conflitos.
4. Mesmo com a eminência de atos ilegais por parte do governo, e com a obstrução das formas
legais de se proceder, os indivíduos têm o direito de resistir a tal manifesto, buscando de melhor
maneira o modo de resolução do problema de forma pacífica.
CAP. XIX – DA DISSOLUÇÃO DO GOVERNO
Locke busca ao inicio a distinção de dois termos: a dissolução da sociedade, e a dissolução do
governo. A da sociedade pode ocorrer pela invasão de força estranha, o que culmina não só na
dissolução do governo, mas também na dissolução da sociedade, vez que esta perde a capacidade de
autogestão: ”. . . não sendo capaz de manter-se e sustentar-se como corpo inteiro e independente,
a união que lhe cabia e a formava tem necessariamente de cessar”… (LOCKE, 1978, p. 118) Há também
segundo Locke, a possibilidade de dissolução dos governos por motivos internos:
10 – Quando se altera o poder legislativo sem o prévio consentimento da sociedade, o que ocorre
“se um homem ou mais de um chamarem a si a elaboração leis sem autoridade, a que o povo, em
conseqüência, não está obrigado a obedecer”. (idem, p. 119)
Nestes casos o mesmo tem a liberdade de escolher novos legisladores, e conforme a
conveniência, nova forma de governo.
20 Quando o legislativo ou o príncipe agem contrariamente ao encargo que receberam, ou seja, a
preservação da propriedade fator responsável por sua criação. Ao agir desta forma, apoderando-se ou
entregando a terceiros a propriedade alheia, o legislativo perde o poder que lhe fora outorgado pelo povo,
que passa a ter o direito de retomar sua liberdade originária, ou eleger novos governantes ou modos de
governo.
Em seguida Locke nos diz que fora dos casos supracitados, o povo, apesar de alguns
problemas decorrentes das contínuas modificações ocorridas nas sociedades de menor repercussão,
consegue conviver em paz … “até que o malefício se torne geral e os maus desígnios dos governantes
visíveis, ou que a maior parte perceba as tentativas que fazem, o povo, (…) não será capaz de mexer-
se”. (idem, p. 124).
Lembrando-nos de preceitos já estudados nos capítulos anteriores ( cf. cap.II e III), Locke lembra
que nos casos de exorbitância das faculdades outorgados por parte do legislador, o povo em decorrência
da lesão sofrida, pode em determinados casos retornar ao estado de guerra: “ Quem quer que use força
sem direito, como o faz toda aquele que deixa de lado a lei, coloca-se em estado de guerra com aqueles
contra os quais assim a emprega”.. (idem, p. 125). E Locke considera justa uma penalização mais severa
ao legislador, nos casos em que vai em desrespeito à lei imposta (algo que deveria ser levado à cabo em
nosso país): “[a ofensa deles é maior] não só por serem ingratos pela maior pela maior parte que tem
pela lei, mas também por desrespeitarem o encargo em que seus irmãos lhes colocaram nas mãos”.
(idem).
Desta forma Locke refuta as palavras do jurista Willian Bar Clay que não aceita de forma
alguma penas mais severas ao monarca, pois vê que “o inferior não pode castigar o superior” (idem, p.
126), pode apenas “suportar” sua tirania, o que Locke revida, ao sustentar que nestes casos os
indivíduos retornam ao estado de guerra, sem exceção, tendo direito de se opor a quem quer que seja.
Como toda regra tem sua exceção, o grandioso jurista crê que nos casos em que o rei procura derrubar
o governo e coloca o povo em guerra, ou quando se forma dependente de outro reino e perde sua
autonomia, o povo encontra-se livre e entregue à própria vontade, o que não foge do foco de
pensamento Lockeano.
Ao fim Locke volta a afirmar que o grande legitimado para julgar tanto o príncipe quanto o
legislativo quando estes agem contrariamente as leis, é sempre o povo: “. . .quem poderá julgar se o
depositário ou o deputado age bem e de acordo com o encargo a ele confiado serão aquele que o
nomeiam, devendo por tê-lo nomeado, ter ainda poder para afastá-lo quando não agir conforme seu
dever” (Id e m ,   p. 130).

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