Você está na página 1de 21

Juliette Benzoni

Na Cama das Rainhas


Os Amantes

Tradução
Nuno Daun e Lorena

na cama das rainhas***.indd 5 13/Mai/2014 14:55


Para Henri Spade
Por intermédio de quem os sonhos se realizam…
Afectuosamente

na cama das rainhas***.indd 7 13/Mai/2014 14:55


na cama das rainhas***.indd 8 13/Mai/2014 14:55
í n d i c e
 
 
 
 
 
 
Eu encontrei o amor de uma rainha
E eu guardei­‑o…11
 
Messalina:
La dolce vita em Suburra… 15
Isabel, rainha de Inglaterra:
Um curioso dossel… 27
Margarida, Branca e Joana de Borgonha, rainhas de França:
A torre maldita das rainhas malditas… 37
Isabel, rainha de Inglaterra:
Chamavam­‑lhe Loba…51
Isabel, rainha de França:
Sacos ao sabor da corrente… 61
Margarida, rainha de Inglaterra:
A Margarida e a Rosa escarlate… 73
Catarina, rainha de Inglaterra:
O dormitório das grandes… 85
Margarida, rainha de Navarra:
À dúzia é mais barato… 97
As mulheres de Pedro, o Grande:
Eudóxia, a filha do boiardo… 115
Katinka, a criada do pastor de Riga… 127
Sofia Doroteia, rainha de Inglaterra:
O último encontro de Koenigsmark… 133
Carolina Matilde, rainha da Dinamarca:
Os encantos da medicina… 149
Maria Antonieta, rainha de França:
«Tudo me leva a ti…»… 161

na cama das rainhas***.indd 9 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

Josefina e o seu hussardo:


O irresistível Hippolyte Charles… 183
Hortênsia, rainha da Holanda:
O amante das rainhas: Charles de Flahaut… 193
Os cavaleiros de Paulina Borghèse,
princesa de Guastalla… 207
Maria Luísa e o seu general zarolho:
O conde de Neipperg… 219

‹  10 ›

na cama das rainhas***.indd 10 13/Mai/2014 14:55


Eu encontrei o amor de uma rainha
E eu guardei­‑o…

Desde sempre e bem antes de Brassens, que não tinha nada de realista,
que o amor de uma rainha faz sonhar os homens, como acontece com tudo
o que é raro e precioso, mas sobretudo inacessível. Aparecendo apenas aos
seus súbditos cheia de jóias e sumptuosamente vestida – o que convinha
quando o físico não era grande coisa –, a rainha estava a meio caminho
entre a divindade e a mulher.
Sob a auréola incomparável da cintilante coroa de ouro e pedrarias, a
rainha parecia feita de uma outra essência à multidão que se amontoava
logo atrás da dupla fila de guardas. Bela? Sem dúvida, porque até a mais feia
entre as feias tinha um certo brilho. Aliás, criada a maior parte das vezes
numa redoma, preparada desde cedo para o papel de ídolo vivo, isenta dos
rudes trabalhos domésticos ou campestres aos quais estava sujeita a maioria
das mulheres, a rainha possuía vantagens, nem que fosse apenas uma pele
mais branca e fina, uma mão mais doce, um pé mais bem­‑feito, um colo
mais bem explorado, tudo coisas que a pompa real exaltava.
O encanto permanece no nosso século xx. As multidões, de preferência
republicanas, amontoam­‑se à passagem de Sua Majestade Isabel II, da rai‑
nha Margarida da Dinamarca, de lady Windsor­‑Mountbatten ou de madame
de Montpezat, ao mesmo tempo que os media exageram – uma soberana
deve ser graciosa, por vezes encantadora, amável ou imponente quando
atinge uma certa idade – ou abusam de adjectivos aduladores quando se
trata de soberanas de grande beleza como a rainha da Suécia, a Shabanou
Farah, Sirikit da Tailândia ou a ex­‑imperatriz Soraya. O seu brilho chega a
eclipsar o das rainhas do cinema, coroadas pelas sunlights do nosso século.

