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FUNDAÇÃO DO MUNICÍPIO DE JACOBINA

Prof. Dr. Valter Gomes Santos de Oliveira1

A história do município de Jacobina é rica, complexa e muito importante na sua


relação com a Bahia e o Brasil e, porque não dizer, do próprio império ultramarino
português, uma vez sua criação ter sido obra do mesmo.

As anotações a seguir fazem parte dos dados históricos apresentados na


ocasião da Audiência Pública realizada na Câmara dos Vereadores, em 28 de
agosto de 2019. Apresento aqui informações coligidas de diversos historiadores
e documentos citados.

Os Sertões das Jacobinas

A expressão usada no plural era comum pelo menos até o século XIX, haja visto a
existência de duas Jacobinas na época: a sede da velha Freguesia, situada na atual Campo
Formoso, e a Vila da Jacobina Nova, onde atualmente se encontra a cidade. Para o
historiador Solon Santos (2011), sua abrangência tinha o caráter de “um espaço
imaginário” geograficamente situado no interior da Capitania da Baía de Todos os Santos,
sem contornos precisos, possivelmente estendendo seus limites no sentido N/S entre os
rios Itapicuru Açu e Paraguaçu, e W/E entre o Médio São Francisco e o Recôncavo
baiano. A região serviu como cenário para os movimentos de ocupação e povoamento de
variados agentes colonizadores (exploradores, criadores de gado, sesmeiros, rendeiros,
missionários, soldados, autoridades), mas também consistia em uma zona de intensa
mobilidade e interação de diversas etnias indígenas, com destaque para os Paiaiás na
região das missões do Saí e do Bom Jesus da Glória.

1
Doutor em História Social pela UFBA, professor Adjunto na Universidade do Estado da Bahia e líder do
Núcleo de Estudos de Cultura e Cidade. Agradeço aos pesquisadores da Universidade do Estado da Bahia
que colaboraram com esse produto.
A Capela da Missão do Bom Jesus da Glória foi fundada pelos jesuítas em 1706.
Foto: Juventino Rodrigues, Década de 1930

O topônimo

Segundo o pesquisador Afonso Costa (1918), os primeiros vocábulos entre os


cronistas e historiadores eram grafados como Iacobinna, Iacoabinna, Jacoabina
e Jacuabina. Baseado nos estudos de Teodoro Sampaio, Costa atribui a origem do termo
derivado do tupi cujo significado é “campo aberto” ou “campo vasto sem elevação”.
Solon Santos (2011) defende que o termo provavelmente deriva do termo tupi Ya-Qua-
Apina, “jazida de cascalho limpo” ou “terreno impróprio para a lavoura e revestido de
mato baixo, geralmente cerrado e espinhoso” mas também acredita que possa ter vindo
de Yacuy (jacuíba) e Bina (desfolhoada), uma “espécie de árvore que perde as folhas por
ocasião das secas.

A ocupação do território

Vários pesquisadores e historiadores que escreveram sobre Jacobina, entre eles


Afonso Costa (1918), Doracy LEMOS (1995), Raphael Vieira Filho (2009) e Fábio
Carvalho (2010), apontam em seus estudos que a ocupação do território dos
sertões das Jacobinas ocorreu mediante três fatores:

• A criação de gado;
• A busca de metais preciosos;

• As missões religiosas.

Alguns nomes importantes na tarefa da colonização dos Sertões das Jacobinas


merecem destaque:

• Belchior Dias Moreira: o pioneiro no seu desbravamento;

• Guedes de Brito e Garcia D´Ávila: famílias donas de enormes extensões


de terras na Capitania da Baía de Todos os Santos e diretamente
envolvidas nos sertões;

• D. Gaspar Barata de Mendonça, primeiro arcebispo do Brasil e


responsável por criar em 1682 a “Freguesia Velha de Santo Antônio do
Sertão de Jacobina” onde atualmente está localizado o município de
Campo Formoso;

• D. Vasco Fernandez César de Menezes (Conde de Sabugosa):


governador do Estado do Brasil que mandou criar a Vila de Jacobina
mediante decreto régio;

• Pedro Barbosa Leal: coronel responsável pelo ato de edificação da Vila.

