Você está na página 1de 15

QUEDA E ASCENSÃO DO PLANEJAMENTO

ESTRATÉGICO*
Henry Mintzberg

Quando o planejamento estratégico surgiu, em meados dos anos 60, os líderes das
grandes empresas o adotaram como “a única e melhor maneira" para conceber e
implementar estratégias que aumentariam a competitividade de cada unidade de
negócio. Em consonância com os preceitos da administração científica proposta por
Frederick Taylor, esta única e melhor maneira envolvia a separação entre
pensamento e ação, e a criação de nova função ocupada por especialistas: os
planejadores estratégicos. Esperava-se que os sistemas de planejamento
produzissem as melhores estratégias, assim como instruções minuciosas para sua
execução, de tal forma que os executores, os gerentes dos negócios, não pudessem
interpretá-las mal. Como sabemos hoje, o planejamento não funcionou exatamente
assim.

Embora não esteja certamente morto, o planejamento estratégico há muito caiu de


seu pedestal. Mas, mesmo agora, poucas pessoas compreendem plenamente os
motivos: planejamento estratégico não é pensamento estratégico. De fato, o
planejamento estratégico muitas vezes estraga o pensamento estratégico, fazendo
com que os gerentes confundam a visão real com a manipulação dos números. E
esta confusão está no âmago da questão: as estratégias mais bem sucedidas são
visões, não planos.

O planejamento estratégico, como vem sendo praticado, tem sido na verdade uma
programação estratégica, a articulação e a elaboração de estratégias, ou visões, já
existentes. Quando as empresas compreendem a diferença entre planejamento e
pensamento estratégico, elas podem voltar ao que deveria ser o processo de
formulação de estratégias: assimilar o que o gerente aprende de todas as fontes
* In: Harvard Business Review, January-February 1994, pp. 107-114. Henry Mintzberg é professor
de administração na Universidade McGill em Montreal, Quebec, e professor visitante no INSEAD
em Fontainebleau, França. Este artigo, sua quinta contribuição para a HBR, foi adaptado de seu
mais recente livro, The Rise and Fall of Strategic Ranning (Ascensão e Queda do Planejamento
Estratégico) (Free Press e Prentice Hall International, 19941.
(tanto as percepções soft de suas próprias experiências pessoais e aquelas de
outros em toda a organização, quanto os dados hard da pesquisa de mercado e
outros semelhantes) e depois sintetizar esse aprendizado na visão do
direcionamento que deveria ser dado ao negócio.

As organizações desencantadas com o planejamento estratégico não deveriam se


livrar de seus planejadores ou concluir que não há necessidade de programação. Ao
invés disso, elas deveriam transformar a tarefa convencional de planejamento. O
pessoal de planejamento deveria dar sua contribuição sobre o processo de
formulação da estratégia, e não dentro dele. Eles deveriam propiciar as análises
formais ou dados hard que o pensamento estratégico requer, contanto que o façam
para ampliar a consideração de questões, e não para descobrir a única resposta
correta. Eles deveriam agir como catalisadores que dão apoio à formulação de
estratégias auxiliando e estimulando os gerentes a pensarem estrategicamente. E,
finalmente, podem ser os programadores de uma estratégia, ajudando a especificar
a série de passos concretos necessários para que se cumpra a visão.

Através da redefinição da tarefa do pessoal de planejamento, as empresas


perceberão a diferença entre planejamento e pensamento estratégico. O
planejamento sempre disse respeito à análise - à decomposição de uma meta ou um
conjunto de intenções em passos, formalizando-os de tal forma a poderem ser
implementados quase que automaticamente e articulando as conseqüências ou os
resultados antecipados de cada um deles. "Eu dou preferência a um conjunto de
técnicas analíticas para o desenvolvimento da estratégia", escreveu Michael Porter,
provavelmente o autor mais largamente lido na área de estratégia, na revista
Economisti.

O rótulo "planejamento estratégico" tem sido aplicado a todo tipo de atividade, como
aquela de se reunir em retiro informal nas montanhas para conversar sobre
estratégia. Chame, porém, essa atividade de "planejamento", deixe que planejadores
convencionais a organizem e observe o quão rapidamente o evento irá se formalizar
(declarações de missão pela manhã, avaliação das forças e fraquezas da
corporação depois do almoço e estratégias cuidadosamente articuladas às 5 horas
da tarde).

