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AS CARTAS SEDUTORAS DE DOM PEDRO I PARA A

MARQUESA DE SANTOS
Em suas correspondências para sua principal amante, o imperador brasileiro costumava assinar
como Fogo Foguinho
sexta 21 dezembro, 2018

Cartas antigas Foto:Getty Images

"Nada mais digo senão que sou teu, e do mesmo modo quer esteja no céu, no inferno ou não sei onde. Tu existes e existirás sempre em

minha lembrança, e não passa um momento que meu coração me não doa de saudades tuas..." Essa doce declaração foi enviada em 29

de novembro de 1826 por um homem que assinava como Fogo Foguinho – também chamado de dom Pedro I – para a mais importante

de suas amantes. Durante os sete anos em que o imperador do Brasil manteve um romance com Domitila de Castro Canto e Melo, mais

tarde elevada a marquesa de Santos, escreveu 143 cartas a ela. Recheadas de arroubos imperiais de paixão e até detalhes sobre a

saúde do pênis de dom Pedro, as cartas mostram a história íntima e não oficial do líder mais sedutor que o Brasil já teve.

O namoro entre os dois começou em 1822, às vésperas da independência do Brasil. Morando no Rio mas frequentando muito São Paulo,

quando visitava a marquesa, dom Pedro tinha mensageiros encarregados exclusivamente da troca de cartas com Domitila. Sedutor

contumaz, o imperador teve sete filhos com a primeira mulher, dona Leopoldina, um com a segunda, cinco com a marquesa (dos quais

apenas duas filhas chegaram à idade adulta) e mais cinco com outras mulheres – incluindo a irmã da marquesa de Santos e uma monja

portuguesa! Nos anos em que trocou fluidos e palavras com Domitila, ele ainda se divertiu com 16 amantes.

Por isso, além de lembrar os encontros com a amante e falar sobre suas filhas, dom Pedro valia-se das correspondências para dar

explicações sobre tamanha atividade sexual. E também para informá-la das doenças que frequentemente atacavam seu pênis – que ele

chama de tua coisa. Em algumas das missivas, dom Pedro chegou a esquecer o título imperial e assinar as fervorosas declarações de
amor como Demonão ou Fogo Foguinho. Conta-se que, em outras, chegou a desenhar o aspecto de seu pênis ao redor do texto, mas

essas figuras nunca foram encontradas.

Marquesa de SantosWikimedia Commons

“Para quem se aproxima da correspondência, causa surpresa (num bom sentido) o tom desabusado das cartas. Nota-se que o imperador

era uma figura simpática, direta, sem pompa ou circunstância”, afirma o professor de literatura Flávio Aguiar, da USP. O próprio soberano

reconhecia essa simplicidade. Em 4 de maio de 1824, ele escreveu à marquesa: “Eu sou imperador, mas não me ensoberbeço com isso,

pois sei que sou um homem como os mais, sujeito a vícios e a virtudes como todos o são”.
Dom Pedro IWikimedia Commons

Também foi por meio de uma carta que dom Pedro rompeu com Domitila, em 1829. Ele precisava se mostrar um homem sério para se

casar com Amélia de Beauharnais, duquesa de Leuchtenberg, Áustria, e renovar a aliança familiar com os Habsburgo, uma das dinastias

mais importantes da Europa. Do século 15 ao século 20, eles governaram a Áustria, tiveram o poder sobre a Hungria e Boêmia (1526-

1918) e também sobre a Espanha, por quase dois séculos (1504-1700).

Em 27 de dezembro de 1827, dom Pedro escreveu à marquesa: “Eu te amo; mas mais amo a minha reputação agora também

estabelecida na Europa inteira pelo procedimento regular, e emendado que tenho tido”. A despedida definitiva viria dois anos depois, em

uma carta datada do dia 1º de junho de 1829, em que o imperador manda um abraço, um “beijo para minha coisa” e assina: “Teu filho,

amigo e amante até a morte, Pedro”.

O lado erótico da corte brasileira: leia trechos das cartas

Amor ardente
"Meu bem, forte gosto foi o de ontem à noite que nós tivemos. Ainda me parece que estou na obra. Que prazer!! Que consolação!!! Que

alegria foi a nossa!!!!Tenho o prazer de lhe ofertar essas rosas e essas duas trocazes, que comeremos à noite. Aceite os mais puros e

sinceros votos de amor do coração deste seu amante constante e verdadeiro e que se derrete de gosto quando... com mecê,

O Fogo Foguinho"
24 de novembro de 1826

A tua coisa
"Filha, quero saber como passaste o resto da noite. Eu cheguei bem, por baixo d’água, e como estavam as rondas a renderem-se na

encruzilhada, vem entrar na minha chácara de frente do Queirós, onde se está fazendo um muro novo. Para veres a esquisitice de tua

coisa, remeto a camisa, e onde vai pregado um alfinete verás o que deitei espremendo às seis horas, e mais acima o que espremi depois,

que já não é nada. Creio pelo dia adiante ela se portará como ontem; não tem nada que nos impossibilite de fazermos amor, não importa

que o tempo e cautela a há de pôr boa e serei.