A Freguesia Velha de Santo Antônio, localizada onde hoje está Campo Formoso,
foi dividida por D. João Franco de Oliveira, quarto arcebispo, épocas depois de
ter percorrido os sertões. Em 1752 foi criada a Freguesia Nova de Jacobina.

A Vila de Santo Antônio de Jacobina e sua transferência

Em carta dirigida ao Conde de Sabugosa, o rei D. João V autoriza a criação de


uma vila nos sertões das Jacobinas, em 5 de agosto de 1720. Somente em 24
de junho de 1722, o coronel Pedro Barbosa Leal, em companhia do escrivão
João Alves de Lima e 28 indivíduos, entre eles vereadores, moradores e
mineiros, instala a Vila próximo da Missão do Saí (atual Campo Formoso) em
terras da Casa da Torre, dos Garcia D´Ávilas.

Mediante vários protestos de garimpeiros, donos de terras e do próprio sesmeiro


Gárcia, o rei autoriza a transferência da Vila para outro lugar, fato consumado
em 5 de junho de 1724 tendo sido instalada em terras da Casa da Ponte, dos
Guedes de Brito, onde se encontra atualmente a cidade.

Tendo sido os dois momentos (da instalação e reinstalação da Vila) registrados


em atas, a historiadora Hélida Conceição (2019) diz que enquanto a primeira foi
escrita por um sertanista, apontando a criação da vila e necessidade dos
moradores com a presença da Casa Real, a segunda foi redigida por um
magistrado régio instruído nas leis do reino incluindo ali também a demarcação
do território sob sua jurisdição e o papel dos oficiais e termos de funcionamento
da vida civil.

As duas atas foram transcritas e citadas por Afonso Costa em seu texto de 1916.

Ata de Fundação da Vila:

