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KENNETH N. WALTZ TEORIA DAS RELACOES INTERNACIONAIS TRADUGLO REVISKO CIENTIFICA gradiva 4 Teorias sistémicas e reducionistas Os capitulos 2 e 3 sto altamente criticos. A critica € uma tarefa nega- ttiva que é suposto ter resultados positives. Para os conseguir, vou, neste capitulo, comegar por reflect nas insuficiéncias tebricas reveladas nas ‘paginas anteriores, e depois dizer 0 que compreende uma teoria sistémica das relagdes internacionais € 0 que pode ou no realizar. I De uma forma ou de outra, as teorias das relagdes internacionais, quer sejam reducionistas ou sistémicas, lidam com acontecimentos a todos os niveis, do subnacional ao supranacional. As teorias so reducionistas ou sistémicas, nfo em fungdo daquilo com que lidam, mas de acordo com a forma como organizam os seus materiais. As teorias reducionistas explicam as resultantes internacionais através de elementos e combinagdes de elementos localizados a nivel nacional ou subnacional. A argumentagdo de tais teorias & que forgas internas produzem resultantes externas. NX é 0 seu padro. O sistema in- ternacional, se for sequer concebido, é tomado como mera resultante. ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS o Uma teoria reducionista é uma teoria sobre o comportamento das partes. Uma vez que a teoria que explica o comportamento das partes esteja moldada, no & necessério mais esforgo. De acordo com as teorias do imperialism examinadas no capitulo 2, por exemplo, as resultantes internacionais sio simplesmente a soma dos resultados produzidos pelos estados separados, ¢ 0 comportamento de cada um deles & explicado através das suas caracteristicas intemnas. A teoria de Hobson, tomada como teoria geral, ¢ uma teoria sobre o funciona- mento das economias nacionais. Dadas certas condigées, explica por que a procura abranda, por que a produgo diminui, e por que os recursos sto subempregues. Hobson acreditava que podia inferir 0 comportamento externo dos estados capitalistas a partir do conhe- cimento de como funcionam as economias capitalistas. Cometeu o erro de prever resultantes a partir de atributos. Tentar fazé-lo signi- fica ignorar a diferenca entre estas duas declaragdes: «Ble € um desordeiron ¢ «ile cria desordem». A segunda afirmagao resulta da primeira se os atributos dos actores no determinarem unicamente as resultantes. Assim como os pacificadores podem nio conseguir fazer paz, também os desordeiros podem niio conseguir criar desor- dem. A partir dos atributos no podemos prever resultantes, se essas resultantes dependerem das situagdes dos actores assim como dos seus atributos. Parece que poucos conseguem consistentemente escapar & crenga de que as resultantes politicas internacionais sio determinadas, mais, do que meramente afectados, pelo que os estados so. O ero de Hobson foi cometido por quase todos, pelo menos do século xrx em diante, Na histéria inicial da politica das grandes poténcias modernas, todos os estados eram monarquias, e a maioria monarquias absolutas, Terd o jogo politico do poder sido jogado devido aos imperativos das relagdes internacionais ou simplesmente porque os estados autorité- rigs tém inclinago para o poder? Se a resposta & tltima parte da questio fosse «sim», entZio mudangas nacionais profundas iriam trans- formar as relagSes internacionais. Tais mudangas comegaram a acon- tecer na Europa ¢ na América mais marcadamente em 1789. Para alguns, a democracia tormou-se a forma de estado que iria fazer do mundo um mundo pacifico; para outros, mais tarde, era o socialismo que iria dar resultado. Além disso, no s6 a guerra € a paz, mas as relagdes intemacionais em geral eram para ser entendidas através do estudo dos estados e dos estadistas, das elites e das burocracias, dos 90 TEORIA DAS RELAGOES INTERNACIONAIS. actores subnacionais e transnacionais cujos comportamentos ¢ interac Ges formam a substincia dos assuntos intemnacionais, Os cientistas politicos, de orientagio tradicional ou moderna, reificam os seus sistemas reduzindo-os as suas partes em interac Por duas razoes, a jungao de tradicionalistas orientados pela hist6ria © modemistas orientados pela ciéncia pode parecer estranha. Primeiro, a diferenga nos métodos que usam obscurece a similaridade da sua metodologia, isto é, da légica que seguem as suas investigagdes. Se. gundo, as suas diferentes descrigdes dos objectos das suas investiga Ges reforcam a impressao que a diferenga de métodos é uma diferenca de metodologia. Os tradicionalistas enfatizam a distingdo