Teu filho, amigo e amante fiel, constante, desvelado, agradecido e sempre verdadeiro Imperador

PS: Estou suspirando pela ópera para te ver, e pelo fim dela muito mais para te apertar nos meus braços."

18 de novembro de 1827

Ele se explica
"Marquesa de Santos, não tenho nenhum passeio destinado, mas como me não deu a resposta que nas minhas cartas lhe exigi há nove

dias, a fim de poder continuar a lá ir, fiz tenção de te amar sempre como te amo e amarei. Mas ao mesmo tempo fiz tentação de não voltar

lá para te não mortificar nem ser mortificado. Passando a dar uma razão plausível para não ir lá, posto que a vontade seja boa, é que tu

não poderás jamais ter prazer comigo, pois eu já me tenho fumentado com algumas mulheres e assim não tenho cara de aparecer para

semelhante fim.

Perdoa se nesta resposta te ofendo, mas eu hei de dizer a verdade,

Imperador"

25 de dezembro de 1827

Ele se despede
"Eu te amo; mas mais amo a minha reputação agora também estabelecida na Europa inteira pelo procedimento regular, e emendado que

tenho tido. Só o que te posso dizer é que minhas circunstâncias políticas atualmente estão ainda mais delicadas do que já foram. Tu não

hás de querer a minha ruína nem a ruína de teu, e meu País e assim visto isto além das mais razões me faz novamente protestar-te o

meu amor; mas ao mesmo tempo dizer-te que não posso lá ir."

Maio de 1829

Ela se despede
"Senhor, eu parto esta madrugada e seja-me permitido, ainda desta vez, beijar as mãos de V.M. por meio desta, já que os meus

infortúnios e minha má estrela me roubem o prazer de o fazer pessoalmente. Pedirei constantemente ao céu que prospere e faça
venturoso ao meu Imperador. E quanto à marquesa de Santos, senhor, pede por último a Vossa Majestade que, esquecendo como ela

tantos desgostos, se lembre só mesmo, a despeito das intrigas, que ela em qualquer parte que esteja saberá conservar dignamente o

lugar a que V.M. a elevou, assim como ela só se lembrará muito que devo a V.M., que Deus vigie e proteja como todos precisamos.

De V.M. súdita, muito obrigada, marquesa de Santos"

15 de julho de 1829

Cíntia Cristina da Silva

A CAMA DE D. PEDRO II
Filho do “Demonão”, imperador não correspondia à fama de certinho
quinta 3 maio, 2018

A fruta nunca cai muito longe do pé Foto:Redação AH

Na calada da noite, três cidadãos, aparentemente alterados pela bebida, foram apanhados pela ronda policial tentando invadir a

residência de uma senhora no Rio de Janeiro. O incidente ocorreu entre o final de 1870 e o início de 1871. Poderia ser só mais uma

tentativa de invasão seguida de roubo, mas não era o caso. O inspetor do quarteirão se lembraria dessa noite para toda a vida. Ao intimar

os invasores que se identificassem, reconheceu um deles como o imperador dom Pedro II. Depois de milhares de pedidos de perdão, o

inspetor foi bater na casa do subdelegado às 2 horas da madrugada e contou-lhe o ocorrido, julgando que sua carreira policial terminara

naquela noite. O historiador norte-americano Roderick J. Barman revelou o nome da dama em questão: Carolina Bregaro. Ela era filha do

dono do Real Teatro São João, atual João Caetano, no Rio de Janeiro, e sobrinha de Paulo Bregaro, o mensageiro despachado do Rio de

Janeiro que chegou a São Paulo em 7 de setembro de 1822 com cartas da corte para d. Pedro I.

O marido de Carolina, Rodrigo Delfim Pereira, era um diplomata brasileiro educado na Inglaterra com ordens dadas por seu ilustre pai de

“não voltar para o Brasil falando ‘minha pai’, ‘minha cavalo’”. Ele era meio-irmão de dom Pedro II, filho do primeiro imperador brasileiro
com Maria Benedita de Castro do Canto e Melo, Baronesa de Sorocaba, irmã da Marquesa de Santos. Barman acredita que o

relacionamento amoroso entre dom Pedro II e sua cunhada – ele não desconhecia seu parentesco com Delfim Pereira – durou uma

década.

