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Noticias Da Favela - Cristiane Ramalho
Noticias Da Favela - Cristiane Ramalho
Notícias da Favela
Cristiane Ramalho
Patrocínio Apoio
Copyright ©2007 Cristiane Ramalho
COLEÇÃO TRAMAS URBANAS
curadoria
HELOISA BUARQUE DE HOLLANDA
consultoria
ECIO SALLES
projeto gráfico
CUBÍCULO
NOTICÍAS DA FAVELA
produção editorial
LARISSA DE MORAES e ROBSON CÂMARA
revisão
STEPHANIA MATOUSEK
revisão tipográfica
BRUNO DORIGATTI
curadoria de imagens
KITA PEDROZA e SANDRA DELGADO
assistência de curadoria
WALTER MESQUITA
fotos de capa
KITA PEDROZA
R135n
Ramalho, Cristiane
Notícias da favela / Cristiane Ramalho. - Rio de Janeiro:
Aeroplano, 2007.
il. - (Tramas urbanas ; 1)
Anexos
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-86579-93-6
1. Viva Favela (Portal) - Rio de Janeiro (RJ). 2. Favelas - Rio de
Janeiro (RJ) - Recursos de redes de computadores. 3. Favelas - Aspectos
sociais - Rio de Janeiro (RJ). 4. Jornalismo eletrônico - Rio de Janeiro
(RJ). 5. Jornais comunitários - Rio de Janeiro (RJ). 6. Organizações
não-governamentais - Rio de Janeiro (RJ). 7. Movimentos sociais - Rio de
Janeiro (RJ). I. Título. II. Série.
07-2853. CDD: 070.43
CDU: 070.1:004.73
25.07.07 26.07.07 002858
Por fim, uma dívida eterna com os amigos que tiveram a disposi-
ção de ler os originais e de trocar idéias: Atenéia Feijó, Christina
Vital, Fernando Ewerton, Regina Taccola, Silvia Leitão e Valéria
Propato. A Mônica Maia, um agradecimento especialíssimo pelas
contribuições inspiradas e pela infinita paciência.
Aos tantos amigos e familiares queridos que trouxeram motivação,
deixo um abraço apertado. Entre eles, Claudia e Diana Ramalho,
Helena Vasconcelos, Mariflor Rocha, Dieter, Heidi e Sven Hilbig.
Regina Novaes
SUMÁRIO
Cap.04 Turbulência no ar
116 Repórter bom é repórter vivo
128 Um divisor de águas
138 Códigos de conduta
A primeira vez em que entrei numa favela foi pela tela do compu-
tador. Viva Favela! O nome no alto da página do portal criado pelo
Viva Rio parecia um convite. Aceitei. E, a cada click do mouse,
aquela visita virtual fazia com que me sentisse cada vez mais
próxima do cotidiano das favelas e de seus moradores.
Ilana Strozenberg
PAULO CARDOSO, MORADOR DO CANTAGALO
Matéria: Vizinhos de toda hora
Viva Favela 18/04/2003
Crédito: Walter Mesquita
15
Introdução
22
Em busca de novos ângulos 23
Não foi uma reportagem fácil. Até fechar a apuração, Rita voltou
ao topo do Caranguejo, a porção Brejo da Cruz1 de Copacabana,
umas cinco vezes. Uma caminhada pesadíssima, pontuada
por becos, ladeiras e escadarias de tirar o fôlego. Chegou a se
rebelar durante uma reunião de pauta: “Parei. Não subo mais!”,
decretou. Mas foi convencida a terminar a história, que mudaria
sua percepção da favela e de si mesma.
VISTA DO CARANGUEJO,
NO ALTO DO PAVÃO-PAVÃOZINHO, EM COPACABANA
Matéria: Os esquecidos no topo
Viva Favela 16/04/2002
Crédito: Deise Lane
27
28 Notícias da Favela
30
Notícias além do front 31
“A gente fica com muito receio porque não sabe onde está
pisando”, contaria depois Bete Silva, que, afinal, conquistara a
vaga de correspondente do Alemão. Ela só conhecia o Viva Rio “de
nome”, mas resolveu se candidatar porque gostou da proposta.
Morar em favela, para Bete, exige cuidado com o que se fala.
