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Reflexões sobre a esquerda punitiva (*)

Maria Lucia Karam

Desigualdades, preconceitos, discriminações, exclusão e opressão estão


na base da própria ideia de punição, sustentando a lógica do sistema penal.
Leis e práticas criminalizadoras são e sempre foram um obstáculo à plena
realização dos direitos fundamentais dos indivíduos. A contemporânea
expansão global do poder punitivo, registrada desde as últimas décadas do
século XX, aprofunda esse obstáculo a tal ponto que leis e políticas
criminalizadoras no interior de Estados democráticos crescentemente se
desvinculam das normas inscritas nas declarações de direitos humanos.
Embora mantendo as estruturas formais do estado democrático, o
estado de polícia sobrevivente em seu interior tem se reforçado,
especialmente através da adoção de estratégias e práticas que dão ao sistema
penal uma moldura bélica, identificando o tratamento dado às condutas
criminalizadas à guerra. A política proibicionista, criminalizadora das condutas
de produtores, comerciantes e consumidores das arbitrariamente selecionadas
drogas tornadas ilícitas, bem ilustra essa tendência. A “guerra às drogas”
explicita tal tendência em sua própria denominação. Com efeito, a proibição às
arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas é fator crucial para a
global expansão do poder punitivo.
A adoção de parâmetros bélicos aumenta a hostilidade contra aqueles
que são selecionados pelo sistema penal para cumprir o papel de “criminosos”.
O “criminoso” se torna o “inimigo”.
A expansão do poder punitivo exacerba a violência, a seletividade, a
irracionalidade, os danos e as dores inerentes a qualquer intervenção do
sistema penal. A expansão do poder punitivo fortalece as nocivas ilusões sobre
crimes e penas, enfraquece o desejo da liberdade e favorece a afirmação da
autoridade e da ordem. A expansão do poder punitivo cria leis penais e
processuais que sistematicamente se afastam de princípios garantidores,
negando direitos fundamentais dos indivíduos e desprezando a supremacia das
normas inscritas nas declarações internacionais de direitos humanos e nas
constituições democráticas.

________________________________________________________
(*) Palestra no Seminário “Esquerda Punitiva e Tutela de Direitos Humanos”, promovido pelo Centro
Acadêmico Afonso Pena da Faculdade de Direito da UFMG – Belo Horizonte-MG – novembro 2014.
A crescente intervenção do sistema penal tornou-se a propagandeada
solução para todos os males. O sistema penal tem sido apresentado, em todo o
mundo, por políticos dos mais variados matizes, não só como uma fácil – mas
certamente falsa – resposta aos anseios individuais por segurança, mas até
mesmo como um suposto – mas obviamente inviável – instrumento de
transformação social ou emancipação dos oprimidos. No que se refere ao
sistema penal, preocupações, discursos e práticas pouco se diferenciam,
sinalizando que, pelo menos nesse campo, a contraposição entre direita e
esquerda teria mesmo perdido sua razão de ser.
Com efeito, desde as últimas décadas do século XX, desponta uma nova
tendência, a que denominei “esquerda punitiva” 1, baseada em um discurso
ainda mais enganoso do que os reforçados discursos tradicionais de “lei e
ordem”.
Parte significativa de “esquerdistas”, bem como ativistas e movimentos
de direitos humanos engajados na defesa do ambiente, igualdade racial,
combate à violência de gênero, direitos LGBT, etc., paradoxalmente abraçam a
punição, extraindo supostas obrigações criminalizadoras de uma destorcida
leitura das declarações internacionais de direitos humanos e constituições
democráticas. Movidos por cegos desejos de punição para seus “inimigos”,
“esquerdistas”, ativistas e movimentos de direitos humanos têm alimentado os
avanços do poder punitivo.
O sistema penal, que só atua negativamente – aliás, em todos os
sentidos, mas, aqui, no sentido de atuar proibindo condutas, intervindo
somente após o fato acontecido, para impor a pena como conseqüência da
conduta criminalizada –, é contraditoriamente apresentado como um
instrumento de atuação positiva. O sistema penal, que sempre causa violência,
seletividade, exclusão, danos e dores, é contraditoriamente apresentado como
um meio de suposta “proteção” ou de suposta realização de direitos, sob a
ilusória pretensão de torná-lo um instrumento de transformação social ou
emancipação dos oprimidos.
Até mesmo ativistas e movimentos que denunciam episódios de
violência policial e tortura – assim sendo testemunhas do fato de que o
sistema penal é uma fonte de violações de direitos humanos – paradoxalmente
recorrem a esse mesmo sistema penal, clamando pela punição dos indivíduos
acusados de perpetrarem tais violações. Focalizando na ideia de um desvio
pessoal de policiais ou agentes penitenciários e deixando intocadas as
ideologias e políticas que autorizam e estimulam tais práticas, os clamores pelo
uso do poder punitivo do Estado contra seus individualizados autores, além de