estrutural entre politica interna e intemacional, uma distingao que os modemis- tas normalmente negam. A distingo apoia-se na diferenga entre a politica conduzida numa condigio de regras estabelecidas e a politica conduzida numa condigaio de anarquia. Raymond Aron, por exemplo, encontra a qualidade distintiva das relacdes intemacionais na «aus cia de um tribunal ou de uma forga policial, no direito de recorrer & forga, na pluralidade de centros de decisdo auténomos, na alternncia € continua interaccdo entre guerra e paz» (1967, p. 192). Esta visio contrasta com a investigagao de J. David Singer das potencialidades descritiva, explanatéria e preditiva dos dois niveis diferentes de ané- lise: o nacional e 0 internacional (1961). No seu exame, no consegue ‘mesmo mencionar a diferenga contextual entre politica organizada dentro de estados e politica formalmente desorganizada entre eles. Se a diferenga contextual for descurada ou negada, entio a diferenga qualitativa entre politica interna e externa desaparece ou nunca exis- tiu. E esta 6, de facto, a conclusio a que os modemistas chegam. A diferenga entre o sistema global e os seus subsistemas nao esté na anarquia dos primeiros e na organizac&o formal dos iltimos, mas no facto de haver, como Singer diz, apenas um sistema internacional «no planeta Terra ¢ & volta dele» (1969, p. 30). Se acrestitarmos nisso, entio «o problema do nivel de andlise em relagdes internacionais» resolvido tornando o problema numa questdo de escolha, uma escolha feita de acordo com o interesse do investigador (1961, p. 90). Os tradicionalistas continuam a insistir no carécter andrquico das relagdes internacionais marcando uma distingfio entre os dominios interno e extemno, ao passo que os modemnistas nao o fazem. Se ou- virmos 0 que dizem membros das duas doutrinas, 0 abismo entre eles € enorme, Se olharmos para o que fazem membros das duas doutrinas, ‘TEORIAS SISTEMICAS E REDUCIONISTAS a métodos a parte, 0 abismo diminui e quase desaparece. Todos eles deixam-se ir para 0 «pélo subsistémico dominante». A sua atenc&o estd focada nas unidades comportamentais. Concentram-se em desco- brir quem est a fazer 0 qué para produzir os resultados. Quando Aron © outros Lradicionalistas insistem para que as catcgorias dos tedricos sejam consonantes com os motivos € as percepgdes dos actores, esto a afirmar a légica preeminentemenie comportamental que as suas investigagdes seguem. Modemistas e tradicionalistas saem da mesma escola, Partilham a crenga de que explicagses das resultantes politicas internacionais podem ser delineadas através do exame das acgdes interacgies das nagdes e outros actores. ‘A similaridade das abordagens tradicional e moderna no estudo das relagSes internacionais é facilmente mostrada. Os analistas que con- finam a sua atengao as unidades em interacgdo, sem reconhecerem que causas sistémicas esto em jogo, compensam as omissBes ao atri- bufrem arbitrariamente tais causas ao nivel das unidades em interacg20 ¢ ao dividirem-nas pelos actores. Os efeitos de relegar as causas sistémicas para o nivel dis unidades em interacedo so praticos assim como teéricos. A politica interna é transformada em assuntos de pre~ ocupacao internacional directa. Isto foi claramente mostrado em 1973 e depois quando a détenie se tornou assunto de discussio na politica americana. Podia a détente, pensava-se, sobreviver & pressdo americana sobre 0s lideres politicos russos para que governassem um pouco mais liberalmente? Hans Morgenthau, nio inesperadamente, virou a discussio ao contrario. A preocupacio americana com a politica in- tema russa, afirmou, nde € «interferir nos assuntos internos de outro pais, Pelo contrario, reflecte 0 reconhecimento que uma paz estavel, fundada numa balanca de poder estavel, esté pressuposta numa estru- tura moral comum que expressa 0 compromisso de todas as nagdes envolvidas a certos prineipios morais basicos, um dos quais é a pre- servagio da balanga de poder» (1974, p. 39). Se as resultantes poli ticas internacionais so determinadas pelo que 0s estados so, entiio devemos estar preocupados com as disposigdes internas dos estados internacionalmente importantes € se necessétio fazer alguma coisa para mudé-las. Como politico, 0 Secretirio de Estado Henry Kissinger rejeitou a argumentagao de Morgenthau. No entanto, como cientista politico, Kissinger tinha anteriormente concordado com Morgenthau ao acredi~ tar que a preservagio da paz ¢ a manutengdo da estabilidade intema-

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