32
2 Informante da polícia.
Na boca
do lobo
38
Na boca do lobo 39
1 Tráfico de drogas.
2 Boca-de-fumo (local de venda de drogas).
Na boca do lobo 41
Era óbvio que tanto La Toy quanto Marta deveriam ter aulas,
mesmo que básicas, de jornalismo e computação. Contudo, os
dois pegaram o bonde andando e foram aprendendo na marra.
Como boa parte da equipe, aliás.
42
3 O jornalista se refere aos irmãos João Roberto e José Roberto Marinho, vice-
presidentes das Organizações Globo.
46 Notícias da Favela
Porém, nada disso foi adiante. Na virada de 2000 para 2001, a dire-
ção mudou e eles se desinteressaram, segundo Oscar. “Passaram
a focar mais os públicos A e B. Estávamos em plena bolha e as
empresas buscavam caminhos para faturar. Tinha uma competi-
ção ferradíssima lá com o UOL, o IG, o Terra. E esse outro retorno
iria demorar demais. Assim, viraram meros patrocinadores”, diz
ele. Até hoje, o jornalista lamenta que esse caminho não tenha
sido seguido: “Daria ao Viva Favela uma visibilidade que jamais
teve, e levaria o acesso à favela quase de graça”.
Na boca do lobo 47
Capítulo 2
51
Memória
resgatada
O FTM foi uma idéia genial do jornalista Flávio Pinheiro, que suge-
riu sua criação durante um encontro com Rubem. “Claro que, no
52
Memória resgatada 53
dete Pereira, que trocou Recife pelo Rio em 1958. Ela chegou à
favela da Maré quando ainda se começava a construir as pala-
fitas. Sua primeira casa foi feita com sobra de madeira que ela
conseguira em obras de um bairro próximo.
Para isso, fez várias idas e vindas a pé pelas ruas, com o peso
todo nas costas. “A Maré ia da rua da Praia até a avenida Brasil.
E as casas eram todas de madeira”, contou ela ao correspon-
dente Cláudio Pereira. De longe, as palafitas invadindo a baía
de Guanabara eram símbolo da precariedade das favelas nas
grandes cidades. De perto, pessoas como Claudete e o marido
enfrentavam todo tipo de desafios para ter onde morar.
Não era fácil achar alguém com o perfil ideal. Alguns não que-
riam falar, outros não tinham uma memória tão boa assim.
Porém, isso não chegava a ser um problema para Cláudio
Pereira, da Maré; Bete Silva, do Alemão; Dayse Lara, da Cidade
de Deus; Rita de Cássia, do Cantagalo e Edu Casaes, da Rocinha.
Os cinco tinham um profundo orgulho do seu trabalho. E faziam
tudo na maior disposição.
Na fala dos mais velhos, ficava claro o quanto era dura a vida
de quem morava nas favelas cariocas nas décadas passadas.
Naquele tempo, a falta de infra-estrutura era a maior fonte de
sofrimento. Hoje, o grande problema parece ser mesmo a vio-
lência – aliás, um tema tabu para a maioria dos entrevistados.
Acho que cada dúvida dessas ou cada questão que vai ser
levantada tem feito com que a gente procure algum tipo de res-
posta produtiva”.
“Hoje não se pode nem bater nas portas”, lamentava. “Às vezes,
eu fico assim pensando, olhando como ficaram as coisas, tudo
modificado... Não tinha essa violência... Tinha um posto de
guarda no cinema Santa Helena... Saíamos de madrugada para
comprar carne, o povo vinha dos bailes (...) e não havia briga.
(...) Se tivesse poder para mudar alguma coisa, eu mudaria esse
negócio desses tiroteios, tinha que acabar com isso. (...) Tenho
saudades daquele tempo. A gente ia passear sempre e andáva-
mos sem medo pelas ruas”.
O que era ainda mais duro de engolir para uma moça destinada
a ser diretora de escola. Pelo menos esse era o sonho de sua
mãe – tradicional conselheira tutelar da região. O plano não deu
certo, mas levou Dayse a se tornar professora com diploma do
Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ) e faci-
litou o seu ingresso na faculdade e, mais tarde, no Viva Favela.
63
64 Notícias da Favela
Nascida em 1979, ela era uma das mais novas do grupo. Tinha
um ar sempre distraído, mas era ótima observadora. Possuía
também a mania de fazer muitas perguntas – algumas bem
indiscretas. O que, para uma futura jornalista, não chegava a
ser um defeito. De todo o grupo, era a única com pretensão de
seguir a carreira – pelo menos até Landa Araújo, da Rocinha,
chegar em 2005.
gastar tantas horas numa atividade que mal lhe rendia alguns
caraminguás.
