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A RELAÇÃO DO ESPÍRITO OBJETIVO NA DIMENSÃO HISTÓRICA DA VIDA E A

PEDAGOGIA UNIVERSAL.
Leandro Januário Rodrigues de Santana (UFPE).
Orientador: Thiago Aquino
Palavras-chaves: Espírito Objetivo. Ciências do Espírito. Compreensão. Dimensão Histórica.
Indivíduo. Análise Existencial. Hermenêutica. Pedagogia Universal.

A presente pesquisa acadêmica bibliográfica se propõe a trabalhar o conceito de


Espírito Objetivo, relacionando-o a hermenêutica e a pedagogia universal. O conceito de
Espírito Objetivo como essência do pensamento hermenêutico de Dilthey, está relacionado às
três correntes de pensamento atuante no século XIX: o historicismo, a hermenêutica e o
positivismo. Nós não pretendemos aqui destrinchar de maneira detalhada e extensiva cada
uma dessas tendências, mas apenas pontuar de modo sucinto a indicação da influência
marcante deste conceito de Espírito Objetivo no núcleo do processo de autodeterminação
epistemológica das ciências do espírito.
A DIMENSÃO HISTÓRICA DA VIDA
Wilhelm Dilthey se situa na continuação da chamada Escola Histórica, como rebento,
fruto, desta corrente romântica alemã e um dos criadores do historicismo alemão que, ao
colocar a questão da legitimação das Ciências Culturais, queria asseverar a emancipação
destas disciplinas. Esse embate frente as Ciências Naturais gerou vários conflitos
metodológicos, com estas que já estavam consolidadas e respeitadas, arrogando-se como
paradigma de toda sabedoria com pretensões de cientificidade. Sabe-se que não é verdade que
as Ciências Naturais queriam o governo ou dependência das Ciências Culturais para si, se
encontravam mergulhadas em seus próprios problemas específicos, e chegavam a não
reconhecer a existência das disciplinas do intelecto que no século XIX, eram chamadas de
Ciências do Espírito, mas pensadores trouxeram a discussão da fundamentação das disciplinas
naturais para o âmbito das espirituais, tentando impor toda a rigorosidade que aquelas
possuíam.
Tais conflitos não se tornaram estéreis, mas pelo contrário trouxeram contribuições
significativas para precisar e determinar o status epistemológico das Ciências do Espírito. Os
embates travados entre os dois paradigmas contribuíram para a elaboração lógica de conceitos
científicos, a exemplo da ideia de “Espírito Objetivo” elaborada por Hegel e abarcada por
Dilthey para a construção da consciência histórica, desenvolvida como força dinamizadora da
realidade-histórica, em favor da autodeterminação epistemológica das Ciências do Espírito.
Todavia, esta força se deu a partir das discussões e reflexões sobre os progressos deste espírito
humano no decorrer das eras, mas também sobre o significado que a Revolução Francesa
trouxe como consequência durante todo o século XIX, mudanças profundas na percepção do
tempo, que levaram o homem a descobrir seu papel principal como produtor do mundo
histórico. Este mundo histórico articula-se duplamente com a manifestação exterior da vida
interna humana, com a possibilidade de sua compreensão e interpretação.
Contudo, ao diferenciar-se do espírito iluminista, este novo sentido histórico recusava
de modo veemente as abstrações construídas pelos intelectuais iluministas e asseverava-se
como significação nova, para conhecimento da realidade concreta na busca daquilo que é
autêntico e vivido, sob as formas desenvolvidas do Eu, da cultura, e da descoberta do Espírito
presente em cada povo (Volksgeist). Nesta época se deu muita importância às interpretações
de expressões como ditas acima, “espírito” ou “alma” do povo, a construção política,
econômica, e cultural do Estado, as formas biológicas da vida humana. Tais caracterizações
trazem o dinamismo cultural, pois são geradas da ação de uma Dimensão Histórica produzida
pelo sujeito. O problema de demarcação epistemológica suscitada entre as correntes
positivista e historicista constituíram o objeto de estudo das Ciências do Espírito, tais como: a
formação do Estado, a política, a vida em sociedade, o direito, a ética, a religião, as línguas, a
arte, a educação, e acabaram por proporcionar um debate ad infinitum que perdura até hoje.
