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Belo Horizonte
2015
Adriana Maria Vieira
Gustavo Policarpo
Sarah Lânnatha de Almeida
Belo Horizonte
2015
DEDICATÓRIA
Dedicamos as páginas desta obra aos atores sociais entrevistados que fazem parte direta ou
indiretamente do Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, pela
solicitude em nos conceder o seu tempo, bem como a sua dedicação na busca de explicitar e
clarificar os objetos pesquisados.
Entendemos que o objetivo dos pesquisados para além de simplesmente participar de uma
pesquisa e relatar suas experiências dentro do referido grupo é o de mostrar que através de
pesquisas e publicações se pode abrir um campo de possibilidades de desvelar a realidade
concreta na luta pela defesa dos direitos humanos dentro das unidades prisionais. Mostrando a
necessidade de trazer as experiências reais de pessoas que lidam cotidianamente com um
sistema tão rígido e desumano como o Sistema Prisional. Por isso, diante desta rigidez e da falta
de esclarecimento sobre o organograma deste sistema, ter a coragem de falar sobre Sistema
Prisional na perspectiva dos que sofrem é com certeza para além de uma simples pesquisa.
AGRADECIMENTOS
Primeiramente agradecemos, a Deus por nos dar saúde, paz de espírito, sabedoria e força nessa
árdua caminhada.
Ao nosso orientador Cristiano Costa de Carvalho pelo suporte, orientações e incentivos que
ancoraram a pesquisa.
Longe de ser uma agência terapêutica, constitui o cárcere um
núcleo de aperfeiçoamento de criminosos, a ressocialização
tornando-se absolutamente ilusória num universo hermético,
no qual fatores de toda ordem lhe anulam as esperanças, tanto
mais porque, como registra Augusto Thompson, citando
Rupert Cross e Thomas M. Osborne, ―treinar homens para a
vida livre, submetendo-os a condições de cativeiro, afigura-se
tão absurdo como alguém se preparar para uma corrida
ficando na cama por semanas.
(LEAL, 2001, p. 115)
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo apresentar a historicidade do Sistema Prisional e dos
Direitos Humanos no contexto mundial e com recorte no contexto brasileiro, apresentando
também uma breve descrição dos documentos relacionados ao Sistema Prisional, tais como: as
Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros da ONU e do Brasil e a Lei de Execução
Penal (LEP). Além de descrever também um breve histórico da construção do Serviço Social
no contexto mundial e no Brasil, assim como a inserção do Assistente Social no espaço
sociojurídico, que é um espaço de atuação que perpassa pelo objeto pesquisado, ou seja, o
movimento social ‘Grupo de Amigos e Familiares da Pessoa em Privação de Liberdade de Belo
Horizonte do Estado de Minas Gerais (GAFPPL)’, descrevendo a constituição, história e
particularidades deste movimento que atua no controle social e na busca pela garantia de
direitos das pessoas em privação de liberdade. Tendo como objetivo geral compreender os
desafios e possibilidades do movimento social GAFPPL, atuante na viabilização da garantia de
direitos do apenado. O trabalho se encerra com a descrição e análise das entrevistas
semiestruturadas, realizadas com apoiadores e militantes do referido movimento, bem como
com a análise feita â luz do referencial teórico fundamentado na perspectiva crítica dialética,
com base no marxismo, terminando com considerações finais a respeito do referencial teórico
correlacionado com a entrevista. Nota-se, no entanto, que a atuação do movimento social objeto
da pesquisa esbarra na complexidade do Sistema Prisional, e, segundo identificado nas falas
dos atores sociais entrevistados, constatou-se que existem no sistema práticas que configuram
a violação de direitos humanos em relação aos apenados e seus familiares, ressaltando que
existe dificuldade para a atuação nestes espaços, tanto para o profissional de Serviço Social
quanto para o movimento social objeto do trabalho; isto resulta, como importante aspecto, no
fortalecimento de uma atuação conjunta destes dois atores sociais.
The present study aims at portraying the historicity of the Prison System and Human Rights
in a worldwide context and as an excerpt of it, the section of the Brazilian context, as well as
at showing the historicity of the human rights at the global level and the particularities of its
historicity in Brazil; it also includes a brief description of the documents related to the Prison
System, such as: the UN Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners and Brazil’s
Law on Penal Execution (LEP). Furthermore, it describes briefly the history of the construction
of social work in the global context and in Brazil, as well as the inclusion of the social worker
into the socio-juridical space, which is an area of activity that moves throughout the researched
object, ie the social movement called 'Group Friends and Family of Persons in Deprivation of
Liberty of Belo Horizonte in the state of Minas Gerais' (GAFPPL), describing the constitution,
history and peculiarities of this movement that operates promoting social control and the search
for ensuring rights of the persons deprived of liberty. With the overall objective to understand
the challenges and possibilities of the social movement GAFPPL , active in enabling the convict
's rights guarantee. The work concludes with the description and analysis of semi-structured
interviews conducted with supporters and activists of this movement, as well as with the
analysis made under the light of a theoretical point of reference based on the dialectical critical
perspective, which is based on Marxism, ending with final remarks about the theoretical
references which are linked to the interview. It becomes evident, however, that the performance
of that social movement comes up against the complexity of the Prison System, and, as
identified in the statements of those social actors interviewed, it was found that there are
practices in the mentioned system which constitute a violation of human rights towards the
inmates and their families, emphasizing that there are difficulties to operate in these settings,
both for the social service professional worker and for the social movement which is the study
object of this paper; this results, as an important aspect, in the strengthening of joint efforts by
these two social actors.
KEYWORDS: Prison System. Human rights. Social movements. Social worker. Group of
Friends and Family of Persons in Deprivation of Liberty (GAFPPL).
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO....................................................................................................................9
2.2 Garantia de direitos dos apenados em face da evolução dos Direitos Humanos................26
2.3 Contextualização histórica da Lei de Execução Penal e das Regras Mínimas para
tratamento do preso...................................................................................................................45
PRIVAÇÃO DE LIBERDADE..............................................................................................69
CONSIDERAÇÕES FINAIS.................................................................................................91
REFERÊNCIAS......................................................................................................................97
APÊNDICE............................................................................................................................102
9
1 INTRODUÇÃO
1
Descritos na análise de dados.
11
privação de liberdade. Por este motivo localizamos que é de extrema importância na sociedade
contemporânea, na medida em que este profissional é requisitado a responder as demandas de
garantia de direitos fundamentais. Esta requisição não é apenas pelo crescente número de casos
com demandas sociais que necessitam de intervenção dos profissionais para garantir direitos,
mas também devido à conjuntura de crise, oriunda da globalização da economia, bem como os
impactos causados pelo sistema capitalista hegemônico nas relações sociais, e os reflexos da
violência, da exploração, sendo estas expressões concretas da questão social.
12
de anel, com uma torre de vigilância no centro que permitia vigiar todas as celas ao mesmo
tempo, sendo necessário somente um vigia, com celas individuais com aparência de uma jaula.
Devido ao baixo custo e eficiência, este modelo foi muito utilizado neste século. No entanto,
não havia nenhuma regulação em relação ao tratamento com o apenado dentro do sistema
prisional neste período.
O objetivo de Bentham, com o panóptico, segundo Salum apud Oliveira e Mattos
(2009), era de encontrar um instrumento para promover a transformação dos homens por meio
da vigilância. A prisão passou a ser considerada um mecanismo de mudança de condutas,
devendo servir de modelo para aqueles que ainda não praticaram crimes, desaconselhando de
cometê-los. Assim sendo, o criminoso passa a ser considerado mais em função das perspectivas
de seu comportamento, e não pelos crimes cometidos. Segundo pontua Oliveira apud Oliveira
e Mattos (2009) a prisão se parece com as fábricas, as escolas, os quartéis e com os hospitais,
além é claro que todos se parecem com as prisões, citando Foucault.
Figura 1 - O “Panóptico” de Bentham, o “olho do poder” de Foucault.
prisão perpétua. Com a independência do Brasil em 1822, se faz necessário uma legislação
própria para a nação brasileira em 1824.
De acordo com Batista apud Oliveira e Mattos (2009), a legalidade que deveria ser
a proposta da Constituição brasileira de 1824, não aconteceu. Na possibilidade das insurreições
escravas, em 1835 é editada uma Lei que cominava pena de morte para qualquer ofensa física
de escravo contra o senhor, seus familiares, ou o feitor.
A fase colonial no Brasil deixa como herança, segundo Forti (2010) significativa
fragilidade econômica, dificuldades para manter a produção e desordem financeira, sendo que
estes aspectos se transformaram em instrumentos fundamentais para que o país recorresse à
ajuda externa, firmando acordos de dependência financeira, especialmente com a Inglaterra.
Ainda de acordo com Vieira et. al. (2013), a primeira casa de correção no Brasil
surgiu no Rio de Janeiro, então capital do país, em 1769. A partir do seu reconhecimento como
nação em 1822, o Brasil cria legislações próprias, no que tange o sistema prisional e o reflexo
foi à separação dos presos por tipificação de crimes e penas, além da adaptação das cadeias para
que os apenados pudessem trabalhar.
Vieira et.al (2013) ainda conforme apontam os autores, a organização da república
liberal após a abolição da escravidão em 1888, vai influenciar os problemas sociais, pois não
houve preocupação por parte do Estado com a migração de ex-escravos e com a intensa entrada
de imigrantes na recente área urbana- industrial que se formará especialmente na capital federal
e originará o início do capitalismo industrial no Brasil, a partir do século XX. Os autores
pontuam que em 1891 foi promulgada uma Constituição de cunho liberal, que define um
Código Penal. De acordo com este código, os presos com bom comportamento adquirem o
direito de serem transferidos para áreas agrícolas.
Ferreira (2010) elucida que desde o século XIX no Brasil, as teorias positivistas na
segurança pública foram adotadas se enquadrando na ideologia elitista da época e servindo
também para o processo de alienação dos indivíduos que se desviavam do controle social. Em
um país recém-saído do regime escravocrata e inserindo-se no processo do modelo capitalista
de produção, era necessário um modelo disciplinar para garantia do controle dessa população,
dessa forma a lei penal brasileira se inicia pautada na questão racial. Inicialmente adota-se nesse
período o perfil antropológico “lombrosiano”2.
Assim, o positivismo jurídico, em especial o antropológico, exerceu papel
fundamental no direcionamento dos institutos penais aos interesses da elite da época,
legitimando o Estado na criação, regulação e execução da lei penal. Os preceitos de
2
Teoria de Cesare Lombroso: Sua principal teoria fora formulada com base na antropologia e estabelecia a relação
entre características físicas e mentais com a pré-disposição delitiva. (NAZARETH e RODRIGUES, s.d)
15
Lombroso seguiam os procedimentos médicos e afirmavam que, tal como uma pessoa
doente, o criminoso deveria ser identificado e “curado” de sua condição delitiva, ou,
no insucesso desta última, afastado definitivamente do convívio social (ANITUA
apud FERREIRA, 2010).
selecionar, afastar, controlar e punir os seres sociais autores de crime, criando-se para isso toda
a engrenagem penal, sustentada no poder disciplinar do sistema prisional.
Segundo Baratta (2011) a passagem para uma nova forma de enxergar a
criminologia continua culpabilizando o indivíduo:
A consideração do crime como um comportamento definido pelo direito, e o repúdio
do determinismo e da consideração do delinquente como um indivíduo diferente, são
aspectos essenciais da nova criminologia. [...] como comportamento, o delito surgia
da livre vontade do indivíduo, não de causas patológicas, e por isso, do ponto de vista
da liberdade e da responsabilidade moral pelas próprias ações, o delinquente não era
diferente, segundo a Escola clássica, do indivíduo normal (BARATTA, 2011).
possível conflito de classes e cria uma legislação social voltada para fomentar a
industrialização. Segundo Carvalho (2007), estas políticas sociais tiveram um caráter
excludente, meritocrático e corporativo, isto é, contemplando apenas algumas categorias de
trabalhadores e marginalizando uma enorme parcela da população. Além disso, formavam um
contingente subalternizado e impulsionado aos subempregos, sendo estes fatores de ausência
de direitos, fortes potencializadores para o ingresso deste público a criminalidade.
A chegada de Vargas ao poder, conforme pontua Forti (2010) significou o avanço
das forças sociais em favor da industrialização no Brasil, alinhada a expansão das relações
capitalistas, derrubando a oligarquia do meio rural, porém este projeto de desenvolvimento
industrial inquietou tanto os latifundiários, quanto os interesses dos imperialistas.
De acordo com Forti (2010) os períodos da Primeira e Segunda Guerra Mundial,
bem como o período da crise de 1929, permitiram algum desenvolvimento nos países
periféricos, como o Brasil, pois os imperialistas diminuíram a pressão sobre estes países. Porém
logo após o término destes acontecimentos, a pressão imperialista é retomada, principalmente
como mecanismo de transferência dos gastos acarretados, seja no contexto da crise ou em
decorrência das guerras.
Após a Segunda Guerra Mundial, conforme aponta Forti (2010), amplia-se
consideravelmente o modelo socialista pelo mundo e os Estados Unidos em contrapartida
tomaram posição destacada no modelo capitalista, constituindo-se, portanto a denominada
Guerra Fria. No Brasil este aspecto influenciou as perspectivas de um modelo de
desenvolvimento nacional proposto na época. O imperialismo capitalista não tinha qualquer
interesse no desenvolvimento industrial nacional de países periféricos, não favorecendo
empréstimos com fim de desenvolver indústrias nacionais, mas sim objetivando penetrar nessas
áreas com conjuntos industriais inteiros já constituídos.
Segundo apontam os autores supracitados, durante o período do governo de Vargas
é promulgada a Consolidação das Leis Penais e o Código Penal Brasileiro, sendo que a partir
da década de 1940, com o final da Segunda Guerra Mundial em meados de 1940, cresce no
contexto mundial a pressão pela queda dos governos centralizadores, como o de Vargas, com
um retorno gradativo ao modelo liberal, iniciando a entrada do capital oriundo dos países
capitalistas centrais nas economias periféricas, como o Brasil.
Ainda de acordo com Vieira et.al. (2013), a partir de 1955 no Brasil, no governo de
Kubitschek, esta entrada de capital estrangeiro intensificou-se, havendo, portanto, uma
necessidade de ampliar a proteção da propriedade privada. Esse período fica conhecido como
desenvolvimentista, de acordo com Forti (2010), sendo marcado pela ideologia da Segurança
19
pelo Desenvolvimento, pois o desenvolvimento é visto como um estágio alcançável pelos países
periféricos subdesenvolvidos, contando com o esforço de seu povo em favor da
industrialização, perspectiva que não mostrava a heterogeneidade e hierarquia do modelo
capitalista na era dos monopólios.
Posteriormente, o Brasil, foi tensionado por conflitos internos e pela mobilização
social, na medida em que no governo de João Goulart, pode-se considerar, de acordo com o
pensamento de Forti (2010) como direcionado ao desenvolvimento nacional, propondo-se
reformas econômicas e sociais. Este período conflituoso culmina com o golpe militar de 1964,
que instaura um regime centralizador e repressivo, tendo como maior exemplo desta atuação
repressiva o Ato Institucional número 5, que estabeleceu o fim do Habeas Corpus para crimes
políticos, criando uma sociedade pautada no medo e no silêncio.
O golpe segundo pontua Forti (2010), ocorreu no período em que o capitalismo
internacional estava na sua fase de expansão mais longa, sendo que o processo de acumulação
capitalista neste período concedeu recursos externos ao Brasil, isto é, investimentos e
empréstimos, permitindo intensificar a industrialização brasileira, contando com a introdução
de tecnologia moderna, porém direcionando esta produção intensa para a exportação,
bloqueando qualquer reivindicação popular, estabelecendo vigorosa exploração da força de
trabalho, com forte concentração de renda pelo capital nacional e principalmente internacional,
aumentando com isso a dependência econômica do país, em função dos investimentos externos.
O regime militar instaurado no Brasil após o golpe de abril de 1964, segundo
Carvalho (2007) teve como instrumentos para legalizar a repressão os chamados atos
institucionais, sendo o primeiro introduzido logo em 1964, onde foram cassados os direitos
políticos, por dez anos aos opositores políticos, intelectuais e lideranças sindicais. Seguiram
então o Ato Institucional de número dois, instaurado em 1965, que se caracterizava pela
abolição da eleição direta para presidente da República, diluindo os partidos criados na
Constituição de 1946, e estabelecendo um sistema bipartidário, também foi restringido o direito
a opinião, e os juízes militares passaram a julgar causas civis, com base na Lei de Segurança
Nacional.
Porém conforme pontua Carvalho (2007) o Ato Institucional de número cinco é
considerado o mais cruel de todos, pois foi este documento que mais restringiu os direitos civis
e políticos. Através deste ato o Congresso foi fechado, sendo o habeas corpus para crimes
político extinto. Com o general Médici que assumiu o poder a partir de 1969 a repressão se
tornou mais violenta, foi instituída uma nova Lei de Segurança Nacional, incluindo na sua pauta
a pena de morte por fuzilamento.
20
Conforme Karam apud Mattos (2010) a ordem prisional tem uma natureza
totalitária, pois a LEP foi organizada e entrou em vigor no término do regime militar, mas a
linguagem da ditadura estava presente na definição da legalidade da primeira das faltas
qualificadas como graves, descrevendo como falta grave “incitar ou participar de movimento
3
Segundo Bechara (2005), crime hediondo é o crime considerado de gravidade máxima. Por isso recebe tratamento
diferenciado e mais rígido do que os demais crimes. “É considerado crime inafiançável e insuscetível de graça,
anistia ou indulto”.
21
para subverter a ordem ou disciplina”. Essa dita subversão da ordem, conduz frequente e
incontrolada aplicação de sanções disciplinares, criando uma prisão dentro da prisão.