Não foi a primeira (nem a única) vez em que a redação foi obri-
gada a entrar em campo para ajudar no fechamento de uma
matéria dos correspondentes. A inexperiência inicial da equipe
produzia reportagens que não faziam jus ao que fora vendido na
reunião de pauta. Belas idéias simplesmente se perdiam, num
estranho caminho entre a apuração e o texto final. E os jornalis-
tas precisavam, por vezes, entrevistar o próprio correspondente
para desvendar o mistério.
71
72 Notícias da Favela
Já para falar sobre o drama das balas perdidas, não teve qualquer
problema. Achou personagens que contaram, com nome e sobre-
nome, que foram vítimas de armas do tráfico. Publicada sob o
título “Guerrilha urbana”, a matéria mostrava também o ponto de
vista dos médicos. Eles admitiam sofrer pressão da polícia para
fazer corpo mole no tratamento de bandidos. E alertavam: o sim-
ples fato de chegar ferido à bala no hospital já torna o morador
de favela suspeito.
Capítulo 3
81
Derrubando
muros
82
Derrubando muros 83
Mulheres na mira
94
Passarela de tábuas 95
Bandido “coca-cola”
103
104 Notícias da Favela
No ritmo da favela
Para achar boas pautas de meio ambiente nas favelas, era pre-
ciso aproveitar cada ida às comunidades. Seus contatos na área
ambiental também ajudavam. Nascida em setembro de 1977, a
repórter era uma das mais novas do time. Formada pela Univer-
110 Notícias da Favela
3 Referência ao Baixo Leblon, no Rio de Janeiro, que fez história como ponto de
encontro da boêmia carioca e teve seu auge na década de 1980. Depois dele, outros
surgiram na cidade, como o Baixo Gávea.
Comando verde 111
“Eu cresci junto com a Maré. Tomei banho nela (na baía de Gua-
nabara, que originou o nome da favela), como muitas crianças.
Joguei bola com um trilhão de pessoas que já morreram e com
outras que mudaram de vida”. Enquanto alguns amigos optavam
pela marginalidade, Cláudio investia na religião. Ex-coroinha,
passou vinte anos na Igreja Católica. Ajudava em campanhas de
doação de alimentos e quermesses.
Pior era o que ele fazia sem avisar. Cláudio costumava submeter
seus textos à aprovação dos entrevistados – às vezes, por três ou
quatro vezes. Só depois que o personagem estivesse satisfeito
nos mandava a reportagem. Era sua forma de demonstrar res-
peito e tentar evitar mal-entendidos. Ao descobrir isso, entendi
finalmente por que algumas matérias atrasavam tanto – mesmo
em tempos de paz.
Capítulo 4
115
Repórter bom
é repórter vivo
116
Repórter bom é repórter vivo 117
1 Mesma área que serviu ao ensaio fotográfico de Tony Barros (ver capítulo “Pas-
sarela de Tábuas”). O lugar também é conhecido como Rocinha II.
118 Notícias da Favela
SIMONE SILVOTE,
IRMÃ DE UMA DAS VÍTIMAS DO CASO BOREL
Matéria: Viver como trabalhador, morrer como bandido
Viva Favela 16/05/2003
Crédito: Rodrigues Moura
Repórter bom é repórter vivo 121
122 Notícias da Favela
“Aonde você vai?”, perguntou ele. Ana contou e ele, sempre gen-
til, ofereceu-se para confirmar sua chegada ligando do próprio
celular para a moradora. Quando tirou vários celulares do bolso,
Repórter bom é repórter vivo 125
“Entramos por um beco que foi ficando cada vez mais estreito.
No final dele, dava para ver os carros, toldos e paredes perfurados”,
lembra Jaime. Tudo ia bem, até o fotógrafo do JB fazer uma foto
e colocar em quadro um dos traficantes parados mais adiante.
“A partir daí, começou a sair um monte de homem armado do
beco. Eram uns dez ou doze”. Carlinhos explicava que ninguém
Repórter bom é repórter vivo 127
estava ali pra fotografar o tráfico, mas eles queriam ficar com a
máquina do JB de qualquer maneira. Até tudo se acalmar – e a
máquina ser recuperada –, foram quatro intermináveis minutos.