O pensamento estratégico, em contrapartida, diz respeito à síntese. Envolve intuição


e criatividade. O resultado do pensamento estratégico é uma perspectiva integrada
da empresa, uma visão da direção a ser seguida, articulada sem grande precisão,
2
como aquela de Jim Clark, o fundador da Silicon Graphics, de que a computação
visual tridimensional é a maneira de se fazer com que os computadores sejam mais
fáceis de serem usados.

Estas estratégias muitas vezes não podem ser desenvolvidas conforme uma
programação e serem imaculadamente concebidas. Deve haver liberdade para que
possam surgir a qualquer tempo e em qualquer lugar na organização, via de regra
através de processos desordenados de aprendizado informal, que devem,
necessariamente, ser desenvolvidos por pessoas de diferentes níveis que estejam
profundamente envolvidas com as questões específicas sendo tratadas.

O planejamento formal, dada sua própria natureza analítica, tem sido e sempre será
dependente da preservação e do rearranjo de categorias estabelecidas - os níveis
existentes de estratégia (corporativo, de negócios, funcional), os tipos estabelecidos
de produtos (definidos como "unidades estratégicas de negócio"), sobrepostos às
unidades atuais de estrutura (divisões, departamentos etc.). Contudo, a mudança
estratégica real exige não somente o rearranjo das categorias estabelecidas, mas a
invenção de outras novas.

Faça uma busca em todos os diagramas de planejamento estratégico, todas aquelas


caixas interligadas que, supostamente, lhe fornecem estratégias, e em lugar algum
você encontrará uma única que explique o ato criativo de sintetizar experiências em
nova estratégia. Tome o exemplo da máquina fotográfica Polaroid. Um dia, em 1943,
a filha de três anos de Edwin Land lhe perguntou porque não podia ver
imediatamente o retrato que ele acabara de tirar dela. Em uma hora, este cientista
concebeu a câmera que iria transformar sua empresa. Em outras palavras, a visão
de Land era a síntese da percepção evocada pela pergunta de sua filha e por seu
vasto conhecimento técnico.

A formulação de estratégias precisa ocorrer para além das "caixas", com o intuito de
estimular o aprendizado informal que produz novas perspectivas e combinações.
Conforme se costuma dizer, a vida é maior do que nossas categorias. O fracasso do
planejamento em ir além das categorias explica porque desencorajou a mudança
organizacional séria. É a ele que se deve o fato de o planejamento formal ter
promovido estratégias extrapoladas do passado ou copiadas de terceiros. O
planejamento estratégico não somente jamais conseguiu chegar ao pensamento
estratégico, mas freqüentemente, de fato, logrou impedi-lo. Se os executivos

3
compreenderem isto, poderão evitar outras desventuras caras causadas pela
aplicação de técnica formal, sem julgamento e intuição, à solução de problemas.

AS ARMADILHAS DO PLANEJAMENTO

Se você perguntar ao pessoal de planejamento convencional o que saiu errado, eles


inevitavelmente apontarão uma série de armadilhas pelas quais eles mesmos, é
claro, não são responsáveis. Eles gostariam de que as pessoas acreditassem que o
planejamento fracassa quando não recebe o apoio que merece da gerência de topo
ou quando encontra resistência à mudança na organização. Mas, seguramente,
nenhuma técnica jamais recebeu maior apoio da alta gerência que o planejamento
estratégico em seu auge. 0 planejamento estratégico em si desestimulou o
comprometimento dos gerentes de topo e tendeu a criar o tipo de ambiente que seus
proponentes consideravam tão incompatível com sua prática.

O problema é que o planejamento representa estilo de gerência que calcula e não


um estilo que compromete. Os gerentes com estilo que compromete envolvem as
pessoas em uma experiência. Eles lideram de tal forma que todas as pessoas que
dela participam ajudam a definir seu curso. Em consequência, o entusiasmo se
constrói inevitavelmente ao longo do caminho. Aqueles com estilo que calcula se
fixam em determinado destino e calculam o que o grupo deve fazer para chegar lá,
sem se preocuparem com as preferências de seus membros. Mas as estratégias
calculadas não têm valor em e por si mesmas; parafraseando as palavras do
sociólogo Philip Selznick, as estratégias só adquirem seu valor quando pessoas
comprometidas as infundem com energiaii.