Conforme pontua Greco apud Mattos (2010) o grande complicador no Brasil é uma
tradição de longa data a preferência por instituições totais4, tradição que se evidenciou na
ditadura militar entre 1964 e 1985, mas que continua em vigor até os dias atuais, este modelo
de instituição completa e austera, dialoga com a brutalidade pré-moderna das câmaras de
tortura, onde tudo é possível. A instituição prisional, a instituição tortura e a instituição jurídica
são uma só, um todo orgânico articulado pelo aparelho de repressão que continua operando sob
a égide da violência explícita e o terror do Estado. O Estado Penal se fundamenta como sucessor
do Estado de Segurança Nacional. Temos como marcas, trezentos e cinquenta anos de
escravidão, quinhentos anos de extermínio dos povos indígenas, e se considerarmos, os últimos
oitenta anos da história brasileira, mais da metade foram regidos por Estados de exceção5.
Porém, Vieira et.al. (2014) pontuam que a Constituição de 1988 adotou um modelo
proposto em seu texto de cunho social democrata, mas a democracia proposta por este texto não
resolveu as expressões da questão social, como a desigualdade e o desemprego, e problemas
estruturais nas áreas, social, de educação e saúde.
No entanto Figueiredo (2012) aponta que para a teoria social crítica, se torna clara
a impossibilidade da democracia no capitalismo. Na medida em que, sem transformação das
relações sociais, obtida por meio de mudança no sistema de produção, colocando fim à
exploração da mão de obra do trabalhador, diante disto não há como existir uma igualdade
socioeconômica. Portanto, segundo Netto apud Figueiredo (2012) no sistema capitalista, só é
compatível à democracia-método, sendo esta constituída por uma gama de mecanismos
institucionais diversificados.
Segundo Wacquant apud Forti (2010) mesmo com o retorno da democracia
constitucional, o Brasil nem sempre se constituiu em um Estado de direito, as duas décadas de
regime militar continuam a pesar em grande proporção sobre o funcionamento do Estado, bem
como sobre as mentes coletivas, o que resulta na identificação pelo conjunto das classes sociais
a defesa dos direitos do homem com a defesa da bandidagem. Diante do exposto, desenvolver
4
Goffman (1987) elucida que as instituições totais são estabelecimentos fechados que funcionam com intuito de
internação, local este onde se concentra um grupo de internados que vivem em tempo integral e conta com uma
equipe que gerencia e administra a vida na instituição.
5
Chacon e Oliveira (2013) esclarecem que o conceito de estado de exceção é de origem jurídica precisa, apontando
para “fenômeno social muito específico: a suspensão do Estado de Direito através do direito. A ideia geral da
exceção é que é preciso suspender a constituição em momentos de crise e que, portanto, tal suspensão deve ser
legal, apesar de inconstitucional”.
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custodia. Tendo que levar comida, medicação, uniforme, faltando apenas pagar um aluguel em
dinheiro pela exploração do familiar.
Segundo Karam apud Mattos (2010) no Brasil, o crescimento do número de presos
é impressionante, sendo que em 1992, existiam 74 presos para cada cem mil habitantes. Em
2001 esta taxa já era de 133 por cem mil habitantes, 183, em 2004, chegando em 2007, a 219
presos para cada cem mil habitantes, estabelecendo um total de 419.551 pessoas encarceradas.
Sendo que, apenas um ano depois, em 2008, este número subiu para 440.013 presos,
correspondendo a uma taxa de 227 presos por cem mil habitantes.
Paralelamente ao número de presos no Brasil, conforme pontua a autora
referenciada acima, houve um aumento no número de indivíduos submetidos a outras categorias
de controle penal, as chamadas penas alternativas, sendo que o número de indivíduos
cumprindo estas penas já superava o número de indivíduos encarcerados, com um total de
558.830.
Segundo Coimbra apud Oliveira e Mattos (2009) com expansão do encarceramento,
aumento da vigilância e da inculcação do dogma da pena, temos no Brasil um número superior
a 450 mil presos, dos quais 95% são pobres, 87% analfabetos e 53% jovens com menos de 30
anos, sendo que 85% tiveram a sua condenação, sem a presença de um advogado. Trazendo
para os dias atuais o Levantamento Nacional de Informações Penitenciarias de 2014 segundo
Departamento Penitenciário Nacional aponta que o número de encarcerados até 2014 eram de
579.781, com o aumento aproximado de 129.781.
Conforme aponta Ruiz (2014) dados que foram pesquisados no Brasil e divulgados
pelo deputado estadual pelo Estado do Rio de Janeiro, Marcelo Freixo demonstram que a
população carcerária no Brasil cresceu, na primeira década do século atual, cerca de 10% ao
ano, o que já coloca o Brasil como a quarta população carcerária do mundo. Pelo contrário, a
população brasileira, cresce a índices médios de 1,4% ao ano, neste ritmo, em poucas décadas
a maioria da população brasileira estará presa. Ainda no país chama a atenção a grande
visibilidade que se dá a manifestações de intolerância e violência física de pessoas consideradas
“diferentes”, tais como: mulheres, homossexuais, população que vive em situação de rua, entre
outras minorias.
De acordo com Vieira et.al. (2013), a política de segurança pública brasileira
atrelada a esta lógica neoliberal vai investir a maior parte dos recursos na contenção e na
segurança em detrimento da profissionalização e assistência aos presos, fazendo um recorte na
política de segurança pública de Minas Gerais, identifica-se um aumento da população
prisional, sendo no período entre 2003 e 2008. De acordo com dados do Departamento
24
que tipo, de que trabalho se trata. O que se observa é a utilização da população dos presídios
como mão de obra barata para o mercado, realizando atividades com operações monótonas e
repetitivas, além de pouco valorizadas.
Sobre o trabalho dos apenados dentro do sistema prisional, Barros apud Magalhães
et.al (2012) pontua que para as empresas, as vantagens de utilizar-se dessa mão de obra são
inúmeras, pois, além de pagar baixos salários, são subsidiadas e isentas de pagamentos de
impostos e de direitos trabalhistas aos apenados, como férias, 13º salário e aviso prévio, uma
vez que não se necessita para estes casos de contrato de trabalho, além disso os corpos são
dóceis e disciplinados, os trabalhadores não fazem cera, não faltam, não atrasam, não adoecem
e não reivindicam.
Conforme Karam apud Mattos (2010) a execução penal não ressocializa, nem
cumpre qualquer das funções “re” que lhe são atribuídas - ressocialização, reeducação,
reinserção, reintegração, mostrando que estas funções “re” não passam de falácias. Se todas as
tipificações contidas nas leis penais fossem efetivamente alcançadas pela ingerência do sistema
penal, teríamos como consequência a punição de praticamente todos os membros da sociedade,
que, assim transformar-se-ia em um imenso presídio de difícil funcionamento, pois não sobraria
ninguém para exercer a função de carcereiro.
De acordo com Salum apud Mattos e Oliveira (2009) no Estado de Minas Gerais,
foi divulgado em 2004, que havia um déficit de 12.000 vagas no sistema prisional do referido
Estado. Neste período tem sido veiculado pela mídia algo que gira em torno de 60.000 vagas.
Esse déficit não ocorre porque tem aumentado à população, mas pelo contrário a população
decresce. Os dados divulgados pelo próprio governo do Estado indicam uma melhora em todos
os padrões de vida, na saúde, na educação e indicam um aumento da classe média, sendo que o
índice de criminalidade também segundo o referido Estado tem diminuído. Portanto não há
segundo o autor como entender estes números de aumento do déficit prisional.
De acordo com Santos apud Magalhães et. al. (2012) o Estado trava uma verdadeira
guerra civil contra sua população e de segmentos desta população que são refugos do mercado
de trabalho, portanto não tendo como sobreviver adotam condutas que são criminalizadas como,
por exemplo, a questão das drogas, dentro de um mercado que não é controlado pelo Estado, é
disputado por este contingente populacional a fogo, fazendo com que se matem entre si. É a
polícia que mata o cidadão e o cidadão que se mata entre si.
Segundo Karam apud Magalhães et. al. (2012) expande-se o poder punitivo, com a
consequente violação de normas que garantem os direitos fundamentais, minando com esta
26
2.2 Garantia de direitos dos apenados em face da evolução dos Direitos humanos
A luta pela defesa dos Direitos Humanos pode ter sua gênese datada na idade média
(século V a XV) quando surge a “Carta Magna”. De acordo com Siqueira e Oliveira (2007), tal
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documento é um pacto firmado entre o Rei João-Sem-Terra6, bispos e barões ingleses, servindo
para referência de alguns direitos e liberdades civis clássicos, por exemplo, o “Habeas Corpus”,
“processo legal” e a “garantia da propriedade”, entretanto tais direitos eram restritos, a
população não tinha acesso, somente os nobres ingleses.
Além disso, a Carta Magna esclarece que pela primeira vez na história política
medieval, de acordo com Comparato (2001), que o rei é diretamente vinculado pelas próprias
leis que edita, somente quando este respeita as leis, espera-se que elas sejam respeitadas pelos
demais. A norma fundamental inscrita na maioria das Constituições modernas preceitua que
ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude da lei, este
princípio encontra-se na Carta Magna.
Ainda de acordo com o autor a cima referenciado as cláusulas 20 e 21 lançam as
bases fundamentais para o tribunal do júri, assim como do princípio do paralelismo entre delitos
e penas, iniciando o lento processo histórico de extinção das penas criminais arbitrárias ou sem
proporção.
A cláusula 39, de acordo com Comparato (2001), é apontada como o coração da
Carta Magna, que preconiza a desvinculação da pessoa do rei tanto da lei quanto da jurisdição.
Os homens em liberdade devem ser julgados pelos seus pares, conforme a lei de cada terra, essa
cláusula é considerada em essência o princípio devido do processo jurídico, ou seja, “ninguém
será privado da liberdade de seus bens sem o devido processo legal”.
Segundo Comparato (2001), o ordenamento jurídico enfatiza as liberdades civis,
sendo construído historicamente no âmbito mundial, tendo como destaque a Lei de Habeas
Corpus, regulamentada pela lei inglesa de 1679, essa garantia judicial veio para proteger a
liberdade de locomoção tornando se matriz de todas as outras leis que vieram a ser construídas
posteriormente para proteção de outras liberdades.
A partir da definição deste ordenamento jurídico que garantia as liberdades
individuais, de acordo com o autor supradito, surgiu posteriormente o Bill of Rights7, este
documento colocou fim pela primeira vez ao regime monárquico absolutista, regime este que
preceitua que todo poder emana do rei. O autor ainda elucida que a partir de 1689 esse
documento garante o poder de legislatura e criação de tributos para o parlamento, além disso,
6
Rei João da Inglaterra é chamado de Sem-Terra pelo fato de ser o filho mais novo e por este motivo não herdou
terras como herança. (SILVA, 2014)
7 Bill of Rights, foi o projeto de lei “formulado na Inglaterra em 1689, após a deposição do rei Jaime II pela
Revolução Gloriosa de 1688 e ao qual sucedeu Guilherme de Orange. O Bill of Rights reduzia o poder do monarca,
instituindo a monarquia constitucional em lugar da realeza do direito divino.” (Disponível em:
http://www.jusbrasil.com.br/topicos/26390576/bill-of-rights)
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o Bill of Rights fortaleceu a instituição do júri e reafirmou alguns direitos fundamentais dos
indivíduos, que já haviam sido conquistados. Outro importante documento foi a declaração de
Independência dos Estados Unidos de 1776, sendo a característica central dessa declaração que
ela era o primeiro documento a afirmar os princípios democráticos da história política
contemporânea. Ademais, o cerceamento dos privilégios estamentais garantiu a livre circulação
de bens no mercado unificado, significou um dos mais importantes estímulos do
desenvolvimento do capitalismo.
Segundo Simões (2009) a ideologia liberal que se contrapõe ao absolutismo surge
como uma tentativa de proteger o direito à privacidade ao Habeas Corpus, neste momento a
responsabilidade pelos direitos civis é transferida para o poder público, deixando de ser a
manifestação da vontade divina, garantindo tratamento igualitário a todos com base no princípio
da liberdade e da igualdade. A conquista das liberdades políticas foi garantida em importante
momento histórico, com a Revolução Francesa de 1789, esses direitos e liberdades ficaram
conhecidos como direitos de primeira geração.
Pagliuca apud Ruiz (2014) aponta a existência de três teorias para os direitos
humanos: a jusnaturalista seria a que considera os direitos humanos como de origem natural,
inerentes ao ser humano, para alguns a sua origem poderia ser até mesmo divina; a teoria
positivista seria a que defende os direitos humanos apenas amparados na lei, o que implicaria
vontade política de quem legisla. Os direitos não seriam próprios de todos os seres humanos,
deveriam ser garantidos pelo Estado, dentro das instituições; e por último, a teoria moralista,
que seria a que reconhece a base dos direitos humanos como parte da consciência do povo, a
resposta legal as situações concretas, visaria ser a mais justa possível e possuir o maior consenso
entre o povo.
O direito natural, segundo Ruiz (2014) era o que os autores denominavam de estado
de natureza, ou jusnaturalismo, em que pessoas livres estabeleciam entre si absoluta igualdade,
não convivendo com formas de opressão, leis ou Estado regulador. Surge com isso à defesa da
necessidade de se estabelecer os contratos sociais, aonde às pessoas deveriam abrir mão, por
exemplo, de determinadas decisões sobre sua vida e a organização da sociedade para soberanos.
Lukács apud Ruiz (2014) aponta que o direito surge porque existe a sociedade de
classes, sendo por sua essência, um direito de classe, um sistema para ordenar a sociedade,
segundo os interesses e o poderio da classe dominante. A desigualdade social é deste modo, o
solo que cria o direito. O direito regula a atividade social no interior de uma sociedade fundada
na desigualdade social, sem, em nenhum momento tocar na estrutura desta desigualdade.
29
A concepção liberal surge conforme pontua Trindade apud Ruiz (2014) com as
revoluções burguesas dos séculos XVII e XVIII, apregoavam liberdades políticas e civis como
naturais, mas no plano real estas liberdades sofriam diversas restrições, por exemplo, mulheres
30
não podiam abrir qualquer comércio ou se empregar em qualquer atividade sem que os maridos
consentissem, além destas liberdades, ainda aceitarem o regime escravocrata.
A concepção liberal, conforme pontua Ruiz (2014) é composta por duas bases
ideológicas, a base teológica e a base laica, sendo que ambas concordam que todos nós somos
filhos de Deus, portanto, recebemos, desde o nascimento, uma série de direitos, sendo
considerados estes direitos como naturais, sendo que todos nós seriamos iguais perante a lei.
Nesta concepção é consenso a preponderância destinada a direitos civis e políticos,
especialmente o direito à propriedade privada.
Os direitos considerados de segunda geração reconhecidos como direitos sociais
segundo Simões (2009) foram resultado das lutas históricas da classe trabalhadora entre os
séculos XIX e XX, estes direitos sociais são oriundos do desenvolvimento expansionista do
capitalismo industrial que impõem condições predatórias do trabalho.
Trindade apud Ruiz (2014) aponta que o socialismo utópico não vingou porque nas
três experiências, as ilhas de comunismo não sobrevivem cercadas pelo capitalismo, pois não
bastam sensibilidade social e chamamentos à razão para alterar a ordem estabelecida de uma
sociedade. Mas o socialismo utópico trouxe um prenúncio de lutas de trabalhadores, ainda que
isolados, por respeito aos direitos humanos.
Corroborando com o exposto acima, de acordo com Ruiz (2014) os trabalhadores
europeus do século XX, começaram a perceber que as suas condições precárias de vida, não era
obra divina, e colocaram-se em cena para defender seus direitos. Ainda que a força de tais lutas
não fosse capaz de derrotar o modo de produção capitalista de forma definitiva, mas
demonstraram presentes ao longo de todo século XX, no âmbito nacional e internacional,
construindo inclusive sociedades que se mostraram como alternativas ao capitalismo, bem
como forçando os burgueses a reconhecer direitos negados, como direitos humanos.
Comparato (2001) elucida que em 1848 ocorre a revolta popular de Paris que se
divide entre o liberalismo e o socialismo democrático. Porém, Comparato apud Ruiz (2014)
citando Marx aponta uma crítica a Constituição de 1848 da França de Luiz Bonaparte, pois
considerava com caráter republicano, porém com objetivo burguês, na medida em que as
liberdades individuais eram previstas por amigos da ordem, para benefício da burguesia,
limitando direitos de outras classes sociais.
Segundo Filho apud Ruiz (2014) como classe ascendente, a burguesia, quando
estava na vanguarda enriqueceu o patrimônio jurídico da humanidade. Porém, quando chegou
ao poder findou a coisa, ou seja, quis reter o processo para gozar os benefícios, e se recusou a
sustentar e extrair as consequências de sua revolta contra os aristocratas e o modo de produção
31
feudal. Ficou uma contradição entre a liberdade que em parte favoreceu os burgueses, e o seu
prosseguimento da libertação, que daria por sua vez, oportunidades aos trabalhadores. Seguiram
a partir do século XX diversas outras revoluções que reclamam os direitos sociais conforme
aponta Ruiz (2012).
Marx e Engels apud Ruiz (2014) pontuam que em cada tempo histórico, as ideias
da classe dominante, são as ideias que predominam na sociedade. Mas a burguesia, para Ruiz
(2014) merece críticas, a partir do momento que deixa de ser revolucionária e passa a se
fundamentar como classe conservadora.