128
Um divisor de águas 129
Não falar de violência passou a soar cada vez mais como omis-
são, ou alienação pura e simples, da realidade carioca, o que
criava situações absurdas. Para não passar atestado de luná-
tica, lembro-me de suspender a publicação de duas matérias
sobre a Rocinha. A comunidade vivia momentos dramáticos,
em plena “guerra” de facções, como veremos adiante. Não fazia
sentido colocar uma manchete sobre um assunto ameno sem
fazer referência à tensão que dominava o lugar.
A Caras da favela
Uma restrição que até hoje Rubem César lamenta: “Eu não
sentia nos correspondentes aquela postura que os jornalistas
tinham durante a ditadura de usar subterfúgios para mostrar
o que não podia ser mostrado em cada brecha que aparecesse.
Não sentia uma atitude mais agressiva para afirmar a sua liber-
dade de expressão”. O antropólogo avalia que eles poderiam ter
Um divisor de águas 135
2
NOVAES, Regina; CUNHA, Marilena & VITAL, Christina (eds.). “A Memória das
Favelas”. Em: Cadernos de Comunicações do Iser. Rio de Janeiro: Instituto de Estu-
dos da Religião, 2004.
136 Notícias da Favela
138
Códigos de conduta 139
Ana Cora, por sua vez, preferia fazer reportagens sobre temas
mais “pesados”. Como a série “Ditadura do tráfico”. Publicadas
entre setembro e novembro de 2004, as três matérias da série
mostravam moradores acuados pelos bandidos. Os depoimentos
revelavam que eles eram forçados a agir contra a sua vontade,
e tinham de servir comida e bebida a traficantes que invadiam
140 Notícias da Favela
A guerra na Rocinha
150
Luz sobre o beco 151
Ele fazia as fotos, enviava a câmera para São Paulo, eles revela-
vam e mandavam outra de volta. Assim, foi aprendendo sozinho.
Um dia, comprou sua própria máquina fotográfica e começou
a fazer slides para monóculos com o objetivo de vender nas
festas dos rodeios. Dessa forma, ampliou a experiência que lhe
renderia uma profissão no futuro.
aqui é o que a gente tem para comer hoje”. Havia meio saco de
farinha, um fiapo de macarrão, umas três colheres de arroz.
Walter teve de disfarçar as lágrimas.
Porém, ela quase passou direto pela carreira. Queria ser arqui-
teta, mas falou mais forte a influência da mãe – uma diarista
que deu de presente à filha uma câmera quando esta tinha ape-
nas treze anos. “Sou a penúltima de cinco filhos e até hoje me
pergunto o motivo de ela ter me dado essa máquina”, admite.
O presente não poderia ter sido melhor. Deise se saiu uma ótima
fotógrafa, com sensibilidade para flagrar a notícia em compo-
sições nada óbvias. Quando entrou para o Viva Favela, pensava
que seria apenas um emprego, um jeito de ganhar dinheiro.
Estranhava um pouco o nome. “No começo, a gente dizia que
era ‘uma revista do Viva Rio’. Mas, com o tempo, todos foram
começando a gostar do projeto e ganhando uma visão nova de
cidadania”, diz a fotógrafa.
162
A bomba de MV Bill 163
Tiroteio verbal
Bom para a Cidade de Deus e bom para o Viva Favela, que, com a
polêmica, alcançara uma visibilidade inédita. A semente estava
lançada. Bill seguiria na batalha, junto com o produtor Celso
A bomba de MV Bill 167
Palavra de colunista
(...) Joselito sim é um exemplo que teria que aparecer em todos os te-
lejornais. (...) Saiu das palafitas pra intercambiar com outros proje-
tos sociais do Brasil e do exterior. (...) todos os anos, eles promovem
um festival de bandas de lata que chegam de tudo que é lugar”.
“Cheguei no auge das festas juninas (...). Andar por aquelas ruas
ao som de um tambor de criola, matracas, zabumbas e dos pan-
deirões, vendo aquela paisagem que mistura fachadas decoradas
de azulejos centenários, é de um prazer inenarrável (...)”. Ele ficou
especialmente encantado com o Cacuriá, uma ciranda onde (...)
“as músicas tratam de temas prosaicos, quase sempre regionais,
como a seca, os animais nordestinos e a vegetação do sertão”.
Sangue novo
176
Do outro lado da tela 177
com um time de Nova Iorque, vai estar incluido trazer minha familia
pra ka junto comigo... Pow, e o sonho da minha vida”.
