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TENDÊNCIAS E REFLEXÕES A clínica da dor crônica como ninho de pacientes

difíceis: o papel da identificação projetiva


Chronic pain clinic as a haven for difficult patients: the role
of projective identification

João Paulo Consentino Solano1

RESUMO
Pacientes difíceis - ou de personalidade difícil - são frequentemente encontrados na clínica da
dor crônica não-oncológica, impondo à relação médico-paciente sobrecargas que vão além das
complexidades da doença e do tratamento. Esta revisão/relato de experiência discute o papel
que o processo psicológico e comunicacional da identificação projetiva exerce sobre as relações
entre pacientes e médicos (e outros profissionais) nas equipes de dor crônica. São revisados os
conceitos de identificação projetiva, na sua forma benigna e maligna. Duas vinhetas clínicas são
dadas como exemplos de cada uma. São apresentadas situações no cenário da comunicação
médico-paciente em que a identificação projetiva opera complicando a relação terapêutica. Ao
final, recomendações são dadas sobre o manejo do paciente difícil que se comunica maciçamente
por identificação projetiva, assim como às equipes multiprofissionais que lidam com estes
pacientes. Os pacientes difíceis de nossa clínica de dor crônica têm em comum o fato de se
comunicarem pela forma maligna de identificação projetiva e terem organizações imaturas de
personalidade. Nas equipes de dor crônica, as relações entre pacientes e profissionais (assim
como as relações entre os profissionais), podem ser otimizadas se a equipe for capaz de identificar
precocemente o fenômeno da identificação projetiva e manejá-lo de forma terapêutica. Para o
paciente, a psicoterapia de longo prazo é o tratamento de eleição.

Palavras-chave: Dor Crônica, Dor Intratável, Projeção, Identificação (Psicologia), Transtornos da


Personalidade

ABSTRACT
Difficult patients - or those with difficult personalities - are frequently encountered in the treatment
of chronic non-oncologic pain, overburdening the doctor-patient relationship far beyond the
complexities of their illness and treatment. The present review/experiential report discusses the role
that projective identification, as a psychological process of communication, puts the doctor-patient
relationship in within the multi-professional chronic pain team. The concepts of projective
identification are reviewed both in their benign and their malignant forms. Two clinical vignettes
exemplify each of them. Some situations in the setting of doctor-patient communication are
presented in which projective identification appears and complicates the therapeutic relationship.
Some recommendations are offered regarding the handling of patients that communicate mainly
by means of projective identification, and some ideas are offered to the multi-professional team.
In our chronic pain clinic, difficult patients as a whole seem to prefer to communicate by means
1
Psiquiatra da Equipe de Controle da Dor do of a malignant form of projective identification and present with immature types of personality
Hospital das Clínicas da FMUSP, Professor Centro organizations. Within the chronic pain teams, doctor-patient relationships (as well as relations among
Universitário São Camilo. the professionals) can be enriched if projective identification is detected early and appropriately
handled. Long-term psychotherapy is the treatment that should be chosen for such patients.
Endereço para correspondência:
Equipe de Controle da Dor/Divisão de Anestesia do Keywords: Chronic Pain, Pain, Intractable, Projection, Identification (Psychology), Personality Disorders,
ICHC-FMUSP
Physician-Patient Relations
João Paulo Consentino Solano
Av. Dr. Enéas de Carvalho Aguiar, 155 -
8º andar - Bloco C
São Paulo - SP
CEP 01246-903
E-mail: joaopaulocsolano@uol.com.br

Recebido em 21 de Novembro de 2014.


Aceito em 20 Fevereiro de 2015.
DOI: 10.5935/0104-7795.20150010

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Acta Fisiatr. 2015;22(1):43-50 Solano JPC
A clínica da dor crônica como ninho de pacientes difíceis:
o papel da identificação projetiva

