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Reflexões inconclusivas sobre bibliografia família e função parental.

Monique Rodrigues.

Queimados, 10 de fevereiro de 19.

Nesse interrogatório solitário, noto que as referências teóricas nas quais tenho me
pautado são tangentes aos meus pontos de questões. Para fim de melhor observação do tema
tratado, dividirei a escrita em: a família e a função paterna; a criança: de objeto a sujeito, a
violência familiar.  A família e a função paterna.

"(...) a família surge inicialmente como um grupo natural de indivíduos unidos por uma dupla
relação biológica: a geração"(LACAN,p.7) . Mas como tudo na " espécie humana caracterizase por um
desenvolvimento singular das relações sociais (...) Seu progresso e desenvolvimento dependem de s
ua comunicação, que são, antes de tudo, obra coletiva e constituem a cultura"(LACAN,p.7).

Essa estruturação cultural da família é bem delineada em A história social das


crianças e da família, Àries percorre dentre iconografia e a literatura dos séculos XV ao
XVIII na Europa, às vezes referenciando se a séculos anteriores ou posteriores aos citados.
Mostrando que o sentimento de família e de infância são algo constituído no curso da história.
A partir século XV, sentimento de família começa ser fomentado; mostrando não ser algo
natural, mas naturalizado.
Tal recurso a arte foi apontado por Freud de forma poética com essencial, por a
criatividade do artista anteceder a qualquer conhecimento científico. Esse grifo sublinha que o
recurso de Àries a arte é vital a compressão da constituição deste sentimento e da existência
do indivíduo humano como família, visto que qualquer interesse que a vida coletiva tenha
despertado as ciências a arte já haveria registrado. Os elementos que gradativamente são
agregados as cenas, as quais revelam a

progressão das relações interpessoais numa cultura familiar. Primeiro eram representações apenas
masculinas em ambientes externos ao lar, com transcorrer do tempo surgem as
mulheres, por fim as crianças. Sempre destacado a figura do patriarca em todos os séculos
descritos na referida obra. Ressaltava os valores religiosos nos séculos XV e XVI, em torno
do XVII esses valores não eram tão relevantes. Com o aparecimento dos gêneros nas imagens
ficou clara a diferença entre os sexos numa distribuição espacial das personagens femininas e
masculinas nas pinturas. Essa representação iconográfica e literária revelam as intimidades
travadas nas relações, antes do século XV as crianças eram destinadas a outras famílias para
serem educados, não o lugar de aprendiz o qual ocupavam não possuía a menor distinção entre os
servos. Aponto de serem subsumidos a significantes como "garçon, valet"(Àries, p.226).
As mães não aleitavam seus filhos, ficando a cargo de leite de vaca, ou das amas de
leite. Após a senda iconográfica Àries constata que para o sentimento interpessoal progredisse
em sentimento de família exigisse que as pessoas que compunham um determinado espaço
social o fechasse para o ambiente externo, criando uma "intimidade doméstica" (Ibid, p.238).
Esse desenvolvimento da vida em família para uma vida privada produziu muitas
modificações em seu "traços objetivos"(LACAN, p.8, ), como na função educadora dos pais
que não delegada a outra família, sim compartilhada com outra instituição que surgia como
fundamental: a escola. As tradições de herança também foram modificadas. Essa foi a cargo
da linhagem, posteriormente a primogenitura, já em meios ao século XVIII já era referente ao
Nome do pai. Esse retrato da família na Europa é necessário para localizarmos um processo presente
na comunidade portuguesa, mas que foi influenciado a partir do século XV pela migração de
africanos do norte, semitas. Conforme Freyre (p.66) Hollanda (p.53), os portugueses eram
europeus mestiços, por isso conseguiram com tamanha facilidade colonizar os trópicos. Essa
mistura étnica marca a moral portuguesa que foi amolecida na instituições e na cultura de
dureza germânica, isso permite em sua empreitada colonizadora utilize da miscigenação para
aumentar a massa populacional em suas regiões de conquista.
No processo colonizador do Brasil transparece percorrendo as linhas de Freyre um
paralelismo entre o progresso de sentimento de família e a forma de colonização, visto que no
auge da consolidação deste sentimento na Europa em XVI, Portugal emprega no Brasil um
"domínio quase que exclusivo da família rural ou semirural (p.).
Como se estruturou culturalmente a família no Brasil? Como observamos antes a