Ou ainda:
“Italiana cariocada e moradora do morro, agora de férias na Itália,
morro de saudade, mas também de alegria para meu povo adotivo.
Amo vocês!”
E mais:
“Cambito não da ideia para o vapozinho. ele pode tar com rasao. so
que você tem os amigos e é isto que enporta agora. Vapozinho agora
você passou dos limites, se você não pedir desculpa para o cambito
eu nunca mais vou me preulcupa com você? Mônica”.
Capítulo 6
185
Uma rede
virtual
Com o tempo, ficou claro que o Viva Favela conquistara seu espaço
junto a três segmentos distintos – a favela, a academia e a mídia.
Isso obrigava o veículo a investir na produção de conteúdos dife-
renciados. Nem sempre era tão fácil, mas parecia dar certo.
186
Uma rede virtual 187
O curso era gratuito e vivia lotado. Venício abrira a escola por sua
própria conta e risco. Achava que falar o idioma era fundamental
para quem buscava um lugar melhor no mercado de trabalho.
E não se conformava com o fato de não haver nenhuma alterna-
tiva do gênero na favela. Um dia, a correspondente Dayse Lara
descobriu a novidade e vendeu a pauta. Na hora de falar com o
professor, no entanto, nunca o encontrava disponível.
Um condutor de informação
Seu foco principal eram “os processos e práticas que podem levar
a inclusão digital até a inclusão midiática” – que David entendia
como “uma das muitas formas de inclusão social que podem e
devem ser feitas por uma campanha de inclusão digital de peso”.
CIDADE DE DEUS
Ensaio Fotográfico 2002
Crédito: Tony Barros
196 Notícias da Favela
197
198 Notícias da Favela
Isso foi possível porque o Viva Rio soube evitar que seus obje-
tivos específicos – fossem políticas de alianças da casa ou
parcerias da ONG nas favelas – violassem a independência do
portal. É claro que a instituição não deixava de ter interesse
político – no sentido mais amplo do termo – frente a um veí-
culo como o Viva Favela, capaz de “falar” com diversos setores.
No mínimo, era uma bela vitrine para as ações da casa.
Seria natural supor, portanto, que o “ator social” Viva Rio, com
seus projetos que se expandem por áreas tão diversas quanto
educação, comércio solidário ou mediação de conflitos, esti-
vesse fortemente tentado a usar o Viva Favela como canal de
informação para enviar mensagens, da favela à elite. E ele usou.
Contudo, sem atropelar a autonomia do veículo.
Mas isso era mais do que normal. Um projeto assim nunca está
isolado em sua trajetória – por mais autonomia que tenha. Qual-
quer veículo de comunicação, tanto do Terceiro Setor quanto
de empresas privadas – e públicas –, sempre estará sujeito a
pressões de “atores sociais” diversos. Incluindo aí os próprios
jornalistas, que acabam por influenciar o produto final.
200 Notícias da Favela
O fato de o veículo deixar a favela falar com sua própria voz era
digno de elogios para Marcos Sá Corrêa: “O portal Viva Favela,
uma rede criada pela ONG Viva Rio para ligar via Internet os
morros cariocas, deixa que se apresentem uns aos outros com
suas próprias palavras e não pelo que o resto da cidade tem a
dizer sobre eles. O resultado é um jornal eletrônico que, feito
por favelados e para favelados, livrou-se da obsessão jornalís-
tica que resume as favelas como a droga, violência e miserê.
(...) Às vezes, quando todas as primeiras páginas amanhecem
Jornalismo é coisa de ONG? 201
A voz do Caveirão
“O efeito (do portal) só não foi maior por falta de dinheiro para
divulgar melhor o trabalho”, diz a jornalista Márcia Vieira sobre
os primeiros cinco anos do portal. Para ela, o Viva Favela repre-
sentava “a chance do morador de comunidade de ser ouvido”,
era a favela “falando por ela mesma”. O que, na sua avaliação,
ajudava a sociedade “a mudar a imagem do favelado, além de
melhorar a auto-estima dos moradores”.
Rio, que topavam ajudar na criação. Mas isso não bastava. Era
preciso jogar a idéia na rua. Uma delas, a V&S Scala, chegou a
produzir um belo anúncio, jamais veiculado. Ele mostrava três
meninos com uma favela ao fundo. O texto dizia algo assim:
“Com tanto Washington, Wellington e Wallace, o que não falta
é www na favela”.