INTRODUÇÃO eles. Tem-nos ficado cada dia mais claro que há desse desconforto (seja pela amamentação,
um denominador comum no funcionamento pelo provimento de calor, por simplesmente
Equipes que trabalham com pacientes mental dos pacientes difíceis: a imaturidade pegá-lo etc), aos poucos se cria uma comu-
com dor crônica geralmente se deparam da personalidade. Tal imaturidade parece le- nicação circular entre os dois. Pela repetição,
com situações disfuncionais na relação en- var tais pacientes a se comportarem com me- tal comunicação será refinada a cada dia e, se
tre paciente e um (ou mais de um) membro canismos relacionais extremamente arcaicos, tudo correr bem no processo, a mãe saberá,
da equipe. Na medicina, já de longa data primitivos, próprios da vida infantil precoce - depois de algum tempo, qual é a necessida-
se discutem formas de aprimorar o manejo sendo o principal destes mecanismos a identi- de do bebê - isto é, fica fundado um efetivo
dos - assim chamados - pacientes difíceis ou ficação projetiva. código de comunicação não-verbal entre am-
pacientes-problema. Estima-se que 15% dos O presente artigo traz uma revisão sobre bos. Ou seja, o bebê sinalizou para sua mãe o
encontros médico-pacientes em ambulató- o papel que a identificação projetiva desem- seu sofrimento de um lado; de outro, graças a
rios de medicina geral sejam difíceis ou pro- penha na construção de relações difíceis entre ter ficado angustiada, a mãe soube diagnosti-
blemáticos.1-3 Para Hahn, os pacientes difíceis pacientes e médicos (ou outros profissionais) car o sofrimento e resolvê-lo.
tendem a apresentar muitos sintomas psicos- nas equipes de dor crônica. São incluídas duas Autores que aprofundaram o entendimen-
somáticos, além de um estilo “abrasivo” de vinhetas clínicas (fictícias) que exemplificam a to desta comunicação pré-verbal entre mãe
personalidade que frequentemente os colo- identificação projetiva. Espera-se que, com o e bebê propuseram a seguinte equação:8-13 o
ca como preenchendo critérios diagnósticos texto, os membros das equipes de dor se tor- sofrimento/angústia que era do bebê foi se-
para um transtorno de personalidade.4 nem mais hábeis para identificar o fenômeno parado da noção de si-mesmo (self do bebê) e
A clínica de dor crônica, especificamente precocemente e manejá-lo de forma terapêu- passou a ser vivenciado pela mãe; a mãe pas-
a dor crônica não-oncológica, é uma das es- tica (ou menos disfuncional) para as partes sou a se comportar - ainda que inconsciente-
pecialidades que mais congrega pacientes envolvidas. mente - como se o sofrimento fosse dela. Isto
difíceis, pois estes pacientes têm tendência a é, graças à identificação com o sofrimento do
se apresentarem com raiva, rigidez de perso- outro como sendo seu próprio, surgiu um efe-
nalidade e comportamentos arrogantes.5 Os MÉTODO tivo manejo para tal sofrimento. Enquanto isto,
pacientes difíceis mais graves já foram qualifi- o bebê (o emissor da comunicação ou projetor)
cados de “pan-sintomáticos”, pois apresentam Os termos chronic pain e projective iden- pode-se sentir aliviado e um pouco descansar
uma vasta plêiade de sintomas, em múltiplas e tification foram combinados para buscas nas de uma dor que lhe estava sendo intolerável.
complexas combinações, além de comumente bases eletrônicas SciELO, MedLine, Embase, De fato, a mãe (receptora da comunicação),
externarem raiva de seus tratadores.6 Entre Cochrane Library, Web of Science. por ter um ego mais forte, sabe o que fazer
pacientes com dor crônica também são fre- Qualquer artigo em português, espanhol para amainar a dor/sofrimento/angústia de seu
quentes comportamentos destrutivos, como ou inglês poderia ser incluído, desde que discu- bebê. Portanto, identificação projetiva recebe
ameaças e tentativas de suicídio, automutila- tisse um possível papel da identificação projeti- este nome porque o bebê projetou em sua mãe
ções, falta de adesão ao tratamento propos- va no cenário de atendimento a pacientes com algo que era seu, e a mãe identificou-se com
to e abuso ou dependência de opiáceos. Tais dor crônica. Apenas três artigos foram encon- essas partes projetadas como se fossem dela,
pacientes são, em geral, hiper demandantes e trados. Após a leitura dos resumos, apenas um sentindo, pensando ou agindo de acordo.
muitos profissionais de saúde se sentem exau- foi elegível de acordo com o critério de inclusão O processo que leva o psiquismo infantil
ridos ao trabalhar em ambulatórios de dor adotado, tendo recebido leitura integral. a se organizar separando coisas boas das coi-
crônica não-oncológica.5 Esta primeira estratégia de busca, por ter sas ruins (ou seja, vivências gratificantes das
Groves, um dos pioneiros na tentativa de recuperado um número muito pequeno de ar- vivências frustrantes) recebe o nome de cisão
categorizar os pacientes difíceis, propôs agru- tigos, foi substituída por uma em que: (a) a ex- ou clivagem (split).14 Faz parte da experiência
pá-los em quatro subtipos:7 (a) pacientes com periência do autor é relatada, após dois anos infantil precoce fazer uma leitura - tanto do
apego dependente ao médico (dependent de trabalho como psiquiatra em uma equipe self como do outro - de forma cindida, par-
clingers), que parecem ter necessidades inter- para pacientes com dor crônica; (b) textos dos cial: a mãe que gratifica é totalmente boa; a
mináveis de reasseguramento e se mostram autores que mais discutiram sobre identifica- mãe que falta (por exemplo, que se afasta por
como eternos desamparados; (b) os arrogantes ção projetiva no cenário da saúde são checa- um momento) é integralmente desvalorizada
demandadores (entitled demanders) que, ini- dos para a gradual construção de uma revisão como objeto perigoso, totalmente mau. Nos
cialmente dóceis, passam a ser agressivos e inti- narrativa sobre o tema; e (c) duas vinhetas clí- primeiros meses de vida, interessa à manuten-
midadores com o passar do tempo; (c) os rejei- nicas são apresentadas para ilustrar a opera- ção do bem estar do bebê que ele não perceba
tadores de ajuda (manipulative help-rejectors), ção da identificação projetiva no contexto da que estes seus impulsos opostos e radicais se
que usualmente não conseguem agradecer pela atenção a pacientes com dor crônica. dirigem a uma mesma mãe. Aquela parte de si
ajuda que recebem e sempre são pessimistas mesmo (self) ou do objeto (o outro, a mãe) que
sobre seu prognóstico; e (d) os autodestrutivos O conceito de Identificação Projetiva é vivida como sendo totalmente boa, perfeita,
(self-destructive deniers) que parecem sempre O conceito de identificação projetiva foi plenamente gratificante, está sendo vista sob
sabotar o tratamento com seus comportamen- cunhado por Klein a partir da observação da o processo conhecido pelo nome de idealiza-
tos de risco e/ou descumprimento sistemático comunicação não-verbal entre mãe e bebê8 ção. As partes de si mesmo ou do outro que
das prescrições. Em nossa experiência de psi- e logo aplicado ao cenário das relações en- estão sendo vistas como más ou perigosas es-
quiatra em uma equipe de dor crônica, temos tre terapeuta e paciente.9 Quando um bebê tão sendo desvalorizadas. Idealização e desva-
amiúde encontrado os subtipos de Groves e acusa um desconforto (pelo choro, por suas lorização são defesas muito comuns no início
identificado certo grau de sobreposição entre contorções etc) e sua mãe o ajuda a aliviar-se da vida e, quando o amadurecimento psíquico