Ninho de amor
Dom Pedro II tinha fama de sábio. Conhecia aramaico, além de diversas línguas vivas. Correspondia-se com a maior parte dos cientistas

de seu tempo, bem como com compositores, cantores e atores. Mas sua famosa biblioteca no Rio de Janeiro também tinha outra

finalidade. Servia de ninho para seus amores clandestinos.

Quando jovem, o imperador foi criado em uma monarquia sem qualquer brilho após a abdicação de seu pai, dom Pedro I, em 7 de abril de

1831. Ele e suas irmãs herdaram uma corte que, segundo testemunho de um de seus primos europeus que o visitaram, era “a mais

miserável do universo”. Essa austeridade também foi a grande marca da criação do futuro imperador, que, além da pobreza da corte,

herdou o pesado fardo da lembrança dos escandalosos relacionamentos extraconjugais de seu pai.

Seus tutores cuidariam para que tivesse uma educação esmerada. Queriam que dom Pedro II, diferentemente do pai, se tornasse uma

pessoa regrada, controlada, ilustrada e também, de acordo com a historiadora Mary Del Priore, fosse um notório “come-quieto”, ao

contrário do espalhafatoso dom Pedro I, que assinava suas cartas para a Marquesa de Santos como “Demonão”.

De 1831 até 1834, quando dom Pedro I morreu, em Portugal, várias alas da política brasileira tinham verdadeiro pavor de que o ex-

imperador retornasse ao Brasil e assumisse a regência em nome do filho. Uma campanha de desmoralização pública teve início assim

que o navio que o levava ao exílio deixou de ser visto no horizonte. As críticas ao ex-monarca tornaram-se públicas, afinal, a Constituição

que protegia a figura do imperador não dizia nada a respeito de ex-governantes. No Primeiro Reinado, os jornais utilizava-se de

expressões sutis e satíricas, por exemplo, “o nosso caro Imperador”, onde o caro não era para ser lido como caríssimo ou querido, e sim

como dispendioso. Na época das Regências, elas foram trocadas por “assassino da esposa”, “amante dissoluto”, “devasso corrupto”,

entre outros qualificativos.

A nódoa moral de seu reinado, seu caso de sete anos com a Marquesa de Santos, foi relembrado ao limite nessas folhas, e logo a sua ex-

amante, a paulista Domitila de Castro do Canto e Melo, acabou elevada a símbolo máximo da corrupção e da devassidão do Primeiro

Reinado nos jornais da época, sobretudo no periódico Sete de Abril. “O primeiro imperador era figura mais visível nos seus desajustes

conjugais, tendo deixado aos historiadores abundante documentação sobre suas infidelidades”, afirma Mary Del Priore. Era assunto

diferente das famosas amantes dos reis franceses, da época do absolutismo. “A vida sexual dos monarcas do Antigo Regime sempre foi

sinônimo de virilidade e poder do rei. Depois da Revolução Francesa, amantes e concubinas só revelavam governantes fracos e

manipuláveis. Dom Pedro foi severamente criticado quando desembarcou em Salvador levando Leopoldina e Domitila. A sociedade se

fechou, e nos muros da cidade panfletos e caricaturas enxovalhavam o casal. Quando a imperatriz faleceu, a casa de Domitila foi alvo de

ataques de populares, obrigando-a a fugir. Sem contar as caricaturas que se multiplicaram ao final de seu reinado: ele montado pela

amante!”

Noites atenienses
Para que o Império e o futuro imperador dom Pedro II passassem uma imagem mais séria, a educação moral do jovem príncipe foi rígida.

Desde o princípio, ele sabia o quanto o romance escancarado de seu pai com a fogosa paulista jogara lenha na fogueira moral ateada

pelos inimigos da monarquia, e assim a discrição amorosa do imperador virou lei.

Como afirma o historiador Renato Drummond Tapioca Neto, “o sexo para as mulheres das classes mais abastadas tinha apenas uma

função: produzir filhos, a maior alegria para o casal. O prazer não entrava nesse jogo. Dessa forma, no leito conjugal, a lei que ditava o
desempenho dos homens era a perpetuação da linhagem, enquanto a paixão e o desejo carnal eles reservavam a outras mulheres, as

amantes. Mas tudo por baixo dos panos. Afinal, qualquer escândalo poderia vir a prejudicar a imagem da família perante a sociedade”.

Quem olha para as pinturas e fotos daquele senhor sisudo, bochechudo e com longas barbas brancas não imagina que ele abalou tantos

corações, de maneira muito mais discreta que seu pai. O mais famoso relacionamento extraconjugal de dom Pedro II foi com Luísa

Margarida de Barros Portugal, a condessa de Barral, exposto por Mary Del Priore em Condessa de Barral, a Paixão do Imperador. Ela era

uma rica dona de engenho casada com um nobre francês e foi preceptora das princesas imperiais, Leopoldina e Isabel. O relacionamento

durou 34 anos de ânsias e suspiros apaixonados em cartas interatlânticas, nas quais dom Pedro II relembrava com carinho das “noites

atenienses” ou de quartinhos de hotéis em Petrópolis. Porém havia também nesse relacionamento uma certa paixão intelectual.