210
A semente estava lançada 211
2 Dirigido pelo inglês Donald Hyams, O outro lado do morro aborda a estreita inter-
dependência entre os moradores da favela e do asfalto.
A semente estava lançada 213
SAMBISTAS DO CANTAGALO
Ensaio fotográfico 2003
Crédito: Sandra Delgado
214
215
Anexo 1
Anexo 01
Matérias selecionadas
Arquitetura
de pedreiro
Edu Casaes, da Rocinha, e Vilma Homero, daRedação | 21/02/2003
Foto: Nando Dias
218
219
220 Notícias da Favela
Em forma de funil
O barraco é
mais embaixo
Gisele Netto | 28/01/2003
Foto: Walter Mesquita
221
222 Notícias da Favela
Sem registro
Nas barbas
da ditadura
Marcelo Monteiro | 01/06/2004
Foto: Walter Mesquita
224
Matérias selecionadas 225
Angel na Penha
Na boca do lobo
Bete Silva, do Complexo do Alemão | 10/05/2002
Foto: Rodrigues Moura
227
228 Notícias da Favela
Rebeldia na escola
“Pagamos R$ 15, mas tem pessoas que dão menos porque não
têm condições financeiras”, conta ele, que conhece alguns rapa-
zes do serviço de “vigilância”. “Tem os do movimento mesmo,
231
232 Notícias da Favela
Círculo
das letras
Guaraci Gonçalves, do Tuiuti, e Silvia Noronha, da Redação | 18/08/2004
Foto: Rodrigues Moura
Resgatados no lixo
A dureza
da dura
Carlos Collier | 18/03/2003
Foto: Tony Barros
237
238 Notícias da Favela
Escolha radical
Mariana Leal | 11/04/2005
Foto: Walter Mesquita
Por lei, para fazer a laqueadura, é preciso ter pelo menos 25 anos
ou dois filhos vivos. A decisão final é do médico, com base nos
argumentos da paciente. O SUS só cadastra hospitais que deixem
claro para a mulher que a cirurgia é praticamente irreversível.
240
241
242 Notícias da Favela
Chorinho de bebê
Essencial
inacessível
Marta Oliveira, do Complexo do Alemão,
e Vilma Homero, da Redação | 17/03/2005
Foto: Rodrigues Moura
243
244
Matérias selecionadas 245
Até hoje, só tem água quem entrou na vaquinha. “Uma casa pode
ter e o vizinho do lado não. É obrigado a se virar, cavar poço, apro-
veitar as minas d’água”, explica Adão de Oliveira Nunes, 50 anos,
vice-presidente da Associação de Moradores dos Mineiros, que
também cuida do Poço do Caboclo e da Matinha, favelas vizinhas.
Por sorte, há várias nascentes na região.
Uma favela
partida
Keliane Muniz, de Duque de Caxias | 20/09/2001
Foto: Deise Lane
246
Matérias selecionadas 247
Favela no
quadro-negro
Dayse Lara, da Cidade de Deus, | 09/09/2003
e Vilma Homero, da Redação
Foto: Tony Barros
O filme se
repete
Cristian Ferraz, da Baixada* | 05/04/2005
Foto: Walter Mesquita
250
Notícias da Favela
252 Notícias da Favela
Mas Lúcia acha que dessa vez foi pior. “Aqui as pessoas são mais
próximas”, diz a doméstica, que conhecia algumas das vítimas.
Entre elas, um homem que deixou três filhos. “Soube que um deles
dormiu abraçado à roupa do pai. É muito triste”, emociona-se.
Ingresso
ecológico
Julia Duque Estrada | 02/09/2004
Foto: Walter Mesquita
O lado C do funk
Anna Carolina Miguel, da Zona Oeste | 16/11/2001
Foto: Walter Mesquita
R$ 50 por produção
Da mansão ao
morro
Rita de Cássia, do Cantagalo | 13/08/2004
Foto: Deise Lane
258
Matérias selecionadas 259
Minha adorável
babá
Cláudio Pereira, do Complexo da Maré,
e Verônica Fraga, da Redação | 13/12/2002
Foto: Deise Lane
262
Matérias selecionadas 263
266
267
268 Notícias da Favela
Só a Rocinha
segura a Rocinha
Carlos Costa, da Rocinha | 04/07/2001
Foto: Nando Dias
269
272 Notícias da Favela
Barreira humana
Gomes e seus vizinhos são uma barreira mil vezes mais eficaz
do que as cercas de aço colocadas pela prefeitura na altura da
entrada principal da Rocinha. A barreira abrange a Roupa Suja,
a Dionéia e a Vila Verde – três áreas que sofrem imensa pressão,
mal os técnicos viram as costas.