‹  11 ›

na cama das rainhas***.indd 11 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

E é o diadema que lhes concede essa supremacia, porque, à excepção, tal‑
vez, de Jacqueline Kennedy, nenhuma mulher de chefe de Estado republi‑
cano desencadeou jamais tamanho interesse.
Perante isto, podemos imaginar a curiosidade e a admiração dos nossos
antepassados por essas mulheres colocadas em verdadeiros pedestais, úni‑
cas a aparecer nas luzes da ribalta. Nunca nenhuma deixou os seus súb­
ditos indiferentes. Amadas, odiadas, invejadas ou choradas quando possuíam
beleza ou encanto, situação típica das criaturas privilegiadas, desencadeavam
paixões cujas ondas de choque ainda perturbam ou fazem sonhar os espí‑
ritos do nosso tempo. Quantos apaixonados têm ainda hoje Maria Stuart,
Maria Antonieta, Josefina de Beauharnais e, sobretudo, Isabel de Áustria,
a famosa Sissi? Talvez porque a beleza de cada uma delas está associada a
um destino trágico. Uma coroa na qual o sangue substitui os rubis faz dis‑
parar a imaginação.
Entre tantos homens cujos sentimentos diversos acompanhavam o caminho
de uma rainha, um único era susceptível de escapar à sua magia: o marido,
o seu semelhante, o seu igual, mas, com mais frequência, o seu senhor. Para
este, que na noite de núpcias podia confrontar a sua realidade física com a
de uma jovem desconhecida que a política acabava de lhe meter na cama,
a rainha era uma criatura como as outras, muitas vezes pouco atraente
segundo os seus critérios pessoais, mas a quem era preciso fazer filhos.
De facto, o dever conjugal, no que tem de mais desagradável, foi inven‑
tado pelos reis.
Para eles a escapatória estava ao alcance da mão: aventura discreta ou
favorita declarada, só tinham o embaraço da escolha, já que o elemento femi‑
nino, na corte ou no seio do povo, era sempre o mais numeroso. A mulher
que se abandonava encontrava sempre, se não a satisfação física, pelo menos
a fortuna e muitas vezes a honra, ao passo que, para o monarca, tais prazeres
não tinham consequências. O homem não é naturalmente polígamo? Um
rei, portanto, podia muito bem aviltar­‑se se a coisa lhe agradasse, fazendo
apenas franzir alguns sobrolhos mais severos.
O mesmo não podia fazer a rainha, garante, símbolo e fonte da dinastia,
alfa e ómega do reino. Quem se atrevesse, por amor ou ambição, a levan‑
tar os olhos para ela ou, por quaisquer outras razões mais fortes, a tocar­
‑lhe, arriscava a vida e sabia que a antecâmara de uma alcova real podia

‹  12 ›

na cama das rainhas***.indd 12 13/Mai/2014 14:55


›  n a c a m a d a s r a i n h a s  ‹

também ser a do cadafalso, já que a sua intervenção punha em jogo a pureza


de uma linhagem, pelo menos durante a Idade Média, durante a qual qual‑
quer atentado contra a honra conjugal de um rei era considerado crime de
lesa­‑majestade. Por vezes o castigo atingia também, com a mesma cruel‑
dade, a esposa adúltera.
No entanto, tais amores proibidos, reprovados pela lei, pela sociedade,
pelas comadres e pelos intriguistas, desencadeiam a admiração, são emo‑
cionantes e demasiado belos a despeito da moral burguesa, tornam­‑se len‑
dários, recusam a razão, deixando na História um rasto tão quente que as
suas cinzas ainda não arrefeceram, como os daquelas rainhas, por exem‑
plo, para quem o amor era o que interessava apesar do amante, o amor ao
sabor do capricho ou da sensualidade…
Os amores terríveis que acabavam no cadafalso, na tortura e no horror
são, felizmente, apanágio de tempos longínquos, durante os quais o preço
das coisas era um pouco mais elevado… mas havia também os desen­
freados, os engraçados, os por vezes comoventes amores militares das
princesas imperiais…
Este livro, longe disso, não reúne todos os amores de todas as mulhe‑
res coroadas. Houve outras rainhas, que não aquelas cujas histórias vamos
seguir, que procuraram braços e corações mais ternos ou mais ardentes
do que os dos legítimos maridos, mas decidi escolher os romances que
me pareceram mais atraentes e mais diferentes na vasta história dos amo‑
res reais.
E agora, antes de entreabrir a porta secreta por onde entrava o amante,
antes de erguer mais uma vez os brocados dourados dos dosséis reais, quero
levantar a dúvida que talvez tenha pairado sobre a minha primeira intru‑
são nos baldaquinos coroados. «As mulheres, diz Balzac, encontram­‑se
numa posição equívoca, como se estivessem numa encruzilhada que vai
dar ao mesmo tempo ao respeito, à indiferença, ao espanto ou à paixão.»
O escritor podia ter acrescentado à curiosidade. No entanto, na minha
busca pelos amores reais não entra a curiosidade doentia ou a ambigui‑
dade, apenas a paixão pela História que as fez brilhar para sofrer, por vezes,
e uma certa ternura por certas mulheres cujos pés calçados de cetim pesa‑
ram demasiado na terra onde regressaram e onde não passam de sombras
ligeiras, porque foram mulheres, porque os seus corações batiam como os