Nada, ao menos da correspondência amorosa que sobreviveu entre ele e a condessa, lembra o fulgor do pai, que tratava com paixão a

Marquesa de Santos, ora com versinhos malconstruídos, ora com palavras das mais vulgares, chegando a enviar pelos pubianos à

amante e sentir saudades de “ir aos cofres” dela.

Existe na historiografia brasileira a lenda de que o historiador Tobias Monteiro teria encontrado cartas picantes envolvendo dom Pedro II,

e as depositou na Biblioteca Nacional, porém um arranjo na numeração as teria feito ficar desaparecidas por muito tempo no arquivo.

Afinal, não pegava bem para a imagem do ex-imperador ter sua vida amorosa exposta de maneira indecorosa, como aconteceu com seu

pai.

Quem conhece um pouco de organização de bibliotecas e arquivos sabe que uma pasta, caixa, ou livro posto em outro lugar que não o

seu é uma atrocidade, pois se perdem sua localização no acervo e as formas de desarquivar a informação. Assim, periodicamente, esse

acervo de cartas era “redescoberto”. Finalmente, o historiador José Murilo de Carvalho conseguiu catalogá-lo, o que acabou por revelar

um dom Pedro II menos morno que sua figura bonachona. Como diz um ditado holandês: a fruta não cai longe do pé. O velho imperador

também teve seu lado “Demonão”.

“Te amo e sou tua”


Se as cartas da condessa de Barral para dom Pedro II são mornas, o mesmo não acontece com a sua correspondência com a condessa

de Villeneuve. Nascida Ana Maria Cavalcanti de Albuquerque, era casada com Júlio Constâncio de Villeneuve, conde de mesmo nome,

proprietário do Jornal do Commercio. Ana era nove anos mais nova que dom Pedro II. Em suas cartas para o imperador, ela lembra que

“cada uma de tuas expressões tão apaixonadas me fazem estremecer de amor” e declara: “Eu te amo e sou tua de toda a minha alma. Eu

te abraço tão ardentemente como tu desejas”. A pedido do imperador, enviou-lhe uma foto com vestido decotado, diante da qual dom

Pedro II delira, em carta de 13 de maio de 1884: fantasia uma tórrida cena de amor no sofá da casa da condessa, com corpos

entrelaçados, desfalecendo de prazer. Em carta de 7 de maio, afirma: “Que loucuras cometemos na cama de dois travesseiros!”, e,

adiante, como se estivesse para atingir o clímax, declara que não consegue mais segurar a pena: “Ardo de desejo de te cobrir de

carícias”.

Uma testemunha da época do Segundo Reinado, o diplomata espanhol Juan Valera, confidenciou a um amigo que “a imperatriz do Brasil

(dona Teresa Cristina) é tão virtuosa quanto feia, e dom Pedro II lhe é infiel de vez em quando. O teatro de suas infidelidades é a

biblioteca do palácio; o que acontece é que as damas se instruem...”. Outra característica que dom Pedro II herdou do pai era a sovinice:

esbanjava com esmolas e bolsas de estudo, mas era miserável com as amantes. Valera chega a comentar que não foram poucos os

homens que acabaram falindo para manter as esposas frequentadoras assíduas da corte e da “biblioteca” do imperador.

Em 1882, um escândalo público envolvendo a família imperial abateu-se contra dom Pedro II. Alguns dias após a comemoração do

aniversário de 60 anos de dona Teresa Cristina, o casal imperial deixou o Palácio de São Cristóvão, no Rio de Janeiro, e partiu para
Petrópolis. As joias usadas pela imperatriz e pela princesa Isabel foram entregues ao camarista. Como não encontrou a chave do cofre,

ele deixou a caixa que recebeu dentro de um dos armários do palácio, de onde ela desapareceu. Três pessoas foram presas, dois

funcionários do palácio e um ex-funcionário, Manuel Paiva. Este, afastado do serviço imperial por suspeita de roubo, morava de favor em

uma casa dentro do terreno do palácio de São Cristóvão e possuía as chaves da residência do imperador.

Uma carta anônima revelou o paradeiro das joias: estavam dentro de uma lata enterrada no fundo da casa de Paiva. Após a solução do

caso, dom Pedro II resolveu deixar as coisas como estavam. Os acusados foram postos em liberdade, e Manuel Paiva retornou para

casa. Os jornais contrários ao imperador e à monarquia diziam que a Justiça do Brasil havia sido enterrada no mesmo “lamaçal” onde as

joias haviam sido encontradas. Enquanto alguns diários louvavam a benevolência do imperador em relação aos acusados, os mais

exaltados o criticavam: se ele era tão negligente com a administração da casa, como cuidava do Império?

