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4/12 - O reconhecimento celular no sistema imune II.

TCR e BCR: estrutura do receptor antigênico. Isótipos de imunoglobulina.

Ig e TCR
Do ponto de vista de estrutural, Ig e TCR são parecidos e ambos os receptores pertencem à superfamília
das imunoglobulinas. Em termos de função, embora reconheçam antígenos, possuem funções diversificadas.

As Igs reconhecem preferencialmente patógenos extracelulares, sendo facilmente reconhecidos por elas.
Estas Igs, então, conseguem desempenhar mecanismos efetores para eliminar estes patógenos circulantes.
Elas não têm efeito sobre patógenos intracelulares, como uma bactéria que passa a maior parte de sua vida
no interior de uma célula. Assim, nesse caso será preciso um mecanismo celular, provavelmente dependente
de uma célula T que apresenta o receptor TCR.

A Ig tem ESTRUTURA semelhante a um Y na qual existe uma parte superior, com uma bifurcação, onde é a
região de reconhecimento do antígeno, mais precisamente na porção final de cada braço. Há também uma
porção constante, que está responsável tanto pela questão da ancoragem desta Ig na superfície de uma
célula quanto pela função a que esta Ig estará associada. A Ig, inicialmente, se encontra ancorada na
membrana da célula B, fazendo papel de receptor de antígeno para o LB.

Da mesma maneira, tem-se o receptor da célula T, o TCR, tendo simplesmente o papel de reconhecer o
antígeno que está sendo apresentado por uma molécula de MHC, uma molécula especializada em apresentar
antígenos. O TCR sinalizará para o LT se o antígeno é específico ou não.

O BCR e TCR sozinhos não conseguem transduzir o sinal. Transduzir o sinal significa informar ao núcleo de
que a célula reconheceu o antígeno (ligação antígeno-receptor) para que seja ativada (processo de
expansão clonal) e exerça seus mecanismos efetores. Essa sinalização para o núcleo dessas células é dada
por outras moléculas acessórias: Ig alfa e Ig beta, CD3 e a cadeia Zeta. Essas moléculas formam um
complexo com o receptor de antígeno do LT. Os motivos (ITAMs) são regiões nas Ig alfa e Ig beta que são
vulneráveis a reações bioquímicas cuja fosforilação desencadeia todos os eventos subsequentes que
levarão o sinal para o núcleo da célula (transdução do sinal).

A Ig possui estrutura em Y, onde se encontra uma forquilha de reconhecimento do antígeno e uma região
constante. A Ig é formada por duas moléculas em duplicata: a cadeia pesada e a cadeia leve. Todas as
quatro subunidades se unem por ligações fortes (dissulfeto). Essas ligações também estão presentes nos
domínios de Ig.

Tanto a cadeia leve quanto a cadeia pesada possuem uma REGIÃO CONTANTE e uma REGIÃO VARIÁVEL.
Região constante significa uma região onde os aminoácidos não variam entre Igs de diferentes linfócitos
(isto se tratando de Igs de um mesmo isótipo). P.ex, a região constante de uma IgG é constante em todas
as moléculas de IgG, independentemente do clone de linfócito que a produzir.

Nas regiões variáveis da cadeia leve e da cadeia pesada há locais que determinam a complementaridade ao
antígeno, onde a variação de aa é alta. São as REGIÕES DETERMINANTES DE COMPLEMENTARIDADE (CDRs ou
regiões hipervariáveis).

As regiões variáveis (leve e pesada) associadas às regiões constantes (leve e pesada) é denominada Fab.
Já região constante das cadeias pesadas, unidas por pontes de dissulfeto, é denominada de região Fc.
A molécula de Ig na sua totalidade é formada por uma molécula de Fc e duas regiões Fab. A região Fc está
associada à função (classe) da Ig. Já a região Fab é a região responsável pelo reconhecimento do antígeno,
onde o antígeno se encaixará.

A IgM, p.ex., pode ser secretada ou pode estar ancorada na superfície da célula B funcionando como
receptor.
As Igs ancoradas e secretadas diferem na sequência de aa na porção carboxiterminal da cadeia pesada.
A IgM é diferente da IgG em relação às cadeias constantes. Na porção Fc da IgM há três domínios de Ig
enquanto que na porção Fc da IgG há apenas dois. Porém, entre qualquer IgM a sequência de aa da porção
Fc é a mesma, mesmo que elas reconheçam diferentes antígenos.