Contrapõe a Declaração dos Direitos do Homem à Declaração dos Direitos do Povo
Trabalhador e Explorado, da revolução soviética de 1917, que inauguraria uma ótica
completamente nova da abordagem tradicional dos direitos humanos. Ambos ressaltam a
contribuição de revoluções como a mexicana, em 1910, que resultaria em nova Constituição,
também em 1917, que dentre outras contribuições preveria, pela primeira vez em texto de tal
reconhecimento jurídico-legal, direitos sociais dos trabalhadores (RUIZ, 2012).
A fonte ideológica da constituição política dos Estados Unidos Mexicanos, por
exemplo, segundo Comparato (2001) promulgada em cinco de fevereiro de 1917 foi à doutrina
anarcossindicalista difundida no último quarto do século XIX em todo continente europeu,
principalmente na Rússia, na Espanha e na Itália. O texto constitucional mexicano de 1917 tinha
entre outras prerrogativas a proibição de reeleição do presidente da república, garantia das
liberdades individuais e políticas, queda do poder da igreja católica, expansão do sistema de
educação pública, reforma agrária e proteção do trabalho assalariado. Este documento foi o
primeiro a atribuir aos direitos trabalhistas à categoria de direitos fundamentais, em conjunto
com as liberdades individuais e os direitos políticos. Esta constituição mexicana foi a primeira
a reagir ao sistema capitalista, pois promoveu a desmercantilização do trabalho, isto é, a
proibição de equipara-lo a uma mercadoria qualquer sujeito a lei da oferta e da procura do
mercado.
A concepção socialista, segundo Ruiz (2014) é que se denomina como forjada por
lutas sociais dos trabalhadores, visando melhores condições de vida e de trabalho ao longo dos
séculos XIX e XX. É unanime entre os diversos autores que se dedicam ao estudo dos direitos
humanos que a maior contribuição desta concepção foi trazer para o debate dos direitos
humanos, o reconhecimento da necessidade de se prever a efetividade de direitos de ordem
social no mundo do trabalho.
Segundo Marshall apud Ruiz (2014), os direitos civis necessitam, para serem
reconhecidos, de profissão especializada de defensor de particulares, ou seja, de advogados; da
32
capacitação financeira de toda uma sociedade para arcar com os custos, o que implica
assistências aos pobres, assim como da conquista, por parte dos magistrados, de independência
ante as pressões exercidas pelo poder econômico dos poderosos. Os direitos políticos, por sua
vez, só se viabilizam caso a justiça e o aparato policial garantam mecanismos concretos para o
exercício dos direitos do voto e de se candidatar. Finalmente, os direitos sociais serão
concretizados, na medida em que, o Estado esteja dotado de um aparato administrativo forte, a
ponto de proporcionar, a todas as pessoas que necessitem de serviços sociais, que por sua vez
possam garantir o acesso universal a patamares mínimos de bem-estar e segurança material.
Segundo Ruiz (2014) a reconstituição social da história dos direitos humanos nos
leva à conclusão de que demandas decompostas em lutas concretas, principalmente as
construídas por segmentos subalternizados, são as que, ao longo dos anos, se reconhecem como
direitos. Não significando, no entanto, que estes direitos sejam garantidos de forma automática
e nem de forma cronológica como aponta Marshall, o que ocorre em uma menor proporção
dentro de uma perspectiva de universalidade. A efetivação dos direitos depende de uma efetiva
pressão das mobilizações sociais sobre o Estado e seus diferentes poderes, Legislativo,
Executivo e Judiciário, sobre o capital e os meios de produção, no caso de garantir direitos
trabalhistas, assim como a sua legitimidade junto à sociedade.
De acordo com Trindade (2002) entre as décadas de 1930 e 1960, as classes
dominantes de boa parte do mundo se viram pressionadas pela organização política da classe
trabalhadora e concordaram com sucessivas concessões aos trabalhadores, como alternativa
para afastar o risco de novas revoluções sociais, sendo que em alguns países capitalistas centrais
tomou forma o chamado Estado de Bem-Estar-Social. Tendo ocorrido neste período a Segunda
Guerra Mundial, que arrasou a nação europeia.
A Segunda Guerra Mundial segundo pontua Ruiz (2014), contou com a presença
de sessenta e um países, sendo que quarenta deles vivenciaram sangrentas batalhas em seu
território, onde morreram mais de sete milhões de alemães; seis milhões de poloneses; seis
milhões de judeus, vinte milhões de pessoas na União Soviética, entre outras atrocidades.
O final da Segunda Guerra de acordo com Ruiz (2014), ocorreu uma improvável
aliança entre o bloco capitalista e bloco socialista que resultou em uma nova configuração de
forças. Os Estados Unidos viram sua economia crescer, fruto de diversos fatores, em especial
o de não ter seu território atacado durante o período da guerra, vindo a ser posteriormente o
principal patrocinador da reconstrução do continente europeu, não significando, no entanto, o
predomínio único de sua ideologia para o mundo. A União Soviética se consolidou como um
33
poderoso bloco socialista, após ser a principal responsável pela derrota do nazismo, na
conhecida batalha de Stalingrado.
A partir do exposto acima Ruiz (2014) pontua que, este processo no pós-guerra
originou a consolidação de dois blocos antagônicos, que permaneceram em disputa até meados
da década de 1990, no conhecido processo denominado Guerra Fria. Posteriormente, os traumas
dos horrores das duas grandes guerras fizeram com que avançassem uma enorme pressão
internacional pela necessidade de se criar mecanismos que objetivassem impedir o retorno dos
conflitos. Um desses mecanismos foi à criação da Organização das Nações Unidas (ONU) em
1945.
Já no século XX, a fim de solucionar as consequências da Segunda Guerra Mundial
(1939-1945), entrou nas agendas internacionais as discussões sobre direitos e valores do
indivíduo cominando assim na criação da ONU, conforme pontuam Vieira et. al.:
A ONU (1945) então surge com o objetivo de promover a liberdade, o respeito aos
direitos humanos, a paz, a tolerância, numa busca de avanço cordial das relações entre
todos os povos. O modelo utilizado foi a Carta de São Francisco, que logo em seu
primeiro artigo aparece como preceito: “desenvolver as relações entre nações,
fortalecimento da paz mundial, cooperação internacional para resolver problemas de
caráter econômico, social, cultural ou humanitário, promovendo e estimulando o
respeito aos direitos humanos e às liberdades fundamentais para todos”. Em 1966, o
Pacto Internacional Sobre os Direitos Civis e Políticos (que preservava as liberdades
individuais e garantia procedimentos de acesso à justiça e a participação política), e o
“Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais”, foram criados na
tentativa de efetivar o que foi proposto pela Declaração Universal dos Direitos
Humanos (VIEIRA et.al, 2012).
Conforme Trindade (2002), não existia nenhum documento até 1948 que tratava a
respeito dos direitos humanos com abrangência, surgindo, assim, a Declaração Universal dos
Direitos Humanos (1948) composta por trinta artigos que abordam os direitos civis, políticos,
econômicos, sociais e culturais. A Declaração Universal dos Direitos Humanos propôs vinte
artigos sobre direitos civis e políticos e apenas seis artigos sobre direitos sociais. Sendo claro
que este precedente não se tornou sinônimo de coexistência pacífica entre as duas vertentes
incidentes na Declaração: a liberal e a socialista.
Esta correlação de forças entre estas duas vertentes produzida no pós-guerra como
cita Trindade (2002), dividiu o mundo em classes sociais com interesses contraditórios entre si.
O bloco de países capitalistas liderados pelos Estados Unidos firmou a posição de que os
direitos políticos e civis poderiam ser aplicados desde logo, sendo, portanto autoaplicáveis, ao
passo que os direitos econômicos, sociais e culturais só poderiam passar da teoria à prática aos
poucos, sendo então programáticos.
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direitos políticos e civis deveriam ser de imediata execução, enquanto que os direitos sociais,
econômicos e culturais, seriam programáticos, ou seja, implantados de forma progressiva.
Em 1993, segundo pontua Ruiz (2014) ocorreu a Conferência Mundial sobre
Direitos Humanos realizada em Viena, que preconizava predominantemente que todos os
direitos humanos são universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados. Esta
concepção de direitos humanos ficou conhecida como concepção contemporânea de direitos
humanos. Sendo que a comunidade internacional deve tratar os direitos humanos de forma
universal, justa e equitativa. Embora particularidades nacionais e regionais devam ser levadas
em conta, bem como diversos contextos históricos, culturais e religiosos, é dever de cada Estado
promover e proteger os direitos humanos e liberdades fundamentais, independentemente de
quais forem seus regimes políticos, econômicos e culturais. O que é um problema da concepção
contemporânea, proposta na Conferência Mundial em Viena, de acordo com Ruiz (2014) é a
ausência de uma reflexão analítica macrossocietária que permita contribuir para identificação
das causas estruturais da desigualdade social e de outras expressões da questão social, que
impactam na violação de direitos.
As contradições entre as concepções de direitos civis e políticos, isto é concepção
liberal, como sendo autoaplicáveis, e de direitos sociais sendo de caráter programático,
caracterizando a concepção socialista, segundo esclarece Ruiz (2014), em conjunto com as lutas
populares gerou uma concepção mais humanista e generosa, que previa os direitos como
universais e interdependentes, sendo denominada como concepção contemporânea de direitos
humanos. Porém Trindade apud Ruiz (2014) cita retrocessos que caracteriza como fenômenos,
tais como: a ampliação do desemprego na indústria automobilística na Alemanha; a instituição
de bancos de horas na indústria brasileira para não pagamento de salários devidos à classe
trabalhadora. Este processo se desdobra em uma quarta concepção de direitos humanos, que
separa a humanidade em duas, convivendo com violações de direitos, contanto que tais
violações atingissem apenas as camadas subalternizadas.
Existem de acordo com Ruiz (2014) mecanismos convencionais e
extraconvencionais de proteção dos direitos humanos previstos internacionalmente. Os
extraconvencionais são criados a partir de resoluções e documentos da ONU ou de cada país,
tais como: relatorias especiais, grupos de trabalho, comitês e representações especificas. Dois
exemplos no Brasil são a relatoria exercida por Raquel Rolnik para questões habitacionais e o
mecanismo de prevenção à tortura e demais tratamentos cruéis e degradantes, instalado no Rio
de Janeiro a partir da Comissão de Direitos Humanos da Assembleia Legislativa estadual do
referido Estado. Os mecanismos convencionais são estabelecidos por declarações e convenções
36
de direitos humanos aprovados no âmbito da ONU e dos sistemas regionais de proteção, como
por exemplo, no caso do Brasil, a Organização dos Estados Americanos. Tais instrumentos
preveem a existência de tribunais internacionais para os quais indivíduos e coletividades podem
encaminhar denúncias, que embora já tenham sido declaradas em âmbito nacional, não foram
apuradas pelos Estados.
Estes tribunais internacionais, conforme aponta Ruiz (2014) podem aprovar
sanções a países violadores de direitos humanos, sendo que o Brasil já foi condenado
internacionalmente, nos episódios como os massacres na Candelária e Carandiru e o caso Maria
da Penha, dentre outras situações.
Nos países capitalistas, como aborda Trindade (2002), os direitos humanos foram
classificados como de primeira e segunda geração, sendo os de primeira geração os civis e
políticos e os de segunda geração os econômicos, sociais e culturais, na medida em que os
direitos sociais foram conquistados através da luta da classe trabalhadora. Já No Brasil de
acordo com Carvalho (2007), o processo foi inverso: primeiro surgiram os direitos sociais que
foram de forma tutelada pelo estado varguista a partir de 1930.
O Brasil, durante décadas, manteve a forma centralizadora de governo, vista no
governo Vargas e posteriormente no governo militar a partir do golpe de 1964, na medida em
que tinham além da centralização do poder a concessão de alguns direitos sociais em detrimento
da supressão de direitos civis e políticos.
Carvalho (2007) esclarece que tanto no Estado Novo de Vargas quanto na ditadura
militar foram restringidos direitos civis e políticos através de medidas violentas, estes dois
períodos se assemelham pela atuação centralizadora do Estado, com algum protagonismo de
direitos sociais, porém como forma de garantir o desenvolvimento econômico.
Em meados da década de 1960, segundo Trindade (2002) as lutas populares
ganharam dinamismo ao redor do mundo, era o auge da Guerra Fria, e esta vigorosa ascensão
popular foi detida de forma trágica em dezenas de países pela proliferação de golpes de Estado,
com apoio mais ou menos explícito dos Estados Unidos, dando início a um cordão de ditaduras
assassinas ao redor do planeta, Indonésia (1965), Grécia (1967), Turquia (1971), Bolívia
(1971), Uruguai (1972) e o Brasil em 1964, onde empresários, principalmente de grande porte,
latifundiários, políticos liberais, setores consideráveis da classe média e militares embriagados
pela doutrina de segurança nacional imposta pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos
se aliaram para liquidar a democracia formal.
O regime militar instaurado no Brasil após o golpe de abril de 1964, segundo
Carvalho (2007) teve como instrumentos para legalizar a repressão os chamados atos
37
institucionais, sendo o primeiro introduzido logo em 1964, onde foram cassados os direitos
políticos, por dez anos aos opositores políticos, intelectuais e lideranças sindicais. Seguiram
então o Ato Institucional de número dois, instaurado em 1965, que se caracterizava pela
abolição da eleição direta para presidente da República, diluindo os partidos criados na
Constituição de 1946, e estabelecendo um sistema bipartidário, também foi restringido o direito
a opinião, e os juízes militares passaram a julgar causas civis, com base na Lei de Segurança
Nacional.
Porém conforme pontua Carvalho (2007) o Ato Institucional de número cinco é
considerado o mais cruel de todos, pois foi este documento que mais restringiu os direitos civis
e políticos. Através deste ato o Congresso foi fechado, sendo o Habeas Corpus para crimes
políticos extintos. Com o general Médici que assumiu o poder a partir de 1969 a repressão se
tornou mais violenta, foi instituída uma nova Lei de Segurança Nacional, incluindo na sua pauta
a pena de morte por fuzilamento.
Ocorreu ainda no regime militar por volta do início da década de 1970, o período
conhecido como milagre econômico, de acordo com Carvalho (2007) de intenso uso e
exploração da classe trabalhadora, que culminou com um grande avanço na economia, porém
com um curto período de tempo, assim que passou o milagre, a taxa de crescimento econômico
caiu, e o crédito do regime militar começou a se esgotar, a classe média se opôs ao regime e a
organização da classe operaria voltou a tona.
De acordo com Carvalho (2007), a internacionalização da economia brasileira
intensificou a urbanização das grandes cidades, em consequência disto levou a formação de
metrópoles com grande concentração de segmentos marginalizados da sociedade, estas classes
eram privadas de serviços públicos, de segurança e de justiça. As polícias formadas no regime
militar foram colocadas sobre a égide do exército e foram usadas no combate aos movimentos
contestatórios do regime, tornando totalmente incapazes devido a esta filosofia, de cuidar do
cidadão, a polícia autoritária formada neste período acreditava que só havia inimigos a
combater.
Greco apud Mattos (2010) aponta que a tortura se tornou instituição central da
ditadura militar do país e permanece como um traço dos mais sólidos e mais longevos do país.
A cultura do terror, do extermínio, do sigilo, atravessou o período militar e sobreviveu arraigada
no aparelho repressivo policial, vindo junto com esta, a cultura da criminalização dos
movimentos sociais.
Oliveira apud Mattos (2010) relata que a violência policial é responsável por um
elevado número de mortes e atos violentos. A abordagem policial se utiliza de critérios
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De acordo com Forti (2010) o projeto neoliberal ataca as políticas públicas e amplia
a desigualdade social e seus desdobramentos incidem nos índices de aumento da violência
urbana, estes desdobramentos podem ser caracterizados como perda nos postos de trabalho,
trabalho desregulamentado, contratações temporárias, informalidade do trabalho, introdução de
novos mecanismos tecnológicos e gerenciais, enfraquecimento dos sindicatos, impossibilitando
a organização e resistência dos trabalhadores.
Com isso, segundo aponta Forti (2010), pode-se destacar que a política neoliberal
é o modelo hegemônico que atinge a economia, a política, as relações sociais e o campo
ideológico, posicionando as relações e o lugar de cada país, promovendo um recuo da proteção
social coletiva, ampliando em consequência disto à insegurança social suscitada pela queda do
trabalho assalariado e mercantilização das relações humanas.
Por conseguinte, Wacquant apud Forti (2010) esclarece que o modelo neoliberal
pretende remediar com mais Estado policial e menos Estado econômico e social que é a própria
causa do aumento generalizado da insegurança subjetiva em todas as nações, tanto do primeiro
como do segundo mundo.
Essas ideias ainda conforme o pensamento de Wacquant descrito por Forti (2010)
são advindas da doutrina da “Tolerância Zero”, originadas na direita reacionária dos Estados
Unidos, ganhando apoio na vanguarda da nova esquerda europeia e já ganhando adeptos no
continente latino-americano, ideias que corroboram com o controle dos “maus pobres”,
devendo estes serem capturados pela mão de ferro do Estado punitivo e penal.
O Brasil, conforme aponta Forti (2010) tendo sua base de produção fundada no
meio rural, viabiliza sua industrialização privilegiando a área urbana, estimulando o êxodo rural
dos trabalhadores do campo para a cidade, causando sérias mazelas sociais, nesta área urbana,
traçando também um caminho para os conflitos no campo que se arrastam até os dias de hoje
como ausência de reforma agrária.
Retomando o período Vargas, Forti (2010) aclara que a questão social é tratada
como caso de polícia, apesar da legitimação da questão social a partir de 1930, retirando esta
da ilegalidade e trazendo para a esfera política, Vargas não hesitou em tratá-la também como
caso de polícia. Como exemplo, pode-se destacar ainda conforme pensamento da autora que o
Estado Novo, a partir de 1937, a ditadura de Vargas colocou a questão social na arena policial,
reprimindo o movimento operário organizado.