Sendo que agora a Filosofia se abre para o debate de questões sociais e culturais, que foram
negligenciadas pelo pensamento clássico.
Dilthey toma parte de maneira objetiva no debate metodológico das Ciências do
Espírito. Em sua preocupação básica, entretanto, posicionaria a pergunta vital na elaboração
de sua “crítica da razão histórica”, sendo esta que ocorreu a possibilidade de Dilthey pôr lado
a lado o problema da História e da Filosofia, pelo menos de modo mais distinto da colocação
que a Filosofia da História colocava, bastante em voga na época. Dilthey, ao tomar ciência do
verdadeiro problema das Ciências do Espírito, não enxergava na consciência histórica da
relatividade do sistema filosófico a morada de um saber instrumentalizado só pela razão, mas
a toma como necessidade imperiosa da mesma contingência como seu objeto de estudo e
reflexão da História.
Para Dilthey, o “Espírito Objetivo” é a reunião do formato dado pelos indivíduos ao
ligarem-se e reconhecerem-se na comunidade, feitio que surge no mundo dos sentidos. Neste
feitio, o passado se encontra sempre presente em marcas deixadas por gerações anteriores, e
que não podem ser relegadas ao esquecimento. Mesmo as obras de grandes figuras do passado
não perdem a ligação com o presente, ao contrário, articulam-se com o conjunto de ideias
produzidas no hoje, com a vida interna experienciada de uma determinada época. O sujeito
cognoscente é alimentado desde tenra idade, sempre pela cultura à qual pertence. É nesse
meio que passamos a compreender uns aos outros nas nossas expressões. O espírito objetivo é
compartilhado por todos na comunidade, ou seja, é comum ao Eu e ao Outro.
O Espírito Objetivo traz manifestações da vida que entram em cena no mundo
sensível, que são externadas, captadas pelos sentidos. Essas manifestações vitais surgem
vindas do mundo dos sentidos como expressões da vida interior objetivada, sendo assim
possível conhecer os eventos mentais. Contudo, estes eventos podem ser intencionais ou não-
intencionais, ambos tornam o mundo psicológico compreensível. Todavia, esta compreensão é
diferente, pois as manifestações da vida são conhecimentos extrínsecos que se fundamentam
na experiência prática e compreensiva que manifestam e apontam concepções do mundo
psicológico memorizado internamente na existência humana. Os nexos teleológicos da
vivência Erlebnis como: pensar, agir e sentir terão um papel importante na concepção da
realidade estabelecendo os seus fins na criação de valores a partir destas três conexões
psicofísicas, que serão a base das Ciências do Espírito, a vida objetivada no mundo concreto,
sendo revivida.
No início de seu estudo sobre “A compreensão de outras pessoas e as suas
manifestações vitais”, Dilthey traça o perfil da revivência: “Sobre a base da vivência e da
compreensão de si mesmo, assim como em uma ação recíproca constante que ocorre entre as
duas, forma-se a compreensão de manifestações vitais e de pessoas alheias” (Dilthey, 2010, p.
184. Unesp). Expressões da vida são informações internas na prática compreensível que
manifestam ou apontam os conhecimentos espirituais e mentais do mundo interior da
existência humana. Tais expressões são elementos das ciências do espírito, como referências
perceptuais de seres existenciais e não da natureza em seu viver físico que são a base das
ciências da natureza.
