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Entre drogas e psicanálise

M.C

“A noite acendeu as estrelas


porque tinha medo da própria escuridão.”
Mario Quintana

Estimulado por colegas que me acompanham nessa


caminhada de estudo, a partir dos encontros que
realizamos às terças–feiras na Formação Freudiana,
no curso intitulado Reflexões sobre Psiquiatria e
Psicanálise, me vi incitado a escrever sobre as
medicações existentes, e possíveis de serem usadas
à serviço da atenuação do sofrimento psíquico.
Minha ambição, longe de buscar um mergulho cego
nas entranhas do biológico, é fornecer um acesso
didático, simplificado sobre o uso dos

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psicofármacos àqueles que não tem em sua
formação um contato suficientemente bom com o
assunto, os quais, talvez, possam se sentir tomados
por alguma sensação de angústia diante de tantos
pacientes cada vez mais medicalizados e
medicados.
Contrariando a atual lógica psiquiátrica existente,
que valoriza cada vez mais as escalas, os critérios
diagnósticos, a neuroimagem e as medicações para
respostas conclusivas sobre o humano, não posso
deixar de expor aqui minha severa crítica aos
excessos realizados.
Dados da ANVISA mostram números comparativos
de caixas vendidas de metilfenidado - medicação
indicada para um possível Trantorno de Deficit de
Atenção e Hiperatividade (TDAH) – entre 2009 e
2011. Ocorreu, em um período de 2 anos, um

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estarrecedor aumento de 117,5% no total de
caixas comercializadas nesse período :
-2009 -557.558
-2010 -881.959
-2011 -1.212.850

. Fontes: SNGPC/CSGPC/NUVIG/Anvisa; DATASUS/Ministério da Saúde.

A quem serve a comercialização selvagem das


mais diversas drogas propagandeadas
maciçamente pela indústria farmacêutica ? À
serviço de que se colocam os inúmeros exames,
cada vez mais solicitados indevidamente por
médicos e até mesmo por pacientes, os quais
muitas vezes chegam aos consultórios com
diagnósticos prontos e condutas traçadas, obtidas a

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partir da sociedade do espetáculo a que estamos
submetidos?
Não seria a partir de toda força da indústria
farmacêutica, de todo um apelo ilusório de
felicidade comprada numa sociedade regida pelo
capitalismo selvagem, na qual o afeto circula em
excesso pelo dinheiro, que os psicotrópicos
passaram a ser prescritos em larga escala e o uso
muitas vezes iatrogênicos de tais medicações
acentuaram sofrimentos, trouxeram outros,
mascararam alguns? As possibilidades são as mais
variadas quando se opta por desconsiderar os
riscos em iniciar o uso de uma medicação. Avaliá-
los para além dos benefícios, a partir dos
conhecimentos adquiridos, é um dos apontamentos
para uma conduta ética e deveria ser prática trivial
entre os colegas. Infelizmente, os absurdos são cada
vez mais frequentes. Porquê?

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RODEIO I:
A defesa utilizada pra nossa divisão fundamental,
entre o existir e o nada, podem apontar pra duas
direções fundamentais no contato com o outro. É
nesse ponto que Green, em seu artigo “ O conceito
de limite”, de 1976, reforça o conceito da pulsão
como limite, pois é aí que o afeto poderá se
movimentar, para além da representação. A partir
desse contato inicial – e constante – com o outro,
podemos (re)pensar na nossa relação com ele,
tencionando ir contra aquilo que é também parte
permanente do processo psíquico e que está a
serviço das disjuntoras forças da pulsão de morte,
do retorno ao nada. Me desculpem os monistas,
distantes do dualismo Freudiano, mas avaliar as

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forças a partir de um pensamento racional penso
não ser das tarefas mais difíceis - ideologia ? -
podendo até pertencer ao padrão estético do
movimento de vida. No entanto, é justamente
naquele excesso, naquele não integrado do eu, pra
além da consciência, que a pulsão de morte pode se
mostrar como mãe das pulsões, de onde investimos
todo nosso movimento de vida. Voltemos...

Longe de me colocar em um radicalismo cego, que


nega os benéficos obtidos a partir da utilização da
imipramina - primeiro antidepressivo tricíclico -
pelo psiquiatra suíço Roland Kuhn em 1956,
proponho uma reflexão crítica e constante sobre as
forças que determinam nossas condutas diante do
sofrimento que nos é confiado de maneira tão
íntima. Se optamos por essa via - acolher o

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sofrimento do outro, o (com)prometimento com o
paciente, a partir do que nos imaginamos ser, é
imprescindível no caminhar.