1
KARAM, M.L. “A Esquerda Punitiva”, in Revista Discursos Sediciosos - Crime, Direito e Sociedade, Rio de
Janeiro: Relume-Dumará, 1996, p.79-92.
reforçarem uma das mais importantes funções do sistema penal na
perpetuação da opressão e da injustiça, ainda impulsionam sua expansão,
assim abrindo caminho para novas violações de direitos humanos.
A insistência na ilusão cruel da pena permanece apesar da evidente
falência dos declarados objetivos do sistema penal. Do ponto de vista das
almejadas segurança, tranquilidade e proteção, a pena é tão somente uma
ilusão cruel que permite a subsistência de um sofrimento, tão inútil quanto
profundo, que atinge dimensões extremas, quando encontra, como ainda hoje,
na privação da liberdade, sua forma primordial de concretização. Não fosse a
enganosa publicidade que sustenta o sistema penal, seria fácil perceber seu
fracasso. Não há como deixar de classificar como fracassado um sistema que
promete a proteção dos indivíduos, a evitação de condutas negativas e
ameaçadoras, o fornecimento de segurança e que, hoje, depois de séculos de
funcionamento, busca a legitimação de um maior rigor e um maior alcance em
sua aplicação exatamente no anúncio de um aumento incontrolado do número
de crimes, de uma diversificação e de maiores perigos advindos dessa
criminalidade apresentada como crescentemente poderosa.
Do ponto de vista da justiça e da transformação social, é também uma
publicidade tão ou mais enganosa que esconde a evidente inviabilidade do
objetivo declarado de punir os opressores para assim supostamente emancipar
os oprimidos.
O sistema penal promove a ideia do “criminoso” como o “outro”, o
“mau”, o “perigoso” – e agora o “inimigo” –, assim atendendo ao confortável
desejo de identificação de “bodes expiatórios” sobre os quais recaia o
reconhecimento individualizado de todas as culpas. Assim, o sistema penal
necessariamente atua de forma residual, selecionando alguns dentre os
inúmeros autores de condutas criminalizáveis para cumprir aquele
demonizado papel. Assim, o sistema penal facilita a minimização de
comportamentos e fatos não criminalizáveis e socialmente muito mais danosos,
como a falta de educação de qualidade, a desnutrição, a falta de moradia, a
precariedade da assistência à saúde, o desemprego e/ou as más condições de
trabalho, etc. Assim, o sistema penal afasta a investigação e o enfrentamento
das causas mais profundas de situações, fatos ou condutas negativos,
indesejáveis ou danosos, ao provocar a sensação de que, com a imposição da
pena, tudo estará resolvido. Assim, o sistema penal oculta os desvios
estruturais, encobrindo-os através da crença em desvios pessoais, como nos
mencionados episódios de violência policial e tortura.
Um sistema assim estruturado obviamente não se destina a favorecer
transformações sociais ou emancipações de oprimidos.
Mais do que isso, porém, é preciso ter claro que transformações sociais
e emancipação dos oprimidos jamais serão alcançadas se for trilhado um
caminho reprodutor de mecanismos violentos, excludentes, dolorosos,
intolerantes, opressivos, como são os mecanismos com que opera o sistema
penal. A construção de um mundo melhor jamais se fará se forem utilizados os
mesmos métodos perversos utilizados no mundo que se quer transformar.
Não se devem esquecer os danos produzidos pela antiga e repetida
prática de “fins que justificam meios”. No caminho contaminado pelos meios,
os belos fins sempre vão se perdendo. Os trágicos resultados do socialismo real
– mortes, privação da liberdade, opressão, vigilância permanente – estão aí
para demonstrá-lo. Totalitárias perversidades e privilégios dos novos grupos
dirigentes tomaram o lugar dos ideais libertários e igualitários encontrados nas
origens do sonho socialista.
Não fosse isso, o declarado objetivo de punir os opressores para
transformar a sociedade e emancipar os oprimidos, de todo modo, não
escaparia de um retumbante fracasso. A função real do sistema penal como
um dos mais poderosos instrumentos de manutenção e reprodução de
estruturas dominantes já bastaria para demonstrá-lo.
A seleção dos indivíduos que, processados e condenados, vão ser
demonizados e etiquetados como “criminosos” – assim cumprindo o papel do
“outro”, do “mau”, do “perigoso” e, agora, do “inimigo” – necessariamente se
faz de forma preferencial entre os mais vulneráveis, entre os desprovidos de
poder, entre os marginalizados e excluídos.
Como há muito aponta Zaffaroni, o sistema penal opera como uma
epidemia, afetando preferencialmente a quem tem suas defesas baixas2.
O interior das prisões no mundo inteiro não deixa nenhuma dúvida
quanto a tal atuação preferencial do sistema penal, não obstante a notável
expansão, pelo menos desde a década de 80 do século XX, do chamado direito
penal econômico e a ampla criminalização de condutas voltadas contra criados
bens jurídicos de natureza coletiva ou institucional; não obstante os esforços
da “esquerda punitiva”; não obstante a nova ênfase na violência de gênero,
nos danos ambientais, na corrupção política, nos desvios corporativos e outros
crimes de colarinho branco.
Certamente, não parece razoável supor que um atributo negativo, como
é o status de “criminoso”, pudesse ser preferencialmente distribuído entre os
poderosos.