Dilthey, classifica três categorias de manifestações do mundo histórico. “A primeira
dessas classes é formada por conceitos, juízos, construtos maiores de pensamento” (Dilthey,
2010, p. 185. Unesp). Estes são os rudimentos do conhecimento, no espírito alemão do termo,
ampliando o campo de atuação entre as duas áreas, a saber: as ciências naturais e as do
espírito. Ambas, ciências naturais e do espírito, divergem em suas experiências vividas,
manifestas pela condição particular da qual despontaram no plano da experiência vivida. Há
exemplos significativos a este respeito que incluem desde o discernimento em afirmar que o
sol apareceu no “céu brilhando radiante hoje” ou “Antônio na noite passada se excedeu com o
álcool” ou em informações superiores, como olhar para um quadro ou escultura feita por um
artista, mas também ler um livro de Filosofia ou um artigo de um jornal ou revista. As pessoas
procuram compreender o feitio, a figura, o aspecto pelo qual as coisas se dão no mundo. Ao
passo que os juízos declaram a eficácia daquilo que é elaborado na ideia emancipada da época
e dos indivíduos em cada geração. “Assim, o juízo é o mesmo naquele que o enuncia e
naquele que o compreende…” (Dilthey, 2010, p. 185. Unesp).
As “ações” formam o segundo nível das manifestações da vida. Como fenômenos, as
ações não visam exteriorizarem, porém, são próprias para apontar uma conexão com uma
finalidade. “A ligação da ação com o elemento espiritual que se expressa desse modo nela é
regular e permite suposições prováveis sobre ele” (Dilthey, 2010, p. 186. Unesp).
Ao perceber alguém se dirigindo para um terreno baldio que se encontra sem
demarcações, é possível compreendermos sua ação, pois tem uma finalidade, intenção e
objetivo em edificar uma cerca. Dilthey nos mostra a distinção entre a disposição
compreensiva deste agente e a relação vital que concebe essa disposição da consciência. À
medida que eu tomo em minhas mãos ferramentas e instrumentos, para realização da
construção de uma cerca, eles acabam por me levar à concentração em realizar o trabalho
direto e possivelmente obtenho compreensão do propósito deste todo, mas a importância
universal deste plano em minha existência e por decidir em construir uma proteção para o
terreno é oriunda da conexão vital. Ao optar pela construção da cerca, outros afazeres e
ocupações ficaram nulos. Dessa forma, o que eu havia decidido realizar não se encontra
expresso na minha própria ação. “E sem explicitar o modo como as circunstâncias, a
finalidade, os meios e a conexão vital se articulam nela, ela não admite nenhuma
determinação universal do interior do qual surgiu” (Dilthey, 2010, p. 186. Unesp).
Uma pessoa que repara minha ação na realização de meu trabalho poderia assimilar
que me encontro apenas fixando tábuas para a construção da proteção que preciso e que
disponho de materiais e ferramentas necessárias para tal ação, e que esta condição se
encaixaria em meus planos, mas, na verdade, o que eu gostaria era de estar em um dia de sol
numa praia curtindo um bom dia de descanso. “… Ele não enuncia senão uma parte de nossa
essência” (Dilthey, 2010, p.186. Unesp).
A expressão de uma vivência (Ausdruk), conforme Dilthey, 2010, p. 186. Unesp,
estabelece a terceira categoria das manifestações do mundo histórico. Este feitio é único,
porque contém em si a conexão característica iniciada da vida anímica daquele que exterioriza
na forma objetiva, vinda da comunicação da vivência Erlebnis, manifestações vitais até a
revivência que desponta no indivíduo ao reviver esta sensação de vida. Nos fenômenos da
vida psíquica exprimem a vivência viva, a condição interna se expressa para o mundo prático
das coisas. Na verdade, ao apontar para minha ferramenta de trabalho me irrito por não poder
tê-la em minhas mãos, concluo por demonstrar minha insatisfação expressando a minha
verdadeira intenção através do martelo que preciso para cravar as tábuas para meu cercado, no
momento mais necessário, e a vontade que outra pessoa o apanhe e traga para mim antes e
fixá-las em segurança. Em seu pensamento, Dilthey afirma que coisa nenhuma é tão
competente quanto a linguagem de expressar-se com tão forte vigor, quanto a vida psíquica.
“A expressão pode conter mais da conexão psíquica do que toda e qualquer introspecção
permite reconhecer. Ela a alça das profundezas que a consciência não ilumina” (Dilthey, 2010.
p. 186. Itálico não original. Unesp). Desse modo, eu poderia me irritar com a pessoa ao meu
lado e, encolerizado, expressar de maneira rude a seguinte expressão: “Apanhe para mim a
P*#@& da ferramenta!”. As manifestações vitais da vivência podem se tornar embaraçosas.