Não importa o quanto tenham alardeado em contrário, o propósito em si daqueles


que promovem o planejamento estratégico convencional é reduzir o poder da
gerência sobre a elaboração de estratégias. George Steiner declarou, "Se uma
organização é gerenciada por gênios intuitivos, não há necessidade de haver
planejamento estratégico formal. Mas quantas são as organizações assim
abençoadas? E, se o são, quantas vezes estão os intuitivos corretos em seus
julgamentos?iii Peter Lorange, que é igualmente proeminente neste campo, afirmou,
"O executivo-chefe deveria, via de regra, não estar... profundamente envolvido" no
processo, mas sim ser "seu projetista - em sentido genérico"iv. Como podemos
esperar que os gerentes de topo estejam comprometidos com um processo que os

4
descreve desta maneira, especialmente quando seus fracassos em cumprir o que
deles se esperava se tornaram tão evidentes?

Em níveis inferiores da hierarquia, o problema passa a ser mais sério, devido ao fato
de que o planejamento tem muitas vezes sido usado para exercitar flagrante controle
sobre os executivos. Não é de admirar que muitos gerentes de nível médio estejam
recebendo bem a derrubada do planejamento estratégico. Tudo o que desejavam
era um compromisso com suas próprias estratégias de negócios, sem ter que lutar
com o pessoal de planejamento para conseguí-lo!

AS FALÁCIAS DO PLANEJAMENTO ESTRATÉGICO

Já se definiu um especialista como alguém que evita as inúmeras armadilhas em


seu caminho rumo à grande falácia. Para o planejamento estratégico, esta grande
falácia é a seguinte: como a análise abrange a síntese, planejamento estratégico
equivale à formulação da estratégia. Esta falácia, por sua vez, repousa sobre três
suposições igualmente falaciosas: que a previsão é possível, que os estrategistas
podem manter distanciamento em relação aos assuntos de suas estratégias e,
acima de tudo, que o processo de elaboração da estratégia pode ser formalizado.

A Falácia da Previsão. De acordo com as premissas do planejamento estratégico,


supõe-se que o mundo fica parado enquanto um plano está sendo desenvolvido, e
depois permanece no curso previsto enquanto o mesmo está sendo implementado.
De que outra forma se poderia explicar então aquelas programações com etapas
amarradas, que faz com que as estratégias surjam no dia primeiro de junho, para
serem aprovadas pelo conselho de diretores no dia quinze? Pode-se até imaginar os
concorrentes esperando pela aprovação do conselho, especialmente se forem
japoneses e não acreditarem nesse tipo de planejamento.

Em 1965, Igor Ansoff escreveu, em seu influente livro Estratégia Corporativa,


"Iremos nos referir ao período para o qual uma firma é capaz de construir previsões
com precisão, digamos, de mais ou menos 20%, como sendo o seu horizonte de
planejamento"v. Que afirmação extraordinária! Como é que será que qualquer
empresa pode saber o período para o qual pode fazer previsões com determinada
precisão?

5
Os indícios, de fato, apontam para o contrário. Embora determinados padrões
repetitivos, como as estações do ano, possam ser antecipáveis, a previsão de
descontinuidades, como no caso de inovação tecnológica ou aumento de preço, é
praticamente impossível. É claro que algumas pessoas, algumas vezes, "vêem" que
estas coisas estão por vir. É por isso que os chamamos de "visionários". Mas elas
criam suas estratégias de maneiras bem mais personalizadas e intuitivas.

A Falácia do Distanciamento. Em seu livro lnstitutionalizing lnnovation, Mariann


Jelinek desenvolveu o interessante argumento de que o planejamento estratégico
está para o gabinete dos executivos assim como os métodos de estudo do trabalho
estiveram para o chão-de-fábrica - uma maneira de contornar as idiossincrasias
humanas a fim de sistematizar o comportamento. "É através de sistemas
administrativos que o planejamento e as políticas se tornam possíveis, uma vez que
os primeiros possuem o conhecimento acerca da tarefa". Assim, "a verdadeira
gerência pela exceção, bem como o direcionamento de políticas, são agora
possíveis, unicamente porque a gerência não está mais totalmente imersa nos
detalhes da tarefa em si"vi.

