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Danilo Bilate
danilobilate@yahoo.com.br
Rio de Janeiro - RJ
2010
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Danilo Bilate1
danilobilate@yahoo.com.br
RESUMO: Com este texto quer-se pensar sobre as possibilidades de suporte teórico da
psicanálise para a prática educativa, sobretudo no que se refere especificamente ao papel
desempenhado pelo professor em sala de aula. Para tanto, mostramos como vários
desdobramentos práticos daqueles possíveis suportes já são de conhecimento da pedagogia,
mais especificamente de Paulo Freire, como, por exemplo: a constatação da impossibilidade
de uma neutralidade do professor, da necessidade de uma abertura por parte do professor para
a singularidade de cada um de seus alunos, da riqueza da fala do aluno e da importância de se
dar foco integral a essa fala, entre outros. Com a referência a conceitos de Freud e Lacan,
como os de “desejo”, “sujeito-suposto-saber” e, principalmente, de “transferência” e, além
disso, com a reflexão sobre características gerais do processo analítico clínico, buscamos
mostrar como esse campo teórico pode ser útil para que os educadores deixem de lado o papel
de “mestre”, isto é, de um professor tirano, pretensamente detentor do saber e saibam manejar
a transferência, que se mostra presente em sala de aula e não apenas na clínica psicanalítica.
Introdução
Este trabalho pretende ser não uma resposta ou um encaminhamento definitivo para
as questões da educação, mas sim uma hipótese. Mais do que isso, devido às suas
particularidades, não se torna nem mesmo uma hipótese, senão que um questionamento;
afinal, o que podemos pensar acerca das contribuições da teoria psicanalítica no âmbito da
educação?
Alguma coisa já se foi dita, pelo próprio Freud, sobre a educação. Entretanto, nos
parece que pouco foi feito no sentido de se pensar psicanaliticamente a situação específica do
ensino em sala de aula. Como pensar, enfim, psicanaliticamente, a relação professor-aluno e o
processo de ensino? Responder a essa pergunta é, paradoxalmente, não fornecer respostas,
mas criar ainda mais questionamentos. De fato, parece original um trabalho deste tipo, já que
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Doutorando e Mestre em Filosofia pelo PPGF-UFRJ, bolsista CAPES.
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Assim, no nosso levantamento bibliográfico, não dedicamos espaço aos textos de Lacan, mas apenas a um de
seus comentadores, além, é claro, de alguns textos freudianos. Isso facilitou a delimitação teórica que
procurávamos. Se recorrêssemos aos originais lacanianos, por exemplo, nos perderíamos na profundidade
teórica e obscuridade estilística de Lacan, o que não nos seria útil para o nosso propósito atual.
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Ademais, devemos deixar claro que a psicanálise mesma não nos fornece qualquer
base para uma aproximação entre ela e a prática educativa. O que pretendemos fazer é apenas
pensar psicanaliticamente essa prática. É importante ressaltar com toda a clareza necessária;
análise não é ensino e ensino não é análise. Freud, aliás, é bem enfático quanto a esse ponto:
O trabalho da educação é algo sui generis: não deve ser confundido com a
influência psicanalítica e não pode ser substituído por ela [...] A
possibilidade de influência analítica repousa em precondições bastante
definidas, que podem ser resumidas sob a expressão ‘situação analítica’; ela
exige o desenvolvimento de determinadas estruturas psíquicas e de uma
atitude específica para com o analista (FREUD, 1925, p.308).
São, afinal, dois campos e duas atuações distintas se tomadas de um ponto de vista
mais geral. No entanto, não apenas nós, mas mesmo Freud, estabelece algumas aproximações,
como veremos no nosso primeiro tópico, que agora se segue.
Fora essas citações que vimos acima, não há nada mais que Freud fale diretamente
sobre a educação e sua relação com a psicanálise – ausência que também se encontra em
Lacan. Passemos, então, para a nossa hipótese de trabalho.
Seguindo nossa pesquisa, podemos ler em Freud algumas indicações éticas que se
assemelham muito com os apontamentos de Paulo Freire. Este educador admite que “é
impossível, na verdade, a neutralidade da educação” (FREIRE, 2003b, p.110). Do mesmo
modo, Freud afirma que se deve sempre “levar em conta não apenas a natureza do ego [eu] do
paciente, mas também a individualidade do analista” (FREUD, 1937, p.264) na relação
analítica. Por quê? Justamente porque o eu do analista influencia necessariamente a prática
analítica. Em uma palavra, não há neutralidade na clínica. Lacan confirma esse ponto quando
fala sobre o desejo do analista. O analista é influenciador sobretudo porque é alguém que
deseja algo na e para a sua relação com o analisando. Voltaremos a esse tema mais tarde. Mas
se entendermos ser impossível a neutralidade tanto em sala de aula como na clínica, estaremos
concebendo que o analista ou o educador devam impor – ou não possam deixar de impor –
seus valores e significações para o analisando ou alunado?