Tentarei continuar da maneira mais didática que


me é possível. Irei, correlacionando com a
nosologia psiquiátrica vigente, fazer uma
explanação dos quatro principais grupos
medicamentosos - antidepressivos, estabilizadores
de humor, neurolépticos (ou antipsicóticos) e
benzodiazepínicos – e suas subdivisões , suas
indicações e efeitos colaterais. Utilizarei apenas o
nome químico, e não o nome comercial, das
medicações. Deixarei de lado aspectos específicos,
relacionados a farmacocinética e farmacodinâmica,
pois representaria um esforço meu e dos possíveis
leitores, o qual desviaria o propósito do artigo; a
saber: tornar integrado ao pensamento parte de

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um saber, que, ao meu ver, é tão próximo e
presente na nossa prática psicanalítica. Assim,
além de facilitar o diálogo com colegas médicos–
psiquiatras nas discussões de caso, tal integração
permitirá que um não saber do analista deixe de
interferir na possibilidade de escuta clínica, na
atenção flutuante, no prélio do inconsciente.

Antidepressivos:
 Indicações:
1)Transtornos depressivos: Depressão Unipolar e
Distimia, dentre outros.

2) Transtornos Ansiosos: Síndrome do Pânico,


Transtorno de Ansiedade Generalizada, Transtorno
Obsessivo-Compulsivo, Transtorno de Estresse
Pós-Traumático, Fobias Específicas.

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OBS: Não irei me aprofundar aqui, talvez em um
próximo artigo, na atualidade das depressões e
ansiedades, tema que estamos trabalhando nesse
semestre nos encontros de terças-feiras. Cito
apenas termos conhecidos dos leitores de
Psicanálise que dialogam com a atual nosologia
psiquiátrica - Luto, Melancolia, Neurastenia,
Neurose de Angustia, Neurose de Guerra, Neurose
Fóbica - para quem sabe estimular interessados,
que queiram me acompanhar nessa caminhada, nas
aproximações e distanciamentos entre os dois
saberes.

 Subgrupos de Antidepressivos:
1)Tricíclicos: Primeiros antidepressivos utilizados
caracterizam-se por serem muito eficazes, mas, em
função dos seus intensos e desagradáveis efeitos
colaterais anticolinérgicos, caracterizados

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principalmente por boca seca, constipação
intestinal, ganho de peso e disfunção sexual, são
preteridos e praticamente reservados a casos
graves e refratários a outras medicações.
São eles: IMIPRAMINA, AMITRIPTILINA,
CLOMIPRAMINA E NORTRIPTILINA.

2)Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina


( ISRS) : A droga mais conhecida desse grupo é a
fluoxetina. Descoberta no inicio da década de 70,
começou a ser comercializada como antidepressivo
em 1986 na Bélgica e foi aprovada pelo FDA (Food
and Drug Administration) , agência federal norte-
americana responsável pelo controle das
substâncias que são comercializadas nos EUA, e que
goza de prestígio no meio médico internacional.
A partir da fluoxetina, que inclusive deu nome a um
conhecido filme – Geração Prozac – surgiram

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diversos outros antidepressivos da mesma classe,
dentre os quais cito: FLUVOXAMINA, SERTRALINA,
CITALOPRAM, PAROXETINA, ESCITALOPRAM.
Estes possuem menos efeitos colaterais que os
antecessores, mas não deixam de trazer prejuízos
caracterizados principalmente por: incômodos
efeitos gastrointestinais, cefaleia e piora de
sintomas ansiosos no início do tratamento.
A longo prazo tais efeitos tendem a desaparecer e,
no entanto, tendem a ser substituídos por outros,
mais crônicos, como: disfunção sexual dos mais
diversos graus e sensação de “plastificação dos
sentimentos”. Uma fala comum dos pacientes que
usam antidepressivos é : “Eu não consigo chorar!”
Cito esses dois exemplos em função da recorrência
desses efeitos adversos, não significando que haja
por parte de muitos pacientes a necessidade de
(re)pensar as escolhas terapêuticas e busca de

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outras vias. Aqui, o apontamento ético, citado
acima (pag. 4), renova sua necessidade. Muitas
vezes, mesmo com toda cuidadosa explicação e
recomendação para um criterioso atendimento
psicanalítico, os pacientes mantém-se repetindo
resistentes comportamentos , pouco expansivos,
diante de tantas possibilidades.
Ainda seguimos assim, apesar de ressonâncias
cada vez maiores de posicionamentos críticos ao
naturalizado nas últimas décadas.

