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A COROGRAFIA DE FREI MANUEL DE FIGUEIREDO - Transcrição, por

Carlos Casimiro de Almeida


[Corografia da Comarca de Alcobaça]
(1782)

Capitulo
Da Villa de Alfeizerão
Os moradores da vila de Évora de Alcobaça, fundados em alguns
escritores, podiam disputar aos de Alfeizerão a glória da sua
antiguidade na inteligência de ser fundada sobre as ruínas do antigo
Eburobrício se não fossem tão claras as provas que Fr Bernardo de
Brito produziu a favor desta povoação, as quais nos ajuntamos à de
uma inscrição aberta num padrão de mármore branco que existe
encostado ao cunhal das casas de António de Sousa, da parte do
norte, [e] que diz assim:
TERENTIAE <q. F.>
CAMIRAE TERE
NTIA> DCF> MAXV
MA MATER
_____________________________________________________
Parece quer[er] dizer que Terência Máxima, filha de Quintino, pôs esta
memória a sua filha Terência Camira.

Os moradores, para darem mais provas da situação daquela antiga


colónia romana apontam os vestígios no sítio que hoje chamam da
Ramalheira, ao nascente de Alfeizerão em o qual os lavradores tem
descoberto alicerces e ruínas de edifícios.

É muito plana a situação desta vila, que tem larga vista para o norte e
sudoeste, menos para a parte do poente, pela [sic] embaraçar a Serra
da Pescaria, e mais curta da parte do nascente pelo embaraço das
alturas do Casal do Pardo, e de S. Domingos, termo de Selir do Mato,
com o qual confina da parte do sul; e com o distrito da vila das Caldas.
Do sudoeste com o de Selir do Porto; do poente com o da Vila de S.
Martinho; do norte com o da vila da Pederneira; do norte, nordeste e
nascente com o da vila da Cela, e, por esta parte, com o da vila de
Alcobaça.

Não houve nesta vila povoadores até o ano de 1342,* em o qual, a 21


de Outubro, o Abade donatário D. Fr. João Martins lhe deu carta de
povoação e foro para cem moradores, com as obrigações de pagar
cada um alqueire de trigo e galinha por fogaça e casaria; e galinha o
que só tivesse casa; o quarto de todos os géneros, e do sal, com
excepção dos olivais, vinhas e frutos, de que só pagaria o quinto, com
cem cargas de palha [pagas] na eira; e fora dela a não poderiam pedir.
Reservou o D. Abade o castelo, vinha e
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* - Na página seguinte se infere, a propósito da fundação da igreja,
que haveria moradores antes desta data.
horta do Pinto, marinhas já fabricadas, moinhos, lagares, azenhas,
pisões feitos e por fazer; fornos, mordomado, almocravaria [e] relego
pelos costumes de Santarém, açougues e portagens; [e os] dízimos e
primícias para a Igreja. Também lhe concedeu fizessem o seu aguazil
em dia de S. Miguel para o confirmar o donatário, e que o Alcaide
seria vizinho da nova povoação. *
Todos estes tributos, e reservas foram confirmados no foral que fez
Fernando de Pina e assignou o Senhor D. Manuel [...].
A Igreja é filial desmembrada da de S. Martinho, para a qual foi o
distrito de Alfeizerão demarcado nos seus limites em 9 de Novembro
de 1296 pelo Bispo de Lisboa D. João Martins de Soalhães.

O primeiro pároco que consta teve esta Igreja foi o Pe. João Vicente,
ao qual o D. Abade de Alcobaça, Fr. Fernando de Quental, apresentou
para cura desta igreja e de S. Martinho, com obrigação de tirar [?]
carta anualmente e com a côngrua de tudo quanto entrasse pelas
portas desta igreja, exceptuando a dízima da

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* - A expressão «nova povoação» não se encontra na carta de foral.
igreja de Alfeizerão, que reservou para o Mosteiro; deu-lhe mais dois
moios de trigo e largou-lhe os dízimos da terra e mar da vila e termo
de S. Martinho, com reserva dos direitos que estavam aplicados à
Sacristia. Este contrato julgou válida a sentença proferida em 1232,
com declaração de serem pessoais os dízimos das duas freguesias.