Segundo este ponto de vista, se o sistema se encarrega do pensamento, então as


estratégias têm que estar distanciadas das operações (ou a "tática"), a formulação
da implementação, os pensadores dos executantes e, naturalmente, os estrategistas
dos objetos de suas estratégias.

É claro que o truque é levar as informações relevantes para cima, de tal forma que
os gerentes sênior lá no topo possam conhecer detalhes do que acontece lá
embaixo sem terem que imergir nos mesmos. A solução favorita do pessoal de
planejamento tem sido os "dados hard", os agregados quantitativos dos "fatos"
detalhados sobre a organização e seu contexto, apropriadamente embalados e
periodicamente transmitidos. Com este tipo de informação, os gerentes sênior não
precisam jamais deixar seus gabinetes executivos nem o pessoal de planejamento,
os seus escritórios. Juntos podem formular - trabalhar com suas cabeças - de tal
forma que as mãos possam prosseguir com a implementação.

Tudo isso é perigosamente falacioso. A inovação nunca conseguiu ser


institucionalizada. Os sistemas nunca foram capazes de reproduzir a síntese criada
pelo gênio empreendedor nem o típico estrategista competente o fez, e
provavelmente nunca o farão.

6
Ironicamente, o planejamento estratégico deixou escapar uma das mais importantes
mensagens de Taylor: que os processos de trabalho devem ser plenamente
compreendidos antes que possam ser formalmente programados. Onde é, porém,
na literatura de planejamento, que se encontra a menor evidência de que alguém já
se deu ao trabalho de descobrir como é que os gerentes realmente definem as
estratégias? Ao invés disso, muitos praticantes e teóricos supuseram erroneamente
que o planejamento estratégico, o pensamento estratégico e a formulação da
estratégia são todos sinônimos, ao menos na melhor prática.

O problema com os dados hard que supostamente levam informação ao gerente


sênior é que podem ter um ponto fraco decisivamente soft. Esse tipo de dado leva
tempo para ficar hard, o que muitas vezes faz com que demore. Costuma lhe faltar
riqueza; por exemplo, ele muitas vezes exclui o aspecto qualitativo. E tende a ser
excessivamente agregado, perdendo assim nuances importantes. São estas as
razões pelas quais os gerentes que se baseiam em informações formalizadas, como
os relatórios de pesquisa de mercado ou os demonstrativos contábeis de empresas
e pesquisas de opinião no governo, tendem a se encontrarem distanciados de várias
formas. Estudo após estudo tem demonstrado que os gerentes mais eficazes se
baseiam em algumas das formas mais soft de informação, inclusive fofocas, boatos
e diversos outros fragmentos de informação.

Minha pesquisa e a de muitos outros assinala que a formulação de estratégias


constitui processo imensamente complexo, que envolve os elementos mais
sofisticados, sutis e, por vezes, subconscientes do pensamento humano.

Uma estratégia pode ser deliberada. Ela pode concretizar as intenções específicas
da gerência de topo, por exemplo no sentido de atacar e conquistar novo mercado.
Mas uma estratégia pode também ser emergente, significando que um padrão
convergente se formou entre as diferentes ações empreendidas, uma de cada vez,
pela organização.

Em outras palavras, as estratégias podem se desenvolver inadvertidamente, sem a


intenção consciente da gerência sênior, muitas vezes através de processo de
aprendizado. Um vendedor convence um tipo diferente de cliente a experimentar um
produto. Outros vendedores o seguem com seus clientes e, sem que a gerência se
dê conta, seus produtos conseguiram penetrar novo mercado. Ao assumir a forma
de idas e vindas, de descobertas baseadas em eventos ao acaso e do

7
reconhecimento de padrões inesperados, o aprendizado inevitavelmente
desempenha um, e não o papel crucial no desenvolvimento de novas estratégias.