Com a crise contemporânea do capital, conforme pontua Wacquant apud Forti
(2010), a repressão à questão social é global e, algo que traz aspectos devastadores em países
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como o Brasil, que nem um Estado de Bem-Estar tiveram para que pudesse ser substituído por
um Estado Penal.
De acordo com Ruiz (2014) na maioria das vezes as posições do judiciário têm sido
de defesa da propriedade privada em detrimento do interesse social de grandes massas
populacionais. Mas as ações, na cidade e no campo, de movimentos dos trabalhadores sem terra
para plantar e garantir sua sustentabilidade, ou os trabalhadores sem teto para morar, têm se
mantido, com obtenção de importantes conquistas do ponto de vista de legitimar suas causas
sociais, em busca de direitos, que embora não reconhecidos constitucionalmente, passam a ser,
ainda que timidamente, reconhecidos pela pressão exercida por estes movimentos sociais.
A segurança, de acordo com Marx apud Ruiz (2014) é o conceito de polícia, pois a
sociedade toda apenas existe para a garantia da conservação da pessoa, dos seus direitos e da
propriedade privada a cada um de seus membros. Para isso, existem inúmeras legislações
penais, que preveem rigorosas penas de privação de liberdade para aqueles indivíduos que
ameaçarem esta ordem. Em consequência disso, a população prisional cresce com números
assustadores em países, como o Brasil, nos quais a desigualdade social se acentua, em todos
estes países a prisão vem servindo como mecanismo de defesa da propriedade privada, assim
como para criminalizar pobres, determinados perfis étnicos ou de comportamento e
movimentos sociais. Os militantes apontam um círculo vicioso, em que, o Estado ao invés de
combater o crime e buscar a reintegração das pessoas privadas de liberdade, prefere segrega-
las por mais tempo nas prisões.
Santos apud Ruiz (2014) pontua que existem duas versões de direitos humanos
existentes na contemporaneidade, a liberal e a marxista, a marxista deve ser adotada, pois
amplia para o âmbito econômico e social, a igualdade que a versão liberal apenas considera
legítima no âmbito político. Marx empenhou-se em provar que a liberdade e igualdade,
bandeiras das revoluções burguesas, em vez de garantirem direitos humanos universais, só
podiam indicar, numa sociedade que impera a exploração assalariada, privilégios da classe
dominante, detentora dos meios de produção e da propriedade privada concentrada no capital.
Os direitos humanos, conforme pontua Ruiz (2014) diverge até mesmo dentro das
classes sociais, convivendo com imposições de desigualdade naturalizadas, mesmo entre seus
pares, tais como: violência contra a mulher, o racismo, a homofobia, o machismo. Existem
denúncias de movimentos sociais em relação a espancamento e até homicídio de população que
vive em situação de rua, salários inferiores para mesmo trabalho realizado a mulheres e negros,
pessoas com deficiência são discriminadas nos postos de trabalho, mesmo existindo políticas
afirmativas para estas situações. No país há anos convive-se com a violência letal contra jovens
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e negros, o sistema prisional aprisiona este mesmo contingente populacional de jovens e negros
em um percentual absurdo, entre outras situações que fazem os defensores da criminologia
crítica analisar os direitos humanos, como direitos pequeno-burgueses, na medida em que
priorizam direitos e imperativos individuais.
De acordo com Tonet apud Ruiz (2014) a luta pelos direitos humanos, é válida e
pode ter um papel muito importante, podendo, no entanto, ter um caráter reformista ou
revolucionário. Será reformista, quando contribuir para a manutenção desta ordem social
hegemônica, desumana, tendo como fim único apenas o aperfeiçoamento da democracia e da
cidadania. Terá um caráter revolucionário, se tiver lucidez quanto às suas fronteiras, estando
articulada com lutas radicalmente anticapitalistas.
De acordo com Ruiz (2014) concepções distintas sobre direitos humanos não são
apenas uma visão idealista e intelectual, elas dialogam com visões de sociedade, com
antagonismo entre classes, com disputas políticas e ideológicas que se confrontam ao longo da
história. Assim, os direitos humanos aparecem como um meio de fazer política, de intervenção
no jogo político, de criação de alternativas ao poder estabelecido, tendo um caráter
essencialmente político.
A teoria crítica aponta, de acordo com Ruiz (2014) que uma sociedade sem
propriedade privada dos meios de produção, não se trata de uma sociedade sem punições, mas
com punições educativas, e não com punição exclusivamente com privação de liberdade.
Direitos humanos, de acordo com Ruiz (2014) possuem distintas dimensões, como sua
positivação, a demanda por outros e novos direitos, interpretações diversas para todos os
direitos, demandas oriundas de particularidades sócio históricas, de regiões ou de países. Sendo
que todas estas dimensões reúnem possibilidades e limites, devendo ser apreciadas à luz do
antagonismo presente na história da humanidade, que a faz avançar dentro de uma perspectiva
dialética.
Segundo Ruiz (2014) a concepção reacionária de direitos humanos preconiza que
direitos não devem ser universalizados. Para que a humanidade permaneça viva é necessário
negar o acesso à distribuição de bens, serviços e riquezas a uma parte desta mesma humanidade.
As posições defendem a concentração de renda e riqueza, migrações, racismo e xenofobia,
autodeterminação ou não dos povos, provimento ou não por parte do Estado ou por rede
privadas de mínimos recursos para a vida dos indivíduos, aprisionamento e até mesmo pena de
morte, daqueles que não se adéquam à organização da sociedade.
Nesta concepção reacionária de acordo com Ruiz (2014) cria-se, portanto, uma
alienação alimentada pela mídia entre dois mundos, por um lado, a ordem, a moralidade, a
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honestidade, os bons costumes, a vida regrada e religiosa, isto é, o bem, e por outro lado, o caos,
a promiscuidade, a degeneração moral, a desonestidade, a maldade, a violência e a bandidagem,
que infesta e suja as ruas das cidades.
Os efeitos de uma concepção reacionária em uma sociedade, segundo Ruiz (2014)
no campo dos direitos humanos são assombrosos. Sua ideologia é a que encontra maior
arraigamento no senso comum. Quantas vezes se escutam a frase “direito humano é defesa de
bandido”! Dessa exclamação para a legitimação de tratamentos desumanos contra milhares de
pessoas, assim como de brutalidades e mesmo de assassinato, ou a defesa de políticas
higienistas para as grandes metrópoles, que na verdade esconderiam o empobrecimento gerado
pela concentração de renda e pela desigualdade social. Resgata-se a ideia de que os direitos
devem existir apenas para as pessoas de bem, excluindo destes segmentos inúmeros
contingentes da classe trabalhadora pobre, desempregados, que são criminalizados e privados
de liberdade.
Conforme pontua Ruiz (2014) mesmo o direito ao voto no Brasil sendo universal,
foi recente que houve iniciativas para que este direito fosse concedido às pessoas em privação
de liberdade. Esta barreira se dá segundo as explicações, porque a relação com o voto preconiza
a obrigatoriedade de se comparecer nas urnas para escolha dos candidatos a cargos legislativos
ou executivos, mas vale ressaltar que o direito ao voto é limitado no Brasil, pois ele está inter-
relacionado diretamente com o acesso à informação de forma crítica, sendo o voto manipulado
pela mídia.
Segundo pontua Ruiz (2014) parece ser realidade, que à luz do século XXI, existem
experiências liberais desenvolvidas, travestidas de experiências socialistas, pensemos em
governos recentes no Brasil, dos presidentes Luís Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff.
Conforme aponta Ruiz (2014) os direitos são frutos de contradições entre distintos
interesses, de lutas sociais, que se originam em diferentes processos, assim como das condições
objetivas colocadas em cada contexto histórico na relação com estas lutas. Perceber isto, não
significa, no entanto, desconsiderar as inegáveis distinções socialmente construídas, que
traduzem fortes impactos sociais, culturais e econômicos para os que não compõem o padrão
masculino, branco, rico, heterossexual, sem limitações físicas, entre outras caracterizações
existentes entre os diferentes seres humanos.
Ruiz (2014) elucida que a concepção dialética tão importante na luta pela efetivação
e reconhecimento dos direitos humanos, deve-se pautar por alguns aspectos peculiares, como
por exemplo: direito não é algo dado por uma instância sobrenatural, nem tampouco sucede da
natureza ou de suposta igualdade inata entre todos os indivíduos humanos. São resultados de
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A Associação de Proteção e Assistência aos Condenados (APAC) é uma entidade civil, sem fins lucrativos, que
se dedica à recuperação e reintegração social dos condenados a penas privativas de liberdade, bem como socorrer
a vítima e proteger a sociedade. Opera, assim, como uma entidade auxiliar do Poder Judiciário e Executivo,
respectivamente na execução penal e na administração do cumprimento das penas privativas de liberdade. Sua
filosofia é ‘Matar o criminoso e Salvar o homem’, a partir de uma disciplina rígida, caracterizada por respeito,
ordem, trabalho e o envolvimento da família do sentenciado (FARIA, 2015).
45
APAC, sendo que alguns destes países realizaram o experimento, contando com resultados
bastante positivos, representando uma enorme economia para estes Estados.
Ainda referenciando o autor acima, entre as diversas prerrogativas das penas
alternativas se incluem: o custo altamente inferior, como por exemplo, na Inglaterra, a pena
privativa de liberdade é vinte vezes mais cara do que a prestação de serviços à comunidade,
além dos baixos índices de reincidência a níveis globais, tendo 60% de reincidência nas penas
com cárcere, e apenas 25% nas penas alternativas.
2.3 Contextualização histórica da Lei de Execução Penal e das Regras Mínimas para
tratamento do preso
Leal (2001) pontua que em 1872 foi criada a Comissão Penitenciária Internacional,
órgão intergovernamental que passaria a chamar Comissão Internacional Penitenciária tendo
suas atividades encerradas em 1951, sendo a primeira tentativa de tratar as questões de cunho
penitenciário.
Dando um salto histórico para 1930 de acordo com Leal (2001), neste ano em Praga
capital da República Tcheca foi realizado um congresso onde foram apresentadas 55 regras
fundamentais presentes nas Regras Mínimas da ONU, que em 1933 tornou o mais importante
documento oficial, sendo inquestionavelmente o documento mais importante produzido na área
penitenciária. A partir deste momento surgiram outros documentos internacionais que
sancionam a proteção dos Direitos Humanos no âmbito prisional.
As Regras Mínimas, conforme pontua Silva (2014), especificamente no item 50 diz
que o diretor de uma unidade prisional deve ser adequadamente qualificado para o seu cargo,
por seu caráter, sua competência administrativa e sua experiência apropriada; o diretor tem de
dedicar todo o seu tempo a suas atribuições e não será nomeado em regime parcial do tempo;
devendo o diretor residir nas instalações da unidade ou em sua redondeza.
As Regras Mínimas para o tratamento de pessoas presas, conforme Silva (2014), no
item 46-2, esclarece que a administração penitenciária deverá esforçar-se em despertar
constantemente e manter no imaginário tanto do pessoal penitenciário, quanto na opinião
pública a certeza de que a função penitenciária constitui um serviço social de grande relevância
e, para tanto, deverá ser realizada todas as tentativas de informa-lo ao público.
No que tange à função de agente penitenciário, Silva (2014) esclarece que segundo
as Regras Mínimas para o tratamento do preso, esta função deveria estar alinhada com um
serviço técnico de alta qualificação. Todavia, transforma-se em uma função de polícia,
46
esclarecendo a função policialesca que possui a gestão, além é claro da vocação policial
equivocada que na cultura os agentes penitenciários reproduzem.
No Brasil em 1822 foi proclamada a independência que culminou na primeira
Constituição Federal em 1824, que em seu artigo 179 traz alterações aos assuntos penais
presentes nas Ordenações Filipinas -leis penais portuguesas, datadas do início do século XVI-
“abolindo a pena de morte, as torturas, os açoites, extensão da infâmia do réu para a sua família
e estabeleceu a igualdade de todos os cidadãos perante a lei” (NETO, s.d).
Neto ainda pontua que estas alterações foram às únicas no pós-independência
brasileira, tendo as Ordenações Filipinas vigoradas até os anos de 1830 quando foi promulgado
por D. Pedro I o Código Criminal do Império. Tal Código teve sua discursão iniciada no
parlamento em 1826 se estendendo até 1830 quando fora outorgado, anulando a legislação penal
colonial e alterando as percepções dos crimes e penas no Brasil. Este espaço de tempo em que
se deram as discussões a respeito do Código Criminal foi marcado pelo surgimento de vários
aparatos jurídicos modelando o Estado Nacional, marcado também por “grandes turbulências
sociais e crises políticas, e, por isso mesmo, um período que a historiografia classificou como
sendo de crise do Primeiro Reinado” (NETO, s.d).
Segundo Vieira et. al. (2013) o Código Criminal já tinha foco na propriedade de
escravos, refletindo a partir da independência em mudanças no sistema carcerário, como
separação por tipos de crimes e penas com adaptações nos estabelecimentos para que os presos
trabalhassem. Tal Código constituiu “diretrizes para modificações referentes ao tratamento de
crimes públicos, revoltas e rebeliões, de acordo com cada abrangência, numa busca no decorrer
da história, de direitos, cidadania, leis e demais interesses sociais e civis”. Neto (s.d)
complementa que “os anos vinte do século XIX foram marcados por movimentos populares, da
escravaria e da soldadesca por liberdade, melhores condições de vida e trabalho”.
Marcelo Falcão Duarte (1999) descreve que em 1890 com a República foi editado
o Código Criminal da República sendo alvo de críticas por falhas em seu texto. Em 1891 com
a promulgação da Constituição foi abolida a pena de morte, o trabalho forçado como pena e o
banimento judicial, trazendo reformulação ao Código Criminal da República que institui
avanço na legislação penal da época abolindo a pena de morte e fundou o regime penitenciário
de caráter correcional. Sendo este Código de 1890 de ideologia clássica, porém consentia com
postulados positivistas.
Das alterações feitas ao Código de 1890, destacam-se segundo Duarte (1999) as
seguintes sanções: “prisão; banimento (o que a Carta Magna punia era o banimento judicial que
consistia em pena perpétua, diversa, portanto, desse, que importava apenas em privação
47
temporária); interdição (suspensão dos direitos políticos, etc.); suspensão e perda de emprego
público e multa”.
Duarte (1999) diz que o Código de 1890 já surgiu necessitado de alterações, pois
não pode ser transformado imediatamente, o que levou ao surgimento de várias leis que o
emendasse, causando confusão e imprecisão nas aplicações por ser um número muito grande
de emendas. Cabendo assim ao desembargador Vicente Piragibe a responsabilidade de
consolidar essas emendas, dando origem a Consolidação das Leis Penais de Piragibe através do
Decreto Lei de 14 de dezembro de 1932, Nº 22.213. “Composta de quatro livros e quatrocentos
e dez artigos, a Consolidação das Leis Penais realizadas pelo Desembargador Vicente Piragibe,
passou a ser, de maneira precária, o Estatuto Penal Brasileiro”, vigorando até 1940.
O autor antes citado elucida que apesar de promulgado o novo Código Penal em
1940, este somente veio a vigorar em 1942, este prazo fora preciso para além de conhecê-lo
coincidir com a vigência do Código de Processo Penal. Mesmo assim a legislação brasileira
tinha o Código de 1940 como primordial, sendo este originado de um projeto cujo autor era
Alcântara Machado com o aval “de uma comissão revisora composta de Nelson Hungria, Vieira
Braga, Marcélio de Queiroz e Roberto Lira” (DUARTE,1999). Tal legislação é considerada por
Duarte eclética, fazendo “conciliação entre os postulados das Escolas Clássicas e Positiva”,
absorvendo das legislações contemporâneas de direção liberal - em especial dos códigos
Italiano e Suíço o que se tinha de melhor. Em 1941 no congresso de Santiago do Chile o Código
de 1940 foi considerado "um notável progresso jurídico, tanto por sua estrutura, quanto por sua
técnica e avançadas instituições que contém", apesar de conter falhas.
O autor acima citado diz que tiveram diversas tentativas de alterar a legislação penal
brasileira. O professor e ministro Nelson Hungria em 1963 recebeu o mandato do governo
federal de criação de um anteprojeto do Código Penal de 1940 de sua própria autoria, este
anteprojeto foi submetido a diversas revisões quando em outubro de 1969 foi convertido em
Decreto Lei de Nº 1004. Passou-se então em 1969 a vigorar o novo código penal, porém Duarte
(1999) ressalta que devido a críticas foi substituído pela Lei Nº 6.016 de 1973, e após tantos
adiamentos do início em que deveria vigorar o código de 1969 foi abolido pela Lei Nº 6.5778,
de 11 de outubro de 1978.
Ainda de acordo com Duarte (1999) a reforma do Código em vigor no ano de 1980
ficou a cargo do professor Francisco de Assis Toledo, que assim como na Alemanha modificou-
se em primeiro lugar a parte geral do código. Publicou-se em 1981 o anteprojeto sendo aberto
a sugestões, após discussão no Congresso em 1984 o esboço foi aprovado alterando
48
basicamente a parte geral, onde adotou o sistema vicariante (sistema de substituição onde há a
pena ou medida de segurança).
Segundo Vieira et. al. (2013) ao final da ditadura militar foi formulada a Lei de
Execução Penal (LEP). Duarte (1999) pontua que em 1984 devida à nova Parte Geral do Código
de 1940 foi proclamada a nova Lei de Execução Penal de nº 7.210, sendo esta uma lei específica
de regulação de penas e medidas de segurança.