2
Essa observação de Eugenio Raúl Zaffaroni pode ser encontrada em “El sistema penal en los países de
América Latina”, às p.221-236 da coletânea Sistema penal para o terceiro milênio (org. João Marcello de Araújo
Junior). Rio de Janeiro: Ed. Revan, 1991, que reproduziu as conferências pronunciadas no evento denominado
“Colóquio Marc Ancel”, realizado em Itacuruçá, no Estado do Rio de Janeiro, de 29 de setembro a 2 de outubro
de 1990.
O recente caso envolvendo o banco HSBC eloquentemente o demonstra.
Não obstante incontestadas provas de que o HSBC teria “lavado” dinheiro
ilícito, viabilizando a remessa de dinheiro de cartéis de drogas mexicanos para
suas subsidiárias nos EUA (mais de 7 bilhões de dólares), os promotores norte-
americanos entenderam que uma ação penal contra os responsáveis poderia
estigmatizar um dos maiores bancos do mundo e acabar por desestabilizar o
sistema financeiro global, tendo assim optado por fazer um acordo – algo
semelhante a um “termo de ajustamento de conduta” – em que os
responsáveis pelo banco se comprometeram basicamente a pagar uma quantia
em dinheiro (1,92 bilhões de dólares, quantia bastante vultosa em termos
absolutos, mas nem tão vultosa assim, quando considerado o faturamento do
HSBC) e a reforçar os controles internos do banco.
A “guerra às drogas”, principal instrumento de efetivação da função real
do sistema penal, não se destina a banqueiros. Seus alvos, nos EUA, no Brasil,
ou em qualquer outro lugar, são apenas os produtores, comerciantes e
consumidores das arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas pobres,
marginalizados, não brancos, excluídos e desprovidos de poder.
Com efeito, o sistema penal não tem, nem pode ter, como alvos os ricos
ou integrantes de qualquer outro grupo poderoso. Eventualmente, alguns
deles podem ser sacrificados (geralmente, quando não são mais tão poderosos
assim). Esse sacrifício, no entanto, não tem qualquer repercussão sobre o
regular funcionamento do sistema penal. Punir um rico, um opressor, ou
qualquer outra pessoa aparentemente poderosa, não muda o perfil global dos
“clientes” preferenciais e cotidianos do sistema penal. Tal punição serve
apenas para manter as coisas como estão. O raríssimo sacrifício de alguém
aparentemente poderoso apenas fortalece a falsa imagem de uma suposta
igualdade do sistema penal, assim ocultando, de forma mais eficiente, seus
principais alvos e sua funcionalidade para a manutenção e reprodução da
dominação, da exclusão, da discriminação.
Ativistas e movimentos de “esquerda” e/ou de direitos humanos,
adeptos do sistema penal, simplesmente pretendem trocar a punição dos
oprimidos pela punição dos opressores. Simplesmente pretendem transferir o
estilo punitivo de especial rigor penal para condutas praticadas por apontados
opressores, em troca de uma acenada, mas nunca concretizada tolerância a
condutas criminalizadas dos oprimidos. Pretensões, antes de tudo, vãs, pois os
resultados do reforço de legitimação aparente do sistema penal e da expansão
do poder punitivo necessariamente voltam a se abater sobre os mesmos
oprimidos.
Mas, além disso, pretendendo simplesmente deslocar o etiquetamento
e a identificação do “criminoso” ou do “inimigo” para impô-los a selecionados
representantes dos opressores, mais do que não contribuir para a superação
da opressão, ao contrário, perpetuam-na.
Pretendendo apenas inverter a direção da opressão, os ativistas e
movimentos de “esquerda” e/ou de direitos humanos, adeptos do sistema
penal, retomam antigas e repetidas práticas marcadas pela viciada lógica dos
“dois pesos e duas medidas”.
A contradição com os acenados fins aqui é evidente. Quem luta por
igualdade não pode ter uma prática desigual.
Mas, em sua viciada prática de fins que justificam meios e dois pesos e
duas medidas, distinguem até entre oprimidos.
No Brasil, ocupados com comissões da verdade, buscando malabarismos
jurídicos para tentar punir prescritos crimes ocorridos na década de 70 do
século passado, não pareceram se incomodar com o desfile de 2.050 militares
da Brigada Paraquedista do Exército, 500 fuzileiros navais, tanques, caminhões
e jipes do Exército, carros anfíbios e outras viaturas blindadas da Marinha,
helicóptero modelo Seahawk MH16, metralhadoras, lançadores de granadas
MK-19, que se reproduziu na cidade do Rio de Janeiro, nos primeiros dias de
abril desse ano de 2014, quando da ocupação do complexo de favelas da
Maré3, mais uma vez, sob o explicitamente contraditório pretexto de “pacificar”
localidades pobres supostamente “dominadas” pelo “tráfico” das
arbitrariamente selecionadas drogas tornadas ilícitas.
Quando os “inimigos” são somente os identificados como “traficantes” e
os que, pobres, não brancos, marginalizados, moradores de favelas,
desprovidos de poder, a eles se assemelham, a localizada instauração de
regimes de exceção não provoca protestos; as ocupações militares e seus
desfiles de metralhadoras, lançadores de granadas, tanques, caminhões, jipes,
carros anfíbios e outras viaturas blindadas, não parecem causar qualquer
comoção, nem mesmo quando, pela coincidência de datas, explicitamente
evocam outro desfile que, há cinquenta anos, em abril de 1964, marcava o
golpe que deu origem aos vinte e um anos de ditadura vividos no Brasil.
A viciada prática dos dois pesos e duas medidas, o tratamento
diferenciado para apontados “amigos” e “inimigos”, afirmando direitos para
uns e negando-os para outros, é prática absolutamente divorciada de
compromissos com os direitos humanos fundamentais.
Os princípios garantidores, positivados em normas inscritas nas
declarações internacionais de direitos humanos e nas constituições
democráticas, são universais e, portanto, não discriminam destinatários,
aplicando-se a todos os indivíduos sem quaisquer distinções. Essa aplicação