A primeira Igreja se arruinou no princípio deste século [XVIII]; a


câmara, que consumiu os seus materiais, alcançou provisão para
fintas [impostos], que não empregou na reedificação. E o padroeiro
donatário, para se decidir a obrigação da fábrica [reconstrução?]
deste templo demandou o povo, que, por sentença do Juízo da Coroa,
foi desobrigado de todo o encargo, e logo o mandou edificar o Geral
Fr. Caetano de Sampaio, em 1762, ao poente da vila, em sítio plano
entre a povoação e o castelo, com a porta principal para nascente,
travessa para o norte desta parte a casa da Irmandade do Santíssimo,
e do sul a sacristia; sem grandeza têm [?] igualdade todas as partes
deste edifício; no altar-mor venera-se a imagem do padroeiro desta
Igreja e precursor de Cristo, S. João Baptista; na colateral da parte do
Evangelho [venera-se] Nossa Senhora do Rosário; e da parte da
Epístola o Senhor Crucificado, a qual acompanham S. Sebastião e Stº
António. À Irmandade do Santíssimo se uniram a do Espírito Santo e
S. João Baptista; no último degrau da Igreja está uma campa com este
letreiro:
Sepultura do licenciado João
Baptista, vigário que foi desta vila:
faleceo em 1679
O padroado, por muitas sentenças da Rota [?] é infolidum do D. Abade
Geral Esmoler-mor, que apresenta esta Igreja juntamente com a de S.
Martinho. Na eleição do apresentado está [poder] residir em qualquer
delas e fazer paroquiar outra por um cura. Tem de côngrua dois moios
e oito alqueires de trigo e 28800 réis. Leva em Alfeizerão os dízimos
dos frangos, queijos e outras minúcias de pequena importância que na
Comarca de Alcobaça cobram todos os párocos. Na freguesia de S.
Martinho percebe os dízimos das pescarias e produções da terra.
As casas de residência deixou[as] aos párocos o chantre de Leiria,
Rodrigo da Silveira do Souto.

A Igreja do Espírito Santo ficava no meio da vila, com a porta principal


para o sul. O desembargador António Teixeira de Mota a mandou
derrubar e fez sociedade com alguns moradores devotos para
levantarem um templo mais magnífico. Porém, não igualando os seus
teres a sua devoção, ficou a ideia nos alicerces e inteira a capela-mor,
que, nos remates atados da abóbada, tem semelhança com o claustro
de Belém e antefachada do Mosteiro de Alcobaça. Mostra o erro na
voluntária demolição de um templo perfeito sem terem os autores do
projecto meios
para fabricarem outras de maior grandeza e de mais perfeita
arquitectura.

A Ermida de Stº Amaro, imagem milagrosa que muitos anos serviu de


paróquia, está situada no arrabalde da vila, ao nascente. E
ameaçando ruína a mandou reedificar o pároco actual, Damião
Raimundo Soarez de Sá e Lanções. Defronte desta ermida está um
padrão despedaçado, com letras tão gastas que não pudemos
[re]conhecer algumas nem formar conceito do que dirão.
Arruinou-se de todo o Hospital.

Na Comarca de Alcobaça as freguesias não demarcam pelos termos e


limites das povoações em que estão situadas; do que se originou as
incoerências com que muitos autores deste século escreveram o
número dos seus fogos e confundido os respectivos às freguesias com
os que pertencem as terras. A freguesia de Alfeizerão tem [espaço em
branco] fogos e, por um mapa pessoal que formámos em 1772, havia
nela 420 homens e 440 mulheres.

O pelourinho, pela figura mostra a sua antiguidade. A alguma coisa


afastada dele está a cadeia, sem coisa notável. O donatário na
extremidade oriental tem um grande antigo celeiro, com
as acomodações precisas para recolhimento dos seus direitos. E os
lagares de vinho es-
[t]ão no centro da povoação. Está em total ruína o seu chafariz: a sua
água reputam-[na] os naturais [como sendo] de excelente qualidade.