Vieira et. al. (2013), elucida que a LEP só passou a vigorar a partir do ano de 1985,
trazendo em seu texto os direitos e deveres do apenado, dentro e fora da prisão, visando a
ressocialização. A LEP trouxe em seus artigos a permissão do apenado trabalhar e ter um
salário, e a redução de um dia da pena a cada três dias trabalhados para os apenados internos,
reforça também a abolição da pena de morte já existente no Código de 1890. Já a interdição da
prática de tortura foi conquistada em 1988 com a promulgação da chamada Constituição
Cidadã, que em seu artigo 5º alega no inciso XLVII que “–não haverá penas: a) de morte, salvo
em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo; c) de trabalhos
forçados; d) de banimento; e) cruéis” e no inciso XLIX “–é assegurado aos presos o respeito à
integridade física e moral”.
A partir da LEP em 1984 e da Constituição Federal do Brasil em 1988 fez-se
necessário a promulgação das Regras Mínimas para o Tratamento do Preso no Brasil em 1994,
documento este que contendo 65 artigos que abordam sobre classificação, alimentação,
assistência médica, disciplina, educação, trabalho, direitos e deveres dos apenados entre outros
assuntos. Tal documento segundo Camargo (2006) é norteado pelas Regras Mínimas para o
Tratamento de Prisioneiros das Nações Unidas de 1955 e é tido como documento essencial e
oficial que orienta os que administram as prisões. A autora ainda pontua que alguns estados
brasileiros têm prevenções parecidas com as Regras Mínimas sendo assegurado em suas
legislações estaduais o respeito às Regras Mínimas da ONU, a defesa técnica nas infrações
disciplinares.
A Resolução de número 14 do dia 11 de novembro de 1994 foi chancelada pelo
Presidente do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária Edmundo Oliveira e o
Hermes Vilchez Guerreiro, Conselheiro Relator. Tal documento é composto de 65 artigos
estabelecendo as Regras Mínimas para o tratamento do preso no Brasil separadas por 26
capítulos.
Publicado no Diário Oficial da União de 2 de dezembro de 1994 as regras
estabelecem o respeito as crenças religiosas, a dignidade pessoal, integridade física e o direito
de ser chamado pelo próprio nome, dados de identificação no estabelecimento onde o indivíduo
49
quando não se têm antecedentes, ou é culpado, reincidente, conduta social, personalidade, entre
outros e quando a pena for no máximo 4 anos, o autor ainda salienta “que, em sendo o crime
culposo, haverá a substituição, qualquer que se seja a pena aplicada” Duarte (1999).
De acordo com Leal (2001) existem críticas à pena de prisão, especialmente por
não cumprir o objetivo de ressocialização e advertência do apenado, sendo reprodutora da
delinquência.
Muller apud Vieira et. al. (2013) elucida que:
A delinquência provoca um colapso do tecido social, mas frequentemente ela já é uma
consequência de tal colapso. No momento em que um indivíduo, em especial os
jovens, deixa de encontrar um lugar onde lançar raízes na sociedade, quando não acha
meios de estruturar sua personalidade ou dar sentido à sua existência, acontece um
colapso entre a sociedade e aquele indivíduo.
estatal e a ilegalidade, verificamos o pior dos dois mundos, nem os direitos são assegurados,
nem deveres impostos. O primeiro gera indignação e revolta nos familiares e na massa
encarcerada, já o segundo propicia a mutação do ressentimento em atos concretos de rebeldia e
revanche.
De acordo com Soares e Guindani (2008) a LEP assegura vários direitos, tais como:
assistência social e psicológica, aos quais os presos não tem acesso. Dentre os direitos sociais
frequentemente mais violados, destacam-se o trabalho, na medida em que apenas 26% dos
detentos estão em atividades relacionadas a trabalho, conforme Lemgruber apud Soares e
Guindani (2008). Além disso, as condições intramuros restringem este direito a apenas uma
minoria, sendo que os que conseguem trabalhar não contam com qualquer benefício
previdenciário; outro problema detectado intramuros é em relação à assistência médica
destinada aos detentos, pois muitas das vezes é negligenciada, desde os atendimentos mais
básicos, como pequenos curativos, até problemas complexos, como acidente vascular cerebral,
por exemplo; os dependentes químicos e os que desenvolveram doenças mentais após a prisão
não recebem auxílio adequado. Sendo que quase 60% dos estados não possuem convênio com
Ministério da Saúde; no que se refere à assistência jurídica, uma das prioridades dos detentos,
tem-se revelado incipiente e lenta; na educação somente 17% dos presos estão vinculados a
alguma atividade de ensino, entre outras violações de direitos.
De acordo com Soares e Guindani (2008) se fazem necessário compreender, que a
entrada, a permanência e o regresso dos presos do sistema prisional exigem uma integração
entre as políticas setoriais e que a tensão não pode se dar no ingresso, se não houver número
suficiente de vagas e em condições compatíveis com as determinações legais. Isso propõe duas
alternativas: não é preciso que se aumentem as penas ou as endureça, mas a certeza da punição,
por um lado, e o cumprimento da LEP, por outro; o judiciário precisa também aplicar mais as
penas alternativas em detrimento das penas de privação de liberdade, deixando o cárcere para
os criminosos violentos, sendo necessário que o Legislativo flexibilize o código, quando se trata
de crimes de menor potencial.
Silva (2014) explana que infelizmente, as estratégias de gestão com base em
estruturas de administração militares são uma realidade nacional, corroborando com a condição
de policial em compasso com a capacidade de gestão do sistema prisional, mas esta capacidade
se contrapõe a proposta da ressocialização, pois esta proposta de controle policial se contradiz
com o proposto no texto da política de ressocialização.
Ainda segundo Silva (2014) a lógica da atuação policial no cumprimento da pena é
contrária à proposta humanista, deixando claro segundo o autor que o Brasil não cumpre o
53
proposto de vários tratados assinados pelo país, como por exemplo, as Regras Mínimas das
pessoas em privação de liberdade. Conforme aponta o autor supracitado, apesar do curso de
formação para os agentes penitenciários apresentar em seu arcabouço teórico-metodológico,
disciplinas que debatam as ciências humanas, é clara a proposta policialesca empregada nesta
formação.
Silva (2014) também esclarece que a perspectiva da militarização da gestão
penitenciária é essencial para sustentar o modelo societário vigente, abrandando, pela disciplina
e pela força, aqueles que se colocam fora do contexto que lhes é imposto na divisão
socioespacial estabelecida por este modelo societário. Esse quadro não se coaduna com o
proposto pelas Regras Mínimas para tratamento dos presos, que referenda a gestão penitenciária
técnica e qualificada, sem pressupostos de militarização, sem desconsiderar os poderes de
polícia estabelecidos pela LEP, para os agentes penitenciários.
Para Silva (2014), é necessário reformular toda a proposta da ressocialização, assim
como os recursos humanos que se perpetram nos presídios e penitenciárias, pois, toda a
estrutura se coloca em contraponto a proposta humanística da ressocialização, na medida em
que se militariza ou terceiriza os serviços, com vistas ao lucro, e ainda se cria um significado
de polícia para os servidores, chamados de agentes penitenciários, um grande equívoco que
colabora na inviabilidade da reinserção social.
O autor acima citado diz que, a gestão do sistema prisional é endógena, pois o
sistema não é aberto ao cidadão, aos movimentos sociais e mesmo às instituições de controle,
não se permite aproximar dos indicadores e da realidade das prisões, por isso este sistema não
permite qualquer alternativa relacionada ao controle social da gestão desse sistema.
A proposta ressocializadora, segundo Silva (2014) é contraditória, pois o hiato entre
punição e dignidade humana é muito extenso, o homem alinhado a um antiquado princípio da
vingança não aboliu tal instrumento do conceito de justiça, ao contrário, a sua afirmação é
característica fundamental, fato que mostra um mecanismo de incoerência que se coloca na
junção entre humanismo e retribuição penal. O cárcere apresenta um espaço extremamente
totalitário e aviltante em prejuízo a outros ambientes societários; nestes outros, várias formas
de mediação são possíveis por diversos movimentos e franjas sociais, permitindo assim, uma
maior democratização, processo que no sistema prisional está muito distante de se concretizar.
De acordo com Silva (2014) o sistema prisional conta com um orçamento
significativo, mas apresenta incapacidade de gestão de variadas ordens, comum em todo cenário
nacional, desde a efetiva não tutela ao preso até a completa falta de composição logística. Na
mesma proporção, na forma de gerir a ideologia do cativeiro, chave que insere pela intimidação
54
via violência, a eliminação se torna proposta viável, supondo que a sociedade tem completo
desinteresse para controlar esta estrutura pública, permitindo, desta forma, que o sistema
prisional seja sempre considerado negativamente pelos próprios mecanismos avaliativos da
sociedade. Como exemplo das diversas Comissões Parlamentares de Inquérito do sistema
prisional e os balanços da ONU e da Human Rights Watch sobre este sistema brasileiro.
Trazendo para a atuação do profissional do Serviço Social dentro do Sistema
Prisional que será elucidado no próximo capítulo o conjunto Concelho Federal de Serviço
Social e o Conselho Regional de Serviço Social (CFESS/CRESS), de acordo com Silva (2014)
tem proposto várias alternativas no sentido de ampliar os estudos e debates da inserção do
profissional de Serviço Social, dentro do espaço Sociojurídico, que são denominadas Grupo de
Trabalho Sociojurídico (GT Sociojurídico), o CFESS, tem também intensificado a participação
na política de ressocialização nacional.
Silva (2014) ainda aponta que referindo ao fazer profissional do Serviço Social,
notadamente surge um acordo de direção desta atuação com os escopos institucionais, um
problema difícil de ser resolvido pelo fato dos profissionais que em geral estão vinculados aos
procedimentos de trabalho por vínculos precarizados a nível nacional.
55
social, acrescentando a esse relevante problema o espírito caridoso em conjunto com a perícia
técnica. A caridade, o messianismo e o espírito de sacrifício passam a ser parte constitutiva dos
aspectos doutrinários que acompanhavam a gênese do Serviço Social.
Forti (2010) elucida que o Serviço Social é a profissão que surge dentro do tecido
da ordem societária capitalista na era dos monopólios, haja vista a configuração da questão
social do período e as particularidades da divisão sócio técnica do trabalho. Os profissionais do
Serviço Social são neste período de surgimento da profissão na era do capitalismo monopolista,
agentes requisitados pelos interesses da burguesia, em cujos atos devem ser conduzidos à classe
trabalhadora, devendo praticar e executar políticas sociais, isto é, ter atuações num espaço
organizado pelas lutas de classe no contexto de expansão do capitalismo.
Forti (2010) aponta que na América Latina, o Serviço Social surge como resultado
das contradições intrínsecas ao desenvolvimento do capitalismo periférico e as concernentes
formas de expressão da questão social. Sendo que, a primeira escola de Serviço Social na
América Latina, surge no Chile, e recebe o nome de seu instituidor, o médico Alejandro Del
Rio, no ano de 1925. Mas mesmo tendo sido fundada por um médico a Igreja Católica não
esteve distante de seu processo de construção, tendo sido responsável de forma direta pela
formação da segunda escola de Serviço Social do continente, fundada também no Chile,
denominada de Escola Católica de Serviço Social Elvira Matte de Cruchaga, no ano de 1929.
Esta escola acolhia mais os interesses gerais da igreja católica, isto é, colocava-se na condução
moral da sociedade, pois, era comprimida com o pragmatismo da burguesia e o ateísmo
socialista, a Igreja redobrava a sua atuação nos solos mais distintos, revigorando e renovando
seus intelectuais orgânicos.
Segundo elucida Castro (2010) no que concerne às primeiras Escolas de Serviço
Social, tanto as escolas chilenas quanto as de outros países, é possível observar que a sua origem
correlaciona-se com dois estratagemas, na maioria dos casos complementares, de um lado, o
Estado e do outro lado, a Igreja Católica. A escola fundada por Del Río teve sua origem ligada
ao campo de necessidades da expansão estatal, tendo sua fundação diretamente relacionada com
a agudização da luta de classes, com serias dificuldades fiscais e crise do Estado. Já a escola
Elvira Matte de Cruchaga, ainda conforme pontua o autor surgiu a partir de 1929, obedecendo
tanto aos interesses da igreja, que objetivava expandir seus domínios no continente latino
americano, quanto como estratégia de minimizar os efeitos da luta de classes, tal como a escola
de Del Río.
No Brasil, ainda de acordo com Forti (2010) o Serviço Social se originou na década
de 1930, tendo como matriz referencial o Serviço Social da Europa, o que significou grande
57
influência da doutrina social da Igreja católica, com o neotomismo. A Revolução de 1930 que
alçou Getúlio Vargas ao poder, alterou o quadro político brasileiro, quebrando o poder das
oligarquias. Sendo que o Estado vai se tornar um Estado interventor no comando da economia,
da política e do social, alicerçando as bases para a formação de uma sociedade industrial no
país.
Neste contexto histórico, segundo Iamamoto e Carvalho (2009) o capital industrial
e financeiro se torna hegemônico, instituindo a chamada “questão social”, sendo esta
relacionada ao surgimento da organização política da classe trabalhadora, bem como o seu
reconhecimento como classe por parte do Estado e do empresariado. Neste contexto que se
justifica a existência do profissional de Serviço Social especializado, seu aparecimento, se
relaciona à generalização do trabalho livre numa sociedade em que o processo de escravidão é
uma marca profunda.
Esse cenário, conforme supracitado por Forti (2010) foi propício para o surgimento
do Serviço Social no Brasil, na medida em que esta profissão surge materializando o que lhe é
requisitado para aquele contexto. O Serviço Social surge obscurecendo a sua dimensão política,
com a perspectiva de recorrer ao apelo moral no trato das sequelas oriundas da questão social.
Com uma compreensão de homem, sociedade e Estado alicerçada pela doutrina social da Igreja
católica, o neotomismo, com ações que visavam reproduzir a lógica da ordem instituída.
O Serviço Social no Brasil, diante do antagonismo de classes, de acordo com
Iamamoto e Carvalho (2009), tem como predominância em seu processo histórico reforçar os
mecanismos de poder político, econômico e ideológico, subalternizando a classe trabalhadora
as diretrizes da ordem dominante, tal subordinação é mediatizada através da racionalização de
serviços oferecidos pelo aparato institucional do Estado, tornando o profissional um mediador
entre as organizações e a classe trabalhadora.
Segundo aponta Iamamoto e Carvalho (2009), o início do Centro de Estudos e Ação
Social (CEAS) considerado como manifestação original do Serviço Social no Brasil, se dará
através do “Curso Intensivo de Formação Social para Moças” originado pelas Cônegas de Santo
Agostinho. As atividades do CEAS terão como direção a formação técnica especializada para
a ação social com influência direta da doutrina social da igreja. O CEAS funda em 1936 a
primeira escola de Serviço Social.
A primeira escola de Serviço Social no Brasil, segundo Forti (2010) surgiu em São
Paulo, em 1936, inspirada pela doutrina social católica, essa escola forneceu profissionais para
formar a segunda escola de Serviço Social do país, fundada na capital, em 1937. A escola do
Rio de Janeiro surgiu, com respaldo do Grupo de Ação Social (GAS), posteriormente surgiu
58
outra escola de Serviço Social no Rio de Janeiro, voltada para atender crianças, com iniciativa
do Juizado de Menores.
A origem da profissão, de acordo com Iamamoto e Carvalho (2009), fundada no
seio do bloco católico e na benesse de moças e senhoras da sociedade, moldam marcas
profundas que ainda se fazem presentes. O perfil do Assistente Social deveria ser constituído
por pessoas da mais integra base moral, devotadas e com forte sentimento de amor ao próximo,
com objetivo de lutar contra as injustiças sociais e a miséria. Os critérios de recrutamento das
Assistentes Sociais para ingressar na Escola de Serviço Social de São Paulo, as candidatas
deveriam ter entre dezoito e quarenta anos, ter concluído curso secundário, referências de três
pessoas idôneas e submissão a exame médico.
Conforme Iamamoto e Carvalho (2009) a primeira grande instituição nacional de
assistência social, a Legião Brasileira de Assistência (LBA), é constituída logo após a entrada
do Brasil na Segunda Guerra Mundial, tendo como objetivo prover os mínimos sociais para as
famílias cujos chefes haviam ido para a guerra.
Segundo pontuam Iamamoto e Carvalho (2009) o Serviço Social se dará através de
práticas educativas, que surgirão a partir da não adaptação da população cliente, ao ajustamento
dos equipamentos e serviços assistenciais, psicologizando de forma ideológica, intervindo de
forma normativa na vida desta população. O elemento que caracteriza esta prática educadora
será, sem dúvida, a proposição de mudanças de comportamento, sem inferir a contradição de
classes, com o arcabouço teórico-metodológico baseado na ideologia da ordem, na concepção
funcionalista do normal, procurando modificar as representações sociais que a população
cliente faz da sua própria condição e mudando sua atitude em relação a esta situação.
De acordo com Forti (2010) o primeiro código de ética profissional do Serviço
Social emergiu em 1947, e tinha como alguns dos princípios: cumprir as obrigações assumidas,
respeitando a lei de Deus, os direitos naturais do homem, com inspiração sempre direcionada
para o bem comum e os dispositivos da lei, tendo na consciência o juramento prestado no
testamento divino; respeito pelo beneficiário do Serviço Social, a dignidade da pessoa humana,
com inspiração na caridade cristã.
Conforme pontua Iamamoto apud Forti (2010) o surgimento e desenvolvimento das
grandes entidades de assistência, é também o processo de legitimação do Serviço Social, sendo
que o assistente social surgirá como categoria de trabalhadores assalariados, recrutado dentro
dos quadros médios, cuja basilar instância procuradora será o Estado.