Contrariamente ao que o planejamento tradicional nos faria crer, as estratégias


deliberadas não são necessariamente boas, nem as estratégias emergentes ruins.
Acredito que todas as estratégias viáveis contam com qualidades emergentes e
deliberadas, já que todas têm que combinar certo grau de aprendizado flexível com
algum outro de controle cerebral.

A visão estratégica não está disponível para os que não--podem "ver" com seus
próprios olhos. Os estrategistas de verdade sujam suas mãos fuçando idéias, sendo
as verdadeiras estratégias construídas a partir das pistas eventuais que conseguem
desencavar. Estas não são pessoas que se abstraem dos detalhes diários; são sim
aquelas que neles mergulham, sendo capazes, ao mesmo tempo, de abstrair deles
as mensagens estratégicas. Um grande quadro se pinta às pequenas pinceladas.

A Falálcia da Formalização. O fracasso do planejamento estratégico também é o


dos sistemas concebidos para executarem melhor do que, ou mesmo quase tão bem
quanto, os seres humanos. Os sistemas formais, mecânicos e outros, não têm
conseguido oferecer meios aperfeiçoados para se lidar com a sobrecarga de
informação dos cérebros humanos; de fato, eles têm freqüentemente piorado as
coisas. Todas as promessas quanto à inteligência artificial, os sistemas especialistas
e outras semelhantes nunca se materializaram ao nível da estratégia. Sem dúvida os
sistemas formais podiam processar mais informação, ao menos aquela de natureza
hard. Não puderam jamais, porém, internalizá-la, entendê-la e sintetizá-la. Em
sentido literal, o planejamento não podia aprender.

A formalização implica em seqüência racional, passando da análise, através dos


procedimentos administrativos, para a ação final. Mas a formulação de estratégia
como processo de aprendizado pode ocorrer também em outra direção. É certo que
pensamos a fim de agir, porém também agimos a fim de pensar. Tentamos algumas
coisas, e os experimentos que dão certo convergem, gradualmente, para padrões
viáveis que se transformam em estratégias. É esta a própria essência da formulação
de estratégia como processo de aprendizado.

Os procedimentos formais nunca conseguirão prever descontinuidades, informar a


gerentes distanciados da realidade ou criar estratégias inovadoras. Longe de ensejar
as estratégias, o planejamento só pode existir se elas existirem previamente.
8
Durante todo esse tempo, portanto, o planejamento estratégico tem sido conhecido
pelo nome errado. Ele deveria ter sido chamado de programação estratégica,
distinguido de outras coisas úteis que o pessoal de planejamento pode fazer e
definido como o processo para formalizar, quando necessário, as conseqüências de
estratégias já desenvolvidas. Em suma, deveríamos deixar totalmente de lado o
rótulo "planejamento estratégico".

PLANEJAMENTO, PLANOS E PLANEJADORES

A despeito de todas as dificuldades encontradas pelo planejamento estratégico,


duas importantes mensagens foram transmitidas. Mas apenas uma delas foi
amplamente aceita na comunidade de planejamento: os gerentes de unidades de
negócios devem se encarregar, plena e eficazmente, do processo de formulação de
estratégia. A lição que ainda não foi aceita é a de que os gerentes jamais serão
capazes de assumir essa responsabilidade através de processo formalizado. Quais,
então, podem ser os papéis para o planejamento, os planos e o pessoal de
planejamento nas organizações?

O pessoal de planejamento e os gerentes têm vantagens distintas. Ao pessoal de


planejamento falta a autoridade dos gerentes para assumir compromissos e, o que é
mais importante, o acesso destes a informações soft que são críticas para a
formulação da estratégia. Mas, devido às suas pressões de tempo, os gerentes
tendem a preferir a ação e a expressão oral, respectivamente, em detrimento da
reflexão e do escrito, o que pode fazer com que negligenciem informações analíticas
fundamentais. As estratégias não podem ser criadas pela análise, mas esta pode
auxiliar no seu desenvolvimento.

O pessoal de planejamento, por outro lado, tem o tempo e, o que é mais importante,
a inclinação para analisar. Eles têm papéis críticos a desempenhar ao lado dos
gerentes de linha, mas não da maneira como convencionalmente se concebe. Eles
deveriam trabalhar no espírito do que gosto de chamar de um "analista soft", cuja
intenção é colocar as perguntas certas e não de encontrar as respostas certas.
Dessa maneira, é possível abrir questões complexas a uma consideração
ponderada, ao invés de fechá-las prematuramente através de decisões por estalo.