3)DUAIS (inibidores da receptação de serotonina e


noradrenalina): Na esteira dos ISRS, em função dos
muitos casos de depressão e ansiedade de grande
intensidade, não responsivos aos ISRS, talvez fruto
de expressões genéticas mais vorazes (obviamente
longe de preencher qualquer determinismo, como
nos mostram os recentes estudos epigenéticos -

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http://www.sciencealert.com/scientists-have-
observed-epigenetic-memories-passed-down-for-
14-generations - outra inspiração para um próximo
artigo), os pesquisadores, a partir de suas regências
internas e forças circundantes, desenvolveram tais
medicamentos. Realmente mais potentes, com
similares efeitos colaterais, são válidas opções. Cito
os principais: VENLAFAXINA, DULOXETINA,
DESVENLAFAXINA, MIRTAZAPINA*.
*Efeito colateral típico: hipersonia e aumento do
apetite.

4) Outros: existem muitos outros antidepressivos,


com “características próprias” exaustivamente
propagandeadas pelos laboratórios, como um cão
sedento em busca de água. Tento hoje ser um Oasis
(Trans)mutador.

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Diante do objetivo desse artigo, de compartilhar
conhecimento, integrar saberes, apenas citarei
alguns que agora me vem à cabeça, citando as
especificidades questionáveis. São: AGOMELATINA
(melatoninérgico- efeito sobre o sono),
BUPROPIONA ( dapominérgico-diminui a
“vontade”de fumar), TRANILCIPRAMINA (IMAO-
indicado para depressões chamadas refratárias-
restriçoes alimentares e medicamentosas
importantes, em função de interações
medicamentosas), VORTIOXETINA (último
medicamento lançado-mecanismo multimodal),
entre outros...

Estabilizadores do Humor:

Grupo de medicações destinado a tratar o que hoje


é diagnosticado na psiquiatria como: TRANSTORNO

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AFETIVO BIPOLAR, principalmente.
Descrita por Kreapelin no final do século XIX como
psicose maníaco-depressiva, termo dito ainda hoje
por alguns colegas do campo da saúde mental .

RODEIO II : Talvez por receio de serem devorados


pela destrutividade existente na prática de alguns
psiquiatras (maioria hoje?), tais colegas teriam
denegado um possível acompanhamento dos
passos dados pela Psiquiatria em direção a vida. (?).
Aqui penso fundamental uma reflexão constante e
íntima dos psicanalistas, mesmo para aqueles ditos
já analisados, relativa a nosso máximo interesse
pela experiência da vida; bem como em relação a
confusão de línguas por nós causada para com
aquele que talvez não nos possa acompanhar em
nosso (não) saber psicanalítico. Por estarmos
muito presos a sintomas ligados a nossa ilusão de

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eu, por lidarmos mal com nossos outros,
projetamo-nos, morremos e revivemos a todo
instante. Alguém escapa desse conflito? Cito C S K
em “Chaim Katz, correntezas” por psicanalistas que
falam(https://www.youtube.com/watch?v=OkRhjz
FW2qs) : “O outro em mim, esse outro que me
incomoda, me interessa muito. Por isso me tornei
psicanalista. Quando vem alguém me procurar,
procuro atender também esse outro, que até hoje é
irrequieto, não ficou velho, não sossegou.”

Depois desse prazeroso segundo rodeio, volto a


pensar a utilidade dessas medicações, quando de
fato existe algum movimento disjuntivo que precisa
ser redirecionado. A partir de uma avaliação
cuidadosa, o uso de tais substâncias pode
realmente trazer benefícios àqueles que nos

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procuram e permitir integrações no eu das partes
tão intensamente clivadas, mesmo que o suporte
seja externo dessa vez. Controlemos nossa
onipotência. Essa importante articulação com a
psiquiatria contemporânea não pode deixar de ser
colocada aqui, não para marcar a irredutibilidade
de certas forças, mas para apontar que alguns
movimentos, se possíveis, tendem a exigir inflexões
mais profundas e talvez inalcançáveis para muitos.
O contato com nossa miséria é doloroso e manter
um mínimo/máximo de integração, diante dos
conflitos intrapsíquicos e intersubjetivo, não é das
tarefas mais simples.

