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ESTRATÉGICO*
Henry Mintzberg
Quando o planejamento estratégico surgiu, em meados dos anos 60, os líderes das
grandes empresas o adotaram como “a única e melhor maneira" para conceber e
implementar estratégias que aumentariam a competitividade de cada unidade de
negócio. Em consonância com os preceitos da administração científica proposta por
Frederick Taylor, esta única e melhor maneira envolvia a separação entre
pensamento e ação, e a criação de nova função ocupada por especialistas: os
planejadores estratégicos. Esperava-se que os sistemas de planejamento
produzissem as melhores estratégias, assim como instruções minuciosas para sua
execução, de tal forma que os executores, os gerentes dos negócios, não pudessem
interpretá-las mal. Como sabemos hoje, o planejamento não funcionou exatamente
assim.
O planejamento estratégico, como vem sendo praticado, tem sido na verdade uma
programação estratégica, a articulação e a elaboração de estratégias, ou visões, já
existentes. Quando as empresas compreendem a diferença entre planejamento e
pensamento estratégico, elas podem voltar ao que deveria ser o processo de
formulação de estratégias: assimilar o que o gerente aprende de todas as fontes
* In: Harvard Business Review, January-February 1994, pp. 107-114. Henry Mintzberg é professor
de administração na Universidade McGill em Montreal, Quebec, e professor visitante no INSEAD
em Fontainebleau, França. Este artigo, sua quinta contribuição para a HBR, foi adaptado de seu
mais recente livro, The Rise and Fall of Strategic Ranning (Ascensão e Queda do Planejamento
Estratégico) (Free Press e Prentice Hall International, 19941.
(tanto as percepções soft de suas próprias experiências pessoais e aquelas de
outros em toda a organização, quanto os dados hard da pesquisa de mercado e
outros semelhantes) e depois sintetizar esse aprendizado na visão do
direcionamento que deveria ser dado ao negócio.
O rótulo "planejamento estratégico" tem sido aplicado a todo tipo de atividade, como
aquela de se reunir em retiro informal nas montanhas para conversar sobre
estratégia. Chame, porém, essa atividade de "planejamento", deixe que planejadores
convencionais a organizem e observe o quão rapidamente o evento irá se formalizar
(declarações de missão pela manhã, avaliação das forças e fraquezas da
corporação depois do almoço e estratégias cuidadosamente articuladas às 5 horas
da tarde).
Estas estratégias muitas vezes não podem ser desenvolvidas conforme uma
programação e serem imaculadamente concebidas. Deve haver liberdade para que
possam surgir a qualquer tempo e em qualquer lugar na organização, via de regra
através de processos desordenados de aprendizado informal, que devem,
necessariamente, ser desenvolvidos por pessoas de diferentes níveis que estejam
profundamente envolvidas com as questões específicas sendo tratadas.
O planejamento formal, dada sua própria natureza analítica, tem sido e sempre será
dependente da preservação e do rearranjo de categorias estabelecidas - os níveis
existentes de estratégia (corporativo, de negócios, funcional), os tipos estabelecidos
de produtos (definidos como "unidades estratégicas de negócio"), sobrepostos às
unidades atuais de estrutura (divisões, departamentos etc.). Contudo, a mudança
estratégica real exige não somente o rearranjo das categorias estabelecidas, mas a
invenção de outras novas.
A formulação de estratégias precisa ocorrer para além das "caixas", com o intuito de
estimular o aprendizado informal que produz novas perspectivas e combinações.
Conforme se costuma dizer, a vida é maior do que nossas categorias. O fracasso do
planejamento em ir além das categorias explica porque desencorajou a mudança
organizacional séria. É a ele que se deve o fato de o planejamento formal ter
promovido estratégias extrapoladas do passado ou copiadas de terceiros. O
planejamento estratégico não somente jamais conseguiu chegar ao pensamento
estratégico, mas freqüentemente, de fato, logrou impedi-lo. Se os executivos
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compreenderem isto, poderão evitar outras desventuras caras causadas pela
aplicação de técnica formal, sem julgamento e intuição, à solução de problemas.
AS ARMADILHAS DO PLANEJAMENTO
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descreve desta maneira, especialmente quando seus fracassos em cumprir o que
deles se esperava se tornaram tão evidentes?
Em níveis inferiores da hierarquia, o problema passa a ser mais sério, devido ao fato
de que o planejamento tem muitas vezes sido usado para exercitar flagrante controle
sobre os executivos. Não é de admirar que muitos gerentes de nível médio estejam
recebendo bem a derrubada do planejamento estratégico. Tudo o que desejavam
era um compromisso com suas próprias estratégias de negócios, sem ter que lutar
com o pessoal de planejamento para conseguí-lo!
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Os indícios, de fato, apontam para o contrário. Embora determinados padrões
repetitivos, como as estações do ano, possam ser antecipáveis, a previsão de
descontinuidades, como no caso de inovação tecnológica ou aumento de preço, é
praticamente impossível. É claro que algumas pessoas, algumas vezes, "vêem" que
estas coisas estão por vir. É por isso que os chamamos de "visionários". Mas elas
criam suas estratégias de maneiras bem mais personalizadas e intuitivas.
É claro que o truque é levar as informações relevantes para cima, de tal forma que
os gerentes sênior lá no topo possam conhecer detalhes do que acontece lá
embaixo sem terem que imergir nos mesmos. A solução favorita do pessoal de
planejamento tem sido os "dados hard", os agregados quantitativos dos "fatos"
detalhados sobre a organização e seu contexto, apropriadamente embalados e
periodicamente transmitidos. Com este tipo de informação, os gerentes sênior não
precisam jamais deixar seus gabinetes executivos nem o pessoal de planejamento,
os seus escritórios. Juntos podem formular - trabalhar com suas cabeças - de tal
forma que as mãos possam prosseguir com a implementação.