De acordo com Iamamoto e Carvalho (2009), uma vez que não se concebe uma
sociedade baseada somente na violência, se faz necessário recorrer à mobilização de outros
59
medida em que este movimento avança, o então presidente João Goulart se aproxima dos ideais
dos setores organizados da classe trabalhadora causando descontentamento de setores militares
e civis, que em consequência destes fatores culminou no golpe militar de abril de 1964.
De acordo com Netto (2011) a articulação político-social que anterior ao golpe de
1964, estava presente no Brasil, impedia a continuidade do padrão de desenvolvimento
subalterno e dependente que se engendra a partir de meados de 1950. O Estado estruturado a
partir de abril de 1964 coaduna com o rearranjo das forças socioeconômicas que interessavam
pela manutenção do padrão de desenvolvimento supracitado. O Estado centralizador que surge
após o golpe de 1964 veio para assegurar a acumulação capitalista que garante a continuidade
de tal padrão. O abril de 1964 resgatou as piores tradições da formação sócio histórica brasileira,
a heteronomia e a exclusão, bem como as soluções centralizadoras e vindas pelo alto.
Conforme Forti (2010) o código de ética de 1965 aponta distinções em relação aos
princípios do primeiro código de 1947, tais como: ao assistente social cumpre cooperar para o
bem comum, esforçando-se para que o maior número de indivíduos dele se favoreça,
habilitando indivíduos, grupos e comunidades para a uniformidade social; o assistente social
deve instigar a participação individual, grupal e comunitária no processo de desenvolvimento,
movido pela correção dos desníveis sociais.
De acordo com Netto (2011) o Serviço Social tradicional se estende pelo final da
década de 1960, entrando ainda pela década de 1970. No que tange à prática profissional, o
processo da modernização conservadora, concebido de forma global, gerou um mercado
nacional de trabalho para os assistentes sociais. O desenvolvimento do processo produtivo com
a centralização da autocracia burguesa pulverizou as refrações da questão social no Brasil,
sendo que o Estado ditatorial vai enfrentar este quadro com a implementação de políticas
sociais, espaço a ser preenchido, portanto pelos assistentes sociais, nos aparelhos burocráticos
estatais, ou no âmbito dos setores geridos pelo capital. Salienta-se de acordo com Netto (2011)
que o espaço aberto aos assistentes sociais, não se abre à categoria apenas em decorrência do
crescimento industrial, mas determinado também pela necessidade de vigilância e controle da
força de trabalho no bojo da produção. Com efeito, este novo quadro pedia uma
refuncionalização das estruturas de formação dos assistentes sociais, com intenção de romper
de vez com o confessionalismo, o provincialismo e o paroquialismo históricos no ensino do
Serviço Social no Brasil.
Na década de 1960, segundo Forti (2010), em consonância com o contexto desta
década, surgiu no interior da categoria um movimento crítico, chamado de Movimento de
Reconceituação, que permeou toda a América Latina. Esse movimento, porém, foi heterogêneo
61
e serviços relativos a programas e políticas sociais, assim como sua gestão democrática;
empenho na eliminação de todas as formas de preconceito, estimulando o respeito à
diversidade, à participação de grupos socialmente discriminados e à discussão das diferenças,
dentre outros princípios.
Forti (2010) citando Lukács esclarece que ética é uma via que favorece a superação
da contradição entre gênero e particular, indivíduo e sociedade, mostrando que a gênese e o
percurso histórico do Serviço Social conferem avanços e amadurecimento, tanto em sentido da
abordagem teórica, quanto em sentido ético-político. Os compromissos expressos no Código
profissional atual importam um projeto profissional, que a partir dos anos 1990, no Brasil, se
denominou Projeto Ético-Político do Serviço Social.
Conforme Iamamoto e Carvalho apud Conselho Federal de Serviço Social-CFESS
(2014), a inserção do profissional de Serviço Social no Sistema Prisional e no judiciário, se deu
a partir da própria gênese da profissão no Brasil, quando o Serviço Social é chamado a intervir
no Juízo de Menores do Rio de Janeiro, que era necessária naquele contexto histórico mediante
o agravamento dos problemas em relação à pobreza no período. O Serviço Social, de acordo
com os autores tem seu foco de intervenção no controle social requisitado pelo Estado
conservador daquele período.
De acordo com o Conselho Federal de Serviço Social- CFESS (2014) citando
Fávero (2003) a elaboração do Código de Menores de 1979, e posteriormente do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, acenderam uma generosa expansão na atuação dos
assistentes sociais no espaço sociojurídico, o que levou a categoria a se debruçar de forma mais
sistematizada sobre o trabalho desenvolvido nestas instituições. Posteriormente no desenrolar
do processo histórico da profissão, o Serviço Social consolidou-se neste espaço e ganhou
inserção em outras áreas, como por exemplo, os tribunais, os ministérios públicos, nas
instituições de cumprimento de medidas socioeducativas, entre outras. A aprovação da LEP,
em 1984, abriu espaço para inserção do profissional no âmbito do Sistema Penitenciário.
O termo sociojurídico, revela, na contemporaneidade o local que o Serviço Social
após o seu redirecionamento ético e político ocupa neste espaço, tendo uma atuação
contraditória nas instituições que contemplam este espaço sócio ocupacional, segundo aponta
o Conselho Federal de Serviço Social-CFESS (2014). Na medida em que o Assistente Social
contemporâneo se propõe a analisar a realidade social, dentro de uma perspectiva crítica
dialética de totalidade, embora isto não seja homogêneo na categoria, desvendando as diversas
expressões da questão social dentro de uma análise conjuntural mais profunda. Porém segundo
aponta o Conselho Federal de Serviço Social- CFESS (2014), o contraditório da atuação está
64
tem diversas previsões que situam o profissional em sistemas de classificação ou rotulação que
controlam comportamentos. Conjugado a este fator está os elevados níveis de violação de
direitos dentro do sistema que conduzem os assistentes sociais a um esvaziamento da sua
dimensão política que permita o profissional atuar de forma mais ampla na luta por direitos, os
colocando em situações cotidianas mais elementares, como por exemplo, a garantia apenas da
higiene pessoal e da alimentação do detento.
Para o profissional de Serviço Social existem inúmeros desafios para a atuação nas
unidades prisionais, segundo pontua o Conselho Federal de Serviço Social- CFESS (2014)
sendo que para enfrentar estes desafios é primordial a compreensão da forma de socialização
intramuros no convívio carcerário, além da articulação externa que contribui para não
reinserção dos egressos no cárcere, sendo necessária a articulação com os movimentos sociais
que se vinculem à luta pelos direitos humanos. Neste sentido, conforme esclarece Iamamoto
apud Conselho Federal de Serviço Social- CFESS (2014), o Serviço Social tem a potência, por
meio de uma ação profissional combativa e qualificada de estabelecer trincheiras de resistências
ao projeto hegemônico dominante.
O que corrobora com o exposto acima dentro de um modelo de sociedade capitalista
e que segue os preceitos econômicos neoliberais, segundo Zaccone (2008) apud Conselho
Federal de Serviço Social-CFESS (2014) é que a criminalização dos pobres é um mecanismo
de controle da questão social, sendo as instituições jurídicas chamadas a garantir o poder
coercitivo do Estado.
A sociedade punitiva, de acordo com o Zaccone mencionado pelo (CFESS, 2014),
desencadeada pelos princípios neoliberais, coloca ao Serviço Social uma forte contradição, pois
neste modelo societário, para garantir o direito de uns, se faz necessário violar o direito de
outros. O Código de Ética de 1993 de acordo com o CFESS (2014) preconiza a defesa
intransigente dos direitos humanos de forma universal, não se caracterizando a liberdade que
também é proposta por este Código, como a liberdade pautada no individualismo, mas na
emancipação dos sujeitos sociais de forma coletiva. Portanto, a perspectiva emancipatória
proposta pelo Código de Ética dos profissionais de Serviço Social de 1993 é incompatível com
a tentativa de se buscar culpados, criminosos e de indivíduos moralmente reprovados pela
ordem societária.
Portanto, segundo aponta Forti (2010), assistimos no Brasil ao contrassenso de um
país com enorme potencial econômico, que, ao lado de sofisticação tecnológica para a
produção, apresenta crescente aumento da precarização das condições de trabalho, fome,
desamparo e violência contra um significativo contingente de seus indivíduos. Assistimos
68
ainda, a atrofia do Estado e das políticas sociais, à criminalização da pobreza, a uma retomada
da consideração da questão social como questão de polícia e não de política, a informalidade e
a pulverização do trabalho pelo subcontrato, pela admissão temporária, pela perda de direitos,
entre outras refrações da questão social.
Para Sarmento (org. 2012) o aparato do Estado é cada vez mais lento e mais frágil
para satisfazer todas as demandas dos cidadãos e dos grupos e movimentos sociais. O Estado
da social- democracia tentou resolver o problema das crescentes expectativas que surgiram a
partir da organização de mais e melhores serviços, entre eles a administração da justiça, mas a
crise do funcionamento destes serviços marcou o retorno para o Estado mínimo neoliberal, tanto
nos países capitalistas centrais, quanto nos periféricos, como o Brasil.
Sarmento (org. 2012) aponta que os desafios do Serviço Social diante das demandas
de acesso à justiça são derivações do Projeto Ético Político da categoria e da teoria social crítica
que sustenta este projeto, em evidente contraposição com os princípios do positivismo jurídico
brasileiro. O desenvolvimento de uma teoria crítica do direito é uma das qualidades necessárias
para promover esse processo, ainda que este progresso teórico não faça sentido longe de um
projeto de democracia anticapitalista em condições de lutar por outra hegemonia. Neste sentido,
estes desafios devem ser compartilhados com outros atores sociais que igualmente batalham
por projetos societários radicalmente democráticos, tais como os movimentos sociais.
69
concessões, pelo contrário, o que vemos é uma regressão das conquistas, fator favorável ao
projeto neoliberal. Não existe perspectiva de vitória para nenhum movimento social, que
considere as relações sociais e suas demandas por direitos fora da esfera de produção e fora da
lógica do capital. Mesmo porque, não existe vitória dentro desta lógica, mas sim conquistas que
precisam de lutas para avançar e serem efetivadas de fato.
Desta forma com a necessidade de organizar as vítimas diretas e indiretas da
violência institucional das prisões. Em 2007 de acordo com a Carta de Intensão do GAFPPL
(2014) criou-se o Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, pois
acreditavam que a solução contra os abusos aos direitos humanos seria a auto-organização dos
oprimidos.
Segundo a Carta de Intensão do GAFPPL (2014) o grupo reúne Advogados, Assistentes
Sociais, Psicólogos (as), Terapeutas Ocupacionais, Pedagogos (as) e ativistas em direitos
humanos, tendo como primado os presos e seus familiares e os egressos (as) do sistema
prisional. O documento ainda pontua que com o objetivo de lutar pelo fim do sistema prisional
e manicomial, pela garantia dos direitos humanos da população penitenciária, a extinção da
prática de torturas e tratamentos cruéis ou degradantes, em 2007, estes atores decidiram se unir.
Inicialmente conforme a Carta de Intenção a organização do grupo se deu de forma
oprimida. Devido seu objetivo em combater os abusos sofridos pela população prisional e seus
familiares, além das denúncias de violação de Direitos Humanos o grupo sofria várias
perseguições. Em face dessas perseguições fez-se necessário o grupo instituir-se juridicamente,
então criou-se em 2009 a Associação de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de
Liberdade (GAFPPL).
A associação não é uma entidade assistencialista e nem presta serviços de assessoria
em Direitos Humanos, ela foi criada na expectativa de organizar os egressos do sistema
prisional e familiares de presos engajados na luta pelos seus direitos. É uma organização de
pessoas que vivenciam as violações de Direitos Humanos que ocorrem no sistema prisional.
Ela surgiu da iniciativa de familiares de apenados cansados de lutarem pelos direitos de seus
entes individualmente, além de serem iludidos por profissionais do direito sem responsabilidade
ética, bem como a falta de posicionamento e resposta oficial do poder público frente às
denúncias de violação de Direitos Humanos, ocorridas dentro do sistema prisional junto aos
Órgãos de Defesa dos Direitos Humanos de acordo com a Carta de Intensão do GAFPPL
(2014).
A solução encontrada para superar a violação de Direitos Humanos ocorridas no
âmbito do sistema prisional elucidada na Carta de Intenção do GAFPPL (2014) foi à auto-
72
9
Revista Íntima segundo Carneiro (s.d) é a coerção para se despir ou qualquer ato de molestamento físico que
exponha o corpo.
73
2010/2011. Sendo uma campanha pedagógica que tem como objetivo explanar para a população
mineira, especialmente aos residentes de Belo Horizonte, sobre as consequências de entregar a
administração penitenciária ao sistema privado. A campanha produziu uma cartilha e
desenvolve audiências e discussões periódicas relacionadas ao tema; Campanha pela Saúde no
Sistema Prisional, também desenvolvida em 2009 e com seguimento em 2010/2011, foi criada
devido à ausência de assistência a saúde aos detentos do sistema penitenciário mineiro;
Campanha de apoio a Defensoria Pública, desenvolvida em 2009, devido a desigualdade das
condições para com os demais órgãos do sistema de justiça, a campanha tem por objetivo
contribuir com o fortalecimento da Defensória Pública que é pioneira e parceira na luta pela
efetivação dos direitos dos mais necessitados.
A Carta de Intensão do GAFPPL (2014) ainda traz que o grupo desenvolve
atividades permanentes e oferece orientações e atendimento jurídico aos apenados e seus
familiares, considerando os aspectos sociais e psicológicos que são vivenciados por eles no
sistema prisional decorrentes do encarceramento. São desenvolvidas reuniões periódicas no
auditório do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CRP-MG) e no Conselho
Regional de Serviço Social de Minas Gerais (CRESS) que são parceiros da campanha, as
reuniões visam à mobilização e politização dos familiares e egressos do sistema penitenciário
além de incentivar a participação social continua dos mesmos.
Em 2011 conforme Carta de Intensão do GAFPPL (2014) a Faculdade de Direito
da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) realizou um Seminário que abordava sobre
a tortura, o movimento GAFPPL em participação de tal seminário teve conhecimento do
Protocolo Facultativo da ONU e das tratativas de implementação do Sistema de Prevenção à
tortura nos Estados Brasileiros da Federação por meio da presidente da Comissão de Direitos
Humanos da OAB/RJ Dr ª: Margarida Pressburger10. A partir do seminário o movimento
cogitou a possibilidade de eliminar a prática de tortura nas prisões mineiras, considerando que
a maneira mais eficaz de restringir a prática da tortura se faz por meio da presença da sociedade
civil nos ambientes penitenciários.
10
Maria Margarida Pressburger – Uma das maiores ativistas brasileiras em defesa dos Direitos Humanos. Sua
trajetória começa em 1964. Estudante de Direito no Rio, se engaja em ações de combate à injustiça social durante
a Ditadura Militar. Reconhecida por sua integridade e disposição. Foi eleita em 2010 e reeleita em 2012, por 69
países signatários do Protocolo Facultativo de Prevenção à Tortura (OPCAT), como a primeira representante do
Brasil no Subcomitê de Prevenção à Tortura da Organização das Nações Unidas (ONU), cargo que ocupará até
2016. É Subsecretária de Estado de Políticas para as Mulheres da Secretaria de Estado de Assistência Social e
Direitos Humanos/RJ, Presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Mulher/CEDIM. É detentora de vários
prêmios, inclusive o Prêmio Direitos Humanos de 2012. Seu nome é considerado referência para todos aqueles se
envolvem em ações por um mundo mais igualitário (SOPA CULTURAL, 2015).
74
11
De acordo com a presidente entrevistada esta para ser alterado o local das reuniões para um estabelecimento
no bairro Centro de Belo Horizonte a fim de facilitar o acesso das famílias.
75
O presente capítulo tem por objetivo analisar por meio de entrevista com
questionário semiestruturado, com indagações a respeito das atividades do movimento social
Grupo de Amigos e Familiares de Pessoas em Privação de Liberdade, buscando compreender
quais os desafios e possibilidades do movimento na viabilização da garantia dos direitos do
apenado.
Os sujeitos entrevistados foram militantes e apoiadores do referido movimento,
sendo quatro entrevistados que são caracterizados da seguinte forma: entrevistado 1,
voluntário que apoia o movimento, gênero masculino, Graduado em direito pela Faculdade de
Direito ‘Dom Helder Câmara’, Pós Graduado em Direito do Trabalho pela Escola Paulista de
Direito e MBA em Gestão e Políticas Públicas, Idade 44 anos; entrevistado 2, advogada
responsável pelo setor jurídico do grupo, gênero feminino, com formação em Direito, gestora
em Recursos Humanos e Pós Graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade
Estácio de Sá, 38 anos ; entrevistado 3, liderança do movimento, gênero feminino, com
formação no Ensino Fundamental incompleto, idade 56 anos e entrevistado 4, familiar de
preso, gênero feminino, em processo de formação em bacharel em Direito, idade 38 anos.
A análise de dados será elaborada a partir da correlação dos mesmos com a teoria
desenvolvida sobre o tema proposto, fundamentada no referencial crítico dialético marxiano,
sendo que a pesquisa empírica foi realizada com o movimento social em questão.
As categorias de análise contempladas são: Conhecer e analisar a história,
constituição, reivindicações e conquistas dos movimentos sociais na defesa dos direitos
humanos da pessoa em privação de liberdade e das particularidades do movimento social
GAFPPL em Minas Gerais; compreender as políticas públicas relacionadas ao sistema prisional
em Minas Gerais: estrutura, funcionamento e financiamento; compreender a visão do
movimento em relação ao profissional do Serviço Social, na viabilização da garantia dos
direitos do apenado; compreender a LEP e sua efetivação na garantia de direitos dos apenados;
entender se existe possibilidades de ressocialização com a aplicação da LEP dentro da estrutura
do Sistema Prisional de Minas Gerais e compreender quais são as alternativas apresentadas pelo
movimento para viabilizar a garantia de direitos da pessoa em privação de liberdade em Minas
Gerais.