1)CARBONATO DE LÍTIO
O carbonato de lítio, primeiro estabilizador do
humor, experimentado pelo australiano Jonh Cade,
em 1949, é utilizado até hoje e traz excelentes

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respostas quando os diagnósticos são corretamente
realizados; além de ser muito bem indicado nos
casos de depressão grave, com planejamentos
suicidas, os quais identifico próximo a descrição
feita por Freud no texto “Luto e Melancolia” em
relação à melancolia. A depressão dita “endógena”
hoje é o outro lado da moeda dos episódios
maníacos, que deslizam entre a máxima denegação
e a morte na carne? Seriam esses casos expressões
de um possível irredutível transtorno, como
prenunciou Freud, por exemplo, em o “ Projeto
para uma Psicologia Científica”, 1895, ratificando a
psiquiatria atual? Ou os avanços da física quântica
descontroem qualquer radicalidade científica? Os
afetos circulariam por ai?
Diante de um possível sofrimento que caminhe por
essas vias, não hesitarei em recomendar o uso de
tal medicação.

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Sobre os efeitos colaterais do Carbonato de Lítio
destaco o mais grave: RISCO DE INTOXICAÇÃO. As
queixas que apontam para o risco são: FORTE
TREMOR NAS MÃOS, DIARRÉIA, NÁUSEAS,
VÔMITOS E DORES “DENTRO” DOS OSSOS.
Normalmente não possuímos níveis mensuráveis
de lítio no nosso organismo. Até hoje, escuto
colegas recomendando “verificar se está com baixo
nível de lítio no organismo” como possível causa de
depressão. A dosagem do lítio só é recomendável a
partir da ingestão de tal substância, seu controle
deve ser rigoroso, pois nos casos de intoxicação há,
efetivamente, risco de morte por insuficiência
renal.
Outros efeitos colaterais (menos graves) são:
tremor discreto; inibição da produção de hormônio
tireoidiano, levando à hipotireoidismo; ganho de

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peso; acne...

2) ANTICONVULSIVANTES: VALPROATO DE SÓDIO,


CARBAZEPINA, OXCARBAZEPINA, LAMOTRIGINA,
TOPIRAMATO. Diferente do Carbonato de Lítio,
todas essas medicações pertencem a classe de
estabilizadores de humor, indicadas também para
o tratamento de epilepsias . Primeiramente,
utilizados como anticonvulsivantes, causavam
sedação nos pacientes e, como consequência,
passaram a ser utilizadas nos possíveis
diagnósticos da então psicose maníaco-depressiva.
Seus efeitos colaterais são, dentre outros, sedação,
ganho de peso, disfunção sexual (note que tal
efeito não aparece com o uso do Carbanato de Lítio),
lentificação psicomotora (bradicinesia)...
Ressalto mais uma vez, diante de éticas avaliações,

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esses medicamentos são auxílios importantes para
movimentos expansivos.

NEUROLÉPTICOS (ANTIPSICÓTICOS):

Dentre as várias medicações conhecidas nesse


grande grupo, a clorpromazina foi a primeira a ser
descoberta em 1947 pelo químico Paul Charpentier,
na busca de novos narcoanalgésicos na França,
após a II Grande Guerra. Indicadas principalmente
para tratar os chamados transtornos psicóticos, são
trata-se de medicações imprescindíveis em
determinados casos clínicos, nos quais o grau de
sofrimento relatado em função dos sintomas
apresentados, bem como o risco de morte em que o
paciente pode se colocar, dominam a cena
terapêutica. Diante desse quadro, todo trabalho

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possível através da abordagem psicanalítica pode
ficar prejudicado pela potência das forças
disjuntoras que estão em atividade à todo vapor.
Parte do processo de integração, quando esse é
possível em tais casos, deve contar com todos os
recursos disponíveis, e é aqui que penso a técnica
psicanalítica expandindo seus horizontes,
repensando suas verticalidades.