O jornal O Mequetrefe afirmou que o imperador era refém de Manuel Paiva. O ex-servidor teria sido seu alcoviteiro, servindo de facilitador

com as damas pelas quais dom Pedro II se interessava e de acompanhante em suas aventuras amorosas noturnas. O pasquim também

afirmava que, além das senhoras, o imperador era “doido por um caldinho de franga”. Os autores José do Patrocínio, Raul Pompeia e

Artur Azevedo criaram peças e contos publicados na Gazeta de Notícias, na Gazetinha e na Gazeta da Tarde a respeito do caso. A

correspondência da Barral com o imperador revela que algo de verdade deveria haver no meio de tanta suspeita. A condessa alertou dom

Pedro para “modificar seu modo de vida, porque na mocidade desculpa-se muita coisa, mas na velhice nada, e Vossa Majestade deve dar

o exemplo”.

Paulo Rezzutti

DOM PEDRO I APÓS O BRASIL


Há 184 anos, Dom Pedro I veio a óbito em Portugal. Conheça a sua vida e morte
segunda 24 setembro, 2018

Dom Pedro como Pedro IV de Portugal, em 1833 Foto:Wikimedia Commons

Aqui está a minha abdicação; desejo que sejam felizes! Retiro-me para a Europa e deixo um país que amei e que ainda amo", escreveu

Dom Pedro I, na madrugada do dia 7 de abril de 1831. Atacado pela imprensa braisleira por seus laços com Portugal, estreitados desde a

morte de Dom João VI, em 1826, Dom Pedro I deu sua última cartada, abdicando do trono em favor do filho, Pedro de Alcântara, de 5
anos de idade. O ato marcou o fim do Primeiro Reinado e o início do período regencial, quando o governo foi dirigido por representantes

de Pedro II.

Desde criança, todo brasileiro está acostumado a ver Dom Pedro I de pelo menos duas maneiras. A primeira é aquela dos livros didáticos,

com sua pose sisuda, porte imperial e tão (pouco) atraente como uma estátua mal conservada em praça pública. A segunda versão, mais

popular, é a do Dom Pedro intempestivo, mulherengo, uma espécie de latin lover (se você tem mais de 30 anos, provavelmente lembra do

então galã Tarcísio Meira no filme Independência ou Morte, reprisado inúmeras vezes na Sessão da Tarde durante a década de 1980).

Enfim, o português temperamental que proclamou a independência em um acesso de fúria à margem do rio Ipiranga, em meio a um forte

desarranjo intestinal.

O que pouca gente sabe é que, entre essas duas versões, há outra face de Dom Pedro bem menos conhecida no Brasil que só agora

começa a ser resgatada. “Ele se tornou um símbolo de liberdade na Europa na década de 1830”, diz Isabel Vargues, professora de

História da Universidade de Coimbra, em Portugal. “Em meio a inúmeros monarcas conservadores que estavam de volta ao poder nesse

período, Pedro IV foi considerado um estadista moderno que inaugurou um período liberal no país.” (Não estranhe: “Pedro IV” é como

nosso Dom Pedro I passou a ser chamado pelos portugueses após ser proclamado rei em sua terra natal.) Pesquisas já revelaram um

lado fascinante do homem que conseguiu transformar a América Portuguesa em uma única nação, destino bem diferente do da América

Espanhola – que se fragmentou em várias repúblicas.

Dom Pedro na infância Reprodução


Isso não significa, é claro, que Dom Pedro esteja sendo conduzido ao posto de guia moral da história do Brasil. De fato, ele teve várias

amantes e é bastante confiável a possibilidade de que ele tenha tido crises de diarreia em meio à proclamação da independência. Mas o

realce que uma parcela da população e de historiadores continua a dar a esses aspectos picarescos parece apenas confirmar o prazer

que sentem os brasileiros em reduzir os feitos de nossos vultos históricos. Afinal, é difícil imaginar que um americano ponha em xeque a

grandeza de John Kennedy devido às suas escapadas conjugais (como a que teve com a atriz Marilyn Monroe). Tampouco seria fácil

encontrar um francês diminuindo a grandeza de Napoleão por causa de algum mal-estar intestinal em meio a uma de suas batalhas – algo

bem provável de ter acontecido.

“Não se trata de negar defeitos do caráter de Dom Pedro I, mas de reconhecer que ele foi um estadista avançado quando comparado aos

seus pares da época”, diz Braz Brancato, professor de História da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul e estudioso da

vida de Dom Pedro após sua volta para a Europa. “Além disso, ele conseguiu governar em um dos períodos mais turbulentos para os

regimes monárquicos, que estavam caindo a todo momento.”