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não ocorre, podem persistir de forma ruidosa (b) uma pressão subliminar é exercida que entendia que pela identificação projetiva
na vida adulta. Personalidades imaturas ten- do projetor sobre o receptor, para a criança pequena estabelecia o protótipo
dem a enxergar o mundo em preto-e-branco. que este experiencie o sentimento de uma relação agressiva que serve para
Muitas vezes, na clínica, vemos pacientes que projetado como seu próprio, e pense controlar, lesar ou possuir a mãe.8
idealizam seu médico ao extremo quando (no e reaja de acordo; A questão foi bastante explorada por Ro-
início do tratamento) pensam ter encontrado (c) fica criada uma ressonância afetiva senfeld12 e Ogden20 no cenário das relações
um amigo que lhes irá salvar de todas as suas entre os envolvidos: o estado afeti- entre pacientes adultos e seus terapeutas. A
dores e mazelas existenciais - somente para vo do receptor passa a espelhar o do forma “benigna” de identificação projetiva
depois desvalorizarem totalmente este médi- projetor; acontece um borramento resulta no refinamento da comunicação em-
co quando se sentirem frustrados, quer com o dos limites entre os dois, de forma pática entre paciente e terapeuta (Quadro 1).
tratamento, quer com a “amizade”. que não se sabe mais a quem perten- Já a forma “maligna” serve tão somente para
Bion entendia a identificação projetiva cia, originalmente, os sentimentos de que o paciente expulse tudo o que sente
como uma forma de comunicação primitiva ansiedade ou vergonha insuportá- como execrável (amedrontador, estragado) de
mãe-bebê que é capaz de persistir na vida veis; se o receptor souber agir sobre dentro de si, utilizando o outro (o terapeuta)
adulta em muitas relações interpessoais, como os conteúdos projetados (em vez de como uma grande lixeira. Neste segundo caso,
a relação entre terapeuta e paciente.10 Para só ser alterado por eles), o projetor o paciente parece fazer uso do terapeuta sem
Bion, o conceito está intimamente associado poderá assumir tais conteúdos de sequer considerá-lo como uma pessoa (sem
ao fato de a criança usar sua mãe como um volta (de forma metabolizada pelo enxergá-lo), pois o que interessa é a evacua-
continente provisório para sofrimentos que receptor) e o borramento de limites ção rápida de tudo o que lhe causa dor ou des-
ainda lhe são intoleráveis. Esta noção ficou se desfaz. conforto. Certamente, nos primeiros meses de
conhecida como relação continente/conteúdo Esta dissecção do processo de identifica- vida, a mãe é utilizada como um receptáculo
na interação mãe-bebê. Graças à identifica- ção projetiva permite perceber o quanto ele é deste tipo. Os pacientes difíceis que temos
ção projetiva, pois, o bebê consegue manter diferente de uma simples projeção.18 Na proje- visto na clínica de dor crônica também pare-
a fantasia de estar extirpando de si (spliting ção, não existe borramento de limites entre as cem fazer uso costumeiro de seus médicos e
off) todos os seus conteúdos desagradáveis identidades de projetor e receptor, nem este terapeutas como receptáculos deste tipo. O
(fome, frio, angústia, dor) e alojando-os em último se sente pressionado a identificar-se Quadro 2a traz uma vinheta clínica que exem-
sua mãe. Para Bion, enquanto a mãe puder com os conteúdos nele projetados, ou pensar plifica uma situação de identificação projeti-
identificar-se com a angústia de seu bebê, ou comportar-se de acordo. Ou seja, na proje- va maligna que não foi bem manejada pelo
“assumindo-a” como sua e manejando-a, o ção, o receptor não participa, nem é alterado médico consultor.
bebê tem um tempo para digerir seus impul- pelo processo. Por exemplo, um indivíduo ra-
sos e emoções brutas, transformando-os em cista pode projetar num vizinho de outra etnia Identificação Projetiva na Clínica de
pensamento; portanto, é nesse intervalo que vários de seus próprios defeitos de caráter - Dor Crônica
nasceria e se fortaleceria a capacidade de mas o vizinho pode sequer saber disso. Entre Na clínica de dor crônica temos encon-
autoavaliar-se (insight) e pensar.9 os dois não existe um borramento de limites: trado pacientes muito difíceis. A observação
Ao estender o conceito de identificação pelo contrário, na projeção o projetor insiste cuidadosa desses encontros revela que, mui-
projetiva à relação terapeuta-paciente, Bion em se ver como diferente de seu vizinho, e tas vezes, a capacidade terapêutica do profis-
postulou que quando somos alvos da identi- melhor que ele. sional de saúde é desafiada e pode ficar se-
ficação projetiva (quando somos receptores), É fundamental ter em mente que, na riamente comprometida por formas malignas
assim como a mãe, precisamos funcionar tenra infância, é normal que o bebê use a de identificação projetiva. Abaixo, indicamos
como um continente provisório. Isto é, se identificação projetiva para livrar-se de des- algumas situações frequentes:
quisermos efetivamente tratar o paciente, confortos que seu ego imaturo não consegue
precisamos ter a tolerância de elaborar aqui- ainda conter e processar (dores, angústias, 1. O paciente que idealiza demais o seu
lo que em nós foi por ele inoculado - por mais sofrimentos). Se o indivíduo se torna um adul- médico ou o tratamento
execrável que seja - para depois devolvermos to, no entanto, e ainda faz uso vicariante da Profissionais de equipes de dor mui-
ao paciente tudo o que era dele, mas de for- identificação projetiva para comunicar-se com tas vezes se deparam com pacientes que os
ma abrandada, detoxificada, uma forma que o próximo, estamos diante de uma situação idealizam de forma extremada, ou idealizam
ele possa tolerar (por perceber não ser mais patológica - e muito encontradiça na clínica de intensamente o tratamento que lhes é pro-
tão perigoso). dor crônica. posto. Alguns desses profissionais podem
Vários autores propuseram uma forma di- perguntar se devem ou não ofertar amizade
dática em três passos para o entendimento da Identificação projetiva “benigna” e como a contrapartida da confiança que lhes
identificação projetiva:15-17 “maligna” está sendo oferecida pelo paciente. Alguns se
(a) o projetor tem a fantasia incons- Em artigo de revisão, Clarke lembra perguntam se devem dar telefones pessoais
ciente de que, podendo alojar um que a identificação projetiva pode servir ao paciente, se devem aceitar presentes etc.
sentimento doloroso (como ansieda- à construção de uma comunicação mais Infelizmente, o paciente que faz uso vicarian-
de, vergonha, por exemplo) dentro empática entre projetor e receptor, como te da identificação projetiva costuma alternar
de outrem, isto pode resultar que também pode servir como um ataque que momentos de idealização com momentos de
tais sentimentos se tornem mais o projetor faz sobre o receptor.19 Esta noção desvalorização - sendo ambas extremadas, já
toleráveis; de ataque era a mais enfatizada por Klein, que o paciente faz uma leitura do mundo em