Aos 24 do mês de junho de 1722 anos, a freguesia de s. Antonio de


Jacobina, nas casas da missão onde de presente está posado o
Coronel Pedro Barbosa Leal, fidalgo da casa s.m., cavaleiro professo
da Ordem de Cristo, a cujo cargo está a incubencia das minas de
Jacobina, e criação e erecção da vila de s. Antonio de Jacobina por
delegação e comissão que tem o exmo. sr. Vasco Fernandes César de
Menezes, vice - rei e capitão general de mar e terra do estado do
Brasil, aí pôr ele dito coronel Pedro Barbosa Leal foram mandados
convocados á vir a presença os moradores deste dito sitio e seus
arredores, que nêle habitam e terem suas fazendas, e alguns mineiros
estando juntos aos demais dêle pessoas das mais nobres, ricas e de
mais autorizadas, que são todos aqueles que no fim deste termo se
acham assinados, lhe propôs o dito coronel e lhe fez presente, em
presença de mim escrivão, em como s.m., que Deus guarde, fôra
servido ordenar, como com efeito ordenara, por carta firmada pela sua
real mão, 5 de agosto de 1720, ao exmo. sr. Vasco Fernandes César
de Menezes, vice- rei capitão e general de mar e terra dêste estado,
que pelo distrito e sertão de Jacobina mandasse estabelecer e crear
uma vila com seu magistrado, para que assim os moradores e mineiros
que no dito sertão de Jacobina viviam, vivessem com maiores
obrigações de vassalos, como também de católicos, por ser informado
que uma e outra cousa faltavam, por viverem muito dêles em logares
remotos, faltos da admistração da justiça, daí a razão de viverem
absolutos e destemidos, cometendo grande obstinações e delitos,
para cujo fim era êle dito coronel enviado pelo sr. vice-rei capitão
general dessa terra e mar deste estado, a formar está vila, para este
meio se ficarem evitando todos os sobreditos inconvenientes, como
também os que os moradores dele e seus arredóres e circunvizinhos
padeciam em seus pleitos e demandas indo a contender na primeira
vila, de N.S do Rosario do Porto da Cachoeira, com notável moléstia
e descômodo seu, risco de suas vidas e pessoas: e logo dito pelo
coronel foi dêles sabido e informado qual era o logar mais conveniente
e proporcionado para eligir e eregir a dita vila, na fórma de delegação
e comissão que tinha o exmo. sr. capitão deste estado expressa ordem
de s.m. E vista ponderadas por êles todas as regiões neste termo
alegados, concordaram e vieram que se vinha edificar, pois era, em
utilidade do bem público e assim eles como fiéis vassalos do s.m, que
Deus Guarde, aceitavam de muita bôa vontade esta sua determinação,
e outro sim concordaram com o dio coronel Pedro Barbosa Leal se
erigisse a dita vila no logar e terreno que está entre a missão de N.S.
das Neves e Boqueirão das serras, por onde vai caminho para as
Caráibas, e para o logar que onde exista a Igreja de s. Antonio, matriz
da dita Jacobina, principiando de uma baixa que está na casaria da
aldeia de uma dita missão para a parte do suéste, até o alto vai para o
ditp boqueirão das serras, por ser o terra plano mais enxuto e lavado
do ares, e ficar em meio das principais águas que tem o dito sítio e
logar, como comodidade dos moradores da dita vila e mais pessôas
que a ela vieram comerciar e tratar de outros negócios e de seus
pleitos, podessem largar os seus cavalos a pastar e poderem ter suas
criações, ter pedra necessária e perto para ser conduzida às obras
que daqui em deante se haviam de edificar, o que em outra e qualquer
parte seria mais penoso, e com mais duplicados gastos e despesas,
assim desses do mais materiais necessários para as ditas obras, como
ser este sitio mais aberto e livre de serras, com boas servidões para
carros e outras quaisquer carruagens para a condução de mantimentos
e viveres para o povo da dita vila, com vizinhanças da estrada real por
onde desce as boiadas e comercio da capitania do Piauí e rio s.
Francisco, e por outras circunstâncias ponderadas e consideradas
pelo dito coronel, as quais já havia exposto ao exmo. sr. vice-rei e
capitão general dêste estado: e de como assim determinou,
concordaram e convieram os moradores ditos, mandou o dito coronel
aqui neste livro fazer este termo, para a todo tempo do sobredito
constar, em o qual êle, com todo os que à dita consulta e determinação
assistiram, assinou junto comigo o escrivão, que de todo o referido dou
minha fé- E eu João Alves Lima, escrivão das diligencias de Jacobina,
que o fiz e o escrevi. - João Alves Lima Pedro Barbosa Leal, Miguel
Félis Brandão (ou Barreto?), Domingos Pereira Machado (ou
Macedo?) Francisco da Costa Medeiros, André Rodrigues Soares,
Matias Fermandes de Carvalho, Bechior Barbosa Lobo, Francisco
Prudente Cardoso, Antonio Pinheiro da Rocha, Francisco de Brito
Vieira, Antonio Fernandes, Bento da Silva de Oliveira, Felisardo
Ribeiro, Manoel Pinto de Araújo, Tomás Vieira, João Gonçalves de
Souza, Domingos Rodrigues de Miranda, Paulo Nunes de Aguiar,
Inácio Faleiro Velho, Eusebio de Souza Diniz, Hilario Viegas, Domingos
Mendonça, Joaquim de Brito Carvalho, Miguel Correia de Aragão,
Antonio Marques Nogueira, Antonio Duarte de Siqueira. (COSTA,
1918, v. 2, p. 239-241.)

Ata de transferência da Vila:

Ano de nascimento de N.S. Jesus Cristo de 1724, aos 5 dias do mês


de junho do dito ano, nêste arraial da missão do senhor Bom Jesus de
Jacobina, nas casas onde está aposentado o doutor Pedro Gonçalves
Cordeiro Pereira, do desembargo do s.m., que Deus guarde, seu
ouvidor geral, pelo dito senhor, aí mandou perante se os oficiais da
câmera, nobreza e povo chamado por pregões, e estando presente
todos os abaixo assinados, lhe propôs em como s.m., que Deus
guarde, lhe concedera que erigisse e creasse uma vila nos distritos e
minas dessa Jacobina, por carta sua de 5 de agosto de 1720, escrita
ao exmo.sr. Vasco Fernandes César de Menezes, vice-rei e capitão
general de mar e terra do estado, em observância da qual carta e
resolução real, mandara o dito senhor a estás minas à dita diligencia o
coronel Pedro Barbosa Leal com as ordens, da quais as cópias é a
seguinte --, Porquanto s. m., que Deus guarde, em carta firmada pela
sua real mão de 5 de agosto de 1720, foi servido ordena-me mandasse
um ministro a Jacobina estabelecer uma vila com seu magistrado,
permitindo áqueles moradores e aos que se acharem minerando em
todo o dito distrito, podessem livre e desembaraçadamente usar de
batêas e tudo que conduzisse para a lavra do ouro e utilidade comum,
pegando-se lhe os quintos dele por batêas, para cujo efeito mandei o
desembargador Luis de Siqueira da Gama áquele distrito, e porque
adoeceu no caminho, de maneira que se impossibilitou de continuar a
jornada, o mandei recolher a está cidade, havendo já janela noticias
mui confusas e opostas umas às outras, em ordem de haver ou não
ouro na mesma Jacobina: e por me parecer justo fazer todo o exame
de matéria de tanta consideração, antes de executar o estabelecimento
da vila e seu magistrado, me resolvi a encarregar desta diligencia ao
coronel Pedro Barbosa Leal, em não só concorrem zêlo, atividades e
desinteresse, mas todos os mais atributos que o fazem digno da
confiança que faço da sua pêssoa, lhe ordeno parta prontamente para
a dita Jacobina, onde mandará publicar o bando que leva e nela faça
exame do número de batêas e das pessoas que hoje compõem àquele
sitio, nomeando um guarda-mór para repartir as datas, um tesouro
receber para os quintos e um escrivão para lançar as receitas deles,
sendo as escolha destes sujeitos em pessôas indôneas e capazes
daquelas ocupações, entregando ao que nomear para o tesoureiro o
cofre que leva, ficando este com uma chave, o escrivão com outra e o
guarda-mór com outra e com dois livros que dos três que tambem leva,
para neles lançar o dito escrivão a receita e despesa do tesoureiro e
fazer as mais clarezas necessarias, e o outro mandara entregar ao dito
guarda-mór para a repartição das datas. E como s.n se faz credor dos
quintos de todo o ouro, que se negou desde o dia da concessão,
perdoando generosamente aos que delinquiram, obrando contra os
seus decretos e ordens deste governo, o coronel Pedro Barbosa Leal
fará por em arrecadação os ditos quintos, cobrando se pouco ou mais
ou menos pro-rata de cada uma das batêas, elegendo para alguns
árbitros desinteressados e, depois de feita está diligencia e as mais
que forem concernentes a está matéria, me dará conta por um correio,
passando-se logo ao rio das Contas onde fará todo o exame para se
averiguar se passa bem o ouro e as batêas que mineraram, e o estado
daquela república da qual mandará lançar o bando incluso, e em
virtude dêle se cobrarão os quintos que voluntariamente oferecerão
aqueles mineiros e mais pessôas assistentes nas ditas minas, como
se deixa vêr dos documentos juntos, e depois de cobrados os ditos
quintos se restituirá a Jacobina até lhe ordenar o que deve fazer,
porque me parece ociosos individualizar circunstancias, deixo as mais,
que não exprimo, à sua disposição, não duvidando que em tudo sobre
que maneira que se faça credor das reais atenções com que s.m,
costuma remunerar os serviços dos vassalos que servem com o zêlo
que experimentou sempre em o coronel Pedro Barbosa Leal, Baía, 28
de abril de 1721.—Vasco Fernandes César Menezes.