‹  13 ›

na cama das rainhas***.indd 13 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

nossos e porque nas subtilezas de uma outra dessas histórias qualquer con‑
temporânea nossa pode encontrar o espelho em que elas se reconheciam…
E porque são uma legião as raparigas que, como eu, se olharam a um espe‑
lho com uma velha cortina à guisa de manto da corte, um espanador a fazer
de ceptro e na cabeça a coroa de cartão dourado do último dia de Reis…

‹  14 ›

na cama das rainhas***.indd 14 13/Mai/2014 14:55


Messalina
La dolce vita em Suburra

 
Numa noite de Verão do ano 43, os pretorianos de guarda às portas
do Palatino vêem passar duas mulheres sem lhes prestar muita atenção.
Trata­‑se, sem dúvida, de criadas que regressam a casa terminado o dia de
trabalho, e, habituados a vê­‑las, os soldados limitam­‑se a lançar­‑lhes algu‑
mas piadas grosseiras à guisa de cumprimento, após o que regressam às
suas rondas contentes consigo próprios, nada preocupados por não terem
recebido resposta.
Se lhes dissessem que aquelas mulheres modestamente vestidas não eram
senão a toda­‑poderosa imperatriz Messalina, quarta mulher do imperador
Cláudio, e a sua dama de companhia preferida, Mirtala, os guardas teriam
ficado espantados e o seu estupor não teria limites se soubessem onde elas
iam. A imperatriz em Suburra? Nenhum soldado, mesmo cheio de vinho,
imaginaria tal coisa, apesar da pouca imaginação que aflige de um modo
geral os militares…
No entanto, é para aquele bairro, o mais baixo e o mais duvidoso de Roma,
que se dirigem as duas mulheres com uma pressa que o encanto do local
não justifica…
Vizinho do Tibre e do porto, o bairro, que confina com a via Suburrana,
é tão perigoso quanto malcheiroso por ser o local de eleição da ralé. A pode‑
rosa confraria dos mendigos, os ladrões, as prostitutas, os assassinos, os gla‑
diadores e os barqueiros sentem­‑se nele em casa, procuram nele o vinho
e as raparigas, suas únicas distracções. As tabernas abundam e constituem
outros tantos prostíbulos. Algumas também servem de quartel­‑general de
bandos organizados que não parecem preocupar­‑se com uma vizinhança

‹  15 ›

na cama das rainhas***.indd 15 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

que devia fazê­‑los pensar. De facto, é em Suburra que vivem os carrascos


de Roma e não é raro ver chicotes ainda ensanguentados a secar em frente
das suas portas.
Assim que entram em Suburra, as duas mulheres caem em cima do
tumulto provocado por uma querela que anima a entrada de uma taberna:
um brutamontes de rosto brilhante de suor – sem dúvida o patrão do esta‑
belecimento – e uma rapariga de rosto pintado discutem com o ardor e a
exuberância de injúrias habituais nas gentes da Península. Apesar dos gri‑
tos, Messalina consegue deslindar a causa do litígio: a rapariga, pensionista
da casa e indiferente aos clientes que a esperam, prepara­‑se para abando‑
nar um patrão brutal pela simples razão de que conseguiu juntar o dinheiro
necessário para comprar a sua liberdade, que pretende, doravante, adminis‑
trar sozinha. O patrão, porém, não está de acordo e avisa a sua pensionista
de que, se não termina a noite, vai ter de se haver com ele. De facto, a rapa‑
riga, com cinco ou seis clientes à sua espera, é a mais desejável do prostí‑
bulo, e, se não os satisfizer, eles deitam a casa abaixo.
A disputa podia degenerar em pancadaria, porque já se tinha chegado
às ameaças, se Messalina não interviesse.
– Deixa­‑a ir! – disse ela ao homem. – Eu substituo­‑a, se quiseres!
Imagine­‑se o soluço de horror de Mirtala perante semelhante proposta:
a imperatriz num bordel! Se a coisa se soubesse, Messalina teria alguns
aborrecimentos, mas ela, Mirtala, testemunha inerte de um tal escândalo,
desapareceria discretamente no estômago de um leão esfomeado…
Entretanto o taberneiro examina a pretendente.
– Não te conheço! Quem és?
– Chamam­‑me Lycisca e venho da Grécia…
Satisfeito com o exame superficial, o homem conclui depressa o negó‑
cio e Messalina é convidada a entrar. Quanto a Mirtala, apresentada como
irmã de Lycisca, é também convidada a entrar e é instalada a um canto da
sala na companhia de uma taça de vinho ordinário, enquanto Messalina
desaparece no interior de uma pequena cela fechada por uma cortina de
tela grossa franjada, levantada uns momentos depois por um gladiador com
o corpo cheio de cicatrizes…
Seguem­‑se outros no decurso de uma noite interminável para a dama de
companhia e quando, por fim, ao raiar do dia, as duas mulheres retomam