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Quadro 1. Vinheta clínica sobre identificação projetiva “benigna” desconforto por abrigar uma raiva destrutiva
Um psiquiatra descreve que ficou atônito durante a primeira consulta da paciente A.C., de 45 anos, enquanto ela lhe lhe era intolerável - e ele precisou, de novo,
contava sua história. Dois anos antes, ela tinha perdido seu filho primogênito que nadava em uma represa, e sumira
diante dos seus olhos. E durante todo o último ano, ela tinha cuidado do filho que lhe restara durante a evolução de apartar de si coisas ruins para se preservar
uma doença metabólica. Ela lhe tinha dado os cuidados finais, em casa, aguardando que ele morresse em seus braços. portador de coisas boas ou merecedor de
O psiquiatra notou que a mãe falava do assunto de forma monotonal, enquanto ele se sentia cada vez mais oprimido,
quase ao ponto de desmoronar em lágrimas. Nas sessões seguintes, ele percebeu que tinha servido como um primeiro algo bom (isto é, para não permitir que sua
continente para a dor de sua paciente que, aos poucos, passou a falar com mais emoção de sua recente tragédia. destrutividade acabasse, em fantasia, com
os seus conteúdos bons). Um médico perce-
ber-se com raiva ou angústia - no lugar de um
Quadro 2a. Vinheta clínica sobre identificação projetiva “maligna” com manejo deficiente paciente impassível em seu semblante, inaba-
B.D., 45 anos, fazia acompanhamento em um grande hospital universitário, há vários anos, com diagnósticos de lável em suas queixas - é uma das cenas mais
tendinite, lombociatalgia, fibromialgia, adenomiose, endometriose, doença de Crohn, síndrome do cólon irritável e
cefaleia. Além do grupo de Dor, também era acompanhada pela Gastroenterologia, Ginecologia, Reumatologia, comuns na clínica da dor crônica.
Neurologia e Mastologia. Foi encaminhada ao psiquiatra para uma avaliação “urgente por depressão endógena,
ideação suicida, síndrome do pânico e transtorno bipolar”. Na primeira consulta psiquiátrica, também alegou sofrer
de insônia e nódulos na mama, disse ter tido nódulos no útero, ter feito tratamento para câncer e quase ter tido uma 3. Médicos paralisados no trinômio
trombose na perna. Disse que tinha dores desde que “se conhecia por gente”. Tinha antecedentes de várias tentativas medo-obrigação-culpa
de suicídio, tratamento psiquiátrico com um médico “amigo” e nenhuma internação psiquiátrica. Vinha fazendo uso
abusivo de benzodiazepínicos há anos. Tinha episódios em que se perdia nas ruas, percebendo-se após horas em Alguns pacientes, por identificação pro-
lugares diferentes do destino. Seu convívio com o marido e os dois filhos era disfuncional, marcado por altercações jetiva, conseguem deixar seus médicos e
verbais quase diárias. Referia antecedentes de traumas na infância, incluindo negligência e abusos físico e sexual. O
psiquiatra notou que seu prontuário era muito confuso e não trazia a confirmação de algumas de suas doenças: por terapeutas mergulhados e paralisados por
exemplo, havia várias colonoscopias normais. No exame psíquico, a paciente tinha um contato puerilizado, ideias sentimentos de medo (especialmente dos pa-
suicidas pouco estruturadas, verborragia, ansiedade e irritabilidade; não havia depressão de humor ou anedonia. O
psiquiatra não encontrou sustentação para os diagnósticos de síndrome do pânico ou transtorno bipolar e fez hipótese cientes hiper demandantes); de culpa (pelos
de transtorno borderline de personalidade. Nas consultas seguintes, o exame psíquico se manteve e o psiquiatra fracassos terapêuticos); ou de obrigações não
notou que a paciente tinha dificuldade em seguir as prescrições; também não trazia um familiar para anamnese
objetiva conforme lhe tinha sido solicitado. Num mês em que não teria consulta com o psiquiatra, B.D. apareceu no completamente quitadas para com o pacien-
ambulatório e solicitou um “encaixe”. Na consulta, foi eloquente em pedir que o médico lhe receitasse de volta um te (pois o paciente não melhorou totalmente,
benzodiazepínico, pois o hipnótico receitado não lhe estava fazendo dormir. Numa consulta mais rápida, o psiquiatra
acedeu. Na consulta seguinte, o psiquiatra encaminhou B.D. para psicoterapia e confrontou-a com suas dificuldades ou não melhorou conforme o esperado com
em seguir regras (por exemplo, ao usar as medicações de forma errática ou não ter trazido ainda um familiar para determinado procedimento). Forward cunhou
anamnese objetiva). Duas semanas após, a paciente apareceu (sozinha e muito angustiada) pedindo uma nova
consulta de “encaixe”. O médico, porém, disse que naquele dia não poderia atendê-la, pois havia muitos outros a expressão FOG para estes pacientes (Fear-O-