Em virtude das tais ordens o dito coronel Pedro Barbosa Leal erigira a
vila para os mineiros e mais moradores dêste distrito de Jacobina, em
a missão de N.S das Neves do Saí, e na mesma mandara levantar
pelourinho, em sinal de ser ali a dita vila, cuja diligencia, fizera em 24
de junho de 1722, e ordenando o dito exmo. sr. vice rei dêste estado,
por portaria sua de 15 de fevereiro de 1724, a êle dito ouvidor geral da
comarca se passasse á vila novamente erecta de Jacobina, e na
mesma fizesse o que se continha na dita portaria, o trabalho é o
seguinte – “Portanto a vila de s. Antonio, novamente erecta na
Jacobina, na jurisdição desta comarca e se faça preciso que o ouvidor
geral dela passa logo a fazer as diligencias que forem mais
convenientes, não só para as boas arrecadações dos quintos,
administração da justiça e estabelecendo daquele magistrado, senão
também para obviar ás desordens que podem acontecer da pouca
união de alguns daqueles moradores; ordeno a Pedro Gonçalves
Cordeiro Pereira, ouvidor geral da comarca, parta sem demora alguma
á dita vila, procurando executor de tudo o que lhe parecer conveniente,
afim de que se logre está utilidade, que tire uma exacta devassa dos
seus procedimentos e de todos os mais que houverem cometido culpa,
que pela lei seja de devassa , procedendo contra êles na fórma da
mesma lei.E considerando que nos seus oficiais não dá aquela
coacção que baste para sujeitar os delinquentes, mando que os oficiais
de milícias, não daquele regimento, mais de todos os mais
circunvizinhos lhe obedeçam e sigam suas ordens , não duvidando que
em tudo que pertencer ao serviço do el-rei e ao interesse da real
fazenda, e bem público dos seus vassalos, obra não só com o assêrto
que costuma, mas de maneira que se faça credor das atenções de
s.m... que Deus guarde, Baía, 15 de fevereiro de 1724.—Vasco
Fernandes Cézar de Menezes.”

E chegando a êle dito ouvidor geral ao sítio da missão de N.S das


Neves do Saí, vira o logar onde se vira erigido a vila de Santo Antonio
de Jacobina pelo coronel Pedro Barbosa Leal, o qual era muito distante
notoriamente das minas e distrito onde os mineiros, que foram o que
impetraram a concessão da dita vila trabalhara e assistem, e que com
dificuldades podiam vir litigar dela, por ficar em distância de mais de 21
leguas, faltando no mesmo tempo a tirarem ouro de suas lavras, com
grande prejuiso da fazenda real, além de outros incômodos muitos que
padeciam, por não haverem moradores ou povoação alguma na dita
vila, ne também oficiais de justiça que nela quisessem assistir pelo dito
lucro que tiravam, sendo também muito dificultoso o poderem ir á
mesma tratar de suas causas no tempo do inverno, por sua causa e
motivo, antes queriam perder que com detrimento e prejuízo seu e da
fazenda real irem em assistir em dita vila: o que dito êle doutor ouvidor
geral viu por alguns processos que reviu nas tardanças nas mais
causas que ocorriam, não sem prejuízos dos litigantes, e dando disto
contra o exmo. sr. rei dêste estado, por carta 8 de abril dêste presente
ano, fôra o mesmo senhor servido ordenar-lhe por carta sua do dia 26
do mesmo mês, que mandasse pôr o pelourinho e fazer câmara parte
onde se curassem os moradores da opressão e distancia que
padeciam, de cujo capítulo da carta cópia é o seguinte:

“quando foi coronel Pedro Barbosa Leal a essas minas erigir vila por
minha ordem, lhe encarreguei elegesse o sítio mais capazes e próprio
de se utilizarem êsses moradores: depois de erecta a dita vila algumas
queixas me chegaram a respeito da distância, por cuja causa
dificultaram os recursos, mas como o meu fim não seja outro mais que
evitar êsses moradores o incômodo, v.m. os ouça e mande pôr o
pelourinho e fazer a câmara, em parte onde os livre da opressão da
distancia’’...
Em observancia da qual ordem, êle dito ouvidor geral da comarca
passara vêr o sítio que chamam do Coqueiro, que eram um dos que
alguns moradores e mineiros lhe apresentaram para nêle erigir a vila,
e chegando ao dito sítio e examinando-o, o achou incapaz, e que
seguiram não menos incômodo que no em que a dita vila está situdada,
por não ter moradores nem ficar no meio das minas, em que os mineiro
pudessem tratar de suas causas e recolher no mesmo dia para suas
casas; ao que tendo respeito e consideração, resolveu erigir e crear a
vila nêste sítio e arraial do Senhor Bom Jesus, por ficar em meio as
minas em muitas convenções para os litigantes, por poderem se
recolherem ás suas casas em ao mesmo dia que viessem tratar das
suas demanda, e procurassem seu recurso, além de haverem nêste
sítio mais de trinta e tantos moradores, afóra as aldeias dos indios e a
igreja para poderem ouvir a missa e assistirem os oficios divinos, e ser
logar mais frequentado de gente, com uma estrada comum para o rio
s. Francisco, Arraial e Minas Gerais, e com efeito fez e creou vila no
dito sítio com o nome s. Antonio de Jacobina, e ordenou que nela
fizessem ou comprassem casas para audiencia e câmara, e que se
fizessem cadeia para nela se recolherem os deliquentes e criminosos
e que os oficiais de justiça residissem nela continuamente, e que todos
os moradores a tivessem e reconhecessem por vila de hoje em deante
e fosse logar e fôro público, para se tratarem as causas e litigio, e os
moradores assim o tivessem entendido.