3
Notícia sobre a ocupação pode ser vista em http://oglobo.globo.com/rio/pacificacao-forcas-armadas-
ocupamcomplexo-da-mare-12101190
universal não só é exigência do princípio da isonomia, como é consequência
inseparável do reconhecimento da dignidade inerente a cada indivíduo.
Não existem indivíduos “bons” ou indivíduos “maus”, mas somente
indivíduos igualmente respeitáveis que eventualmente podem realizar boas ou
más ações, dependendo de uma série de circunstâncias. Todas as
discriminações, como as que dividem os indivíduos em bons e maus,
superiores e inferiores, “cidadãos de bem” e “criminosos”, “amigos” e
“inimigos”, negam o reconhecimento da dignidade inerente a cada indivíduo,
para, desigualando, excluindo e estigmatizando, assegurar poderes e
privilégios de uns em detrimento de outros.
Todas essas discriminações são absolutamente incompatíveis com a
própria ideia de direitos fundamentais, com a própria ideia de democracia.
As normas garantidoras da proteção dos direitos fundamentais, inscritas
nas declarações internacionais de direitos humanos e nas constituições
democráticas, ordenam ao Estado intervenções positivas que criem condições
materiais – econômicas, sociais e políticas – para a efetiva realização desses
direitos, o que, mesmo para aqueles que ilusoriamente insistem em acreditar
na punição, não implica intervenção do sistema penal4.
Na realidade, o sistema penal nunca atua efetivamente na proteção dos
direitos fundamentais. Ao contrário, as reais finalidades do sistema penal e os
danos provocados por quaisquer de suas intervenções revelam que a opção
criminalizadora é, por sua própria natureza – independentemente da
exacerbação presente na atual e globalizada expansão do poder punitivo –,
contraditória com a proteção de direitos fundamentais do indivíduo.
A expressão “tutela penal”, tradicionalmente utilizada, é
manifestamente imprópria, na medida em que as leis penais criminalizadoras,
na realidade, nada tutelam, nada protegem, não evitam a ocorrência das
condutas que criminalizam, servindo tão somente para materializar o exercício
do enganoso, violento, danoso e doloroso poder punitivo. O bem jurídico não
deve ser visto como objeto de uma suposta “tutela penal”, mas sim como um
dado real referido a direitos dos indivíduos, que, por imposição das normas
garantidoras dos direitos fundamentais, há de ser levado em conta tão
somente como elemento limitador da elaboração e do alcance daquelas leis
criminalizadoras5.