pacientes aguardando atendimentos previamente agendados. Mostrando uma escoriação no punho, a paciente bligation-Guilt), criando um acrônimo que faz
começou a chorar e a acusar o médico de não ser sensível para perceber seu grau de fragilização devido a suas dores,
problemas com o marido e filhos, e sua vontade de suicidar-se. Tirou uma cartinha de encaminhamento em que outra lembrar que o profissional mergulhado em fog
médica da instituição (que desconhecia o caso) também pedia o tal “encaixe”. Ao final, percebendo que o médico (névoa) enxerga cada vez menos o caminho a
não a atenderia, curvou-se perto de seu ouvido e lhe disse (num tom mais baixo, mas ainda chorando): “como pode?
o senhor acha normal uma paciente pensar todo dia em suicídio?”. O médico respondeu que não achava normal e, tomar na condução do caso de seu paciente.
por isto mesmo, tinha-lhe encaminhado para um tratamento multiprofissional, incluindo psicoterapia, no departamento Tendo sua visão obscurecida, o médico pode
de psiquiatria. Quando B.D. saiu da sala, o psiquiatra percebeu que tinha havido uma altercação entre os dois; e que
ele tinha ficado angustiado com a sensação de ter sido descoberto e acuado por uma paciente em seu local/horário ficar cronicamente considerando-se o “res-
de trabalho, num dia em que ele não estava pensando nela; percebeu-se com raiva da paciente e temeu que ela ponsável” pela inefetividade do tratamento.
poderia ter percebido sua raiva. Após ter atendido um ou dois pacientes, uma funcionária do guichê lhe disse que B.D.
estava na ouvidoria queixando-se dele – o que aumentou ainda mais a sua raiva. Nos dias que se seguiram, o médico A autora postula que estes pacientes são for-
perdeu o sono e sentiu-se várias vezes inclinado a ligar para B.D. Percebeu que temia ser punido pela ouvidoria do midáveis em suas capacidades de operar por
hospital, e temia que a paciente pudesse já ter cometido suicídio.
chantagem emocional, criando (e nutrindo)
silenciosa e subliminarmente esta tríade de
sentimentos desconfortáveis dentro do psi-
preto-e-branco, clivando suas experiências de algoz, é provável que outro membro da equi- quismo do médico.22
modo a alocar tudo o que lhe é “bom” e tudo pe já esteja assim sendo violentamente desva-
o que lhe é “mau” em compartimentos sepa- lorizado pelo paciente - o que poderá levar a 4. O médico sob controle remoto
rados. Somos da opinião que, nas equipes de dissensões na equipe de trabalho.21 Como o bebê que consegue fazer com
dor, os profissionais deveriam tomar bastan- que a mãe nunca termine suas lides e dele se
te cuidado para não “vestir” completamente 2. O paciente capaz de enfurecer o médico afaste, muitos pacientes conseguem sadica-
a fantasia de super heróis - por mais onipo- Quando um membro da equipe de dor se mente controlar seus médicos e terapeutas.
tentes que estejam se sentindo - pois, muitas vê às voltas para conter uma excessiva raiva Muitos médicos percebem que, dias ou se-
vezes, far-se-á em queda livre a derrocada da que sente do paciente, é bem provável que ele manas após passada a consulta, continuam
posição de salvador para a posição de algoz do esteja identificado com aspectos maus, estra- pensando em como resolver os sofrimentos
paciente sofredor. Na relação com estes pa- gados, repulsivos e destrutivos que o pacien- do paciente (mesmo quando estão com seus
cientes, a vivência do médico de ser um salva- te, por identificação projetiva, inoculou nele. amigos e parentes em atividades externas à
dor (onipotência) foi, em geral, nele inoculada Nalgumas vezes, o profissional está experi- profissão).23 Por vezes, acontece de uma alta
por identificação projetiva. Tal médico pode mentando exatamente uma raiva brutal que ter que ser adiada, pois uma sombria e inexpli-
começar a agir com extremo desvelo em rela- era do paciente. O processo pode ter-se inicia- cável piora do quadro do paciente aparece de
ção a um determinado paciente (um paciente do porque o paciente ensejou que o médico forma fantasmática. A vivência de estar sendo
“especial”), abrindo-lhe exceções de horá- se sentisse desvalorizado e/ou francamente controlado pelo paciente é uma das que mais
rios, por exemplo, ou até mesmo tentando desvalorizou o tratamento que o médico lhe incomoda o médico. É como se, além da inte-
intervenções difíceis, que ele nunca praticou. estava oferecendo. É importante lembrar que ligência decisória do médico, pairasse sobre a
Mesmo que este profissional não seja alvo em o paciente não faz isso de propósito ou cons- dupla médico-paciente uma inteligência aces-
seguida de uma derrocada para a posição de cientemente, mas sim porque a vivência de sória, alienígena, estranha. Tal inteligência

