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Vagas ociosas
Cármino Souza, professor de medicina há 40 anos na Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp) e presidente do Conselho de Secretários Municipais
de Saúde do Estado de São Paulo (Cosems-SP), afirma que não só a
expansão não ocorreu no ritmo esperado e necessário para cumprir a
demanda, como também os programas não foram capazes de atrair médicos
suficientes para ocupar as vagas.
Se forem analisadas as vagas de fato preenchidas, o cenário é pior: segundo o
estudo, só 1.043 estavam ocupadas por um residente de primeiro ano, o que
significa uma taxa de ociosidade de cerca de dois terços.
Medicina de família: oferta é maior do que a demanda
Cruzamento de dados mostra o total de vagas oferecidas e preenchidas em 2017
VAGAS AUTORIZADAS PELO MEC (2017): 3.214VAGAS PREENCHIDAS
(2017): 1.043
Fonte: MEC e FMUSP ('Demografia Médica 2018')
Especialidade desvalorizada
Nathan Mendes, da UFMG, afirma que um dos problemas por trás dessa falta
de interesse é o fato de que os médicos de família não são valorizados
socialmente.
"Alguns países já conseguiram esse êxito da valorização social da medicina de
saúde e dos profissionais que nela trabalham. Não só médicos, mas
enfermeiros, biomédicos, e outros profissionais, da psicologia, da fisioterapia."
Segundo ele, outros países adotaram uma série de estratégias para atrair os
egressos das faculdades de medicina à especialidade, como um complemento
financeiro na bolsa de residência e privilégios salariais para quem decide seguir
nessa área.
No Brasil, algumas estratégias incluem bônus na nota da prova de residência
para os estudantes que atuaram na atenção básica. Mas, segundo Mendes e
Nildo Alves Batista, presidente da Associação Brasileira de Educação Médica
(Abem), a iniciativa teve efeito limitado porque, após o cumprimento da carga
horária mínima na atenção básica, os médicos usam o bônus para serem
aprovados em programas de residência de outras especialidades, e
abandonam a área.
Cármino Souza explica que muitas pessoas consideram a medicina de família
menos complexa que outras especialidades, mas que isso é um mito.
"O generalista [de medicina da família] tem que ter bons conhecimentos de muita
coisa para saber diagnosticar. Uma coisa é formar um médico voltado à atenção
básica, a outra é ter uma formação dentro do ambiente hospitalar, com muitas
especialidades" - Cármino Souza, presidente do Cosems-SP
Além do atendimento habitual, postos de saúde fazem outros tipos de programa, como
um mutirão para atendimento de pessoas com suspeita de dengue realizado por uma
UBS na Brasilândia, periferia da Capital paulista, na época de um surto em 2015 —
Foto: Tiago Queiroz/Estadão Conteúdo/Arquivo
Demanda no mercado
Já Mendes lembra ainda que, no Brasil, há espaço para absorver todos os
novos especialistas em medicina de família, não só nos postos de saúde, mas
também em outros cargos.
O motivo, segundo ele, é o aumento da percepção, com base em pesquisas,
de que a atenção primária de saúde, quando é o centro do atendimento ao
público, torna o sistema de saúde mais eficaz e econômico. Por isso, até os
planos de saúde têm aderido a programas coordenados por médicos de
família.
"Nos últimos dez anos, a saúde suplementar tem comprado a ideia de que a
atenção primária em saúde agrega muito em valor, porque evita que muitos
especialistas focais atendam a mesma pessoa, mas cuidando só de órgãos, com um
olhar fragmentado das pessoas" - Nathan Mendes, professor da UFMG
Problemas estruturais
Arthur Danila, ex-presidente da Associação Nacional dos Médicos Residentes
(ANMR), ressalta que, além da demanda por profissionais e do interesse dos
estudantes, a meta de 40% das vagas de residência em medicina da família
está longe de ser cumprida porque também enfrenta problemas de
infraestrutura.
"Só aumentou para 13,8% porque, possivelmente, não conseguiram encontrar
estrutura mínima [espaço físico e professores supervisores preparados] para
expandir mais do que isso", disse ele.
Ao G1, o MEC explicou que "o tema está sendo rediscutido tanto no MEC
quanto no contexto do Mais Médicos".
Segundo o ministério, "a residência médica é uma formação em serviço, o que
significa dizer que é o momento em que há a necessidade da prática médica
sob supervisão, com atendimento real a pacientes da rede pública. Assim, a
prática médica está diretamente associada à infraestrutura do sistema de
saúde e da rede de assistência, cujas dificuldades e barreiras também afetam a
formação ou permanência dos residentes nos programas".
A nota diz, ainda, que a moratória imposta pelo MEC para novos cursos de
medicina vigora "enquanto o MEC busca políticas de atração para combater a
ociosidade das vagas de residência atualmente oferecidas".
Postos de saúde sem médicos, como esse em Americana (SP), são uma realidade
comum em muitos municípios brasileiros — Foto: Reprodução/EPTV