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DÉCIMA QUINTA CÂMARA CÍVEL DO TRIBUNAL DE


JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 0061560-
50.2014.8.19.0000
RELATOR: DES. CELSO FERREIRA FILHO
AGRAVANTE: TIAGO AZEVEDO COSTA MATTOS
AGRAVADO: DEPARTAMENTO DE TRÂNSITO DO ESTADO
DO RIO DE JANEIRO-DETRAN-RJ

AGRAVO DE INSTRUMENTO. ATO


ADMINISTRATIVO. DIREITO DE TRÂNSITO.
RECUSA EM REALIZAR TESTE DE
ALCOOLEMIA (BAFÔMETRO). APLICAÇÃO DAS
SANÇÕES DO ART. 165 DO CTB (MULTA E
SUSPENSÃO DO DIREITO DE DIRIGIR) AO
CONDUTOR. A INCIDÊNCIA DO §3º DO ART.
277 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO,
QUE DETERMINA APLICAÇÃO DESSAS
PENALIDADES AO CONDUTOR, ANTES DO
ADVENTO DA LEI Nº 12.760/2012, ESTAVA
SUBORDINADA À CONDIÇÃO DE O
CONDUTOR “ESTAR SOB SUSPEITA DE
DIRIGIR SOB A INFLUÊNCIA DO ÁLCOOL”.
COM EFEITO, ESTA EXPRESSÃO LIMITA A
ATUAÇÃO DO ADMINISTRADOR NO SEU
PODER DE POLÍCIA. DIANTE DA AUSÊNCIA
DE ANOTAÇÕES SOBRE AS RAZÕES QUE
DEMONSTRASSEM INDÍCIOS DE
EMBRIAGUEZ, NENHUMA PRESUNÃO FOI
FEITA CONTRA O AGRAVANTE. ASSIM,
DIANTE DA AUSÊNCIA DE INDÍCIOS QUE
JUSTIFICASSEM AS MEDIDAS
ADMINISTRATIVAMENTE TOMADAS, DÁ-SE
PROVIMENTO AO RECURSO PARA CONCEDER
A TUTELA ANTECIPADA REQUERIDA NA
FORMA QUE AUTORIZA O DISPOSTO NO
ART. 557, §1º-A, CPC.

Assinado em 18/11/2014 18:01:40


CELSO FERREIRA FILHO:000007287 Local: GAB. DES CELSO FERREIRA FILHO
Agravo de Instrumento nº 0061560-50.2014.8.19.0000 24

Fls. 2

DECISÃO

Trata-se de agravo de instrumento manifestado contra


decisão do MM. Juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Teresópolis
proferida nos autos da ação declaratória de nulidade de ato
administrativo (multa de trânsito) com pedido de tutela
antecipada que move em face do DETRAN/RJ ajuizada pelo
agravante em face do agravado, que indeferiu o pedido de
antecipação dos efeitos da tutela para que seja suspensa a
sanção de proibição de dirigir, desobrigando assim o autor de
entregar sua carteira para ser retida pelo órgão de trânsito.
Sustenta o agravante que foi alvo de fiscalização
policial, oportunidade na qual se recusou a proceder ao teste do
bafômetro. Salienta que, na ocasião, não foi realizada qualquer
prova técnica hábil a demonstrar a direção de veículo sob a
influência de álcool, não constatando os policiais qualquer indício
de alcoolemia.
Alega que, inobstante a ausência total de provas, a
autarquia agravada aplicou ao agravante as penalidades previstas
no artigo 165 do Código de Trânsito Brasileiro, quais sejam, multa
e suspensão do direito de dirigir por doze meses, além da
obrigação de frequência e aprovação em curso de reciclagem de
condutores infratores.