Dentre as categorias de análise em relação ao movimento buscou-se identificar por
meio da entrevista a história do movimento GAFPPL, bem como a forma como o grupo está
constituído e suas principais conquistas, sendo que na história do movimento o entrevistado 1
76
relata que a estrutura do Sistema Prisional é uma estrutura extremamente precária com total
ausência do Estado, e esta ausência e desestrutura faz com que o movimento surja para lutar
pela defesa dos direitos dos presos.
A fala do entrevistado 1 sobre a ausência do Estado no Sistema Prisional descrita
acima demonstra que o Sistema Prisional se torna uma instituição totalitária, na medida em que
de acordo com Soares e Guindani (2008) o Estado é diretamente responsável pelo alto número
de vítimas letais e não letais. As polícias, os cárceres provisórios, o sistema penal e o sistema
socioeducativo têm sido sistematicamente, perpetradores de violação de direitos, de graves
atrocidades e de crimes letais.
Conforme Silva (2014) a pena, neste contexto, se tornará um mecanismo de
compensação e se elevará para o mais elevado conceito de justiça na sociabilidade capitalista.
Pois, está posta a proposta da retribuição, mas na perspectiva de negação e exclusão do outro.
Apesar disto, essa ideologia não coaduna com a devida resolução do problema que se encontra
na sociedade do capital diante da violência e do crime.
De acordo com Silva (2014) as elites e o Estado acreditam que o encarceramento é
a solução, porém, esta base produz contradições que provocam efeitos possíveis para estes
segmentos de serem controlados, no entanto, a cada minuto se mostram fora deste controle e,
em continuo alargamento, esse erro do sistema de controle é sempre reduzido pela estratégia da
violência, suposto que ficou presente na gestação do capitalismo e o escolta nos espaços e
momentos cíclicos de crise, então se terá o sistema originando a força e violência como
determinação de sua efetividade.
Silva (2014) aponta que teremos nos cárceres, os homens invisíveis, seres humanos
falecidos de humanidade, transformados em “coisas”. E a estas “coisas” não necessita nenhuma
sugestão de recondução social extramuros, pois que não precisam de suas singularidades, uma
vez são banais todas as outras formas de objetivação coisificadas.
De acordo com Silva (2014) a existência do sistema prisional demonstra que a
população presa não é objeto fundamental da política de ressocialização, mas sim alicerce
legitimador de demandas empresariais, políticas partidárias, ideológicas e corporativas que se
agregam a tal política e com um escopo fundamental de pacificação da subalternizada
população extramuros.
Vale lembrar que o movimento surgiu devido a constante violação de direitos
dentro do Sistema prisional, conforme destacado em sua carta de intenção já mencionada,
surgindo na perspectiva de organizar as vítimas diretas e indiretas deste sistema, buscando
problematizar coletivamente a questão prisional.
77
para fazer a denúncia, isso assim aumentou bastante e o pessoal aprendeu a conviver
mais [...].
12
Fernando Damata Pimentel, ex-ministro e atual governador de Minas Gerais pelo Partido dos Trabalhadores
(PT), nasceu no dia 31 de março de 1951, em Belo Horizonte. Em 1970 iniciou sua trajetória política no Rio
Grande do Sul, ficando recluso pela ditadura permanecendo detido até 1973, ao sair da cadeia ajudou a fundar o
PT em 1980, (O TEMPO, 2014).
79
ensino superior via parceria com o Instituto Isabela Hendrix”, relatando ainda que cada preso
que consegue entrar no mercado de trabalho é uma conquista do movimento. O entrevistado 4
concorda com a entrevistada 3 dizendo que o ensino superior para as presas foi uma grande
conquista do movimento. O entrevistado 3 ainda pontua que os gestores do sistema prisional e
Secretaria de Defesa Social (SEDS) “fez de tudo para prejudicar estas presidiárias no acesso ao
curso superior”, complementa ainda que o Estado não fez a parte que era de sua competência:
“[...] sabe o Estado humilhou muito, esculhambou muito, qualquer coisa que elas faziam o
estado colocava elas de castigo e o castigo era não ir na faculdade e isso dificultou muito[...]”
no desenvolvimento acadêmico das reclusas.
Porém identifica-se nestas falas uma perspectiva de caráter reformista por parte dos
entrevistados, na medida em que Tonet apud Ruiz (2014) esclarece que a luta pelos direitos
humanos pode ter uma dinâmica reformista ou revolucionária, será reformista quando acreditar
no “possibilismo”, isto é, na capacidade da sociedade se transformar através de reformas dentro
do modo de produção capitalista que preconiza a desigualdade e a exclusa, podendo no entanto
ser revolucionária quanto estiver direcionada para uma luta anticapitalista.
Sobre a ótica da compreensão das políticas públicas relativas ao Sistema Prisional
em Minas Gerais e como estas políticas são compreendidas pelo movimento, na sua estrutura,
funcionamento e financiamento, o entrevistado 1 respondeu que o Estado sempre foi muito
ausente, desde o período colonial até os dias atuais, relatando que o Estado instituiu a tortura,
criando um abalo no psicológico do indivíduo encarcerado. Relatando ainda sobre as políticas
públicas com a seguinte fala:
[...] vivemos em um mundo onde as políticas públicas quando elas não dão o resultado
esperado, se utiliza o direito penal como instrumento de política pública, o exemplo
disso é que ao invés de conscientizar o menor eu o penalizo, ao invés de criar um
mecanismo para conscientizar as pessoas de delitos que antes não eram considerados
delitos eu prefiro criar um tipo penal, até porque dentro dessa engenharia gera
dinheiro, então no fundo o que está por traz de tudo isso é uma questão de renda [...].
O que corrobora com o exposto acima conforme elucida Greco apud Mattos (2010)
é que as práticas de tortura, terror, extermínio e do sigilo, desde a ditadura militar até os dias
atuais são práticas recorrentes no Brasil com apoio do aparato repressivo policial e judiciário,
chegando em conjunto com esta cultura a criminalização dos movimentos sociais.
Segundo Oliveira apud Mattos (2010) ainda sobre as políticas públicas citadas pelo
entrevistado 1, a criminologia positivista se mostra para os indivíduos que cometem delitos
como um mecanismo de exclusão e controle, sendo esta estratégia adotada como tentativa de
garantir a defesa da sociedade, fazendo esta acreditar que qualquer crime está arraigado na
80
natureza humana. Negando uma conjuntura social, econômica e política, delegando a resolução
da criminalidade a uma única ótica, delimitada no âmbito do direito penal.
Sobre as políticas públicas para o Sistema Prisional mineiro, de acordo com
Oliveira apud Mattos (2010) a política da Secretaria de Defesa Social (SEDS) em Minas Gerais
é estruturada em eixos como, a prevenção, a integração, a redução, entre outros, mas acaba se
tornando uma defesa social contra os pobres e ainda se mostrando como uma estrutura com
excelente gestão.
Para o entrevistado 2 o Brasil é um país bom para fazer leis, bem como criar
políticas públicas, dizendo que os formuladores das leis ficam dentro do escritório arquitetando
estas políticas e estas leis. Já para o entrevistado 3 a única coisa dentro do âmbito das políticas
públicas que serviu como positivo para o Sistema Prisional foi o plano de saúde que foi um
trabalho árduo do Ministério da Saúde (MS), o resto das políticas públicas, segundo o relato
deste entrevistado não serviu para nada no âmbito prisional, relatando que o plano de saúde
federal é muito bom para o Sistema Prisional, conforme a fala descrita abaixo:
[...] porque o plano de saúde do sistema prisional, a política de saúde ela é muito boa,
se ela for aplicada é muito boa porque os meninos vão ter uma equipe de saúde, são
três equipes diferentes, dependendo do número de presos que tiver em cada unidade.
Uma equipe é composta de psiquiatra, psicólogo, assistente social, enfermeiro,
médico, aí os outro vai aumentando o número de médico [...].
utilizando o Sistema Prisional como instrumento de criminalização da pobreza gerada por esta
desigualdade.
Outra categoria de análise que se buscou identificar na entrevista é como o
movimento enxerga o profissional de Serviço Social que atua nas unidades prisionais e como
esta atuação profissional pode contribuir na viabilização e garantia de direitos do apenado,
dentro desta categoria de análise o entrevistado 1 respondeu que “[...]O assistente social tem
uma relevância enorme dentro do sistema prisional, o problema é que definitivamente ele é uma
voz silente [...]”. Complementando ainda que o assistente social exerce variadas funções no
Sistema Prisional, dizendo que o profissional tem mais conhecimento da realidade do presídio
que o próprio diretor.
Já o entrevistado 2 disse que o papel do profissional em questão é de extrema
relevância, mas que na prática ele não vê acontecer, relatando ainda que o profissional não pode
cumprir apenas o processual dentro do sistema, ele tem de fazer a diferença, conforme a fala,
“[...] o profissional que está lá dentro do Sistema Prisional parece que ele está lá somente para
cumprir tabela, porque o profissional de Serviço Social não pode estar Serviço Social ele tem
de ser Serviço Social [...]”
O entrevistado 3 apoia o exposto pelo entrevistado 2 sobre o assistente social
relatando que não gosta das assistentes sociais que trabalham nas prisões, pois para ele as
assistentes sociais são profissionais desinteressadas, sendo que relata que estas profissionais
estão no Sistema Prisional apenas pelo cargo, dizendo que não cumprem o que é proposto pelo
seu Código de Ética e pelo seu respectivo conselho, dizendo que o profissional não utiliza a sua
relativa autonomia, conforme a fala abaixo:
[...] estão ali porque tem um cargo, recebem um salário, porque não fazem nada,
porque se ela é registrada lá no CRESS (Conselho Regional de Serviço Social), ela
tem que trabalhar com as normas do CRESS, não com as normas do sistema prisional.
Ela não pode deixar que o sistema prisional que é ruim, que é perverso dite regras no
serviço dela, elas têm que respeitar o Código de Ética do CRESS e não respeita [...].
O entrevistado 3 ainda relatou que o Assistente Social não atua no básico, como por
exemplo pegar a ficha do apenado e fazer uma ligação para a família, dizendo ainda que o
profissional não tem paciência para ouvir o preso, e que se o profissional de Serviço Social e o
profissional de psicologia trabalhassem realmente, não haveria a quantidade de suicídios que
ocorrem no Sistema Prisional, relatando ainda que o profissional é bem educado, tem a fala
mansa, mas que não trabalha e não ajuda o movimento em nada.
O entrevistado 4 relata que as profissionais de Serviço Social tem um diálogo muito
difícil com os presos e com os familiares, não se consegue falar com este profissional,
82
concordando com o entrevistado 3 que o profissional tem uma fala macia e educada, mas que
não atua no apoio aos presos, conforme a fala, “[...] não consegue falar com a assistente social,
a maioria dos presos reclamam [...] os familiares também [...] não consegue falar com a
assistente social é muito difícil conseguir falar e quando consegue vem com aquela falinha
mansa pra boi dormir [...]”.
Porém nota-se uma contradição na fala dos 4 entrevistados, na medida em que o
entrevistado 1 fala que os assistentes sociais são geralmente os profissionais que entram em
contato com os familiares dos presos, tentando solucionar diversas situações, mas ficam presos
a um modelo arcaico dentro do Sistema, dizendo que a regra dentro dos presídios varia de
unidade para unidade, complexificando que a relativa autonomia do assistente social fica
restrita ao diretor do presídio. Já o entrevistado 2 fala que o assistente social contribui
pouquíssimo na viabilização e garantia de direitos do apenado. O entrevistado 3 acredita que o
assistente social não contribui em nada nesta viabilização, mesma resposta do entrevistado 4.
Em relação a fala dos entrevistados sobre a atuação do Serviço Social nas unidades
prisionais o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS, 2014) preconiza que o Assistente
Social na contemporaneidade deve ter como proposta de atuação a análise da realidade social
dentro de uma perspectiva crítica dialética, conforme preconiza seu Projeto Ético Político,
embora isso não seja homogêneo no seio da categoria, o profissional de Serviço Social, segundo
o Projeto Ético Político hegemônico da categoria deve buscar o desvelamento das diversas
expressões da questão social dentro de uma análise no âmbito da totalidade.
Porém segundo aponta o mesmo Conselho, existe uma contradição na atuação do
Serviço Social na área jurídica, como por exemplo, o Sistema Prisional, na medida em que a
dimensão jurídica se mostra para o contexto societário em contraponto a proposta emancipatória
do Serviço Social, pois a historicidade das instituições jurídicas reproduzem a manutenção de
um projeto hegemônico fundado no capitalismo que por sua vez propõe uma sociedade punitiva.
Esta sociedade punitiva coloca para o Serviço Social uma forte contradição, pois neste modelo
de sociedade para garantir o direito de uns, é necessário violar os direitos de outros. O Código
de Ética atual do profissional de Serviço Social preconiza a defesa intransigente dos direitos
humanos de forma universal, com os princípios de liberdade pautados em um processo libertário
emancipatório, por isso este Projeto Ético Político da categoria é incompatível com o projeto
proposto por este modelo de sociedade fundado no individualismo e na tentativa de ajustamento
dos indivíduos.
Outro complicador para os profissionais de Serviço Social atuantes em unidades
prisionais que compõem um sistema hierarquizado, de acordo com Silva (2014) é que os
83
profissionais acabam se aproximando mais dos projetos institucionais do que do próprio projeto
Ético-político da categoria, devido aos vínculos de trabalho precarizados a que estão
submetidos.
Faleiros apud Pontes (2007) entende que uma saída para a atuação profissional deve
considerar estas mediações, tais como os movimentos sociais, porque o desafio do fazer
profissional é ampliar mediações que levem ao controle democrático dos recursos institucionais
pela própria população. Para Faleiros, a visão dialética crê na unidade dos contrários em
movimento constante e não em oposição rígida, e supõe a análise da totalidade em mediações
complexas. A instituição em si é um ambiente onde se deposita uma rede de mediações e não
uma mediação em si.
Desta forma, de acordo com Pontes (2007) a dinâmica de reconstrução da
particularidade no campo da ingerência do profissional de Serviço Social, com a racional
repreensão da demanda social e profissional, o assistente social passa a ter probabilidades de
proferir as forças políticas em presença, em face de uma ideação social politicamente
determinada, voltada à constituição de uma nova ordem societária ou a preservação da ordem
hegemônica vigente.
Conforme ainda pontua Pontes (2007) o profissional que se prende ao campo do
imediato perde a dimensão da mediação, além das determinações estruturais e históricas da sua
atividade profissional, deixando escapar também as particularidades da legalidade social, sendo
que diante desta imediaticidade as possibilidades profissionais não suplantam o alcance da
demanda da instituição. Porém isto não significa que o seu fazer profissional possa ser
considerado inteiramente fracassado.
A fala dos entrevistados 2, 3 e 4 em relação ao Serviço Social dentro das unidades
prisionais não está de acordo com o exposto por Leal (2001), quando o autor coloca que alguns
profissionais dentro do Sistema Prisional devem ser destacados, pois, desafiam o sistema, e
teimam em oferecer um atendimento de qualidade, dos quais se destacam os defensores
públicos, assim como os assistentes sociais, que por sua vez desempenham funções atribuídas
a outros profissionais, que são eventualmente omissos em suas atribuições. Segundo a LEP, a
política de assistência social visa amparar o detento e o internado, a fim de prepara-los para o
retorno ao convívio social, quando estiverem em liberdade.
Na categoria de análise que discute a LEP e sua efetividade na garantia de direitos
dos presos, o entrevistado 1 discorreu que a LEP é de 1974, sendo anterior a Constituição
Federal de 1988, tendo como essência o princípio da humanidade que para ele de certa forma
corrobora com o princípio da dignidade humana que está posto no texto constitucional,
84
prevendo que o apenado venha a cumprir pena próximo aos seus familiares, mas que
infelizmente isto não acontece, para o entrevistado em questão a LEP é enxergada como algo
menor.
Porém ocorreu um erro na fala do entrevistado 1, quando ele correlaciona a LEP
com o surgimento em 1974, em verdade segundo Vieira et. al. (2013) ao final da ditadura militar
foi formulada a LEP. Duarte (1999) pontua que em 1984 devida a nova Parte Geral do Código
de 1940 foi proclamada a nova LEP de nº 7.210, sendo esta uma lei específica de regulação de
penas e medidas de segurança.
O entrevistado 1 relata ainda que a LEP, tem uma composição mista, tendo
caracteres jurídicos e administrativos, complexificando o acesso as vezes ao mais básico que é
o processo do preso por parte de seus defensores, conforme fala do entrevistado:
[...] o sistema carcerário não se comunica com o sistema de execução penal, porque
infelizmente a execução penal, a natureza jurídica dela é mista isso quer dizer têm
aspectos jurídicos e administrativos, o problema que ao invés de fazer hoje em tempos
de gestão, uma forma de gestão mais associada com maior transparência permitindo
aquele que tem responsabilidade legal de responder pelo preso perante o juiz, caso
seja o defensor público ou advogado particular muitas vezes esses que representam, o
preso tem uma dificuldade enorme de acessar os dados e elementos referentes ao preso
[...].