A FENDA DE LIGAÇÃO AO ANTÍGENO é formada pela porção variável da cadeia leve e pela porção variável da
cadeia pesada. Cada uma das porções Fab possui uma fenda. Ela é composta por seis regiões determinantes
de complementaridade (CDRs): três na cadeia pesada e três na cadeia leve. CDR1, CDR2 e CDR3 são
regiões da molécula em que a sequência de aminoácidos tem alta variabilidade, dando a capacidade de
reconhecer diferentes antígenos. São também as regiões mais expostas, numa conformação que favorece a
ligação ao antígeno. O CDR3 possui a maior variabilidade e é gerado por uma incerteza juncional na hora da
recombinação gênica (V+J ou V+DJ). Cada clone de linfócito terá uma sequência diferenciada nas alças
expostas, formando um encaixe específico para determinado antígeno.
Enzimas proteolíticas
A partir da descoberta das moléculas de Ig, houve vários estudos sobre as mesmas. Do ponto de vista
molecular, descobriu-se que as moléculas de Ig podiam ser clivadas por enzimas proteolíticas, como a
papaína e a pepsina. A papaína cliva a Ig num sítio entre a porção Fab e a "região da dobradiça", produzindo
três fragmentos separados: dois Fab e um Fc. Isto facilitou o estudo para saber a função das porções Fc
(determina a função da Ig e o local onde esta Ig é encontrada em maior concentração) e Fab (se liga ao
antígeno).

Um problema que ocorreu no passado foi descrito como a DOENÇA DO SORO.


[Em picadas de cobra, p.ex., o soro é um concentrado de imunoglobulinas específicas contra o antígeno
invasor, ligando-se e neutralizando o sítio da toxina, que lesa agudamente as células hospedeiras. Em
algumas soroterapias, como a da Difteria, a toxina diftérica também tem que ser neutralizada. Para isso
existe um soro antidiftérico, que é produzido após injeção da toxina ou do toxóide - toxina inativada - num
animal de grande porte onde há condição de produzir grandes quantidades de Ig. Após o tempo necessário
para a resposta adaptativa, o sangue contendo as Igs específicas é coletado e as Igs são purificadas.
Se, nesta forma, a Ig for injetada num paciente com difteria, duas coisas fundamentais irão acontecer:
primeiro, a neutralização do antígeno; segundo, esta Ig, por ser uma molécula estranha para o organismo do
paciente, provoca resposta imune contra a Ig antidiftérica, principalmente contra a porção Fc, que é uma
região constante e extremamente imunogênica].

→ A porção Fc humana é reconhecida em todos os nossos organismos como porção Fc, por isso não há
resposta deste tipo entre pessoas. Entre diferentes espécies há diferenças nas porções Fc. Portanto, hoje
o soro assim produzido não contém a porção Fc, possível graças à papaína. A Doença do Soro era causada
por uma resposta imune frente à porção Fc do soro produzido em uma espécie diferente. Com a formação
de imunocomplexos (anticorpo+antígeno), estes podem ser aprisionados nos tecidos e iniciar reação
inflamatória, pois, à medida que mais imunocomplexos são produzidos, alguns deles se depositam em leitos
vasculares, onde podem ativar o complemento e recrutar e ativar células inflamatórias,
predominantemente neutrófilos, que causam dano ao tecido. Como os complexos são depositados
principalmente em artérias, glomérulos e sinóvias das articulações, as manifestações clínicas e patológicas
são vasculite, glomerulonefrite, e artrite.

No homem, IgM, IgA, IgE e IgG terão porções Fcs diferentes. O que determina sua classe é a porção Fc.
Estas mesmas classes, em diferentes espécies, serão diferentes.
As diferentes CLASSES DE IG estão associadas a diferentes FUNÇÕES:

IgA: tem estrutura em dímero (duas mols de Ig unidas por uma cadeia J ). São secretadas principalmente
nas mucosas e é a principal Ig que responde a patógenos que tem a porta de entrada na mucosa. A maior
parte das Ig produzidas é a IgA. Ela também confere imunidade passiva à recém-nascidos pela ingestão de
anticorpos (IgG e IgA) no leite materno, protegendo-o após o nascimento contra possíveis infecções.

IgD: não tem função muito bem definida, não é secretada, não é encontrada em quantidade suficiente no
soro; é encontrada na superfície do linfócitos B, na maturação.

IgE: associada a resposta imune contra helmintos. A porção Fab reconhece o antígeno presente no
tegumento do helminto, e a porção Fc fica exposta, sendo então reconhecida pelos receptores de Fc
(FcRs) presentes nos mastócitos. Estes são células em processo de degranulação de enzimas, que lesam o
tegumento do helminto. Também pode desencadear processo alérgico (reação de hipersensibilidade
imediata).

IgG: a mais circulante na corrente sanguínea; é a única que consegue atravessar a barreira
transplancetária, conferindo imunidade ao feto. Fundamental para o processo de opsonização (significa o
processo de revestir um micróbio para torná-lo um alvo para fagocitose. Também está envolvida na
ativação do complemento. O acúmulo de porções Fcs em microorganismos ativa o sistema complemento, que
é uma cascata de ptns séricas que formam um poro por onde extravasa o líquido intracelular do micróbio.

IgM: tem estrutura pentamérica. A IgM secretada tem uma capacidade muito alta de ativar o sistema
complemento. Para ativá-lo é necessário varias mols. de Ig próximas uma das outras, reconhecendo
repetições de determinantes antigênicos. Cada IgM pentamérica é capaz de ligar-se a dez determinantes
ags.