Governam esta vila e seu termo, que se estende

aos lugares da Macarca e Rebolo, Familicão de Baixo, Mata da Torre,


Vale Maceira, Casalinho, Valado «[tem uma ermida de Stª Quitéria]» e
alguns casais, dois juízes, três vereadores, um procurador do
concelho – eleitos por eleição de pelouro, a que preside o donatário ou
o seu delegado. E os confirma com os que elege o povo nas eleições
de barrete[?]. Os juízes só têm jurisdição no cível, crime e sisas, por
pertencerem os direitos reais ao corregedor e os órfãos ao juiz de fora,
dos quais podia o mandatário nomear juiz pelas sentenças do Juízo
da Coroa [...] e alvará do Senhor D.Afonso 6º [...]; dos juízes agravam
e apelam as partes para o mesmo corregedor. O escrivão da Câmara
e Almotaçaria o é também das vilas de S. Martinho e Salir do Mato,
pelo novo regulamento dos ofícios de 12 Junho de 1775. O do
escrivão do judicial é também de notas. O alcaide quase sempre o
nomeia a Câmara, por não haver quem peça ao donatário a sua
apresentação. A Companhia da Ordenança desta vila obedece ao
capitão-mor donatário, que preside na eleição do capitão e aprova o
numeramento do alferes. Paga esta vila e seu termo anualmente de
sisa ao Rei 318,920 réis [?] – e fez donativos à Coroa para os
socorros de Elvas, Monção e Pernambuco. Tem médico, com partido
de 20.000 réis por alvará expedido
em 17 de Janeiro de 1669. Esta vila faz união com a de S. Martinho no
pagamento da parcela da sisa já referida de 12 arráteis de cera e 4000
réis de ordenado anual para o ajudante das ordenações da comarca.
A feira do dia de Stº Amaro foi mudada para Alcobaça por uma
provisão datada de 3 de Março de 1774.
O seu termo produz com abundância milho, feijão, trigo e cevada; [...]
bastante vinho, nenhum azeite e pouca fruta. O rio de Charnais, que
passa ao sul desta vila, em que vêm juntas as águas que nascem em
muitas partes do termo de Alcobaça e Stª Catarina, tem sepultado em
areia a ponte e excelentes várzeas do seu termo, arruinado o seu
grande e frutífero campo, e muitas quintas com ele confinantes, sem
que régias e particulares providências dos interessados na cultura e
produção de tantas terras pudessem remediar o estrago pretérito nem
atalhar o aumento do prejuízo.

Tem no seu termo grandes e verdosas quintas: a de Stº Amaro, com


magníficas casas, que mandaram fazer três irmãos: o D.or Manuel
Romão de Castelo Branco, pároco nesta vila; o D.or Domingos Joaquim
Pote, que foi juiz de fora [n]a Baía; e o D.or Francisco de Paula [de]
Castelo Branco, que morreu sendo colegial de S. Paulo e jaz com
seus irmãos na igreja desta vila. A Quinta da Mota, com uma Ermida
de Stº António e casas boas, que é de José Henriques da Mota Melo
Mingao, professo na Ordem de Cristo [e] fidalgo da Casa Real. Outra
do mesmo nome, de que é senhor Gonçalo Pedro de Melo, professo
na Ordem de Cristo [e] fidalgo da Casa Real, mestre de campo do
terço auxiliar de Santarém.
A Quinta do Espinhal e Espadaneira, com uma ermida de Stº António,
de que é possuidor Manuel Pedro da Fonseca, professo na Ordem de
Cristo [e] fidalgo da Casa Real. A Quinta do Seixas, de que é senhora
D. Maria de Araújo Brito. A Quinta da Macarca, que foi do
desembargador do Paço Cristóvão Esteves de Esparragoza, que hoje
está aplicada ao culto do Santíssimo Sacramento da igreja
monasterial de Alcobaça e percebe o seu administrador os dízimos de
todos os frutos, os quartos do pão e legumes, com os quintos dos
mais géneros. E as terras pertencem aos moradores que pagam estes
tributos, está demarcada com altos marcos de cantaria e nas partes
mais principais da demarcação tem padrões com grandes e claras
inscrições, que dizem quem mandou marcar as terras e a quem as
mesmas pertencem. Tem no sítio do seu nome um edifício com
celeiro, lagar e adega, levantado no ano de 1762.

A Quinta do Castelo, que é do Mosteiro donatário e consta de capela


dedicada à Senhora do Bom Sucesso, imagem muito perfeita e
milagrosa, casas que mandou fazer o Abade Geral Fr. Gabriel da
Glória em 1702, como diz a data aberta entre as escadas do
frontespício, pomares de espinho, caroço, vinha, campos, olival e
pinhais. Esta quinta tomou o nome da Torre de Fremondo e o lugar
vizinho [tomou-o] da Torre que estava no circuito da mesma quinta, ao
nordeste das suas casas, num elevado outeiro. E dela conhecemos
maiores vestígios do que agora existem. Ainda se conservam as suas
arruinadas muralhas, formadas de pedra preta e cal com 12 palmos de
grossura, forta-
lecidos com torreões ou cubos; ela foi a baliza com que o abade
donatário demarcou o distrito da carta de foro e povoar da vila de
Alfeizerão. Conjecturamos que esta torre foi fabricada quando o mar
cobria os campos que lhe ficam ao norte, e exposta às embarcações
inimigas para segurança das nacionais: porque para ser fortaleza
terrestre ficava mais forte no monte do cabeço, o qual, com maior
elevação, lhe faz frente da parte do sul.

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