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parece estar no comando e governar tudo o para os pacientes com dor crônica. Alguns apresentado pelos pacientes com dor
que dá e não dá certo no curso do tratamento. se queixam de que o próprio paciente pare- crônica.28-30 No entanto, encontramos apenas
De fato, a necessidade de controlar o outro ce se antecipar com uma expectativa sempre um autor que tenha apontado uma possível
(o outro que cuida) é central no processo de negativa em relação a qualquer proposta conexão entre o catastrofismo e a identificação
identificação projetiva: quando um indivíduo terapêutica que o médico lhe esteja apresen- projetiva.31 Achamos que o catastrofismo de-
coloca no outro aspectos de si mesmo, ele tando. O tratamento eternamente inefetivo riva da clivagem: qualquer aspecto mau, qual-
irá também controlar o comportamento des- está em íntima conexão com o que foi dito no quer sofrimento ou desconforto é visto como
se outro para manter a ilusão de ainda ser o item anterior: para que a frustração continue sendo extremamente mau e perigoso - uma
dono dos aspectos que foram projetados.21 sendo vivida por alguém, nenhum tratamen- ameaça à sobrevivência. O paciente catastro-
Bohmer lembra que a identificação projetiva é to pode dar certo. Tratamento que dá certo fista irá tentar extirpar da noção de si-mesmo
uma forma de comunicação por “impacto”, as- significa alta. Ou seja, acontece o temível en- (split off) qualquer ameaça deste tipo, devido à
sim como as ameaças de suicídio e as automu- cerramento da proposta de se ter alguém do impressão de que ela poderá causar a dissolu-
tilações.16 Sentir-se controlado é impactante, lado de fora servindo como receptáculo das ção de seu self. Temos visto inúmeros pacientes
é acachapante, pois subitamente o médico se angústias e frustrações. Estes pacientes pare- com dor crônica que reclamam de problemas
vê privado de sua liberdade e de seu direito cem ser pessoas que nunca podem dizer que alojados em certa parte de seu corpo, como
de fazer escolhas sobre qualquer coisa, in- estão bem. Dizer que está bem é terrorífico se essa parte do corpo não lhes pertencesse.
cluindo se quer ou não continuar tratando de porque prenuncia afastamento, abandono, Com isto, o paciente parece falar de sua dor,
um determinado paciente. A necessidade de solidão. Muitas vezes, o médico parece divi- mas não experienciar sua dor. Além disto, o
sistematicamente controlar o outro pode ser sar, no próprio paciente, ações que sabotam catastrofismo é contagiante. É contagiante em
identificada na primeira entrevista e confirma- o tratamento. Por exemplo, falhas em cumprir parte porque todos nós nascemos com um
da pela anamnese objetiva (colhida com fami- prescrições, faltas a procedimentos agenda- aparato fisiológico para nos defendermos de
liares ou amigos do paciente). O problema é dos, esquecimentos de receitas ou impressos ameaças à sobrevivência. Noutras palavras,
que, como temos visto, a maioria dos médi- de exames etc. Com o tempo, o médico pode é difícil que alguém não responda com extre-
cos que lidam com dor crônica prescindem da começar a se sentir impotente diante do caso. ma ansiedade à experiência de ver alguém se
anamnese objetiva. É preciso reconhecer-se que, por identificação despedaçando num sofrimento catastrófico,
projetiva, esta impotência também foi inocu- desesperador. Em suma, o catastrofista con-
5. A frustração como desfecho garantido lada pelo paciente para dentro de seu médico segue contaminar o outro com seu desespero,
Equipes que cuidam de pacientes com dor (na origem, era do paciente a impotência e o seja por via verbal, seja por via não-verbal (por
crônica ficam periodicamente frustradas, de- desamparo diante dos inerentes desconfortos identificação projetiva).
cepcionadas com estratégias terapêuticas que da vida). Autores que estudam o contato com
pareciam perfeitas (às vezes até heroicas), pessoas difíceis costumam chamar tal cenário Considerações terapêuticas e
mas que sempre resultam inócuas para os pa- de “no-win situation” (ninguém ganha).26,27 recomendações às equipes de
cientes.24,25 Os profissionais dessas equipes ge- Temos observado alguns pacientes que, já na dor crônica
ralmente se esquecem de examinar a seguinte primeira consulta, conseguem deixar seu mé- Ao compararmos o que acontece na inte-
equação: enquanto a frustração é por eles vi- dico ou terapeuta em no-win situation: o mé- ração médico-paciente na clínica de dor crôni-
venciada, o paciente descansa livre dela e não dico, depois de ouvir uma avalanche de quei- ca com as descrições dos teóricos da identifi-
precisa elaborá-la. Acontece, porém que, para xas, sente-se paralisado, procura olhar pouco cação projetiva, é difícil não perceber o quan-
o tratamento dar resultado, o paciente precisa para o paciente, dando preferência à tela do to há de comum entre os dois. Klein postulou
internamente elaborar os ônus de seus far- computador, ou a papéis que vai preenchen- que pela identificação projetiva a criança pe-
dos, reconhecer as limitações que a doença do, na expectativa de escapar da situação, pe- quena estabelece o protótipo de uma relação
lhe traz, aceitar seus deveres para com o cum- dindo consultas de utilidade duvidosa a outras agressiva que serve para controlar, lesar ou
primento das prescrições médicas e planejar clínicas ou exames mais sofisticados. Em nos- possuir a mãe.8 Para Hanna Segal, na identi-
uma forma de viver bem, ainda que adminis- sas reuniões clínicas, temos chamado a isto de ficação projetiva, partes do self e de objetos
trando seus sofrimentos. Ou seja, enquanto o “sinal do empalhamento do médico”,24 para internos são expelidos e projetados no objeto
paciente está simplesmente evacuando suas ressaltar que o médico fica sem ação, paralisa- externo, o qual se torna então possuído e con-
queixas para o outro (seu médico ou equipe), do numa “sinuca-de-bico”. É interessante lem- trolado pelas partes projetadas, identifican-
ele não precisa se haver com a presença real brar que Bion, ao falar de identificação projeti- do-se com elas.11,32 Nas palavras de Ogden, “a
do sofrimento intrapsíquico. E se médico ou va, chamou a atenção ao fato de que ela pode aliança intersubjetiva inconsciente presente
equipe tendem a viver a frustração no lugar atacar as capacidades de pensar do receptor, na identificação projetiva pode ter qualidades
do paciente, fica faltando o terceiro passo da destruindo qualquer possibilidade de vínculo que para os participantes soem como rapto,
identificação projetiva (devolver ao paciente útil entre paciente e terapeuta;10 e que Rosen- chantagem, sedução, hipnotização”.33 Para
aquilo que é dele e precisa ser por ele suporta- feld indicou que a fusão de identidades entre Julia Segal19 a identificação projetiva pode
do, agora de forma abrandada pela presença e projetor e receptor cria um “estado confusio- ser usada como um ataque destrutivo, com
continência do terapeuta ou da equipe). nal” que atrasa ou paralisa o terapeuta, tor- partes repulsivas, loucas ou insuportáveis do
nando a terapia inefetiva.12 self sendo evocadas em outra pessoa para
6. O médico numa “sinuca-de-bico” destruir seu conforto, sua paz de espírito ou
Temos ouvido colegas falando de como se 7. O contágio pelo catastrofismo sua felicidade. Joseph sugeriu que o projetor
veem sem saída ao tentar várias estratégias te- Atenção crescente tem sido dada nos opera uma sutil cutucada para extrair uma
rapêuticas que resultam, em geral, inefetivas últimos anos ao fenômeno de catastrofismo resposta do outro.19 Rosenfeld escreveu que