‹  16 ›

na cama das rainhas***.indd 16 13/Mai/2014 14:55


›  n a c a m a d a s r a i n h a s  ‹

o caminho do seu «domicílio», é Messalina, uma Messalina mais em forma


do que nunca, que tem de amparar a sua companheira a caminho do Pala‑
tino. Mirtala sente­‑se tão mal que a imperatriz, descontente, declara que na
«próxima vez» irá sozinha… E quando a outra, assustada, pergunta quando
será a tal próxima vez, Messalina limita­‑se a responder com desenvoltura
que passou uma noite «espantosa», o que diz tudo: a jovem imperatriz faz
tenção de recomeçar. No fundo, para quem conhece bem a jovem e bela
mulher de dezoito primaveras a resposta não tem nada de espantoso: nin‑
fomaníaca e perversa, Messalina está destinada a tornar­‑se o protótipo da
mais insolente das debochadas.
Há três anos que Valéria Messalina é a mulher do mui nobre Cláudio,
tio de Calígula, o imperador então reinante. O casamento é de conve­
niência. Cláudio, para além de um apetite prodigioso pelo amor, não tem
nada que chame a atenção ou que seduza uma adolescente. Se bem que o
seu rosto não seja repugnante, é disforme, coxo, gago, epiléptico e passa
por ser idiota.
Ora, um ano após o casamento, Cláudio, contra a sua vontade, torna­
‑se imperador. Após o assassinato de Calígula pelos pretorianos, estes vão
buscar Cláudio, escondido atrás de uma coluna, embrulham­‑no na sua pró‑
pria toga e arrastam­‑no quase à força até ao trono na intenção evidente de
conseguirem, assim, o poder.
Apanham uma desilusão. Cláudio é muito menos estúpido do que dá a
entender e só se finge de idiota para preservar a vida, o que lhe permite
ser o único sobrevivente de uma família sucessivamente dizimada desde
os tempos de Augusto, seu avô, pela intensa actividade da sua avó Lívia e
dos sucessores de Augusto, Tibério e Calígula. Escondido por debaixo da
reputação de imbecilidade, Cláudio entrega­‑se aos estudos que tão caros
lhe são, tornando­‑se assim um político fino e erudito, e teria dado um exce‑
lente imperador se, perdidamente apaixonado, não se tivesse casado em
quartas núpcias com a encantadora Messalina.
Os primeiros anos de casamento são felizes. Cláudio é infatigável na
cama e Messalina tem prazer em partilhar o leito com o marido, talvez
por curiosidade pela sua disformidade, mas depressa se cansa, e depois de
dar à luz dois filhos, Britânico e Octávia, acha­‑se no direito de enfrentar a
vida como muito bem entende, ou seja, de se oferecer a todos os homens

‹  17 ›

na cama das rainhas***.indd 17 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

que lhe agradem, continuando, no entanto, a vigiar Cláudio e a alimentar


uma paixão que lhe garante uma grande segurança.
Numerosos são os temerários que partilham, durante uma noite ou uma
hora, o leito com a imperatriz. Digo temerários porque em breve se per‑
cebe que a empresa tem os seus perigos. Como a discrição é, de facto, o
garante da sua tranquilidade, Messalina, consciente de que só os mortos
não falam, inicia o capítulo das mortes rápidas e misteriosas. Nunca em
Roma se viram tantas indigestões mortais nem tantos passeios imprudentes
nas margens do Tibre, quando se sabe que no rio os maremotos são raros.
De vez em quando morre também alguém esfaqueado, mas não é segredo
para ninguém que as ruas de Roma são mal frequentadas, sobretudo à noite.
As más­‑línguas também começam a desatar­‑se. Entre o pessoal mas­
culino do Palatino, os belos pretorianos bem musculados e os patrícios con­
sumíveis, começa a correr o boato de que Messalina é tão perigosa como
uma serpente cascavel.
Os que pensam detectar nas verdes pupilas imperiais o menor lampejo
de luxúria, fazem os possíveis por se esquivar: um não se sente bem, outro
tem de ir a Campânia, onde a sua vivenda é ameaçada pelos gafanhotos,
um outro ainda recebeu uma ordem do imperador, um quarto está de par‑
tida para o campo, algures nas margens do Reno, e no Verão as epidemias
de malária tomam proporções inesperadas. Só os homens de idade e as
mulheres se arriscam a aproximar­‑se de Messalina.
Cansada de agitar um lenço que não chega a deixar cair, esta perde a maior
parte da sua alegria de viver até ao dia em que, vendo Mirtala pegar ao ser‑
viço com uma cara muito alegre, vem a saber que a jovem grega acaba de
passar umas horas extraordinárias com um jovem barqueiro do Tibre, o que
lhe abre novos horizontes e lhe dá a ideia de visitar a taberna de Suburra…
A imperatriz regressa várias vezes à alcova da cortina franjada, mas sem‑
pre só; o local miserável onde encontra tantos homens diferentes funciona
como uma verdadeira droga, e quando Cláudio sai de Roma à cabeça das
suas legiões para ir conquistar a Inglaterra, a sua mulher sai todas as noi‑
tes do palácio para se ir juntar, por debaixo de uma peruca loura, aos bar‑
queiros, aos gladiadores e aos bandidos de Suburra. Aterrorizada, Mirtala
pensa que a sua senhora enlouqueceu e faz sacrifícios a todos os deuses do
Olimpo para que ninguém descubra o terrível segredo…