moral portuguesa não era dotada da mesma rigidez dos europeus do norte, ainda contamos com
as matrizes culturais do negros africanos e dos indígenas nativos da terra. Dessa
constituição híbrida temos como elemento central e de dominação tanto do espaço público
quanto do privado a herança européia do poder patriarcal.
Essa figura central do pai na constituição familiar abordada por Roudinesco em A
família em desordem, no qual percorre as diversas transformações na figura do Pai como pivô
da inserção da lei na dinâmica psíquica do sujeito. A princípio o pai interditor era um
exercício divino quem herdasse de representante dos seus valores na terra. Pondo este fato em
paralelo as pinturas analisadas por Àries, temos que no período o qual dataremos anteriores ao
XIV retratos apenas dos homens em atividades públicas. Com o progressivo declínio do poder
dos monarcas a partir do século XIV, com os avanços do capital e o surgimento que disputaria
o poder legítimo com o rei. O pai interditor ficou ameaçado, por haver um enfraquecimento
de sua representação como encarregado da transmissão da Lei, visto que representassem tal
fornecedor da Lei. Nesta época temos o advento do sujeito moderno num fundo de angústia
fundado na falha simbólica inaugurada na figura do pai.
Para resgatar esse lugar simbólico que ancora toda constituição do sujeito a teoria
freudiana sobre o complexo de édipo tenta restabelecer a lei da diferença que simbolicamente
mantinham o modelo familiar das sociedade precedentes fortemente associado a figura de Deus
pai encarnado no homem que chefia o lar. O qual estava desaparecendo com a
progressiva irrupção do feminino. Assim delegou ao inconsciente o detentor do regimento da "lei
da diferença: diferença entre as gerações, entre o sexo, entre pais e
filhos"(ROUDINESCO, p33,) pela imago paterna identificado no objeto individuo humano.
No transcorrer da obra Roudinesco assinala como os pós freudianos foram acentuando
a importância simbólica das funções materna e paterna à manutenção da ordem social tal qual
a cultura a estruturou. Como em Lacan apontase a ênfase no lugar do significante como
estruturante do inconsciente tal qual a linguagem, e como as fases do complexo que se
significam num a posteriori da experiência de interdição do incesto pela figura que consagra
o Nomedopai. Ou em Winnicot se " restabelecia de fato um equilíbrio entre os dois pólos do
materno e do parte no ao assinalar que o pai é "necessário para
dar a mãe um apoio moral, para sustentála em sua autoridade, para ser a encarnação da lei da
ordem que a mãe introduz mágica da criança"" (apud ROUDINESCO, p.52)

Esse trajeto delineado pelos autores supracitados revelam os "traços essenciais" e os


"objetivos" que compunham o simbolismo da estrutura cultural familiar, como a hierarquia.
Em relação a essência da hierarquica que culturalmente se confunde com a figura do pai,
Roudinesco nos apresenta sob a título de o Pai mutilado, o temor da sociedade
contemporânea do esfacelamento da família nuclear pelo processo de elação da figura
feminina na sociedade contemporânea e a paternidade homoafetiva.
 A criança: sujeito ou objeto.
Segundo Brito, o translado da criança como objeto de direito para sujeito de direito
ocorre com a Convenção Internacional do Direito da Criança. Na qual há um deslocamento do
" entendimento histórico inicial de que a crianças seriam sujeitas aos direitos de seus pais".
(BRITO,p.68) O referido autor retrata através de Legrand, que a relação pais e filhos até o início do
séc. XIX era verticalizada, representando a autoridade. A qual pertencia a marca da distância
existente entre as gerações cujo caminho cabia apenas ao pai encurtar, assim "o pai permitia a
evolução do filho" (BRITO,p.69). A marca da cultura se faz no fato de o pai ser considerado
exclusivamente o genitor do sexo masculino. A partir da segunda metade desse século, "iniciase um
discurso de proteção da infância". No qual passa se a valorizar o eixo
horizontal, o das necessidades, representado nos cuidados materno.
No Brasil a história da infância começa exatamente na metade do século XIX, tendo
duas marcas segundo Rizzini, uma são as crianças ricas com suas infâncias reconhecidas,
outra é das crianças pobres que " terão sua existência garantida pelo jurídico assistencial
destinados a educálos" (RIZZINI,p.102). Isso visto que na formação inicial do país, ele fora
organizado como uma empresa. Assim todas as medida postuladas em relação a colônia
visavam lucro, não era diferente como as crianças indígenas, que foram instrumento de
disciplinar dos outros índios. Ou as crianças negras que eram treinados num ofício, por não
terem sido culturadas nos valores do negros africanos e indígenas brasileiros. Nessas prática
podemos constatar a presença do Estado na desorganização dos cuidados das classes
produtoras. No decurso da história nacional, a pressões pelo fim da escravidão impulsionaram a
libertação das crianças escravas pela Lei do Ventre livre em 1871. Sendo o primeiro passo no
reconhecimento das necessidades das crianças. É foi através das legislação que o Estado