O pequeno príncipe
A vida de dom Pedro começa em um quarto no Palácio de Queluz, residência da família real portuguesa, cujas paredes estavam

decoradas com cenas do clássico Dom Quixote de la Mancha. Foi ali que Pedro de Alcântara Francisco Antônio João Carlos Xavier de

Paula Miguel Rafael Joaquim José Gonzaga Pascoal Cipriano Serafim de Bragança e Bourbon nasceu, em 12 de outubro de 1798.

Apesar do nome portentoso, aquela não era uma boa hora para um príncipe de Portugal nascer. Na época, o país estava encurralado

entre duas potências. De um lado, a antiga aliada Inglaterra, dona da mais temida marinha do mundo. Do outro, a França de Napoleão

Bonaparte, que havia acabado de invadir a Espanha e exigia que Portugal fechasse seus portos para os ingleses. No aperto, dom João

optou pela Inglaterra, a aliada tradicional. O resto você já sabe: a corte portuguesa foi transferida para o outro lado do Atlântico em 1808 e

o Brasil jamais seria o mesmo.

A família se adaptou logo à vida por aqui, incluindo o pequeno Pedro. Cercado de tutores encarregados de prepará-lo para ser o sábio

sucessor do pai, o pequeno príncipe acabou tendo uma infância tão movimentada quanto a de qualquer moleque carioca da época.

Irreverente, divertia-se dando pancadas no queixo dos meninos que vinham beijar-lhe a mão. Fascinado por armas, caçava à vontade.

Adorava andar a cavalo, tocava vários instrumentos musicais e gostava do trabalho manual. Orgulhava-se de seu talento como

marceneiro e ferreiro, atividades, à época, consideradas “próprias para escravos”. Mas ele não ligava: costumava conversar horas com

criados.

Esse convívio popular atraía comentários não muito elogiosos. Nobres francesas reconheciam que ele era um rapagão bonito – de acordo

com as más línguas, a única pessoa bonita de toda a casa real de Bragança –, mas abominavam suas roupas e seus modos. Mesmo

assim, ao completar 18 anos, o príncipe era considerado um dos maiores conquistadores do Rio de Janeiro.

Era hora, então, de arrumarem uma nobre noiva para dom Pedro. E bota nobre nisso: a jovem arquiduquesa (ou apenas “princesa”)

Leopoldina Carolina era filha do imperador Francisco I, último líder do milenar Sacro Império Romano-Germânico (dissolvido até sua

derrota para Napoleão, em 1804 - quando se tornou "mero" imperador da Áustria).


Dom Pedro e

Leopoldina Wikimedia Commons

Os dois não podiam ser mais diferentes: enquanto dom Pedro preferia andar com amigos de origem simples, Leopoldina era muito

refinada, tinha sólida formação científica (era craque em mineralogia) e havia sido amiga do poeta alemão Johann W. Goethe e do

compositor austríaco Franz Schubert. Como a irmã de Leopoldina tornara-se esposa de Napoleão, dom Pedro se tornou concunhado do

homem que obrigou sua família a fugir de Portugal. Apesar das diferenças, Leopoldina ficou de queixo caído no primeiro encontro com o

noivo. Eis o que ela escreveu numa carta sobre a primeira refeição a dois entre eles: “Conduziu-me ao salão de jantar, puxou a cadeira e,

enquanto comíamos, piscou-me o olho e enlaçou a perna dele na minha debaixo da mesa”.

Crise em Portugal
Apesar do casamento, a paz da família real no Rio estava com os dias contados. Desde 1815, com a derrocada de Napoleão, a desculpa

que a corte tinha usado para se mudar para o Brasil não se sustentava mais. Dom João (agora João VI, graças à morte de sua mãe,

Maria I) não só se recusava a voltar como havia transformado a ex-colônia em reino unido a Portugal, sacramentando o Brasil como sede

do império português. A capital carioca havia deixado de ser uma vila acanhada de uns 40 mil habitantes para virar uma metrópole de

mais de 100 mil.

Quem não estava achando essa história nada engraçada eram os portugueses. Eles haviam perdido o domínio político sobre o Brasil,

viviam uma crise econômica (gerada, em parte, pelo fim do monopólio comercial sobre a colônia) e estavam submetidos a uma

humilhante ocupação militar inglesa. Adicione a esse caldo uma pitada das ideias da Revolução Francesa, que ainda repercutiam em toda

a Europa, e o resultado foi a chamada Revolução Constitucionalista do Porto, em 1820. Os revolucionários convocaram eleições e

exigiram uma Constituição para Portugal, limitando os poderes absolutos do rei. Para isso, determinavam que o soberano voltasse.