O que tudo fez e obrou depois de ouvir os oficiais da câmara, nobreza


e povo, que todos e a maior parte deles convieram na determinação
dêle dito doutor ouvidor geral, depois de ponderadas razões acima
ditas em em sinal de que o dito sítio era vila, mandou pôr o pelourinho
levantado nêle, o que logo se executou com aclamação dos moradores
, tudo na forma que se prática e usa em semelhantes creações da vila,
cujo pelourinho se pôs em um terreno que fica servindo de praça e
lugar público, defronte das casas de sua aposentadoria, e ordenou
juntamente que em um monte que fica defronte da mesma praça se
levantasse uma fôrca, para com o horror dela se não contessem delitos
e servisse de terror para os mesmos delinquentes, sabendo que nela
poderiam ser castigados, e mandou lançar pregões pelos porteiros de
que o dito sítio estava erigido em vila, e de tudo mandou fazer êste
auto erecção e nova creação de vila, que assinou sendo, presente os
oficiais da camara, nobreza e povo que tambem assignaram. E eu
Bernardo Botelho Freire, cordeiro como juiz, Miguel Félis Barreto (ou
Brandão), como juiz Domingos Pereira Macedo (ou Machado), o
vereador André Rodrigues Soares, o vereador Pedro Martins Brandão,
o procurador do Conselho Francisco da Costa Nogueira, o escrivão da
Câmara Inácio Leito, Francisco Prudente Cardoso, João de Sousa
Arnaud, Cristovám Ribeiro de Novaes, Manoel Lopes Chagas, Gaspar
Alvares da Silva, Bento da Silva Oliveira, Manuel de Araújo Costa,
Manoel Rodrigues Brandão, Diogo da Costa Feijó, Domingos Pereira
Lobo, Francisco Nunes Ferreira, Manuel da Costa Sousa, José Gomes
Coelho, Domingos Ferreira Monteiro, João Rodrigues Brandão,
Francisco de Sousa do Sacramento, Manoel Ferreira, José Ferreira
Velho, Francisco Pereira, Manoel José, Manoel de Sousa, Jeronimo
Fialho Pereira. (COSTA, 1918, v. 2, p. 242-246.)
A Câmara Municipal

A existência da Casa de Câmara era uma prerrogativa apenas para os


municípios dentro da estrutura administrativa do Império Português naquele
século XVIII. O advogado, cientista social e jornalista Victor Nunes Leal em sua
clássica obra Coronelismo, Enxada e Voto, afirma que:

Somente nas localidades que tivessem pelo menos a categoria de Vila,


concedida por ato régio, podiam instalar-se as câmaras municipais, cuja
estrutura foi transplantada de Portugal [...]. A câmara propriamente dita
compunha-se de dois juízes ordinários, servindo um de cada vez, ou do
juiz de fora (onde houvesse) e dos três vereadores. Eram também
oficiais de câmara com funções especificadas, o procurador, o tesoureiro
e o escrivão, investido por eleição, da mesma forma que os juízes
ordinários e os vereadores. A própria câmara é que nomeava os juízes
de vintena, almotacés, depositários, quadrilheiros e outros funcionários
(LEAL, 1997, p. 81).

A foto abaixo mostra a imagem frontal da Casa de Câmara e Cadeia no início da


década passada. Ela foi erguida logo após a transferência da vila, em 1724, e é
um dos poucos prédios arquitetônicos datados do século XVIII ainda de pé na
cidade.

Foto: Autor desconhecido, Década de 1920.