RODEIO III
Na minha experiência com psicóticos, falando aqui
de uma sensação não pensada durante muito
tempo, sempre me senti mãe. - Sempre buscando,
todavia, o emergir de algum pai, fundamental,
contra-peso necessário, evitando que o
acolhimento se transforme em dragagem e sirva às
forças destrutivas no contato com o outro. Posto

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que nesse sentido toda possibilidade expansiva
tende a inércia . Sempre me vi impelido à nutrir a
vida daqueles que se mostram muito apavorados
com a realidade. Compartilhando toda a angústia
em existir, mas, por incontáveis fatores, mais
organizada em mim, percebo que tais pacientes,
nessa relação sempre tão conflituosa entre o
intrapsíquico e o intersubjetivo, perderam seus
limites e (não) se veem desintegrados no mundo,
com o corpo e a voz que lhes sobram. Não seria
aqui que a medicação – e outras práticas inclusivas
- , longe de ser uma contenção química, pode atuar
numa tentativa de construção de bordas?

A eficácia e efeitos colaterais dos neurolépticos


atualmente disponíveis são observáveis em graus
variáveis de acordo com cada individuo e
substância. Existem avanços, mas as distorções

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provocadas pelo capital, dificultam qualquer
pretensão de clareza científica. Pesquisa tão
atrelada ao lucro é desvirtualizada. Qual a onda dos
afetos que circulam por ai? Jantares de laboratório,
viagens aos congressos estão garantidas para os
“grandes” prescritores. Me lembro de uma
premiação para o médico que mais prescrevesse a
medicação X, ganharia uma viagem em um desses
cruzeiros de luxo que durante alguns anos
alegraram a vida de muitos. Não por não ser meu
não gosto, não aceitei participar. Continuo
buscando me pautar por outros valores ao
prescrever uma medicação, visto que o paciente faz
movimentos de vida ao me procurar. Evito trai-los.
Consegui me aproximar da ética? Continuo
tentando...

Me permitam aqui uma breve digressão sobre a

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onda de afetos acima mencionada na voracidade
do capitalismo selvagem, sob a qual o humano está
condenado a condição de coisa, numa proporção
antes já vista, que contraria qualquer tentativa de
estabelecer como valor da vida a humanidade. “É
isto um homem?” Sozinho ninguém viverá!
Será o neoliberalismo o último estágio, ou seremos
capazes de mais?
Os abusos cometidos pela indústria farmacêutica,
numa ligação patológica com desvirtualizada parte
da ciência, se acentuam numa velocidade típica dos
tempos atuais, os tempos da depressão e da
ansiedade, da desanimada e desvitalizada correria,
das selfies, dos falsos-self, dos no-self, per-self, das
imagens carentes de conteúdo. Cito aqui o
representante de laboratório, figura conhecida dos
médicos de todas as especialidades. Quantas metas,
quantos falsos sorrisos, quais os afetos que

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circulam ali como reflexos das ondas do
processual? Nas últimas visitas têm estado mais
des-colados, entrada para apontamentos críticos
que tento promover com meu micropoder médico,
mas ainda, tais representantes se mantêm como
soldadinhos de uma guerra invisível que não sabem
que lutam. Porque os senhores da guerra querem
tanto? Já não há destruição demais?

Volto pro Eu. O valor do poder atrelado a tamanha


voracidade revela todo o cuidado necessário ao não
pensado/pensado em nós, aos nossos outros não
reconhecidos ainda, ao destrutivo, desintegrado,
disjuntivo, seja por qual via ela apareça...
demônios... As análises ajudam nessa tentativa de
integração, ou de convívio, e tendem a diminuir as
destrutivas projeções não elaboradas, nem
digeridas e, portanto, evacuadas, os dejetos a serem

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trabalhados.
Defesas receptivas são mais eróticas às fálicas.
Repressão a recalque. Sublimemos. Que
consigamos acolher nossos outros dentro de nós,
não matá-los. Se ainda estamos aqui: Os Budas aos
Padres! (Sse bem que Francisco não anda mal! Em
algum momento da historia precisamos tanto de
um Papa como esse? E a Cúria esta dando trabalho
ao Argentino.)
Sigamos um pouco: Criolo, o poeta em destaque do
momento, em seu último álbum “Espiral de Ilusão”,
na faixa título escreveu: “mulheres amam, homens
não sei o quê....” Falta-nos feminilidade,
homens...Mulheres, não imaginem ser como nós! O
Coletivo à francesa me agrada. O não saber da
mulher me interessa, muito além do meu tudo
quero saber defensivo necessário fálico! Me
expando ao ser também mulher.