É preciso fazer a pergunta porque a conclusão que nela se inclui é equivocada. Com
efeito, outro apontamento ético de Freire muito próximo à psicanálise é o da necessidade se
respeitar a individualidade do educando. A esse respeito, analogamente Freud diz:
É claro que essa é uma consideração ideal. Muitos alunos não estão em busca desse
saber, e alguns clientes também não. Assim como no cotidiano escolar é comum ouvir dos
alunos a fala: “estou aqui porque meus pais me obrigam”, isso também pode ocorrer com um
cliente adolescente, por exemplo, que chega ao analista porque fora obrigado por seus pais.
Mas o que pensar disso? Se não há essa busca, falando propriamente, se não há esse desejo
pelo saber, não há ensino e não há análise. De fato, a existência desse desejo é condição sine
qua non para a entrada em análise. Do mesmo modo, no processo educacional, a inexistência
do desejo significa a inexistência daquilo que Freire chamou de curiosidade epistemológica, e
implica na ineficaz educação bancária, “um ato de depositar, em que os educandos são os
depositários e o educador o depositante” (FREIRE, 2003a, p.58). A curiosidade
epistemológica traz como consequência o questionamento. E, segundo Alain Juranville, para
Lacan a curiosidade e o questionar estão intimamente ligados ao desejo: “O ser daquele que
questiona, portanto, é desejo” (JURANVILLE, 1987, p.16).
Sabemos já, então, que somos desejantes. Todos nós. E não fogem a regra nem
mesmo o analista ou o professor. Aqui concluímos o que queríamos dizer com relação de
desejo. Nas relações dialéticas professor-aluno ou analista-analisando, tem-se em jogo o
desejo de ambos os lados. Há, portanto, que se considerar, na educação, o desejo do professor,
e não apenas o do alunado, neste processo de aquisição de saber. O que podemos aprender
com a psicanálise neste ponto? O que ela fala sobre o desejo do analista e o papel do analista
na produção de saber que se dá na análise?
Com efeito, se Freire afirma que “ensinar não é transferir conhecimento, mas criar
possibilidades para a sua produção ou a sua construção”, (FREIRE, 2003b, p.22) ou seja, que
o saber é construído na relação professor-aluno, isto está de pleno acordo com o que a
psicanálise enxerga; o saber é construído na relação analista-analisando. E como se dá essa
construção? Primeiro ponto de semelhança: tanto o ensino quanto a análise se sustentam na
fala: “O tratamento analítico é uma relação de fala, com os efeitos daí decorrentes. O que
Lacan chamou posteriormente de ‘ato analítico’ é o ato da fala” (JURANVILLE, 1987,
p.221). Mas quem fala? Quem sustenta o processo? Ora, toda a idéia do processo analítico é
justamente abrir um espaço para a fala do analisando, donde a importância do método de
associação-livre – que é o método característico do processo de análise, onde se pede ao
analisando que ele fale tudo aquilo que lhe vêm à mente. Ora, é através dessa fala que a
análise é estruturada. Assim, é o analisando quem sustenta a análise.
Neste sentido, é importante, como se sabe, que o analista saiba escutar; e a escuta é
ela mesma uma fala. Através da escuta, o analista – e também o professor – falam com o
analisando/aluno. De fato Freire nos diz: “Somente quem escuta paciente e criticamente o
outro, fala com ele” (FREIRE, 2003b, p.113). Logo, se temos por um lado que é a fala do
analisando que fundamenta o processo analítico, parece que também é a proposta de Freire de
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Assim como em Freire há uma liberdade que é dada ao alunado, tendo todavia o
professor o papel de se colocar como orientador do processo de ensino, também o analista
guia o processo analítico com as devidas intervenções e cortes. Entenda-se a fala
propriamente dita do analista como sendo a intervenção e o corte como sendo o fim que é
dado à sessão estrategicamente (já que o corte também diz algo). Todas essas funções que
cabem ao analista deixam à mostra o seu desejo ao analisando. Por este motivo, Lacan
trabalhou tanto a questão do desejo do analista, evidenciando a impossibilidade de uma
neutralidade do analista e demonstrando a importância desse desejo para o estabelecimento da
transferência e, portanto, para possibilitar a análise, já que a análise só se estabelece com a
transferência.
Isso tudo nos parece muito semelhante com o contexto educacional proposto por
Freire. É claro por um lado que o professor já está mesmo ocupando a função de detentor do
conhecimento, mas, pergunta Freire: “Como posso respeitar a curiosidade do educando se,
carente de humildade e da real compreensão do papel da ignorância na busca do saber, temo
revelar o meu desconhecimento?” (FREIRE, 2003b, p.67). Em outras palavras: como posso
fazer o aluno desejar aprender, se não me mostro como faltante, se não mostro o meu desejo
de saber?
Por que o professor não poderia mostrar o seu amor e o seu desejo de ensinar? Por
que o professor não poderia sair dessa posição de mestria, de superioridade hierárquica,
mostrando-se como ser faltante, como ser desejante? Por que, afinal, o professor não poderia
aprender com o aluno e, assim, construir o saber com o aluno e a partir da fala do aluno? São
apenas algumas das questões que surgem após esta pequena e rápida reflexão da teoria
psicanalítica na prática educativa.
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