As câmaras municipais, antes da implantação de república, tinham funções mais
abrangentes do que na atualidade. Victor Nunes Leal diz que após a lei de
organização municipal no Brasil a partir de 1828, suas funções permaneceram
enormes:

As funções administrativas das câmaras eram bastante amplas e vinham


enumeradas com minúcia. Cabia-lhes cuidar do centro urbano, estradas,
pontes, prisões, matadouros, abastecimento, iluminação, água, esgotos,
saneamento, proteção contra loucos, ébrios e animais ferozes, defesa
sanitária animal e vegetal, inspeção de escolas primárias, assistência a
menores, hospitais, cemitérios, sossego público, polícia de costumes,
etc. (LEAL, 1997, p. 94)

A Comarca

A comarca de Jacobina foi a primeira e mais importante dos sertões baianos no


século XVIII.

Afonso Costa (1918) comenta que entre 1710 a 1721, quinhentos e trinta e dois
homicídios foram praticados com armas de fogo nas áreas de garimpo, somente
baixando o índice após a criação da Vila.

Em carta ao rei, em maio de 1734, o Conde de Sabugosa escreve a necessidade


da criação de uma comarca na Vila de Jacobina para conter a ação dos
criminosos. Em 3 de julho de 1743 através de Carta Régia foi instituída a
comarca.
Termo de criação da Comarca de Jacobina pelo desembargador
Manoel da Fonseca Brandão, em 04/02/1743

Território sob o domínio da Vila de Jacobina

O território administrativo de Jacobina era muito extenso quando da sua criação


pelo rei em 1720, como mostra o primeiro mapa abaixo. Com os sucessivos
desmembramentos do território através das emancipações de novos municípios,
a área de atuação do município de Jacobina foi reduzindo como deixa ver os três
mapas seguintes.
SEI – Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia
Fonte: VIEIRA FILHO (2009).

A Cidade

Depois de cento e sessenta anos do decreto real que autorizava a criação da


vila, através da Lei Provincial nº 2.049, de 28 de julho de 1880, a sede do
município foi elevada à categoria de Cidade com o nome de “Agrícola Cidade de
Santo Antônio de Jacobina”. Como cidade, ela passaria a ter a figura de um
intendente. Entretanto, a instalação administrativa da Cidade ocorreu somente
em 11 de janeiro de 1893, tendo como seu primeiro intendente o português
Antônio Manuel Alves de Mesquita.

Como os antigos comemoraram o aniversário de Jacobina?

Com o propósito de demonstrar como em alguns momentos as administrações


municipais comemoraram o aniversário da cidade, destaco abaixo algumas
passagens em jornais e revistas que dão conta dessa questão.

Na edição de número 258, de 18 de junho de 1922, o jornal Correio do Sertão


destaca em sua primeira página uma nota que indica que o município se
preparava para comemorar o seu bi-centenário de existência: “Conforme
programas distribuídos, terá logar em 24 do corrente na vetusta e florescente
Cidade de Jacobina, a commemoração dos seus 200 anos de fundação.”

Naquela ocasião esteve na cidade o eminente historiador jacobinense, Afonso


Costa, representando o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia para participar
das solenidades festivas. Dois anos depois, o historiador publicou um artigo na
revista do Instituto fazendo abordagem dos duzentos anos de fundação da Vila
e daquele momento festivo pelo seu bi-centenário: “Por cinco dias, de 20 a 24
de junho de 1922, a cidade esteve em festas, como tão significativas nunca
realizara. De todos os districtos, dos municípios vizinhos, vieram gentes”.
(COSTA, 1924, p. 277)
Correio do Sertão, n 258, de 18/06/1922, p.1
Fonte: Acervo Digital NECC/UNEB

Pelos levantamentos realizados através da imprensa sobre outras datas


comemoradas, localizei que a partir do ano de 1973 a cidade estar se preparando
para festejar sua data de elevação à cidade, conforme matéria publicada no
jornal A Palavra, na edição nº 9, de 28 de julho de 1973. Ali se nota o fato de
estar comemorando a data de elevação à cidade, e não emancipação política
como atualmente vem sendo equivocadamente mencionado, seja pelas
administrações e imprensa de maneira em geral.
Jornal A Palavra, nº 9, de 28/07/1973, p. 1.
Fonte: Acervo Digital NECC/UNEB