O Planejamento como Programação Estratégica. O planejamento não pode gerar


estratégias. Porém, dadas estratégias viáveis, ele pode programá-las; ele pode
9
torná-las operacionais. Para uma cadeia de supermercados que um colega e eu
estudamos, o planejamento consistia na articulação, justificação e elaboração da
visão estratégica que o líder da empresa já detinha. 0 planejamento não estava
decidindo a expansão para shopping centers, mas esclarecendo até que ponto e
quando, com quantas lojas e com base em que programação.

Uma imagem apropriada para o planejador poderia ser a -da pessoa que fica para
trás em uma reunião, junto com o executivo-chefe, depois que todos os demais já se
foram. Todas as decisões estratégicas que foram tomadas estão simbolicamente
espalhadas pela mesa. O executivo-chefe volta-se para o planejador e diz, "Eis aí
todas elas; tire-as daí. Embale-as cuidadosamente de tal forma que possamos falar
delas para todo mundo e fazer as coisas caminharem". Em linguagem mais formal, a
programação estratégica envolve três etapas: a codificação, a elaboração e a
conversão das estratégias.

A codificação significa o esclarecimento e a expressão das estratégias em termos


suficientemente claros para torná-las formalmente operacionais, de tal forma que
suas conseqüências possam ser elaboradas em detalhes. Isto requer boa dose de
interpretação e cuidadosa atenção ao que se poderia perder na articulação: nuance,
sutileza, qualificação. Uma ampla visão, como a de se conquistar um mercado para
nova tecnologia, é uma coisa, mas um plano específico - 35% de participação no
mercado, focando a ponta superior - é outra bem distinta.

A elaboração significa decompor as estratégias codificadas em subestratégias e


programas ad hoc, assim como planos globais de ação especificando o que deve ser
feito para concretizar cada estratégia; por exemplo, construir quatro novas fábricas e
contratar duzentos novos empregados.

E a conversão significa considerar os efeitos das mudanças nas operações da


organização -efeitos sobre os orçamentos e os controles de desempenho, por
exemplo. Aqui é necessário cruzar um grande divisor de águas, do mundo não
rotineiro das estratégias e programas para aquele rotineiro dos orçamentos e
objetivos. Os objetivos têm que ser reformulados, os orçamentos retrabalhados e as
políticas e procedimentos-padrão operacionais reconsiderados, de forma a darem
conta das conseqüências das mudanças específicas.

Um ponto deve ser enfatizado. A programação estratégica não é "a única e melhor
maneira" ou mesmo, necessariamente, uma boa maneira. Os gerentes nem sempre
10
precisam programar formalmente suas estratégias. Algumas vezes eles têm que
deixá-las flexíveis, como visões amplas, de forma a se adaptarem' a um ambiente
em mutação. Somente quando uma organização está segura da estabilidade relativa
de seu ambiente e precisa contar com a coordenação rígida de uma grande
variedade de operações intrincadas (como é tipicamente o caso das companhias
aéreas com suas necessidades de programação complexa) é que este tipo de
programação estratégica faz sentido.

Os Planos como Ferramentas para Comunicar e Controlar. Porque programar


uma estratégia? A razão mais óbvia é para fins de coordenação, para garantir que
todos na organização estejam puxando na mesma direção. Os planos na forma de
programas - programações, orçamentos e assim por diante - podem ser um meio
privilegiado para se comunicarem intenções estratégicas e controlar a busca
individual das mesmas, contanto, é claro, que a direção comum seja considerada
mais importante do que a seletividade de cada um.

Os planos também podem ser usados para conquistar o apoio tanto tangível quanto
moral daqueles que estão fora da organização e detêm influência. Os planos escritos
informam os financiadores, os fornecedores, as agências governamentais e outros
acerca das intenções da organização a fim de que esses grupos possam ajudá-la na
consecução de seus planos.