“A expressão não cai sob o juízo verdadeiro ou falso, mas sob o juízo inverossimilhança e
verossimilhança. Pois dissimulação, mentira e ilusão rompem aqui a ligação entre a expressão
e o elemento espiritual expresso” (DILTHEY, 2010, p. 186; itálicos não originais. Unesp).
Projetos pessoais procuram comunicar a unidade da experiência vital descoberta pela pessoa
ideal formando um todo considerável. Vale dizer que podemos expressar nosso estado interior
em várias expressões artísticas, pela música, poesia, arte esculpida em mármore etc.
Dessa maneira, ao expressar minha testa enrugada, reflito minha indiferença na
indagação crítica durante o tempo que admito responder a esta interrogação de maneira
educada. Estes rudimentos da não consciência adentram nas expressões de sua experiência
vivida, tornando-se base e princípios para a compreensão do autor melhor do que este se
compreenderia. Em contrapartida, influenciamos o outro ao interpretar o feitio errado
enquanto condição do mundo interno dessa outra pessoa. Outras expressões como a fraude, o
engano e a ocultação são também feições prováveis na aparência das experiências vividas. Eu
não só posso mentir, mas também sou capaz de mascarar e forjar minha expressão. As
manifestações da experiência vivida se compreendem unicamente entre pertinentes
limitações, jamais impecavelmente. “Algo pavoroso reside no fato de toda expressão poder
iludir na luta entre os interesses práticos e também de a interpretação se alterar por meio da
mudança de nossa posição” (Dilthey, 2010, p. 187. Unesp).
Portanto, as Ciências do Espírito procuram compreender as manifestações vitais tais
como os conceitos, juízos, pensamentos, ações e sentimentos, que são elementos
epistemológicos conhecidos a partir da vivência que se transpõe para o Espírito Objetivo e
toda a construção do mundo histórico, formando a personalidade em cada contexto e alicerce
revivido. Nas duas primeiras manifestações, a vida ordinária se impõe, mas não dissolve a
manifestação singular, os juízos, ações e ideias que pertencem à compreensão elementar; na
terceira unidade vital, a expressão de vivência, obtêm-se entrada na existência individual, e a
revivência desta é superior.
Perguntamos: como são demonstradas as formas elementares e superiores da
compreensão nas manifestações vitais da vida objetiva?
Adentremos naquilo que Dilthey propõe para a compreensão das manifestações da
vida. Para cada manifestação das expressões da vida há uma forma elementar e superior da
compreensão. A compreensão elementar se situa na praticidade comunicativa entre pessoas
que convivem, ou seja, no diálogo comum. Essa compreensão é direta, imediata, intuitiva,
para Dilthey: “A compreensão emerge inicialmente dos interesses da vida prática. Aqui, as
pessoas dependem do trânsito mútuo” (Dilthey, 2010, p. 187. Unesp). As pessoas precisam
trocar mutuamente umas as outras se tornando compreensíveis, e nisto uma precisa saber o
que a outra quer, ocorrendo assim o surgimento das formas elementares da compreensão. No
referido diálogo prático presume-se que através das “expressões de vivência” exteriores
poder-se-á conhecer o processo do mundo psicológico de outras pessoas que o outro externou.
Esta conexão entre o sentido interno e a expressão externa se inicia na fase mais tenra da vida
humana.“Assim surgem inicialmente as formas elementares da compreensão. Elas são como
letras, cuja composição torna possível as suas formas mais elevadas. Por tal forma elementar
compreendo a interpretação de uma manifestação da vida particular” (Dilthey, 2010, p. 187.
Unesp).