Dom João VI não sabia se ia, se ficava ou se mandava dom Pedro. Tudo indica que ele temia o interesse do filho pelas ideias liberais e

que, uma vez em Lisboa, ele fosse aclamado rei pelos revolucionários. O herdeiro, por sua vez, ressentia-se da desconfiança do pai. Em

meio à crise, dom Pedro acabou se tornando porta-voz das reivindicações constitucionais junto ao pai, convencendo-o a jurar lealdade à

Constituição.
Independência ou Morte, de Pedro Américo, 1888 Wikimedia Commons

Quando dom João VI decidiu retornar, em março de 1821, dom Pedro tornou-se príncipe regente do Brasil. Pouco antes da partida do pai,

ele tomou sua primeira medida antipopular: mandou reprimir com baionetas tumultos causados por protestos contra medidas impostas por

Portugal. Pelo menos três pessoas morreram no episódio.

Independência
Em Portugal, dom João VI tornou-se uma figura decorativa. Quem governava, de fato, era a Assembleia – e suas medidas atingiam em

cheio o orgulho brasileiro. “O projeto dos portugueses mais exaltados parecia ser a redução do Brasil ao estado colonial, numa situação

política e econômica mais desvantajosa que a de antes da vinda do rei”, diz Isabel Lustosa, autora da biografia Dom Pedro I. A partir de

então, Portugal decidiu que cada província do Brasil teria um governo autônomo que responderia diretamente a Lisboa, enfraquecendo o

poder do príncipe regente. Para piorar, Lisboa enviou tropas ao Brasil que deviam submissão direta ao governo português.

Dom Pedro estava dividido. De um lado, era inclinado a manter-se fiel a Portugal. Do outro, era atraído pelos panfletos e boatos que

anunciavam que seria aclamado rei ou imperador do Brasil, caso rompesse com Lisboa. Um decreto luso exigindo que o príncipe voltasse

à Europa, onde deveria viajar por vários países para “terminar sua educação”, fez com que ele enfrentasse diretamente as ordens da

corte e decidisse permanecer no Brasil. Foi o Dia do Fico, em 9 de janeiro de 1822. Estava aberto o caminho para a independência.

Na tarde do dia 7 de setembro, ao voltar de uma viagem à capital paulista para apaziguar disputas políticas, a comitiva de dom Pedro foi

alcançada na colina do Ipiranga pelo serviço de correio da corte. As notícias não eram nada boas: a Assembleia portuguesa exigia a

demissão de todos os ministros nomeados por dom Pedro e ameaçava fazer uma devassa em todos os atos do príncipe.

Segundo um dos membros da comitiva, o padre Belchior (o mesmo que narrou que dom Pedro estava sofrendo uma disenteria “que o

obrigava o tempo todo a apear-se para prover”), dom Pedro pisoteou as cartas vindas de Portugal, arrancou do chapéu o laço com as

cores lusitanas e teria dito as famosas palavras: “Laços fora, soldados. Viva a independência, a liberdade e a separação do Brasil”,

declarando que o lema do país seria “Independência ou Morte”.

Em 12 de outubro, dom Pedro I é aclamado imperador e defensor perpétuo do Brasil. Mas, diferentemente do que muita gente imagina, a

independência do país não foi feita apenas com o grito no Ipiranga. Ao cortar os laços com Portugal, o Brasil, na prática, declarou guerra à
ex-metrópole. Sangue foi derramado em diversas regiões – em algumas províncias, como na Bahia, a independência só seria conquistada

quase um ano depois.

Constituinte
Após a independência, prevalecia o consenso de que o Brasil precisava de uma Constituição própria. Apesar de defender princípios

liberais, dom Pedro temia que o poder da Assembleia Constituinte eleita em 1823 ameaçasse seu governo, o que poderia também levar à

fragmentação do Império. Após se sentir desafiado pelos parlamentares oposicionistas, ele dissolveu a Assembleia em novembro e, em

março de 1824, outorgou uma Constituição elaborada por um conselho de dez membros que ele mesmo indicara.

Capa da Constituição de 1824 Reprodução

“Por muito tempo, essa medida autoritária terminou ofuscando o reconhecimento do avanço do texto constitucional imposto por dom

Pedro”, diz a historiadora Lucia Bastos Neves, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro. A nova Constituição incluía direitos pouco

comuns para a época, como a liberdade de crença e culto concedida a adeptos de religiões não-cristãs. Por outro lado, garantia ao

imperador poderes excepcionais. Além de ser o chefe do Executivo, ele detinha também o chamado Poder Moderador, com o qual podia

resolver impasses entre os demais poderes com mão de ferro e dissolver o Congresso quando quisesse.