‹  18 ›

na cama das rainhas***.indd 18 13/Mai/2014 14:55


›  n a c a m a d a s r a i n h a s  ‹

A jovem podia ter economizado um bom punhado de sestércios por‑


que já há quem saiba, em Roma, onde Messalina passa as noites. Quem?
­Narciso, um homem extremamente perigoso porque é um dos dois favo‑
ritos de Cláudio, sendo Polibo o outro.
Secretário do imperador, Narciso é um homem corrupto, mas muito inte‑
ligente e, por vezes, um bom conselheiro, como no caso da obra arquitec‑
tónica de Cláudio, por exemplo. Sabendo onde empregar o ouro, Narciso
possui a sua própria polícia, sem dúvida a mais bem informada do império.
Ora, Narciso ouviu falar dos encantos e sobretudo do temperamento
de uma tal Lycisca, uma cortesã recém­‑chegada a Suburra, e pensando
que a mulher lhe pode ser útil, envia­‑lhe, disfarçado, um dos seus sectá‑
rios. O homem fica aturdido porque a peruca loura não o enganou: Lycisca
não é outra senão Messalina…
A notícia é terrível, mas preciosa. Para ter a certeza de que é o único depo‑
sitário, Narciso não hesita em mandar matar o seu informador. De momento
as suas relações com a imperatriz são excelentes e ele não deseja que mudem,
mas caso Messalina deixe de se mostrar amigável… E o favorito do impera‑
dor guarda a informação nos seus arquivos mais secretos. Aliás, de repente
Lycisca deixa de aparecer com frequência na taberna da via Suburra porque
o cônsul Caius Silius acaba de chegar da Germânia, chamado por Cláudio.
Caius Silius foi o único homem que Messalina amou. A jovem ainda não
tinha catorze anos quando o viu pela primeira vez em casa dos pais, Bar‑
batus Messala e Domitia Leída, mas apaixonou­‑se loucamente e só pen‑
sava em entregar­‑se­‑lhe. O belo Caius não foi, decerto, o seu iniciador, mas
ter­‑lhe­‑á revelado que, quando o coração e os sentidos estão de acordo,
o amor é a coisa mais divina do mundo.
O cônsul, a bem do império, teve de ir para a Germânia e apesar das
cartas de Messalina a pedir­‑lhe que regresse, abstém­‑se: só recebe ordens
do imperador. E é o que Cláudio faz, manipulado pela mulher.
Caius Silius não regressa só porque se casou e diz­‑se que Junie, a sua
mulher, é muito bela… Porém, assim que chega, o cônsul é convocado a
título oficial por Cláudio e a título oficioso por Messalina, que o recebe
em privado e no seu leito, onde ele se vê sem ter tempo, sequer, de perce‑
ber o que lhe está a acontecer. Porém, o homem não se queixa porque é
com o maior dos prazeres que renova os laços de outros tempos com uma

‹  19 ›

na cama das rainhas***.indd 19 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