Planejadores como Localizadores de Estratégias. Como se observou, algumas


das estratégias mais importantes nas organizações emergem sem a intenção, e
algumas vezes até mesmo sem que delas haja consciência, por parte da alta
gerência. A sua exploração plena, porém, requer muitas vezes que sejam
reconhecidas e então ampliadas em seu impacto, como a consideração de novo uso
para produto, descoberto acidentalmente por um vendedor, que se transforma em
importante novo negócio. Cabe obviamente aos gerentes a responsabilidade de
descobrir e ungir essas estratégias. Mas os planejadores podem apoiar os gerentes
a encontrarem essas estratégias promissoras nas atividades de suas organizações
ou naquelas dos concorrentes.

Os planejadores podem espionar em lugares aonde normalmente não iriam, a fim de


localizar padrões dentre o ruído de experimentos fracassados, atividades
aparentemente aleatórias e aprendizado desordenado. Eles podem revelar novas
maneiras de fazer ou de perceber algumas coisas, como por exemplo a identificação

11
de mercados recém-descobertos e a compreensão dos novos produtos que
implicam.

Os Planejadores como Analistas. Exames aprofundados do que os planejadores


efetivamente fazem sugerem que os eficazes gastam bom tempo não tanto
executando ou mesmo estimulando o planejamento quanto desenvolvendo análises
de questões específicas. Os planejadores são candidatos óbvios à função de
estudar os dados hard e garantir que os gerentes levem em consideração os
resultados no processo de formulação da estratégia.

Muito dessa análise será necessariamente rápida e suja, isto é, no horizonte de


tempo e na base ad hoc exigida pelos gerentes. Ela poderá incluir análises de
indústria ou competitivas, assim como estudos internos, entre os quais o uso de
modelos de computador para analisar tendências na organização.

Mas alguns dos melhores modelos que os planejadores podem oferecer aos
gerentes são simplesmente interpretações conceituais alternativas de seu mundo,
como por exemplo uma nova maneira de encarar o sistema de distribuição da
organização. Como escreveu Arie de Geus, antigo chefe da área de planejamento
da Royal Dutch/Shell, em seu artigo da HBR "O Planejamento como Aprendizado"
(Março-Abril de 1988), "O propósito real do bom planejamento não é formular planos
mas mudar . . . os modelos mentais que . . . os tomadores de decisão carregam em
suas mentes".

Os Planejadores como Catalisadores. A literatura de planejamento há muito


promoveu para o planejador o papel de catalisador, mas não como eu o descreverei
aqui. Não é tanto o planejamento que o pessoal de planejamento deveria estar
estimulando em suas organizações, mas qualquer forma de comportamento que
possa levar a desempenho eficaz em determinada situação. Algumas vezes isso
pode até mesmo significar uma crítica ao próprio planejamento formal.

Quando agem como catalisadores, os planejadores não entram na caixa preta da


formulação de estratégia; eles se asseguram de que a caixa está ocupada com
gerentes de linha ativos. Em outras palavras, eles estimulam os gerentes a pensar
acerca do futuro de maneiras criativas.

Esse tipo de planejador percebe sua tarefa como sendo a de fazer com que outros
venham a questionar a sabedoria convencional e, especialmente, a de ajudar as
12
pessoas a se libertarem de trincheiras conceituais (nas quais é bem provável que
estejam enterrados gerentes com longa experiência em estratégias estáveis. A fim
de se desincumbirem de suas funções, eles podem ter que usar táticas de
provocação ou choque, como a colocação de perguntas difíceis e o desafio a
suposições convencionais).

PLANEJADORES CANHOTOS E DESTROS

A função de planejamento é povoada por dois tipos bem distintos de pessoas. Um


deles é o pensador analítico, que está mais próximo à imagem convencional do
planejador. Ele se dedica a levar a ordem à organização. Acima de tudo, esta
pessoa programa estratégias intencionais e se assegura de que sejam claramente
comunicadas. Ele também desenvolve estudos analíticos para garantir a
consideração dos dados hard necessários e investiga cuidadosamente as
estratégias que se destinam à implementação. Poderíamos rotulá-lo de planejador
destro.