Outros municípios na Bahia que estavam comemorando equivocadamente a


elevação à cidade como data de fundação corrigiram suas datas através de
iniciativas do executivo ou legislativo. Foi o que fez o município de Rio de Contas
que fixou nova data de Emancipação Político Administrativa em 1997 através de
Lei nº16/97 aprovada em sua Câmara Municipal e sancionada pelo prefeito
Pedro da Rocha Reis Filho. Feira de Santana fez o mesmo em 2001 mediante
projeto de lei aprovada em sua Câmara Municipal, conforme noticiado pelo jornal
A Tarde, de 16 de junho de 2001.
Conclusão

Após leitura de pesquisas e documentos aqui apresentados, chega-se à


conclusão que o município de Jacobina surgiu em data anterior à de 28 de julho
de 1880, época de sua elevação à cidade. Mas também que não houve um
processo de emancipação política quando da sua criação, como muitos
municípios nos sertões baianos, ou seja, através de um decreto do rei de
Portugal foi fundado um novo município, o primeiro dos sertões da Capitania da
Baía de Todos os Santos não estando anteriormente vinculado a nenhum outro.
Nesse sentido, é preciso que a Câmara de Vereadores e a Prefeitura Municipal
aprove e sancione Projeto de Lei que institui a data de sua fundação, a meu ver
em 24 de junho de 1722, como marco inicial do município de Jacobina como
forma de corrigir esse apagamento na sua memória histórica. Esse é o
entendimento defendido também por corpo de professores/pesquisadores
vinculados ao curso de História da UNEB/Campus IV e ao Núcleo de Estudos de
Cultura e Cidade/NECC.
Arquivos e centros de documentação consultados pelos pesquisadores
citados

AHU – Arquivo Histórico Ultramarino

ACSF – Arquivo do Convento Franciscano da Paróquia de Santo Antônio de


Campo Formoso

APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia

APMP - Arquivo Público Municipal de Jacobina

BNRJ – Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

BMAC - Biblioteca Municipal Afonso Costa

DH – Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro

IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro

IANTT- Instituto dos Arquivos Nacionais Torre do Tombo

MHN – Museu Histórico Nacional

NECC – Núcleo de Estudos em Cultura e Cidade

Bibliografia consultada

CARVALHO, Fábio Oliveira de. Busqueda e explotación de metales en el


Brasil Colonial: La colonización de los sertões de Jacobina - Bahía entre los
siglos XVI – XVIII. Tesina em Estudios Latino Americanos. Madrid: Universidade
Autonoma de Madrid, 2010.

CONCEIÇÃO, Hélida Santos. O sertão e o império: As vilas do ouro na


Capitania da Bahia (1700-1750). Tese em História. Rio de Janeiro: UFRJ, 2018.

COSTA, Afonso. “200 anos depois: a então Vila de Jacobina”. In Revista do


Instituto Geográfico e Histórico, Bahia, n. 48, 1923.
COSTA, Afonso. “Minha terra: Jacobina de antanho e de agora”. In Anais do
Congresso Brasileiro de Geografia, 5, Bahia: Imprensa Oficial do Estado,
1918, v. 2.

COSTA, Afonso. “Vida eclesiástica (História da Jacobina)”. In Jornal do


Commercio. Rio de Janeiro, 31 de agosto de 1952, p. 4.

LEAL, Victor Nunes. Coronelismo, enxada e voto: o município e o regime


representativo no Brasil, 3 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1997.

LEMOS, Doracy Araújo. Jacobina sua História e sua gente. Publicação da


autora, 1995.

OLIVEIRA, Valter de. “Offereço meu original como lembrança”: circuito social
da fotografia nos sertões da Bahia (1900-1950). Salvador: EDUNEB, 2017.

OLIVEIRA, Valter Gomes Santos de. Revelando a cidade: imagens da


modernidade no olhar fotográfico de Osmar Micucci (Jacobina, 1955-1963).
Dissertação de História. Salvador: UFBA, 2007.

SANTOS, Solon Natalício Araújo dos. Diáspora indígena no sertão das


Jacobinas (1673-1706). Dissertação em História. Salvador: UFBA, 2010.

SANTOS, Vanicléia Silva. As bolsas de mandinga no espaço Atlântico: século


XVIII. Tese em História. São Paulo: USP, 2008.

VIEIRA FILHO, Raphael Rodrigues. Os negros em Jacobina (Bahia) no século


XIX. São Paulo: Annablume, 2009.

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