jovem que se revela uma amante deslumbrante, cuja paixão inesperada, mas
visível, começa a acordar nele uma ambição singular. Que se pode espe‑
rar de um homem que é amante da imperatriz? No fim de contas Cláudio
não é novo, e caso venha a desaparecer…
Entretanto, para receber Messalina ao abrigo de olhares indiscretos, Silius
começa por comprar uma casa encantadora, a dos cavaleiros Petra, dois
irmãos que acabam de ser executados: umas poucas de divisões numa con‑
fusão de plantas e flores, discretas, bem escondidas. Lá, Messalina e Silius
vão amar­‑se todos os dias com paixão.
Porém, Messalina começa a detestar a discrição que a situação lhe impõe.
O germe da loucura que lhe vive no sangue leva­‑a a cometer excessos.
A jovem quer mostrar os seus amores a toda a gente. Roma tem de saber
que ela ama Caius Silius…
E a imperatriz começa por encher o amante de presentes faustosos, não
hesitando em esvaziar mais ou menos o Palatino para lhe dar os objectos e
os móveis mais preciosos. A casa do cônsul, no Quirinal, torna­‑se um ver‑
dadeiro museu.
Museu que tem uma guardiã: Junie, a mulher legítima de Silius. E quando
evoca a silhueta esbelta e graciosa da jovem, a imperatriz sente crescer as
garras porque só tem direito, ela, a algumas horas do dia com o amante, ao
passo que Junie tem as noites todas com o marido, coisa que uma ­Messalina
não tolera. Felizmente todos os problemas têm solução.
E a solução chama­‑se Locuste, uma mulher de grande saber mas com
poucos escrúpulos, versada numa farmacopeia que mais tarde viria a fazer
a fortuna dos Bórgia. A amável criatura mora num isolamento soberbo,
nas margens de um pântano à saída da porta de Capena. Na melhor tradi‑
ção do boulevard du Crime, a mulher vive com um escravo negro que, para
além de assustador, é surdo­‑mudo. A encantadora família possui também
um ninho de serpentes, fornecedoras privilegiadas de uma matéria­‑prima
insubstituível.
Os venenos confeccionados por Locuste podem matar de maneira terrível
ou com uma doçura tão grande que a morte parece natural. E é assim que
num dia em que Silius parte para Óstia na companhia de Cláudio – o impe‑
rador deseja construir um farol naquela cidade – a sua mulher recebe em
casa uma bela cesta de fruta proveniente do Palatino.

‹  20 ›

na cama das rainhas***.indd 20 13/Mai/2014 14:55


›  n a c a m a d a s r a i n h a s  ‹

Os presentes imperiais são quotidianos e Junie, habituada, não vê qual‑


quer inconveniente em saborear algumas peças, tanto mais que o seu marido,
ausente, se arrisca a encontrá­‑las demasiado maduras, senão mesmo podres.
A jovem regala­‑se… Resultado: quinze dias mais tarde Caius Silius, ves‑
tido com uma toga negra que lhe cai bem, acende no jardim da sua casa
a pira fúnebre da sua mulher.
Fá­‑lo ele com a alma serena, isenta de qualquer suspeita? Certamente
que não. Até à chegada da maldita cesta, Junie gozava de boa saúde. Aliás,
a jovem não é a primeira a ir desta para melhor, in casa Siliana, graças à
famosa cesta. Caius conhece Messalina e sabe que ela é capaz de tudo para
viver com ele. Porém, o viúvo consola­‑se depressa, já que se tratava de um
obstáculo a menos no caminho do trono, sendo o principal o ocupante do
dito, o próprio Cláudio…
À primeira vista o problema parece simples: um bom prato de cogume‑
los parecidos com os que Lívia deu ao seu marido Augusto ou uma boa
tisana com a assinatura de Locuste e Cláudio parte, feito em fumo, para
o Olimpo, onde o seu lugar de ex­‑deus mortal já está reservado. Só que
Messalina não está certa de lhe sobreviver durante muito tempo e muito
menos de cingir a coroa porque tem demasiados inimigos!…
Primeiro que tudo as mulheres, todas elas, à excepção de Mirtala e de
Locusta, e uma boa parte dos homens, os que não tiveram as suas carícias,
os que conheceram Lycisca e os que a condenam por chafurdar na luxúria.
E por fim o povo, que a acusa de mandar assassinar os amantes. No fundo,
é muita gente.
Mas Messalina, que não é mulher que se deixe desencorajar por tais
ninharias, encontra um meio genial que não lhe parece perigoso: envene‑
nar Cláudio e casar com o amante. Como seu marido, Caius só teria de
subir os degraus do trono.
A primeira reacção deste é das mais saudáveis. Messalina enlouqueceu
por completo! Porém, depois de reflectir e em virtude do adágio que diz
que os deuses tornam cegos e surdos aqueles que querem ver mortos, Caius
Silius diz: «No fim de contas, por que não?…» A ideia de Messalina, que
depende toda ela de um único detalhe, pode resultar se bem encenada.
Cláudio tem o hábito de passear todas as noites nos jardins do Pala‑
tino, jardins bem guardados de mais para que um assassino ouse arriscar­‑se.