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Aduz que os aludidos atos administrativos estão


eivados de várias nulidades, eis que a ausência de
fundamentação necessária acabou por esvaziar o princípio da
ampla defesa. Alega, ainda, ausência de qualquer prova de
embriaguez, além de não ter havido notificação das penalidades.
Requer a antecipação dos efeitos da tutela para que a
autarquia agravada suspenda a sanção de suspensão do direito
de dirigir ao governante, até julgamento final desta demanda.

É O RELATÓRIO.

Cumpre frisar que a legislação referente a condutores


de veículos automotores deve, assim como toda e qualquer lei,
ser examinada com critério e em confronto com outros valores
juridicamente relevantes.
O fato de partir-se da premissa que a recusa de
alguém em submeter-se ao teste do bafômetro levaria à
suposição de que estaria naturalmente embriagado, constitui
ilação inaceitável, eis que tal presunção não pode ser absoluta.
Considerando que a suposta infração de trânsito
ocorreu anteriormente à vigência da Lei 12.760/12, estava sob a
égide do art. 277 do CTB, com redação dada pela Lei nº 11.275,
de 2006.

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Dispunha ao caput do art. 277 do CTB com redação hoje


revogada pela Lei de nº 12.760/2012, “verbis”:
“Art. 277. Todo condutor de veículo automotor
envolvido em acidente de trânsito ou que for alvo
de fiscalização de trânsito, sob suspeita de
dirigir sob a influência de álcool será
submetido a testes de alcoolemia, exames
clínicos, pericia ou outro exame que por meios
técnicos ou científicos, em aparelhos homologados
pelo CONTRAN, permitam certificar seu estado”.

(...)
§3º Serão aplicadas as penalidades e medidas
administrativas estabelecidas no art. 165 deste
Código ao condutor que se recusar a se submeter
a qualquer dos procedimentos previstos no caput
deste artigo.

Na época dos fatos narrados, referida exigência


ainda estava em vigor.
A incidência do §3º do art. 277 do Código de
Trânsito Brasileiro, o qual determina a aplicação de penalidades
ao condutor que se recusar a se submeter a qualquer dos
procedimentos previstos no caput do artigo 277, antes do advento
da Lei nº 12.760/201, estava limitada à condição de estar o
condutor “sob suspeita de dirigir sob a influência do
álcool”. Como na Lei não pode haver expressão inócua ou inútil,
essa cláusula punha ao agente policial de trânsito o ônus de
sopesar pormenorizadamente as razões porque suspeitava do
alcoolismo do condutor. A suspeita não pode, portanto, ser
infundada.

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No caso concreto, não há qualquer elemento apto a


demonstrar que a autoridade de trânsito tenha procedido a
exames diversos do teste de bafômetro para concluir pela
embriaguez do agravante.
A discricionariedade administrativa para definir se o
condutor se encontra “sob suspeita de dirigir sobre a influência do
álcool” deve pautar-se em indícios de prova e elementos de
probabilidade com um mínimo de segurança. Assim sendo,
caberia à autoridade indicar os motivos que a levaram a suspeitar
da alcoolização do condutor.
Não foi o que ocorreu no caso presente.
Veja-se a jurisprudência a respeito:

0169918-14.2011.8.19.0001

1ª Ementa - APELACAO DES. CARLOS SANTOS


DE OLIVEIRA - Julgamento: 20/08/2013 -
VIGESIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO


ADMINISTRATIVO. OPERAÇÃO "LEI SECA".
RECUSA EM REALIZAR TESTE DE ALCOOLEMIA
(BAFÔMETRO). AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO NO
AUTO DE INFRAÇÃO DE SINAIS DE EMBRIAGUEZ.
ART. 277, CAPUT, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO. NULIDADE DO AUTO. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REFORMA. Vigia à
época dos fatos narrados a redação dada pela Lei
11.275/2006 ao art. 277, caput, do Código de
Trânsito Brasileiro, a dispor que o condutor de
veículo alvo de fiscalização seria submetido a

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exame caso houvesse suspeita de ingestão de