Sobre a LEP o entrevistado 1 pontua ainda que o olhar sobre o crime deveria ser o
da criminologia crítica que trabalha aspectos mais criteriosos da LEP, não tratando o fenômeno
criminológico apenas como um objeto. O entrevistado 1 ainda pontua sobre a LEP dizendo que
em Minas Gerais a principal particularidade são as interpretações da lei, pois exemplifica que
a lei está estruturada em três regimes: o aberto, o semiaberto e o fechado, sendo que o aberto é
a pena de até quatro anos, o semiaberto prevê uma pena de quatro a oito anos, enquanto que o
regime fechado prevê uma pena a partir de oito anos, porém para ele o entrave é como que isto
é efetivado, pois no interior existe um juiz só para resolver tudo, ou seja área penal, civil, entre
outras, nas capitais tem o juiz da fase do conhecimento do processo que é o que determina a
sentença e o juiz que é o responsável pela fase de execução da sentença, este atuando na Vara
de Execução Penal, mas dentro desta vara para o entrevistado você encontra presos com
benefícios vencidos, presos com benefícios a vencer, e relata ainda a dificuldade de se encontrar
os processos destes presos, existindo ainda uma completa violação de direitos quando se
encontra na Vara de Execução Penal processos em que o preso já cumpriu toda pena.
O entrevistado ainda ressalta que as dificuldades para a aplicação efetiva da LEP,
perpassam pela falta de preparação do pessoal penitenciário, tanto dos gestores do Sistema
Prisional, quanto dos agentes e equipe técnica. Relatando conforme fala abaixo que não existe
um centro de formação para os agentes e para o pessoal técnico que trabalha nas unidades
85
prisionais, dizendo que a Secretária de Administração Prisional (SUAPI) é um órgão sem uma
base.
[...] existe também a falta de preparo dos trabalhadores do Sistema Penitenciário, para
lidar com os presos e seus familiares, há também uma enorme despreparo técnico dos
gestores do sistema prisional, e eles não percebem isto. O Sistema Penitenciário em
Minas Gerais foi criado assim, antes existia a Polícia Civil e a Militar, a Civil era
responsável pelo processo de investigação e de gestão dos presídios, a Militar de fazer
a prisão propriamente dita [...] da união das duas polícias, [...] querendo melhorar a
gestão tanto da Civil quanto da Militar, surgiu a SUAPI, que seria um instrumental
responsável pela gestão dos serviços penitenciários, e todas estas três ficaram juntas
na SEDS, que é a Segurança Pública de Minas Gerais. Só que a SUAPI é anencefala,
porque pressupõe que se existe uma estrutura, esta precisa de um corpo, pois a SUAPI
não tem um Centro de Formação para os agentes penitenciários [...].
O entrevistado 1 relata ainda sobre a falta de preparo técnico dos profissionais que
atuam nas unidades prisionais, dizendo que falta qualificação para lidar com as ferramentas
mais básicas do referido sistema, fazendo com que estes profissionais não saibam interpretar a
lei.
De acordo com o site da Escola de Formação da Secretária de Estado de Defesa
Social (SEDS) o curso de formação para os agentes de segurança penitenciária é pautado nos
princípios educativos e no respeito à dignidade humana, sendo vedada qualquer forma ou
conduta ou postura violenta ou que discrimine à pessoa humana por qualquer natureza.
Conforme esclarece o art. 8 do Curso de Formação Técnico- Profissional realizado no ano de
2013.
Segundo o site da Escola de Formação da SEDS através do art. 9, o curso tem modo
presencial, funcionando em dois turnos, manhã e tarde, com nove horas aula por dia, com cada
aula durando cinquenta minutos. O curso será composto ainda por Estágio Supervisionado,
visando correlacionar a teoria com a prática, o Estágio Supervisionado está disposto no art. 26.
As disciplinas ministradas no curso, de acordo com o site da SEDS e conforme
disposto no regulamento do Curso de Formação Técnico-Profissional são dentro da área
temática de Desenvolvimento Interpessoal com a disciplina de Ética e Cidadania, com duração
de 04 horas aula; Direitos Humanos, com duração de 12 horas aula e Relações Humanas, com
duração de 06 horas aula, com total de 22 horas aula nesta área temática. Dentro da área temática
de Cultura Jurídica, as disciplinas são: Direito administrativo, com 06 horas aula; Direito
Constitucional, com 06 horas aula; Direito penal com 12 horas aula; Lei de Execução Penal
com 08 horas aula; Legislação Institucional, com 06 horas aula e Legislação Jurídica Especial,
com 04 horas aula; contabilizando um total nesta área temática de 42 horas.
Ainda dentro das disciplinas ministradas no curso, conforme o site da SEDS, a área
temática de saúde tem uma carga horária total de 10 horas, sendo ministradas as seguintes
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com os presos definitivos e sentenciados. Relatando ainda sobre a má preparação dos agentes
prisionais, conforme fala:
[...] eles não têm espaço para treinar agentes da SUAPI e diretores de presídios eles
tinham que ter uma escola nacional carcerária, eles não são organizados, não possuem
uma estrutura orgânica, isso cria uma verdadeira anomia institucional dentro da
SUAPI, da própria SEDS e na estrutura carcerária em geral [...].
13
De acordo com Bitencourt (2001) a ressocialização passa pela consideração de uma sociedade mais igualitária,
pela imposição de penas mais humanitárias, prescindindo dentro do possível das privativas de liberdade, pela
previsão orçamentária adequada à grandeza do problema penitenciário, pela capacitação de pessoal técnico, etc.
Uma conseqüência lógica de teoria preventivo-especial ressocializadora é no âmbito penitenciário, o tratamento
do delinqüente.
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O que coaduna com a fala do entrevistado segundo Ruiz (2014) é que no Brasil não
somente os direitos civis são atacados, igualmente são retraídos os direitos sociais e trabalhistas,
estes são reduzidos com o argumento de que paralisariam o crescimento da economia.
O entrevistado 2 aponta que as pessoas presas precisam ser tratadas, respeitadas,
relatando que na APAC, assim como proposto pelo entrevistado 1, as pessoas têm chave da
cela, e mesmo assim não fogem, alegando que os presos nestas unidades permanecem pela
conscientização da conduta, se conscientizando que eles cometeram o crime e precisam pagar
por este crime, porém o pagamento deste crime é com dignidade, com respeito a princípios
constitucionais, aos direitos fundamentais e a LEP, por isso além de fortalecer as APAC’s que
existem, uma das alternativas apontadas pelo movimento, segundo o entrevistado é a criação
da APAC feminina de Belo Horizonte.
O entrevistado 3 corrobora com a opinião dos outros dois entrevistados
supracitados, sobre a APAC, dizendo que: “[...] nas APAC’s os meninos são tratados com
respeito, com dignidade, com carinho, não tem essa reincidência que tem no sistema prisional,
a reincidência na APAC é de 8% quando chega a isso, a do sistema prisional convencional é
mais de 85%[...]”.
O mesmo entrevistado ainda relata sobre a APAC dizendo que ela valoriza o ser
humano, chama os presos pelo nome, respeitando o preso e seu familiar, dizendo que nestas
unidades existe um número certo de presos para permanecer nela. Exemplificando que se um
estudante de Serviço Social chega com um projeto e apresenta para o diretor da APAC e logo
este estudante é chamado a dialogar sobre o projeto apresentado. Já no sistema convencional
tudo que é proposto como ideia é refutado e engavetado, só entra neste tipo de sistema o que
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interessa aos diretores e gestores. Sobre os projetos alternativos ao sistema o entrevistado citou
como exemplo um projeto que visava através da atividade lúdica criar mecanismos de
socialização para as presas de um presídio feminino, através de um projeto de extensão com a
faculdade Dom Helder Câmara, conforme o exposto na fala abaixo:
[...] eu tenho uma raiva muito grande do sistema porque nós tínhamos um projeto na
Penitencia Estevão Pinto que se chamava cela de cinema, esse projeto era da faculdade
Dom Helder Câmara, levávamos filme e o projetor, aí o um professor da faculdade
passava o filme para as meninas, aí as meninas assistiam o filme e tinham que fazer uma
redação, falar o que elas entenderam do filme etc., o mesmo filme era passado para os
universitários e eles tinham que fazer a mesma coisa para depois comparar o que os
alunos entenderam e o que as presas entenderam. Aí chegou uma determinada época
que eles falaram que a cela de cinema não poderia mais, por esse motivo, por aquele
motivo etc..., nada que justificasse não poder, quando passou um tempo nós
descobrimos que eles estavam pagando 80.000 mil para um cara, o que nós fazíamos de
graça, e é sempre assim, eles pegam sua ideia dão uma modificaçãozinha nela, deixa
ela lá guardada, em um ano aí dão uma modificaçãozinha nela e chama algum parceiro
deles para fazer, porque tem propina , não tem condição um negócio desses, porque
deixar de fazer um negócio de graça e pagar 80.000 mil para fazer a mesma cela de
cinema que nós fazíamos[...].
A fala do entrevistado dialoga com o exposto por Silva (2014) quando o autor
apresenta que a gestão do Sistema Prisional é endógena, por este sistema não ser ampliado a
interlocução com a sociedade, os movimentos sociais e até mesmo as instituições de controle,
está não abertura não permite a aproximação destes mecanismos com a realidade das unidades
prisionais, não criando condições para a realização do controle social desse sistema. O autor
ainda argumenta que o Sistema Prisional conta com uma disposição orçamentária significativa,
mas em contraponto apresenta incapacidade de gestão de variadas ordens, fato posto em todo o
cenário nacional.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O exposto acima é confirmado por Coimbra apud Mattos e Oliveira (2009) que
preconizam que na pretensão de julgar a vida com base em valores morais superiores, a
sociedade clama por mais prisões e leis mais severas. Desenvolvendo, desta forma, uma
subjetividade policialesca, punitiva e moralista, acreditando que a solução para a criminalidade
virá via julgamento, construindo o policial e o juiz em cada um dos brasileiros, neste quadro
todos têm desconfiança de todos, produzindo o medo e reivindicando mais segurança. Neste
sentido, acredita-se na complexidade do envolvimento da sociedade no controle social do
Sistema Prisional, conforme a entrevistada sugeriu.
Sobre a ressocialização os entrevistados concordam que ela não existe e não é
garantida pelo Estado, o que corrobora com o exposto pelo referencial teórico na exposição de
Karam apud Mattos (2010) que esclarece sobre o não cumprimento de nenhuma das ditas
funções “re” que são atributos da LEP, ou seja, a ressocialização, reeducação, reinserção,
reintegração, demonstrando a falácia destas funções.
Oliveira apud Mattos (2010) pontua que a prevenção proposta pelo Estado, tem por
objetivo destinar justiça, garantia de direitos e instituições de suporte, como saúde, assistência
social e educação, no entanto, a nomeação da Secretária de Estado como Defesa Social aponta
para o contraste da ideologia punitiva, na medida em que a Secretária de Estado de Defesa
Social do Estado de Minas Gerais trabalha com uma sociologia apenas estatística e que
criminaliza pobres, população em situação de rua e outros estratos sociais marginalizados,
baseando sua gestão no Estado mínimo, no mercado liberal, na administração gerencial, no
choque de gestão, aumentando cada vez mais a intervenção privada.
O modelo societário brasileiro, conforme pontuam Soares e Guindani (2008) tem a
justiça penal definindo como campo de atuação o encarceramento, como proposta de manter a
lei e a ordem, pois o Estado neoliberal brasileiro não consegue garantir a socialização primária.
Por isso Leal (2001) aponta que não há como ensinar um sujeito no cativeiro a conviver em
sociedade, não sendo possível a proposta da ressocialização, para alguém que na maioria das
vezes não foi antecipadamente socializado.
Segundo Soares e Guindani (2008) na medida em que o Estado não assegura o
proposto na LEP, o Sistema Prisional brasileiro, de uma forma geral, passa a não ser mais
seguro e eficiente para exercer o controle da população privada de liberdade, além de não dar
conta também de reprimir as ações criminosas, cometidas tanto dentro quanto fora das unidades
prisionais. A incompetência estatal e os mecanismos ilegais que se evidenciam com a dinâmica
prisional combinados, promovem o pior dos dois mundos, não assegurando nem direitos e nem
95
impondo deveres. A ausência de direitos gera indignação nos presos e em seus familiares, já a
ilegalidade propicia a mudança do ressentimento para atos de rebeldia e revanche.
Como alternativa apontada pelos entrevistados para minimizar as atrocidades do
Sistema Prisional os entrevistados corroboram com a visão de fortalecimento das APAC’s,
porém um dos entrevistados aponta uma visão mais crítica da verdadeira função do Sistema
Prisional, que é o papel regulador do mercado, ou seja, aumenta-se o Estado Penal em
detrimento da redução do Estado Social e da proteção pelo trabalho, em um mercado cada vez
mais excludente que reduz postos de trabalho, tendo no Estado seu correspondente político e
ideológico que reduz direitos sociais.
Diante do exposto, conforme esclarece Wacquant apud Forti (2010) estabelecer um
modelo de Estado Penal, aumentando o aparato repressivo policial e judiciário é a única
alternativa proposta pelos conservadores da sociedade para dar respostas à desregulamentação
da economia, a redução do trabalho assalariado e aumento da pauperização absoluta e relativa
da classe trabalhadora, que surgem como expressões da questão social agudizadas no
excludente capitalismo neoliberal contemporâneo, reestabelecendo uma verdadeira ditadura
para os inválidos pela conjuntura.
Como estudantes e futuros assistentes sociais deixamos por último a visão dos
entrevistados em relação ao profissional de Serviço Social, embora não tenha sido uma visão
homogênea em relação à categoria, os militantes e apoiadores do movimento social sujeitos das
entrevistas não apresentaram uma visão positiva dos profissionais de Serviço Social inseridos
nas unidades prisionais do Sistema Prisional mineiro, ainda que temos um compromisso ético
de respeitar os sujeitos entrevistados enquanto sujeitos que vivenciam as atrocidades do Sistema
Prisional, e de uma certa forma conhecem este Sistema, porém o referencial teórico em relação
a atuação deste profissional nas referidas unidades prisionais, nos permite apresentar alguns
questionamentos tanto em relação a esta visão do movimento em relação à categoria, tanto
quanto em relação a própria atuação em si deste profissional. Uma vez que não entrevistamos
nenhum profissional para avaliarmos a sua opinião em relação a este aspecto.
Um dos apontamentos seria a visão do movimento em relação aos profissionais,
questionando-se, por exemplo, será que todos os entrevistados têm clareza em relação às
atribuições profissionais do assistente social nas unidades prisionais. Será que todos os
profissionais analisados pelo movimento coadunam com o projeto ético político atual da
categoria, será que o movimento coaduna com o profissional em relação aos seus projetos,
buscando avaliar se estes projetos dialogam com a possível potencialização de mediação
realizada pelos assistentes sociais dentro do referido sistema, ou ainda o movimento avaliou os
96
desafios de se trabalhar dentro do Sistema Prisional proposto para este profissional, ou seja, o
que é oferecido para a sua atuação ou que ele apresenta como proposta dentro de sua relativa
autonomia.
Segundo Silva (2014) as prisões são um espaço extremamente aviltante e totalitário
em contraponto a outros ambientes societários que permitem diversas formas de mediação, por
variados movimentos e estratos sociais, permitindo com isso, uma maior democratização, no
Sistema Prisional esta abertura está muito distante de ser realizada.
Diante do exposto se faz necessário que o conjunto CFESS/CRESS intensifique
mecanismos de avaliação, orientação (dimensão educativa) e fiscalização da atuação
profissional dos assistentes sociais, pois além de esclarecer estes questionamentos poderia
apontar se realmente esta atuação se encontra precarizada, criando mecanismos de
fortalecimento da categoria dentro deste espaço sócio ocupacional tão complexo de se atuar. O
que já tem realizado de acordo com Silva (2014) quando tem proposto várias alternativas no
sentido de ampliar os estudos e debates da inserção do profissional de Serviço Social, dentro
do espaço Sociojurídico, que são denominadas Grupo de Trabalho Sociojurídico (GT
Sociojurídico), o CFESS, tem também intensificado a participação na política de
ressocialização nacional.
O profissional amarrado ao campo do imediato, da heterogeneidade reificadora, de
acordo com Pontes (2007) lhe escapa o campo das mediações, os fatores estruturais e a
historicidade, e especialmente a particularização da legalidade social, suas possibilidades de
intervenção profissional não ultrapassam a demanda institucional. Porém segundo afirma o
autor isto posto não significa que o seu fazer profissional deva ser avaliado como arruinado.
97
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VIEIRA, Adriana Maria. et. al. Violação de direitos no sistema carcerário. Trabalho
Interdisciplinar Dirigido- I. Modulo A ciclo 1, Belo Horizonte, 2013. (mimeo.).
VIEIRA, Adriana Maria. et. al. O egresso do Sistema Prisional do Estado de Minas
Gerais. Trabalho Interdisciplinar Dirigido- III. Modulo A ciclo 1, Belo Horizonte, 2014.
(mimeo.).
APENDICE
7. Para você o Governo do Estado, por meio da Secretaria do Estado de Defesa Social
(SEDS) tem observância ao cumprimento dos direitos e serviços essenciais previstos na
Lei de Execução Penal?
10. Quais as principais práticas instituídas no Movimento para que haja uma articulação
com as penitenciárias, uma vez que se sabe que o sistema prisional tem pouca abertura
para diálogo com a sociedade e para com a efetivação de direitos dos apenados?
103
11. Para você quais são os principais desafios para efetivação da Lei de Execução Penal?
12. É possível que os direitos sejam efetivados por meio da parceria pública privado no
sistema prisional?
13. Qual sua avaliação sobre a atuação dos governos federal e estadual na formulação de
políticas públicas para o sistema prisional?
15. Qual a sua visão em relação ao profissional de Serviço Social dentro do Sistema
Prisional?
16. O profissional Assistente Social contribui na luta do movimento pela garantia de direitos
da pessoa em privação de liberdade dentro do Sistema Prisional?
17. Há algum outro tema que você gostaria de abordar e que não tenha sido tratado nas
questões anteriores? Alguma questão que não mencionei, mas que você gostaria de
falar?