‹  21 ›

na cama das rainhas***.indd 21 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

E é assim que numa noite de bruma, quando se aproxima de um pequeno


templo de Apolo quase todo rodeado por um pequeno bosque de teixos,
o imperador avista um ancião pálido e esfarrapado a abrir um buraco.
Espantado por ver um jardineiro tão mal vestido a trabalhar àquela hora
– em geral os seus escravos andam mais bem vestidos –, Cláudio aproxima­
‑se e pergunta ao homem o que faz ali. O ancião parece tão velho, tão frá‑
gil e tão pálido, para além de estar numa idade em que o nevoeiro não lhe
deve fazer bem nenhum ao reumatismo!… O velho responde­‑lhe com voz
cavernosa: está a cavar uma sepultura, a sepultura do marido de Messalina,
que deve morrer dentro de três vezes três dias…
Pode ser­‑se um espírito esclarecido, um homem de ciência, e não gos‑
tar muito de tal género de profecia. Reencontrando uma gaguez que
consegue controlar nas grandes ocasiões, Cláudio diz ao velho que o
marido de Messalina é o imperador, mas o outro não desiste: seja quem
for, o que lhe importa é que tem ordens para abrir a sepultura do marido
da imperatriz…
O pobre Cláudio teria fugido a sete pés se não fosse coxo e não estivesse
paralisado de medo, mas mesmo assim arranja coragem para pedir ao velho
que lhe diga o nome e este concede­‑lhe o desejo: o seu nome é Alecton…
E ali mesmo, achando, sem dúvida, que a conversa se arrisca a eternizar­
‑se, o ancião dissipa­‑se no nevoeiro e no bosque de teixos, deixando que
­Cláudio fuja, enfim, tão depressa quanto lhe permitem as pernas desiguais…
Já em casa e ainda ofegante, o imperador manda chamar Narciso e pede­
‑lhe que se informe se existe no pessoal do palácio um jardineiro chamado
Alecton e, em caso afirmativo, que o mande desta para melhor! O que não
será difícil, já que o homenzinho só por milagre se tem de pé.
Ora, quando regressa, Narciso diz coisas desagradáveis: o jardineiro cha‑
mado Alecton morreu há dois meses!…
Após uma noite passada com a almofada sobre a cabeça a contar quan‑
tas horas são três vezes três dias, Cláudio resolve descarregar a sua angús‑
tia no seio generoso da sua querida Messalina, que o aconselha com toda
a hipocrisia a pedir conselho ao supremo pontífice de Roma. A coisa
é demasiado grave!…
Assim que o alto personagem chega, submetem­‑lhe o problema: é pre‑
ciso que ele resolva qualquer coisa porque o imperador estima que ainda

‹  22 ›

na cama das rainhas***.indd 22 13/Mai/2014 14:55


›  n a c a m a d a s r a i n h a s  ‹

há muito a fazer neste mundo, mesmo que nem toda a gente seja da mesma
opinião. Ora, o pontífice não resolve nada, claro! As manifestações do Além
são coisas demasiado respeitáveis para que um humano, mesmo Pontifex
Maximus, ouse envolver­‑se nelas.
Messalina, que vê com satisfação o marido a murchar a olhos vistos,
avança com timidez, com as hesitações de quem cogita lentamente, uma
ideia extravagante: para que possa escapar à profecia, Cláudio tem de deixar
de ser seu marido, pelo menos até à data fixada… E a imperatriz explica
o seu plano: Cláudio sai de Roma durante alguns dias, até passar o período
fatídico… Entretanto Messalina, com uma rara devoção, permanecerá no
seu posto e fará face à adversidade contratando um falso matrimónio com
um velho amigo… Caius Silius, por exemplo, corajoso o suficiente e dedi‑
cado para aceitar esse perigoso papel de marido de Messalina no dia fatal…
Dessa maneira será ele, um homem de bem, o sacrificado…
O pontífice fica surpreendido e prepara­‑se para protestar, mas Cláudio,
esse, ressuscita. A ideia de encontrar um substituto momentâneo não lhe
parece má de todo, para além de que não lhe passa pela cabeça que a sua
querida Messalina possa não ser a esposa terna e carinhosa que sempre
pretendeu ser. O imperador afasta­‑se batendo palmas, deixando que a sua
mulher explique tudo ao pontífice.
Este, claro, agita um argumento maciço: Messalina pensa que os deuses
são estúpidos? Messalina vai cometer um sacrilégio que não salvará o impe‑
rador. A espertalhona, porém, tem a resposta na ponta da língua: o sacri‑
légio aconteceu, isso sim, no dia do seu casamento com Cláudio porque
enquanto dava a mão ao futuro imperador, era em Caius Silius que pen‑
sava, e foi com a sua imagem diante dos olhos que pronunciou a famosa
fórmula: Ubi tu Gaius, ego Gaïa…
O pontífice não fica convencido, claro, mas depressa percebe que se se
atreve a opor­‑se ao projecto, arrisca­‑se a não beneficiar muito mais tempo
das alegrias da vida de Roma…
Transposto o obstáculo, Cláudio anuncia a sua partida para Óstia, onde
tenciona vigiar a construção do seu farol. Mal o imperador parte, Messa‑
lina prepara de imediato a soberba festa que vai ser o seu casamento com
Caius Silius, sem imaginar por um só instante que uma certa pessoa acha
tudo muito bizarro…