O segundo tipo é menos convencional, porém está de toda forma presente em


muitas organizações. Este planejador é um pensador criativo que busca arejar o
processo de formulação de estratégias. Como "analista soft", este planejador está
preparado para conduzir estudos mais rápidos e sujos. Ele gosta de localizar
estratégias em lugares estranhos e de estimular os demais a pensarem
estrategicamente. Esta pessoa está algo mais predisposta para os processos
intuitivos identificados com o lado direito do cérebro. Poderíamos chamá-lo de
planejador canhoto.

Muitas organizações necessitam contar com ambos os tipos, e constitui tarefa da


alta gerência assegurar-se de que os possui na proporção adequada. As
organizações precisam de pessoas que tragam ordem ao mundo desordenado da
gerência, assim como desafiem as convenções que os gerentes, e especialmente
suas organizações, desenvolvem. Algumas organizações (aquelas burocracias
grandes e semelhantes a máquinas voltadas para a produção em massa) podem dar
preferência aos planejadores destros, enquanto que outras (as organizações de
projetos ou as "adhocracias" soltas e flexíveis) podem favorecer os canhotos. Mas
ambos os tipos de organização precisam das duas categorias de planejadores, ainda
que seja para contrabalançar suas tendências naturais. E, é claro, algumas
organizações, como os hospitais e sistemas educacionais altamente
13
profissionalizados que se viram forçados a despediçar tanto tempo fazendo
planejamento estratégico mal concebido, podem preferir ter alguns de cada!

OS LIMITES DA FORMALIZAÇÃO

Nós, seres humanos, parecemos predispostos a formalizar nosso comportamento.


Mas devemos ter cuidado em não ultrapassar os limites da formalização. Não há
dúvidas de que devemos formalizar para fazer muitas das coisas que desejamos na
sociedade moderna. É por isso que temos organizações. As experiências do que
tem sido rotulado de planejamento estratégico nos ensinam, porém, que há limites.
Estes têm que ser entendidos, especialmente para atividades complexas e criativas
como a formulação de estratégias.

A formulação de estratégias não constitui processo isolado. Ela não se passa


apenas porque houve uma reunião com tal rótulo. Ao contrário, a formulação de
estratégias é processo interligado com tudo o que diz respeito à gestão de uma
organização. Os sistemas não pensam, e quando são usados para mais do que a
facilitação do pensamento humano, podem evitar que este ocorra.

Três décadas de experiência com o planejamento estratégico nos ensinaram a


necessidade de afrouxar o processo de formulação de estratégias ao invés de tentar
selá-lo com uma formalização arbitrária. Através de todos os falsos começos e
excessos de retórica, aprendemos o que o planejamento não é e o que pode fazer e,
o que é talvez mais útil, aquilo que os próprios planejadores podem fazer indo além
do planejamento. Ficamos também sabendo como a literatura de administração
pode ser tomada de entusiasmo e, mais importante ainda, sobre o lugar apropriado
para a análise nas organizações.

A história do planejamento estratégico, em outras palavras, nos ensinou não apenas


acerca da técnica formal em si, mas também como é o funcionamento das
organizações e como os gerentes lidam ou não com o mesmo. E, de forma mais
significativa, ela nos disse algo sobre como nós, seres humanos, pensamos, e
também que, muitas vezes, deixamos de fazê-lo.

14
REFERÊNCIAS

i Michael Porter, "The State of Strategic Thinking", Economist, May 23, 1987, p. 21.

ii Philip Selznick, Leadership in Administration: A Sociological Interpretation (New


York: Harper & Row, 19571.

iii George Steiner, Strategic Planning: What Every Manager Must Know (New York:
Free Press, 19791, p. 9.

iv Peter Lorange, "Roles of the CEO in Strategic Planning and Control Processes",
em seminário sobre O Papel da Gerência Geral na Formulação e Avaliação de
Estratégia, co patrocinado pelo E.S.S.E.C., E.I.A.S.M. e I.A.E. (Cergy, France:
April 28-30, 19801, p. 2.

v H. Igor Ansoff, Corporate Strategy: An Analytic Approach to Business Policy for


Growth and Expansion (New York: McGraw-Hill, 19651, p. 44.

vi Mariann Jelinek, lnstitutionalizing lnnovation: A Study of Organizational Learning


Systems (New York: Praeger, 19791, p. 139.

15

Você também pode gostar