→A primeira imunoglobulina produzida pelo linfócito B é a IgM e está ancorada na sua membrana. Quando
esse linfócito reconhece seu antígeno específico, ele é ativado e se transforma em plasmócito. Agora, além
de produzir a Ig de superfície, o plasmócito secreta IgM para corrente sanguínea. Se esse linfócito B
receber alguns estímulos, p.ex. de células T auxiliares, haverá troca de isótipo (porção Fc) da Ig.

Então a Ig que é MARCADOR DE FASE AGUDA de uma infecção é a IgM. Com o tempo, a resposta imune é
ativada e estimula esse linfócito B a fazer a troca de isótipo, passando a produzir a IgG que é uma Ig de
fase crônica. O que determina a troca de isótipo são: as citocinas, que são produzidas p.ex. por células T
(IL4, IFN-γ,...); e o local onde é produzida (ex: IgA em mucosa).
As células saem da medula óssea, prontas para receber o antígeno, com IgM na superfície. Inicialmente,
ela secretará IgM pós-ativação e com o tempo ela troca seu isótipo.

Há a troca de isótipo, porém a capacidade de reconhecer determinado antígeno permanece, salvo em uma
situação. Durante a troca de isótipo, a célula também é induzida a sofrer um evento chamado de
HIPERMUTAÇÃO SOMÁTICA . A célula secretora de IgG, frente a um estímulo com auxílio da célula T, recebe
sinais para sofrer pequenas mutações no gene codificador da fenda de ligação ao antígeno. Essas pequenas
mutações modificam alguns aa, formando fendas com mais afinidade ou menos afinidade. Os clones de
linfócitos B que reconhecem com maior afinidade sobrevivem e continuam a proliferar e produzir Ig com
maior afinidade e os de menor afinidade morrem por apoptose. Esse processo de seleção aumenta a
afinidade dos anticorpos produzidos (MATURAÇÃO POR AFINIDADE). Isso ocorre na IgG.

AVIDEZ DE IG: é a somatória da afinidade da Ig ao antígeno e da valência da Ig ao antígeno. A valência é o


número de vezes que esse anticorpo se liga a determinantes antigênicos. Lembrar que numa superfície de
uma bactéria há várias repetições do mesmo determinante antigênico, o que vai conferir a essa Ig que tem
10 regiões de ligação a ligar seus 10 sítios de ligação ao antígeno. Assim, pode-se dizer que a IgM
(pentamérica) é polivalente, ou seja, se ligará a 10 sítios antigênicos.
Em relação a afinidade, com a maturação da afinidade ao ag, a Ig pode ter maior ou menor força de ligação.
A IgM sempre possui ligação mais frouxa e a IgG, em função de ter passado pelo processo de
hipermutação somática, ela se liga com muita força.

TOXOPLASMOSE CONGÊNITA.
Toda mulher que pensa em engravidar tem que inicialmente fazer uma série de exames para verificar sua
imunidade quanto à diferentes patógenos. IgM é marcador de infecção inicial e IgG normalmente é
marcador de infecção crônica, tardia. P.ex., a mãe que não fez exames prévios, chegando ao sexto mês de
gravidez, resolve ir ao médico. Uma das primeiras coisas que ele pede é um exame de HIV e um anti-
Toxoplasma gondii, IgG e IgM. Num indivíduo que não tem uma resposta imune montada (num primeiro
contato), esse parasito tem uma forma de disseminação rápida pelo organismo chamada taquizoíta,
podendo atravessar a barreira transplacentária e causar um monte de malformações a esse bebê
(hidrocefalia, anencefalia...). Já a mãe que já entrou em contato com o parasito, se infectada durante o
período de gravidez, a sua resposta imune já é suficiente para controlar a replicação do taquizoíta. *Caso
seja realizada uma sorologia para T. gondii, seria revelado que 80% de nós já tivemos contato com o
protozoário.
No caso acima, se o médico observar IgM positiva, essa infecção teve início durante o período gestacional
e provavelmente o bebê está infectado. Caso não haja nem IgM nem IgG, vale apenas orientar p.ex. a
ingestão de verduras e carnes não-cruas e assim por diante... Se caso seja observado IgG é valido
descobrir se essa fase crônica é recente ou não, pois se o início se deu após início da gestação, o feto pode
ter sido comprometido. O médico então pedirá ao laboratório um teste de avidez desta IgG, pois, se esta
tiver uma avidez baixa, significa uma IgG recém-formada, o que é um achado ruim.

A Ig tem capacidade de reconhecer antígenos de diferentes composições bioquímicas. Do contrário o TCR


só reconhecerá peptídeos (fragmentos protéicos). A Ig, diferente do TCR, reconhecerá estruturas
maiores, globosas.

Ler anticorpos monoclonais.

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