Shakespeare
na laje
La Toy Jetson, do Complexo da Penha,
e Tetê Oliveira, da Redação | 29/11/2005
Foto: Rodrigues Moura
273
274
Matérias selecionadas 275
No tempo dos
atabaques
Jaime Gonçalves | 15/03/2005
Foto: Walter Mesquita
276
Matérias selecionadas 277
278
Terreiros famosos
COTIDIANO NA ROCINHA
Ensaio fotográfico, 2002
Crédito: Kita Pedroza
300
VISTA DA ROCINHA
Ensaio fotográfico, 2004
Crédito: Nando Dias
305
Anexo 2
As cartas abaixo são uma pequena amostra das milhares de mensagens
recebidas, respondidas e publicadas pelo Viva Favela até dezembro de
2005. Há e-mails de todos os cantos do país e do exterior.
A grafia original foi mantida.
Fala, favela
Li sobre o trabalho de vocês. Achei o máximo. Gostaria de saber
como faço pra levar vocês na favela onde moro, pois lá precisa
de projetos para integrar as jovens. Moro em Parada de Lucas.
Desde já, obrigada. Michelle.
Sei que Vc’s Não vão ler Mesmo, Mas não custa nada Tentar!!!
Meu nome é George da Silva Corrêa Eu fui Criado No Morro
do Tuiuti, mas estou morando em Nova friburgo Eu queria trazer
o viva favela para Friburgo, é uma Cidade pequena Mas com os
Mesmo Problemas Sociais ou “Piores” que o Rio de Janeiro (...)
Eu quero Fazer parte da Família de vc’s, tenho uns amigos que
podem me ajudar a revolucionar... Para vc’s eu sou apenas outro
Idiota querendo fazer parte de alguma coisa mas para as pesso-
as que moram aqui nas favelas vc’s são muito importante.
312
Correio virtual 313
Do asfalto
Meu nome é Cláudia T. da Silva, estou passando por uma enorme
dificuldade financeira, não consigo mais pagar a escola de meu
filho de 12 anos. Preciso urgênte de uma vaga numa escola pú-
blica perto de minha casa. (...) Estou desesperada. Este mundo
de hoje está um perigo, não consigo de concentrar no trabalho
pensando nele.
Brasil afora
Sou delegada da delegacia da mulher de Santarém Pará, uma
cidade perdida no meio da amazônia. (...) Gostaria de idéias e
ensinamentos de como ajudar as mulheres que atendo... a se
sustentarem sem o marido agressor, me ajudem. (...) Minha ci-
dade fica próxima a Belem (capital) são só três dias de barco.
márcia rabelo.
EcoPop
Vcs me ensinariam (...) a fazer uma cesta de jornal? Sou do Rio de
Janeiro e moro em uma comunidade carente e vi que nesta arte
poderia estar ganhando uma renda extra. Obrigado, Gláucia.
Beleza Pura
(...) acho que estou grávida (...). Tive relação com o meu namo-
rado e acho que a camisinha furou fazem 17 dias que minha
menstruação não vem estou desesperada, o meu namorado ele
está muito contente mais eu não quero ainda... amigas minha
me deram dicas de chás não sei se isso adianta... por favor me
diga um chá ou remédio que faça eu tirar se eu estiver por favor
sei que no caso não querer me ajudar mais eu preciso muito...
Atenciosamente, M.
Favela Tem
Memória
Sou carioca e advogado e estou fazendo uma tese em Paris sobre
a história das favelas no Rio de Janeiro, analisando a evolução
da legislação urbana no decorrer do século XX. (…) Acompanho
durante mais de dois anos as matérias do Viva favela. Elas são
ricas em informações sem cair em um discurso muito acadêmico
(e, consequentemente, chato!!). Rafael Gonçalves.