álcool. Contudo, no auto de infração impugnado,
ou em qualquer outro elemento dos autos, não há
anotação de indícios nesse sentido, ao passo que
o art. 277, § 3º, do referido diploma (ao prever a
penalidade a quem se recusar a realizar o teste do
bafômetro), deve ser interpretada em harmonia
com o disposto no caput. Por outro lado, sabendo-
se que o ato administrativo tem presunção de
veracidade e legitimidade, com a indicação de
sinais de embriaguez passaria a militar presunção
em desfavor do condutor, que poderia ser desfeita
com a realização do teste de alcoolemia
(bafômetro). Mas diante da ausência de anotação
dos referidos indícios, nenhuma presunção foi
feita contra o demandante. Finalmente, a recusa
em realizar o teste é legítima, diante do direito de
não autoincriminação previsto no Pacto de San
José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário,
não podendo ser aplicada penalidade pela simples
negativa de realização. Assim, diante da ausência
de regularidade no auto de infração, e sendo
legítima a recusa em realizar o teste do
bafômetro, mostra-se nulo o auto de infração,
devendo ser reformada a sentença. Precedentes.
PROVIMENTO DO RECURSO

: 0169918-14.2011.8.19.0001

1ª Ementa - APELACAO DES. CARLOS SANTOS


DE OLIVEIRA - Julgamento: 20/08/2013 -
VIGESIMA SEGUNDA CAMARA CIVEL

AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE ATO


ADMINISTRATIVO. OPERAÇÃO "LEI SECA".
RECUSA EM REALIZAR TESTE DE ALCOOLEMIA
(BAFÔMETRO). AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO NO
AUTO DE INFRAÇÃO DE SINAIS DE EMBRIAGUEZ.
ART. 277, CAPUT, DO CÓDIGO DE TRÂNSITO
BRASILEIRO. NULIDADE DO AUTO. SENTENÇA DE
IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. REFORMA. Vigia à

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época dos fatos narrados a redação dada pela Lei


11.275/2006 ao art. 277, caput, do Código de
Trânsito Brasileiro, a dispor que o condutor de
veículo alvo de fiscalização seria submetido a
exame caso houvesse suspeita de ingestão de
álcool. Contudo, no auto de infração impugnado,
ou em qualquer outro elemento dos autos, não há
anotação de indícios nesse sentido, ao passo que
o art. 277, § 3º, do referido diploma (ao prever a
penalidade a quem se recusar a realizar o teste do
bafômetro), deve ser interpretada em harmonia
com o disposto no caput. Por outro lado, sabendo-
se que o ato administrativo tem presunção de
veracidade e legitimidade, com a indicação de
sinais de embriaguez passaria a militar presunção
em desfavor do condutor, que poderia ser desfeita
com a realização do teste de alcoolemia
(bafômetro). Mas diante da ausência de anotação
dos referidos indícios, nenhuma presunção foi
feita contra o demandante. Finalmente, a recusa
em realizar o teste é legítima, diante do direito de
não autoincriminação previsto no Pacto de San
José da Costa Rica, do qual o Brasil é signatário,
não podendo ser aplicada penalidade pela simples
negativa de realização. Assim, diante da ausência
de regularidade no auto de infração, e sendo
legítima a recusa em realizar o teste do
bafômetro, mostra-se nulo o auto de infração,
devendo ser reformada a sentença. Precedentes.
PROVIMENTO DO RECURSO

Diante do exposto, dá-se provimento ao recurso,


na forma que autoriza o disposto no art. 557, §1º-A, CPC, para
conceder a tutela antecipada determinando que a autarquia
agravada suspenda a sanção de suspensão do direito de dirigir ao
agravante, desobrigando o autor de entregar sua carteira de

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motorista para ser retida pelo órgão de trânsito, até o julgamento


final desta demanda.

Rio de Janeiro, 19 de novembro de 2014.

DES. CELSO FERREIRA FILHO


RELATOR

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