início sua mediação dia relação pais e filhos. Mas é marcante que toda a discussão travada nos
textos são a respeito de lares desfeitos pelos divórcios, sobre crianças infratoras. Nenhum
deles transcorre sobre as relações jurídicas e os pais que usam de castigos corporais para correção.

 Violência familiar: castigos corporais


Quando a violência é vista como algo nefasto na sociedade, conforme Foucault, a
punição via suplício é juridicamente transformada num instrumento meus sutil, visando a alma. O
mesmo não é perceptível no uso da violência familiar. A qual nas diversas composições
teóricas evidência uma intervenção direta nas práticas familiares a fim de resguardar a
segurança física e psicológica das crianças. Muitos foram os motivos que
levaram a intervenção estatal na privacidade familiar. A principal dela era a liberdade que as
crianças pobres gozavam em perambular pelas ruas, cometendo pequenos delitos. Mas tarde,
especificamente na década de 60, foi coibir os abusos de poder dos pais no exercício de sua
função. Mas tal coibição foi formatada de forma abstrata e geral. Sem levar em consideração
as particularidades sociais e os acessos de cada indivíduo dentro de suas classes.
Em termos culturais a violência intra familiar faz parte da história da humanidade. Segundo
Gonçalves, nos presenteia com uma discussão interessante sobre a violência
familiar, desde sempre a violência esteve presente na relação familiar dentro dos contexto
culturais diversas, como: os sacrifícios bíblicos, ou o canibalismo em épocas de grandes
surtos de fome.
Autora mostra no curso do texto que a violência contra criança apesar de culturalmente
permitida sempre foi estatalmente condenada, o interesse no texto são as alternativas criadas para
coibição assentarem se justamente no exercício do amor parental nas sociedades
anteriores a era cristã, como: na sociedade egípcia impunha aos pais a pena de ninar os filhos
mortos por eles durante 72 horas. Na era cristã as punições são tão violentas quanto os crimes
cometidos pelos pais, como na França do século XII que "queimava as mulheres que
praticassem o infanticídio "(p.104).
Gonçalves alega que a violência doméstica é um conceito em construção, que no
tempo modifica se conforme os interesses de manutenção da ordem, assim estamos diante do
processo de condenação dos castigos corporais como prática educacional exercido num dos
níveis de conceituação da violência familiar.

Referências Bibliográficas.
ÀRIES,Philippe. História Social da Criança e da família, 2 ed, Rio de Janeiro, ed Guanabara, 1981.
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. tradução de Raquel Ramalhete.
Petrópolis, Ed. Vozes, 1987.
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, 1905. In: ______. Um caso de histeria e
Três ensaios sobre a teoria da sexualidade. Rio de Janeiro: Imago, 1996. (Edição standard brasileira
das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7)
FREYRE, Gilberto. Casa grande e Senzala: formação da família brasileira sob o regime da economia,
São Paulo, 48 ed, Global, 2003.
GONÇALVES, Hebe Signorini. Infância e Violência no Brasil. Rio de Janeiro, Ed. Nau,2003.
HOLANDA. Sergio Buarque de. Raízes do Brasil, 28 ed, São Paulo, Companhia das letras. 1995.
LACAN, Jacques. O seminário – Livro 3 – As psicoses, 2 ed, Rio de Janeiro, Zahar, 1997.
_____________. O seminário – Livro 4 – Relação de objeto, Rio de Janeiro, Zahar, 1997.
_____________. Os Complexos familiares na formação do indivíduo: ensaio de análise de uma
função, Rio de Janeiro, Zahar, 2008. ____________. Nomes‐Do‐Pai, Rio de Janeiro, Zahar, 2005.
RIZZINI, Irene. Crianças e Menores do Pátrio Poder ao Pátrio Dever: um histórico da
legislação para infância no Brasil. In. A Arte de Governar Crianças. Rio de Janeiro, Ed.
Universidade Santa Úrsula, 1995.
ROUDINESCO, Elisabeth. A Família em Desordem. Rio de Janeiro, Ed Zahar

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