Clique Seu
Direito
Gostaria de obter algumas informações de vcs. Voltei da licença-
maternidade e a minha patroa demitiu-me, gostaria de saber
quais direitos que tenho, se tenho direito a seguro-desemprego,
Correio virtual 321
Cambito
Sou viciada, mas hoje comecei a pensar se realmente vale a
pena. Gostaria da sua ajuda se puder. Adorei o site e falarei para
meus amigos que usam comigo. Obrigada por ter me ajudado. O.
Olha, esse site me emocionou mto, por ter partes em que me veio
na kbeça...que eu já vivi isso...eu já presenciei a dor, a fome, a
pobreza... Chorei na primeira visita...foi muito emocionante pra
mim! espero q com a ajuda d vcs... esse país mude, que tenha
justiça... Boa Sorte, Yasmin.
Mundo afora
Daqui do Haiti aprecio o trabalho de vocês, e digo não por ser
minha namorada, mais a Fabiane Baptista Moreira é a melhor
modelo que passou até agora nesse site, opinião de todo Gru-
pamento Operativo de Fuzileiros Navais do Haiti, Missão De Paz
(MINUSTAH), Marinha do Brasil!!!!! Carlos Eduardo da Silva.
326
Anexo 3 327
Rubem César conta que Marcelo Alencar tomara posse como gover-
nador do estado e Fernando Henrique Cardoso assumira a presidên-
cia – e fizera sua primeira visita à cidade a convite do Viva Rio.“Plano
Real, inflação acabando. Havia uma crença de que finalmente o
Rio iria encontrar seu eixo”. Até que veio a onda de seqüestros.
Mais de dez anos depois de sua criação, o Viva Rio continua a ter
uma imagem controvertida junto à sociedade. Os motivos para isso
são vários, acredita Rubem César. Um dos principais é o fato de a
ONG aparecer como “uma ruptura em termos de estilo de movi-
mento social, porque não faz protesto, não denuncia e não acusa”.
Rubem César explica melhor: “De certa maneira, o Viva Rio não
faz escolha, não está de lado nenhum. Está do lado da imprensa.
Na Naviata, o slogan era: ‘estamos todos no mesmo barco’.
Esse conceito é muito bom para mobilizar ações de consenso.
Mas não é bom para canalizar a raiva, o sentimento de injustiça,
porque esses sentimentos se expressam na divisão, no confronto.
O Viva Rio não acusa ninguém. Isso é uma estratégia, uma esco-
lha. A combinação é muita onda de um lado e muito pragmatismo
do outro. Mas você paga o preço de não conseguir expressar
indignação. Betinho era um que expressava indignação. Ele tinha
essa liberdade – saía da cama e esculhambava todo mundo.
Tinha uma áurea de vítima que protesta que o Viva Rio não tem, o
Viva Rio não é vítima”, diz Rubem César, coberto de razão.
Referências
bibliográficas
ABRAMO, Cláudio. A regra do jogo. O jornalismo e a ética do marceneiro.
São Paulo: Companhia das Letras, 1988.
NOVAES, Regina, CUNHA, Marilena & VITAL, Christina (eds.). A Memória das
Favelas. Em: Cadernos de Comunicações do Iser. Rio de Janeiro:
Instituto de Estudos da Religião, 2004.
SOUZA E SILVA, Jailson de & BARBOSA, Jorge Luiz. Favela, alegria e dor na
cidade. Rio de Janeiro: Senac Rio, 2005.
ZALUAR, Alba & ALVITO, Marcos (orgs.). Um século de favela. Rio de Janeiro:
Fundação Getúlio Vargas, 2003.
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Sobre
a autora
Cristiane Ramalho é jornalista desde 1989. Como bolsista do
Britsh Council, fez mestrado em relações internacionais na
Universidade de Birmingham, na Inglaterra. Trabalhou no Jor-
nal do Brasil, Folha de São Paulo, revistas Manchete e IstoÉ e o
site No. Em 2001, ingressou no Viva Favela – experiência ímpar
pelo contato com a realidade popular. Em 2006, após produzir
documentário nas comunidades Chapéu Mangueira e Babilô-
nia, mudou-se para Berlim, onde vive com o marido e a filha.
Na Alemanha, é colaboradora da Globo News, entre outras
mídias.Sempre carioca, a autora adora praia, MPB e feijoada.
Foto: Sven Hilbig
Este livro foi composto em Akkurat.
Os papéis utilizados para o miolo foram o Pólen Bold 90g/m2 para
o texto e couche matte 90 g/m2 para o caderno colorido. O papel
da capa é o Supremo Alta Alvura 250 g/m2.