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Folha de S.Paulo - Franklin de Matos: O solilóquio de Werther - 22/08/99 Página 2 de 6
maneira" de Werther.
O plano do "Werther"
Mas não é tudo. Há quem diga que a redação do romance
impedira o próprio autor -o jovem poeta Johann Wolfgang
Goethe, que anos atrás experimentara um idílio parecido- de
antecipar-se ao gesto desesperado de seu herói.
Goethe nascera em Frankfurt, em 1749, formara-se em
direito em 1771 e, no ano seguinte, partira para Wetzlar,
onde estava instalada a Corte de Justiça Imperial. Lá
conhecera Charlotte Buff, notoriamente o modelo de Lotte, e
seu noivo Johann Christian Kestner, que inspirou Albert, e
vivera com eles, entre junho e setembro, uma espécie de
relação triangular. Mas a iminente nomeação de Kestner
como adido de embaixada, da qual dependia seu casamento
com Charlotte, determinara Goethe a partir. Que o caso não
tenha sido insignificante, mostra-o aquilo que escreveu anos
mais tarde em suas memórias: "Tomei a decisão de me
afastar voluntariamente, antes de ser escorraçado por um
espetáculo que não teria podido suportar" (2).
Aqui já estava metade do plano do "Werther", que afinal
completou-se quando Goethe tomou conhecimento das
circunstâncias da morte de Karl Wilhelm Jerusalem, seu
antigo colega em Leipzig e então secretário de uma comissão
na Corte de Wetzlar. Enamorado da esposa de um
magistrado, repelido com veemência, Jerusalem tomara de
empréstimo a caixa de pistolas de Kestner -Werther fará o
mesmo pedido a Albert- e dera cabo da vida em outubro de
1772. A morte de Jerusalem, escreverá Goethe, "arrancou-
me ao meu sonho; e, como eu abria os olhos para o que lhe
tinha acontecido assim como a mim, (...) não pude deixar de
derramar na obra que empreendia nessa ocasião toda a
chama que não permite nenhuma distinção entre poesia e
realidade" (3). Esse acontecimento talvez tenha feito Goethe
compreender o risco que correra: não é de espantar que, ao
concluir o "Werther", ele tivesse experimentado aquele
alívio que todo mundo sente "após uma confissão geral".
Ao evocar essas circunstâncias, não quero convidar o leitor a
apreciar o romance por intermédio de algo exterior a ele. A
princípio, quero sugerir que a aderência ao real e o fascínio
pela mais estrita atualidade -que sempre estiveram no âmago
de qualquer romance- não são fatores desprezíveis para
explicar o "Werther" como fenômeno sociológico. Mas
aquilo que pretendo mesmo é insistir para a forma atribuída
por Goethe àquela matéria, que de resto tampouco elucida o
enigma, mas talvez nos leve a compreendê-lo um pouco
melhor.
Um romance epistolar
Para contar a história da paixão de Werther, Goethe recorreu
à fórmula do romance epistolar, gênero que desfrutava de
enorme prestígio no século 18. A escolha deixa à vista desde
logo o desígnio dramático do autor, pois não há forma
romanesca mais próxima do drama quanto a do romance por
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Forma monofônica
Goethe mobiliza todos esses recursos dramáticos no
"Werther" e, certamente para concentrar ainda mais o
interesse do leitor, recorre à forma monofônica do romance
por cartas. Típica do século 18, sobretudo após a publicação
da "Nouvelle Heloïse", de Rousseau (1761), é a obra
polifônica, na qual múltiplos correspondentes tomam a
palavra, remetendo uns aos outros as cartas que fazem
progredir a ação -é o caso ainda das "Cartas Persas" (1721) e
das "Ligações Perigosas", de Laclos (1784), incomparável
obra-prima do gênero.
Quanto ao romance epistolar monofônico -para ficar num
dos exemplos mais célebres, lembremos as "Cartas
Portuguesas" (1669)-, um só missivista escreve em geral
para o mesmo destinatário que, no caso de receber as cartas,
reage e mantém a correspondência, sem que tenhamos
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Notas:
1. Ver o prefácio de Pierre Bertaux a "Les Souffrances du
Jeune Werther", Paris, Gallimard, 1973 (tradução de Bernard
Groethuysen).
2.Goethe. "Memórias - Poesia e Verdade", Brasília, Ed. da
UnB/Hucitec, 1985, Tomo 2º, pág. 420.
3. Idem, ibidem, pág. 443.
4. Rosset, Jean. "Narcisse Romancier", Paris, Nizet, 1974,
pág. 78.
5. Versini, Laurent. "Le Roman Epistolaire", Paris, PUF,
1979, pág. 72.
6. A idéia é de Jacques Chouillet, que a aplica ao romance
"A Religiosa", de Diderot. Ver "La Formation des Idées
Esthétiques de Diderot", Paris, Armand Colin, 1973, pág.
499.
7. O trio evoca fatalmente Saint-Preux, Julie e Wolmar,
personagens de "La Nouvelle Heloïse", que anos antes
alcançara êxito parecido.
8. Citado por Paul Hazard em "La Pensée Européenne au
18e. Siècle", Paris, Fayard, 1979, pág. 447.
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