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Deixo aqui o machismo e o neoliberalismo e
desfaço a digressão histórica da humanidade: mais
Bachelets, menos Trumps!! Penso, mesmo os
homem trans, deveriam buscar toda possível defesa
materna suficientemente boa, no percurso de uma
análise. No tempo do trans, não anulo a diferença,
apenas brinco de apontar a vitalidade e
destrutividade/disjunção dos movimentos que
consigo perceber na integração que me é possível
com o mundo.
Percebo agora, e não é pouco, que minha escrita me
salva da minha disjunção e morte. Justo nos
antipsicóticos, fora do formato de texto antes
seguido nesse artigo, o Rodeio III se expandiu pra
além da letra. Integro nas linhas acima parte de/em
mim, pra além da repetição.

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 SUBGRUPOS DE ANTIPSICÓTICOS:

Sobre os efeitos colaterais e eficácia, entendo que é


necessário dividir os neurolépticos em subgrupos:
1)PRIMEIRA GERAÇÃO: HALOPERIDOL é o mais
conhecido, mas cito também TIORIDAZINA,
TRIFLUOPERAZINA, SULPIRIDA, PERICIAZINA,
CLORPROMAZINA, LEVOMEPRAMAZINA.
Todas são efetivas e trazem efeitos na medida em
que são substâncias com tropismo por região tão
sensível e enigmática, mas a eficácia deve ser
avaliada sempre a partir de um contato íntimo,
junto com o paciente, estabelecida em cada relação
de maneira singular. Devemos ouvir nossos
pacientes.
Os efeitos colaterais bradi são de toda ordem:
cinéticos (robotizações), metabólicos (ganho de
peso, prisão de ventre, retenção urinária, retardo

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ejaculatório...) e psíquicos. Também evidenciamos
outros alterações dos movimentos como distonias
agudas (contrações musculares involuntárias) e
discinesias tardias ( movimentos involuntários com
o uso de tais substancias à longo prazo e em doses
altas). Todo cuidado é pouco.
Uma vez indicados, variam quanto ao grau de
sedação, início de atuação, tempo de ação, controle
de sintomas alucinatórios-delirante.

RODEIO IV:
Buscando uma aproximação de Freud com a
psicopatologia fenomenológica, no nosso contato
com a realidade, as alucinações seriam
singularidades da senso-percepção, e os delírios
singularidades da (não)representação? A partir das
pulsões, a representação de coisa, interseção entre
senso-percepção e representação de palavra, seria

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o espaço por onde circulam os afetos, que em um
movimento de integração e desintegração do não-
eu, vão regendo nosso psiquismo, marcando nosso
corpo psíquico no contato com o outro, a partir da
nossa capacidade de imaginar? Os autistas nos
ensinam bem sobre essa circulação.

2)SEGUNDA GERAÇÃO:
Na década de 90, tendo como precursor a
RISPERIDONA, a indústria farmacêutica passou a
desenvolver os conhecidos atualmente como
neurolépticos de segunda geração, caracterizados
pela mesma possível eficácia, com menos efeitos
colaterais bradicinéticos que os de primeira geração.
No entanto, as alterações metabólicas não são
desprezíveis e merecem o mesmo
acompanhamento cuidadoso. O ganho de peso, as
alterações nos níveis de colesterol, triglicerídeos,

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hormonais são uma constante nos pacientes que
fazem uso de tais medicamentos.
Também não posso deixar de ressaltar aqui o custo
elevado da maioria dessas substâncias, peças do
jogo do capital, que desvirtua o cuidado e restringe
o acesso aos poucos privilegiados.
Cito a OLANZAPINA, QUETIAPINA, AMISSULPIRIDA,
ZIPRASIDONA E ARIPRIPAZOL.

OBS: A CLOZAPINA está listada como neuroléptico


de segunda geração, apesar de sua descoberta na
década de 70. Seu uso foi abandonado até a década
de 90 em função dos seus graves efeitos colaterais
hematológicos, com risco elevado de leucopenia
(diminuiçao dos glóbulos brancos) e,
consequentemente, infecções severas. No entanto,
em determinados casos de extrema gravidade,
nomeados pela psiquiatria como refratários, ou seja,

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quando não se obtém resposta sobre os sintomas
ditos psicóticos com o uso de outros neurolépticos,
e o grau de fragmentação do paciente sensibiliza
nossos afetos mais primitivos, a CLOZAPINA é uma
medicação que pode trazer benefícios.