‹  23 ›

na cama das rainhas***.indd 23 13/Mai/2014 14:55


›  j u l i e t t e b e n z o n i  ‹

A imperatriz não contou com Narciso, que pensa ser­‑lhe fiel. Há muito
tempo que este, informado pela sua soberana, se interessa por outra mulher
ainda mais bela, Agripina, a Nova sobrinha de Cláudio, mãe de um miúdo
impossível chamado Nero e que não veria nenhum inconveniente em tornar­
‑se tia de si própria ao casar­‑se com o próprio tio. E Narciso começa a
acariciar a ideia de uma imperatriz a dever­‑lhe tudo quando, de repente,
vê desenrolar­‑se diante dos seus olhos uma cerimónia aberrante: Messa‑
lina, na ausência de Cláudio, vai casar­‑se com outro homem, um homem
que toda a Roma sabe ser seu amante. Mais grave ainda, Caius Silius está
em vias de conseguir um punhado de partidários destinados a instalá­‑lo no
trono assim que Cláudio desaparecer…
Sem hesitar, Narciso vasculha os arquivos à procura dos relatórios rela‑
cionados com as actividades de Lycisca, monta a cavalo e parte a toda a brida
para Óstia, onde chega poucas horas depois, esbaforido.
A princípio o imperador não o entende, mas depois sorri perante os
medos do seu favorito; é claro que está ao corrente, o casamento não passa
de uma comédia destinada a preservar­‑lhe a própria vida… Como? A sua
vida está por um fio se não regressar de imediato a Roma; se esperar nem
que seja umas horas, ver­‑se­‑á destituído e o seu imperador será o bom
Caius Silius, tão dedicado. Para dar mais crédito às suas declarações, Nar‑
ciso, agitando as provas que tem nas mãos, recita em voz alta ao seu senhor
a vida secreta da sua mulher.
Cláudio, fulo de medo e de cólera, ordena a partida para Roma, juntando
no caminho todas as tropas que encontra. Narciso, porém, parte antes dele
para anunciar o regresso do seu senhor, já que um cavalo é mais rápido do
que um exército a pé.
A notícia de tal regresso atinge Roma no momento em que Cláudio só
está a meio caminho, mas cai sobre o Palatino no meio da festa nupcial, no
momento em que, no mesmo leito, Messalina e Caius começam a dar provas
do seu grande amor. A entrada em cena de Narciso tem o efeito de uma bomba
e enquanto os pratos arrefecem, é o salve­‑se quem puder comandado por
Caius Silius, que tenta salvar o que ainda pode ser salvo: a sua própria cabeça.
Mas não conseguirá. Narciso tem pressa. Quando Silius chega a sua casa,
os pretorianos estão nos seus calcanhares, mortos por pilharem a mais bela
casa de Roma. Um bom golpe de gládio e está tudo acabado.

‹  24 ›

na cama das rainhas***.indd 24 13/Mai/2014 14:55


›  n a c a m a d a s r a i n h a s  ‹

Quanto a Messalina, foge, também ela, mas não para morrer com o seu
amado, antes para casa da sua mãe, com quem está de candeias às avessas
há muito tempo, onde procura refúgio enquanto espera pela chegada de
Cláudio, decidida a reconquistá­‑lo…
Narciso sabe que o imperador não resistirá às lágrimas da sua jovem
mulher e envia soldados para casa de Domitia. Esta tenta convencer a filha,
diz­‑lhe que está perdida, que só lhe resta a hipótese de morrer como uma
romana, pelas suas próprias mãos, mas perde o seu tempo. Messalina agarra­
‑se à vida que tanto ama com unhas e dentes… E é nos braços da sua mãe
que o gládio de um centurião a golpeia…
Cláudio não ordenara a sua morte e começa por chorá­‑la com toda a sin‑
ceridade. Então Narciso envia­‑lhe Agripina, que saberá enxugar as lágri‑
mas do velho apaixonado, enquanto espera pela oportunidade de acordar
nele instintos menos nobres, mas também naturais.
E Agripina sucede a Messalina, mas não para bem do pobre Cláudio.
Locuste encontrará nela a sua melhor e mais generosa cliente…

‹  25 ›

na cama das rainhas***.indd 25 13/Mai/2014 14:55


na cama das rainhas***.indd 26 13/Mai/2014 14:55

Você também pode gostar