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Ironicamente, o planejamento estratégico deixou escapar uma das mais importantes
mensagens de Taylor: que os processos de trabalho devem ser plenamente
compreendidos antes que possam ser formalmente programados. Onde é, porém,
na literatura de planejamento, que se encontra a menor evidência de que alguém já
se deu ao trabalho de descobrir como é que os gerentes realmente definem as
estratégias? Ao invés disso, muitos praticantes e teóricos supuseram erroneamente
que o planejamento estratégico, o pensamento estratégico e a formulação da
estratégia são todos sinônimos, ao menos na melhor prática.
Uma estratégia pode ser deliberada. Ela pode concretizar as intenções específicas
da gerência de topo, por exemplo no sentido de atacar e conquistar novo mercado.
Mas uma estratégia pode também ser emergente, significando que um padrão
convergente se formou entre as diferentes ações empreendidas, uma de cada vez,
pela organização.
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reconhecimento de padrões inesperados, o aprendizado inevitavelmente
desempenha um, e não o papel crucial no desenvolvimento de novas estratégias.
A visão estratégica não está disponível para os que não--podem "ver" com seus
próprios olhos. Os estrategistas de verdade sujam suas mãos fuçando idéias, sendo
as verdadeiras estratégias construídas a partir das pistas eventuais que conseguem
desencavar. Estas não são pessoas que se abstraem dos detalhes diários; são sim
aquelas que neles mergulham, sendo capazes, ao mesmo tempo, de abstrair deles
as mensagens estratégicas. Um grande quadro se pinta às pequenas pinceladas.
O pessoal de planejamento, por outro lado, tem o tempo e, o que é mais importante,
a inclinação para analisar. Eles têm papéis críticos a desempenhar ao lado dos
gerentes de linha, mas não da maneira como convencionalmente se concebe. Eles
deveriam trabalhar no espírito do que gosto de chamar de um "analista soft", cuja
intenção é colocar as perguntas certas e não de encontrar as respostas certas.
Dessa maneira, é possível abrir questões complexas a uma consideração
ponderada, ao invés de fechá-las prematuramente através de decisões por estalo.
Uma imagem apropriada para o planejador poderia ser a -da pessoa que fica para
trás em uma reunião, junto com o executivo-chefe, depois que todos os demais já se
foram. Todas as decisões estratégicas que foram tomadas estão simbolicamente
espalhadas pela mesa. O executivo-chefe volta-se para o planejador e diz, "Eis aí
todas elas; tire-as daí. Embale-as cuidadosamente de tal forma que possamos falar
delas para todo mundo e fazer as coisas caminharem". Em linguagem mais formal, a
programação estratégica envolve três etapas: a codificação, a elaboração e a
conversão das estratégias.
Um ponto deve ser enfatizado. A programação estratégica não é "a única e melhor
maneira" ou mesmo, necessariamente, uma boa maneira. Os gerentes nem sempre
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precisam programar formalmente suas estratégias. Algumas vezes eles têm que
deixá-las flexíveis, como visões amplas, de forma a se adaptarem' a um ambiente
em mutação. Somente quando uma organização está segura da estabilidade relativa
de seu ambiente e precisa contar com a coordenação rígida de uma grande
variedade de operações intrincadas (como é tipicamente o caso das companhias
aéreas com suas necessidades de programação complexa) é que este tipo de
programação estratégica faz sentido.
Os planos também podem ser usados para conquistar o apoio tanto tangível quanto
moral daqueles que estão fora da organização e detêm influência. Os planos escritos
informam os financiadores, os fornecedores, as agências governamentais e outros
acerca das intenções da organização a fim de que esses grupos possam ajudá-la na
consecução de seus planos.
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de mercados recém-descobertos e a compreensão dos novos produtos que
implicam.
Mas alguns dos melhores modelos que os planejadores podem oferecer aos
gerentes são simplesmente interpretações conceituais alternativas de seu mundo,
como por exemplo uma nova maneira de encarar o sistema de distribuição da
organização. Como escreveu Arie de Geus, antigo chefe da área de planejamento
da Royal Dutch/Shell, em seu artigo da HBR "O Planejamento como Aprendizado"
(Março-Abril de 1988), "O propósito real do bom planejamento não é formular planos
mas mudar . . . os modelos mentais que . . . os tomadores de decisão carregam em
suas mentes".
Esse tipo de planejador percebe sua tarefa como sendo a de fazer com que outros
venham a questionar a sabedoria convencional e, especialmente, a de ajudar as
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pessoas a se libertarem de trincheiras conceituais (nas quais é bem provável que
estejam enterrados gerentes com longa experiência em estratégias estáveis. A fim
de se desincumbirem de suas funções, eles podem ter que usar táticas de
provocação ou choque, como a colocação de perguntas difíceis e o desafio a
suposições convencionais).
OS LIMITES DA FORMALIZAÇÃO
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REFERÊNCIAS
i Michael Porter, "The State of Strategic Thinking", Economist, May 23, 1987, p. 21.
iii George Steiner, Strategic Planning: What Every Manager Must Know (New York:
Free Press, 19791, p. 9.
iv Peter Lorange, "Roles of the CEO in Strategic Planning and Control Processes",
em seminário sobre O Papel da Gerência Geral na Formulação e Avaliação de
Estratégia, co patrocinado pelo E.S.S.E.C., E.I.A.S.M. e I.A.E. (Cergy, France:
April 28-30, 19801, p. 2.
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