BENZODIAZEPINICOS
O diazepam, famoso valium, na década de 60 foi o
primeiro “calmante” da alarmante indiscriminação
de prescrição desse grupo, que hoje quase lidera a
lista das medicações mais vendidas no mundo, e
principalmente no Brasil. O clonazepan (Rivotril) é
hoje o líder absoluto de vendas do grupo.
Os números assustam, conforme dados do artigo de
novembro de 2015 da revista Carta Capital:
(link:https://www.cartacapital.com.br/saude/rivot
ril-a-droga-da-paz-quimica-3659.html) . Em 2011 e
2012, dentre todos os medicamentos, o Rivotril foi

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o sexto mais vendido no Brasil. Na época, o
clonazepan era responsável por 77% das vendas de
ansiolíticos -- 14 milhões de caixas por ano.
Das 29 mil caixas de medicamentos à base de
Clonazepam no Brasil em 2007, em apenas 3 anos,
esse número superou os 10 milhões, de acordo com
a Anvisa em 2010.
Já entre setembro de 2014 e agosto de 2015, o
consumo subiu para mais de 23 milhões de caixas.
Além do diazepam e clonazepan (já citados),
existem diversos outros medicamentos do grupo,
como bromazepam, lexotan, cloxazolan, midazolan,
flunitrazepam, clobazam, dentre outros.
Suas indicações são o controle de sintomas agudos
dos chamados, pela psiquiatria, de transtornos
ansiosos, e indução dos sono nos casos de insônia
inicial, intermediária ou terminal, conforme
nomenclatura atualmente utilizada no meio médico.

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Os efeitos colaterais existem e, a partir da
especifica sensibilidade de cada indivíduo, os
dividiria em:
*agudos: desde o óbvio risco de sedação, passando
por tonteira, prostração, lentificação psicomotora,
até um paradoxal quadro de agitação. Mas o risco
de uma complicação “orgânica” imediata, grave ou
fatal, é muito baixo. O benzodiazepínico não mata o
corpo orgânico, mas desconsidera a importância do
nosso fantasiar, brincar para que sejamos vivos,
desconsidera o Eu em sua multiplicidade age a
favor de uma ausência de movimento, um Niravana
mortífero.
* crônicos: ressaltaria que (a)sujeitar-se ao uso de
altas doses, por muitos anos, aumenta o risco de
prejuízos cognitivos consideráveis a longo prazo.
Uma contra-indicação que julgo merecedora de
cuidado (pra mim todas são relativas apesar dos

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livros de psiquiatria citarem o absolutismo) , que
estenderia a todas as drogas de todas as classes, é
o glaucoma. Diante da nobreza do olhar para nossa
sensibilidade, sem desmerecer as outras vias,
escuto de muitos pacientes que fazem uso de
benzodiazepínicos relatarem também tratamento
para glaucoma. Busco evitar ao máximo essa
combinação, se é que entendem a força dos
benzodiazepínicos em nossa realidade cruel.

RODEIO FINAL:

Como prescritor, não posso deixar de fazer aqui


minhas considerações sobre tais substâncias.
Acredito que o uso pontual em casos muito bem
avaliados, quando, ou já se esgotou a possibilidade

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de outras abordagens, ou a urgência exige uma
intervenção mais imediata, os benzodiazepínicos
podem ser uma opção. O que percebo atualmente, e
os números acima citados confirmam, é o uso
indiscriminado. Quem prescreve, dentro e fora da
legislação vigente? Médicos de todas as
especialidades, farmacêuticos, balconistas, vizinhos,
parentes, amigos... Não há muito critério. Constato
que a forma como estamos lidando com o mal-estar
humano promove cada vez mais uma atrofia do
psiquismo. Diante da dificuldade de representação
a qual estamos submetidos em função da infindável
oferta de imagens que nada dizem sobre nossas
singularidades, apenas nos agrupam como mal
cuidados animais em direção ao abate, cegos e
temerosos diante da imprevisibilidade do
momento seguinte, alguns ainda lutando pela
sobrevivência, outros já com os olhares mortos,

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vagando como zumbis. VIVAMOS.
M.C

38

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