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A clínica da dor crônica como ninho de pacientes difíceis:
o papel da identificação projetiva

a identificação projetiva pode ser usada como Algumas recomendações podem ser da- de um ano comparando três técnicas para pa-
meio de controle para provocar no receptor das para quando se perceber a operação da cientes borderlines indicou vantagem a favor da
o surgimento de um objeto preocupado com identificação projetiva nas equipes de dor terapia focada na transferência.44
o projetor.12 Gabbard lembrou que pacientes crônica. Com relação à equipe, a recomenda- Quando o acesso à psicoterapia não está
que abusam da identificação projetiva ge- ção mais importante se refere ao treinamento disponível, é importante lembrar que qual-
ralmente manipulam, persuadem, coagem, para poder detectar a identificação projetiva. quer profissional da equipe que tenha boa
lisonjeiam, seduzem membros da equipe O profissional que pode conversar com seus capacidade de escuta ativa pode tornar-se o
que deles cuida enquanto tentam obter a sa- pares a respeito de um paciente que lhe está terapeuta de eleição para o paciente, uma vez
tisfação que lhes interessa.21 Tais descrições sendo oneroso emocionalmente encontra-se que ele poderá oferecer-se como o continente
(palavras-chave em itálico) são bastante con- sob menor risco de esgotar-se ou de reagir provisório de que o paciente precisa. Porém,
soantes com os sentimentos experimentados de forma disfuncional. Por exemplo, o médico é altamente interessante que este profissional
pelos que cuidam de pacientes difíceis na clí- que esbraveja com um paciente hostil quase tenha algum treinamento para lidar com os
nica da dor crônica. Há duas décadas, estes certamente acabou de ser capturado pela sentimentos que nele serão inoculados pelo
pacientes ainda eram muito encontradiços identificação projetiva: tudo o que o paciente paciente (rever itens 1 a 7, acima). Se o pro-
nos ambulatórios de psiquiatria. Atualmente, precisava, naquele momento, era ver sua rai- fissional assim treinado souber perceber que
eles parecem ter migrado para as clínicas de va sendo atuada pelo médico (em vez de vê-la está sendo alvo de identificações projetivas,
dor, reumatologia, ortopedia, fisiatria, fisio- dentro de si mesmo). Há outras formas disfun- ele terá mais chances de efetuar o terceiro
terapia e reabilitação. Em parte, tal mudança cionais de reação que o médico deve evitar. passo do processo da identificação projetiva:
pode ter acontecido porque estes pacientes Por exemplo, fazer com que estes pacientes mostrar ao paciente que ele continua ali, sen-
passaram a ser descartados pelas triagens dos “caminhem pela medicina”, indo de um depar- do o mesmo de antes, a despeito de tudo o
ambulatórios de psiquiatria - são pacientes sa- tamento para outro, de um exame para outro, que foi nele violentamente projetado. Winni-
bidamente pouco responsivos ao tratamento de intervenção em intervenção. Geralmente, cott chamou atenção à capacidade que a mãe
farmacológico. o médico que assim procede já parou de es- (e os terapeutas) devem ter de sobreviver aos
Clivagem e identificação projetiva têm cutar o seu doente faz tempo. Muitas vezes, ataques do bebê (e dos pacientes).45 Quando
sido apontadas como os mecanismos prin- ser ativamente escutado é o que mais o doen- o bebê/paciente percebe que a raiva ou an-
cipais de funcionamento dos pacientes com te precisa. Nos hospitais de ensino, também gústia projetada não foi suficiente para pa-
transtornos graves de personalidade, parti- é importante lembrar que os pacientes difí- ralisar nem destruir sua mãe/terapeuta, ele
cularmente o transtorno borderline.21,34 Vá- ceis devem ser atendidos pelos profissionais tem a possibilidade de reintrojetar seus im-
rios autores têm reportado a extensão da mais experientes, e não pelos mais jovens pulsos destrutivos de forma amenizada. Isto
associação entre personalidade borderline ou menos experientes. Onde há hierarquia, é lhe permite suspeitar que ele também não
e dor crônica,35-41 sendo muitos casos erro- comum que estes pacientes sejam “direciona- será pulverizado por tamanha destrutividade.
neamente diagnosticados como depressão dos” aos novatos na equipe, residentes, esta- Muitos dos pacientes da clínica de dor crônica
ou transtorno bipolar.42 Nossa experiência de giários ou voluntários. sofrem inconscientemente de medos de pri-
dois anos trabalhando numa equipe de dor Com relação ao paciente, a recomendação meira ordem (como os chamamos): angústia
crônica tem revelado que 70% dos pacientes mais importante é não tardar a encaminhá-lo de aniquilamento, medo de serem dissolvidos
que nos são encaminhados para avaliação para um tratamento mais profundo, que é a pelo próprio ódio, terror de serem abando-
psiquiátrica são diagnosticáveis como tendo psicoterapia. O paciente que está aprisionado nados e/ou de estarem, na verdade, mortos.
transtorno borderline e/ou transtorno narci- numa fase incipiente (pré-verbal) da forma- Winnicott discorreu sobre estas vivências
sista de personalidade.24 ção da personalidade, e comunicando-se com brutais da criança, chamando-as de angústias
Através da identificação projetiva, os pa- mecanismos infantis como clivagem e identifi- impensáveis e, mais tarde, de agonias primi-
cientes difíceis que temos visto continuam cação projetiva, só poderá ser ajudado por um tivas.45 Para Winnicott, pertenciam também a
fazendo aquilo que um dia fizeram com suas vínculo que seja tão forte ao ponto de permi- esse conjunto de agonias pré-verbais algumas
mães: capturando a atenção do outro para te- tir a retomada do crescimento em direção à outras vivências terroríficas, como o medo de
rem garantias da proximidade de um receptá- vida adulta, com as características principais estar caindo no vazio pela força da gravidade
culo que contenha as suas dores e angústias. da maturidade: amansamento dos impulsos, (não ser amparado pela mãe), a desconexão
Alguns pacientes se comportam, quer com o pensamento ancorado na realidade, insight, entre o self e as partes do corpo (angústia por
psiquiatra, quer com seu médico especialista comunicação verbal coerente, tolerância aos não conseguir governar o próprio corpo), e a
em dor, como “metralhadoras de queixas”, o limites representados pelo outro e respeito à vivência de não saber onde está o caminho
que é uma forma efetiva de locupletar o ou- vida em sociedade. A intolerância à vida adul- (pois as pistas que vêm da realidade parecem
tro de angústias (principalmente se esse outro ta também ajuda a explicar um fenômeno que não ser reais).
tiver uma boa capacidade de escuta). As quei- temos visto em nossa amostra de pacientes O profissional (Quadro 2a) percebeu-se
xas vertidas, muitas vezes em fluxo contínuo, com dor crônica: altíssimas taxas de inadequa- capturado pela identificação projetiva quando
são partes “más” do self das quais o paciente ção à vida laboral, absenteísmo, afastamentos se deu conta que tinha se exaltado com a pa-
tenta-se livrar, atribuindo o sofrimento a algu- e aposentadorias precoces (muitas vezes com ciente ao dizer a ela que não a atenderia sob
ma parte do corpo que contenha tal ou qual justificativas duvidosas). Várias abordagens de encaixe. Ele passou vários dias pensando que
doença. É difícil que o paciente melhore, pois tratamento têm sido utilizadas, como a terapia tinha atuado uma raiva que poderia não ser
ele precisa da “doença” para fazer estas expul- focada na transferência (psicanálise), terapia dele, mas da paciente. Lembrou-se de vários
sões das partes “más”, perigosas ou estraga- comportamental dialética ou terapia baseada textos sobre o assunto e chegou à conclusão
das de seu self. na mentalização.34,35,43 Um ensaio randomizado de que era provavelmente a paciente quem,