4
Nesse sentido, é ilustrativa a leitura da Declaração sobre o direito e o dever dos indivíduos, grupos e
instituições de promover e proteger os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente
reconhecidos, anexa à Resolução 53/144, aprovada pela Assembléia Geral da ONU em 9 de dezembro de 1998,
no cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
5
Sobre esse ponto é indispensável a leitura do Derecho Penal – Parte General de Eugenio Raúl Zaffaroni,
Alejandro Alagia e Alejandro Slokar, Buenos Aires: Ediar, 2000.
A realização dos direitos fundamentais de todos os indivíduos não se
harmoniza com a existência do poder punitivo. Tal poder dado ao Estado
produz e distribui violência, danos, dores, desigualdade, estigma, opressão e
exclusão, assim contradizendo a própria ideia de direitos humanos
fundamentais.
O fim das tendências criminalizadoras – quer as fundadas nos
tradicionais discursos de “lei e ordem”, quer as embaladas em reivindicações
supostamente progressistas – é crucial para a superação das desigualdades,
das discriminações e dos modelos de dominação e exclusão que ainda marcam,
em todo o mundo, sociedades e instituições políticas.
É urgente o rompimento com os enganosos discursos que buscam a
legitimação aparente do sistema penal. É urgente o resgate do desejo da
liberdade. É urgente a construção – ou reconstrução – de ideias e práticas
fundadas na generosidade, na fraternidade, na compaixão, na tolerância e na
liberdade.
Punições, quaisquer que sejam sua direção ou suas motivações, jamais
poderão contribuir para o reconhecimento e a garantia dos direitos humanos
fundamentais; jamais poderão contribuir para a superação de preconceitos,
discriminações ou qualquer espécie de opressão. Punições apenas
acrescentam novos danos e dores aos danos e dores causados por condutas e
fatos negativos ou indesejáveis.

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