A decisão causou revolta. Lideradas por Pernambuco, várias províncias do Nordeste se rebelaram contra o que consideraram um ato de

tirania, formando a chamada Confederação do Equador. A repressão foi implacável e vários chefes rebeldes, entre eles Frei Caneca,
foram executados. A revolta foi seguida por outra, no extremo sul do Império: a província da Cisplatina (atual Uruguai), anexada por dom

João VI, rebelou-se com ajuda da Argentina. A guerra acabou em 1828, com o reconhecimento do Uruguai como país independente.

Outros desastres, dessa vez na vida doméstica, foram minando a popularidade do soberano. O principal deles foi o triste fim de seu

casamento com dona Leopoldina. Dom Pedro chegou muito perto de assumir em público seu romance com Domitila de Castro, a

marquesa de Santos, com quem teve vários filhos reconhecidos. O pior, porém, é que transformou a amante em dama de honra da

imperatriz. Dona Leopoldina sofreu uma série de crises depressivas. Acabou morrendo em dezembro de 1826.

Com a morte de dom João VI no mesmo ano, o imperador se viu envolvido na sucessão do trono português. Acabou designando sua filha

adolescente, dona Maria da Glória, como rainha de Portugal, combinando o casamento dela com o tio, dom Miguel, nomeado regente.

Tiro pela culatra: Miguel assumiu o poder como rei absoluto de Portugal e mandou o irmão às favas.

Por aqui, as hostilidades entre brasileiros e portugueses fizeram com que dom Pedro percebesse que os nativos sempre o veriam com

desconfiança por seus laços congênitos com Portugal. A imprensa atacava dom Pedro violentamente, o povo protestava nas ruas. Como

seu filho, Pedro, havia nascido no Brasil, o imperador deu sua última cartada para que o Brasil não se esfacelasse, abdicando do trono em

nome de uma criança de 5 anos de idade (que, coroado em 1841, seria o último imperador do Brasil).

Pedro IV
Para nós, brasileiros, a história de dom Pedro costuma terminar por aqui, com seu retorno à Europa. Mas foi ao partir para o exílio, em

1831, então já casado com dona Amélia, uma princesa alemã, que ele viveu uma espécie de renascimento e se tornou um ícone da

liberdade na Europa. Havia vários motivos para que dom Pedro fosse encarado dessa maneira. O primeiro deles era sua defesa da volta

de um governo constitucional às terras lusas, governada então despoticamente por seu irmão Miguel. “Naquela época, não era comum

que um monarca se empenhasse em garantir direitos constitucionais”, diz Braz Brancato. Segundo o historiador, isso fazia com que ele

fosse visto com desconfiança por seus pares da Santa Aliança, grupo de monarquias conservadoras cristãs que incluía Rússia, Áustria e

Prússia (hoje na Alemanha).


Como dom Pedro IV de Portugal Reprodução

Ao se instalar em Paris com parte da família, dom Pedro tornou-se uma das personalidades mais populares da capital francesa, sendo

recebido com deferência nos elegantes bailes da corte. A França vivia uma onda liberal marcada pela ascensão do rei constitucional Luís

Filipe e dom Pedro chegou a morar em um castelo real, onde recebia exilados de Portugal e de outros países que sofriam sob a mão de

monarcas despóticos.

Nesse período, ele buscou apoio militar para invadir Portugal e destituir seu irmão, fazendo de sua filha a rainha de Portugal. Apesar do

apoio verbal, nenhum dos reinos europeus quis se envolver oficialmente com a briga. Foi só com empréstimos pessoais (para pagar

mercenários) e certo número de voluntários portugueses e franceses que dom Pedro partiu para sua derradeira aventura. Liderando um

exército de 7 mil homens, ele foi para Portugal, onde teria que enfrentar dezenas de milhares de soldados comandados por dom Miguel.

O fim de um guerreiro
Incansável e se arriscando pessoalmente nas batalhas, ele inspirou seus soldados de tal maneira que o que parecia impossível

aconteceu: em 20 de setembro de 1834, Portugal passava às mãos da nova rainha, dona Maria II. “Ela e seu filho, Pedro V, iriam

inaugurar a fase moderna e constitucional da monarquia portuguesa”, diz Isabel Vargues.


A morte de dom Pedro I no Palácio Nacional de Queluz Wikimedia Commons

O ex-imperador do Brasil não viveu muito para acompanhar o governo da filha. A guerra acabara também com sua saúde, e ele morreu

provavelmente de tuberculose no dia 24 de setembro de 1834. No mesmo quarto decorado pelas cenas de dom Quixote onde ele

nascera, 36 anos antes, quando o Brasil não passava de uma colônia portuguesa do outro lado do Atlântico.

Saiba mais
D. Pedro I, Isabel Lustosa, Companhia das Letras, 2006

Dicionário do Brasil Imperial, Ronaldo Vainfas, Objetiva, 2002

Reinaldo Lopes e Rodrigo Cavalcante

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