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o papel da identificação projetiva

desde a mais tenra infância, via-se pequena Quadro 2b. Vinheta clínica com uma alternativa para melhorar o manejo de um caso de
identificação projetiva “maligna”
demais para conter a raiva (que ocorria, por
exemplo, quando ela era deixada só, ou não Após algumas semanas, o psiquiatra foi avisado que teria de se defender, por escrito, de uma queixa que uma
paciente tinha deixado na Ouvidoria. Enquanto elaborava sua defesa, ainda com muita raiva, o psiquiatra decidiu
conseguia obter do outro todas as gratifica- que não tinha mais condições emocionais de dar seguimento ao caso de B.D., e que seria melhor encaminhá-la a outro
ções que ansiava). Mais que isto, ele perdeu psiquiatra - afinal, ela havia se queixado dele a instâncias superiores, abalando sua reputação. Porém, após ler um
artigo sobre identificação projetiva, o psiquiatra viu-se com menos raiva da paciente e percebeu ter recobrado a sua
o sono por vários dias, aguardando um tele- capacidade para “acolher” suas queixas de sofrimentos. O psiquiatra também percebeu que sua vontade de encerrar
fonema da ouvidoria pedindo-lhe explicações, com a paciente, dando-lhe alta ou encaminhando-a, podia ser o reflexo (como num espelho) do sentimento que a
paciente teve por ele: que ele fosse demitido do hospital. Tendo-se livrado das pressões da identificação projetiva
ou informando-lhe que a paciente tinha mes- com a ajuda do insight, o psiquiatra decidiu que devia continuar atendendo a paciente e que as consultas poderiam
mo se suicidado. Quando soube que a pacien- inclusive servir para que ela reintrojetasse sua raiva como menos destrutiva (visto que agora por ele metabolizada,
amainada). Ou seja, o terceiro passo da identificação projetiva poderia ser dado.
te não tinha se suicidado, mas aberto contra
ele uma demanda na ouvidoria, ele passou
alguns dias de novo com raiva - e pensando
em como encerrar seu trabalho com a pa- uma angústia impensável (agonia primitiva). 6. Gabbard GO. Patients who hate. Psychiatry. 1989;
ciente e encaminhá-la para outro psiquiatra. Como disse Bion, existe uma enorme diferen- 52(1):96-106.
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quando o psiquiatra leu um texto que ainda pode levar ao crescimento.10 org/10.1056/NEJM197804202981605
desconhecia sobre identificação projetiva46 é É possível que, com adjetivos diferentes, 8. Klein M. Inveja e gratidão e outros trabalhos (1946-
que ele se lembrou que, para servir realmente médicos de diferentes áreas estejam falando 1963). Rio de Janeiro: Imago; 1946.
de continente para a fúria da paciente, era ne- dos mesmos pacientes: “pan-sintomáticos”6, 9. Aguayo J. On understanding projective identification
in the treatment of psychotic states of mind: the
cessário que ele prosseguisse o atendimento “multissomatizadores”3, pacientes que so-
publishing cohort of H. Rosenfeld, H. Segal and W. Bion
e mostrasse que tinha sobrevivido a seus ata- frem de quadros de “pan-dor”.47 Na saúde, há (1946-1957). Int J Psychoanal. 2009;90(1):69-92. DOI:
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do como um continente que metabolizasse a reputam a dor crônica como uma condição in- 10. Bion WR. Estudos psicanalíticos revisados (second
extremada raiva que pertencia à paciente. So- tratável.25 Se estivermos certos nas considera- thoughts). Rio de Janeiro: Imago; 1994.
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mente assim ele poderia deixar a raiva menos ções do presente texto, de fato é possível que
Imago; 1982.
perigosa - para que a paciente reintrojetasse muitos dos esforços médicos e recursos mate- 12. Rosenfeld H. Impasse e interpretação. Rio de Janeiro:
tal raiva de volta, como sendo dela de novo, riais que ora são destinados ao tratamento de Imago; 1987.
mas agora menos tóxica para seu self (terceiro pacientes com dor crônica estejam sendo dis- 13. Goretti GR. Projective identification: a theoretical
passo da identificação projetiva). Note-se que pendidos equivocadamente (vertidos a fundo investigation of the concept starting from notes
on some schizoid mechanisms. Int J Psychoanal.
a cena dispensa palavras e interpretações (e perdido). A psicoterapia de longo prazo, por
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na verdade poderia ser prejudicada por elas), ser capaz de alterar traços disfuncionais da 14. Laplanche J. Vocabulário da psicanálise/Laplanche e
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