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Um círculo vicioso
Jim Brown
4. Vendas da indústria farmacêutica crescem 13,1% em 2016, diz Interfarma. G1. Globo.
com. 20 de janeiro de 2017. Disponível em: <http://g1.globo.com/economia/noticia/
receita-com-vendas-de-remedios-cresce-131-em-2016-diz-interfarma.ghtml>.
Acesso em: 12 jun. de 2017.
5. Abia divulga balanço do setor de alimentos e bebidas. Abia. 6 de fevereiro de 2017.
Disponível em: <http://www.abia.org.br/vsn/tmp_2.aspx?id=319>. Acesso em: 12
jun. 2017.
apresentado como aquele que “mata a fome”. Não é preciso ser nutró-
loga – como sou – para saber que, na verdade, acontece o contrário.
Explico rapidamente: cada alimento que ingerimos tem uma capaci-
dade específica de interferência no nível de açúcar do sangue, caracte-
rística chamada índice glicêmico (IG). Seguindo uma escala que vai até
100, os campeões são os ricos em carboidrato, farinha branca e açúcar
refinado. Quando você come algo com IG alto, como o produto em ques-
tão, os níveis de açúcar do organismo sobem rapidamente, forçando o
seu pâncreas a produzir mais insulina (hormônio responsável por
transportar e controlar a glicose). A insulina cumpre sua função e reduz
os níveis de açúcar prontamente, deixando no organismo a sensação de
falta de energia e de fome – de novo. Isso, é claro, faz com que você
“tenha” de comer algo com IG alto, na sequência. Ou seja, o dito choco-
late favorece tanto a fome real como a fome nutricional. Em contrapar-
tida, os alimentos encontrados à disposição na natureza são baratos e
nutritivos. Portanto, do ponto de vista dos negócios, um corpo saudá-
vel física e mentalmente “vale” menos, porque gasta menos. Ao fazer
escolhas erradas, o ser humano está colocando uma corda no próprio
pescoço, pendurando-a na árvore das grandes corporações.
Uma das consequências do dia a dia em um ambiente de excessos
são pessoas cada vez mais obesas. Você já observou que em fotos an-
tigas, como aquelas que contemplam pessoas circulando nas ruas do
centro de São Paulo ou com suas famílias em poses sérias, dificilmente
encontramos pessoas obesas? Os padrões de beleza não eram tão exi-
gentes (e inatingíveis!) quanto os atuais, como observamos nas revistas
femininas antes da era Twiggy.6 Mesmo assim, a maioria das pessoas
se mantinha naturalmente magra. Será que todos passavam fome? A
abundância de comida que existe hoje, de fato, não tem precedentes na
6. Modelo britânica que fez sucesso nos anos 1960 com um estilo andrógino e sem curvas.
9. Critical to the Health of our Chidren: Missouri's Actions for Adressing Childdhood Obe-
sity. Disponível em: <http://extension.missouri.edu/mocan/OC2015/ChildhoodObesi-
tyReportCSC.pdf>. Acesso em: 9 jun. 2017.
10. Expectativa de vida no Brasil sobe para 75,5 anos em 2015. Portal Brasil. 1º de dezem-
bro de 2016. Disponível em: <http://www.brasil.gov.br/governo/2016/12/expectativa-
de-vida-no-brasil-sobe-para-75-5-anos-em-2015>. Acesso em: 12 jun. 2017.
com uma pílula? Existem até remédios para dor de cabeça que se apre-
sentam como “melhores amigos”, com apelidos que remetem a nomes
femininos. Acontece que, ao postergar a ida ao médico, mais complica-
ções podem surgir – e essa conduta é bem mais lucrativa para a indús-
tria farmacêutica. O problema é que uma dor de cabeça recorrente pode
estar por trás de diversas doenças. Sem querer alarmar, mas só para
citar uma delas, talvez seja o início de um acidente vascular cerebral
(AVC), que acomete inúmeras mulheres na faixa dos 30 anos. Se, em
vez de investigar o sintoma por meio de uma tomografia, ele for elimi-
nado pela ingestão desses mágicos medicamentos, o coágulo tem a
chance de se expandir e piorar o quadro. De modo que esse círculo
vicioso, no qual cuidar da saúde é sinônimo de tomar remédios, man-
tém-se por anos a fio.
Alívio imediato
Para amenizar os desconfortos, tanto do corpo como da mente, que
fazem parte da rotina, a comida se transformou em um alívio eficaz.
Depois de um dia atribulado, você chega em casa cansado. A primeira
coisa em que pensa, então, é comer algo bem gostoso (geralmente um
doce, gorduroso e calórico) para “compensar”, certo? A explicação está
no cérebro. Desde a época de nossos antepassados, que viviam nas ca-
vernas, o prazer tem uma função central na formação do órgão que co-
manda a vida. Ao longo da evolução da espécie, ele tornou-se decisivo
para a nossa sobrevivência (sentimos prazer, aliás, para procriar, não
é?). Contudo, o mesmo mecanismo também está por trás de vícios, como
a ciência já provou.11 Como bem resumido no livro Prato sujo – Como a
11. BLOOM, Paul. How Pleasure Works: The New Science of Why We Like What We Like.
Nova York: W.W. Norton & Company, 2011.
justamente porque não consegue colocar para fora o que pensa. Por
isso, para garantir que a boca continue ocupada, enche-a com comida.
Quando um alimento fica entalado na garganta, bebemos água para fa-
zê-lo descer. Se for um “sapo”, porém, usamos comida, e aquilo que se
deixou de falar/sentir/lidar prossegue sem solução.