A criança adquiriu no processo de vivência do pensar, agir e sentir e, já muito cedo, os
códigos legados à sua comunidade, isto é, ela recebe um mundo organizado e prévio, ela, a
criança, aprende as relações familiares, econômicas, religiosas, sociais, políticas, técnicas e
profissionais. Muito antes dela mesma aprender a se comunicar, ela é colocada dentro da vida
comum, aprendendo a decifrar os códigos das expressões comuns e, neste mundo do Espírito
Objetivo, o indivíduo não se perde. Ele compreende e ao compreender reconhece na
comunidade as expressões por ele vivenciadas, abarcadas por seus símbolos, signos, sinais e
linguagens, compreendendo as expressões que emergem das vivências de outros. A criança
faz parte de um mundo de experiência compartilhada. Dilthey nos diz: “Nosso si próprio
recebe desde a primeira infância o seu alimento desse mundo. O mundo também é o meio, no
qual a compreensão de outras pessoas e de suas manifestações vitais se realiza” (Dilthey,
2010, p. 189. Unesp).
O pertencimento de uma experiência compartilhada, ao se articular as expressões da
vida e compreensão, a comunidade acaba por legar a experiência manifesta na unidade de
expressão. Esta expressão se concretiza junto aos recursos colocados pela cultura a todos
pertencentes à comunidade, mas a vida traz consigo mesma um complexo rico de vidas
individuais. Nisto o indivíduo toma a forma particular da cultura, e, ao apropriar-se dela,
acaba por ressignificá-la.
Aqui se encontra o processo de aculturação, 1 onde o indivíduo cresce e se desenvolve
dentro de um ethos cultural da família à qual pertence junto a outros membros. A aculturação
de uma pessoa é o aprendizado, o aspecto particular do Espírito Objetivo de sua época e local
desse sujeito cognoscente. Esta conexão histórica é a base essencial de toda a compreensão.
Nossa aculturação se apresenta de modo tão completo que não encontramos obstáculos para
compreender o sentido interior expressado na manifestação.
Dilthey se utiliza do conceito de “Espírito Objetivo”, sem os acontecimentos
argumentativos e finalísticos, ao designar a objetivação da vida pelo termo referido acima

1 O termo aqui é usado como acepção psicológica, e não em sentido antropológico acadêmico mais usual,
mas retirada de aspectos importantes da experiência vivida.
elaborado por Hegel. Entretanto, o historicista argucioso buscou descrever e analisar sua
concepção distinguindo-a daquela criada por Hegel. Em Hegel, o progresso do espírito
universal realiza antes uma das etapas da qual se chama espírito objetivo, situado entre o
especulativo e o absoluto. Este espírito objetivo é conceituado por Hegel na concepção do
homem ideal na evolução do intelecto universal. Sendo captado na forma especulativa.
Referindo-se às ligações temporais, empíricas e históricas (Dilthey, 2010, p. 112. Unesp),
como um processo que deve ser superado e retornar para o absoluto. Dilthey rejeita estas
suposições metafísicas de Hegel, pois dissolve as ligações temporais, empíricas e históricas,
removendo destas as características individuais a uma vontade especulativa universal. Será na
vida que ocorrerá toda a ação sobre a universalidade no conjunto psicológico de cada
individuo. Hegel edificou sua concepção de mundo metafisicamente, quando, na verdade, era
necessário fundamentar seu método na descrição e análise das ligações temporais, empíricas e
históricas, a partir das informações, conhecimentos e criações dos sistemas culturais
objetivados. Esta análise existencial psicológica do mundo histórico cheio de vida acaba por
nos revelar a efemeridade e aflição perante a nossa finitude. Para Dilthey, seu conceito de
espírito objetivo não nasce da especulação da razão, mas da compreensão de indivíduos e
sociedades objetivadas condicionadas pelo seu momento histórico:
Todavia, os pressupostos sobre os quais Hegel assentou esse conceito não podem
mais ser mantidos hoje. Ele construiu as comunidades a partir da vontade racional
universal. Nós precisamos partir hoje da realidade da vida; na vida age a totalidade
do nexo psíquico. Hegel constrói metafisicamente; nós analisamos aquilo que é
dado. E a análise atual da existência humana preenche-nos todos com o sentimento
da fragilidade, do poder dos impulsos sombrios, do sofrimento com as obscuridades
e com as ilusões, da finitude em tudo aquilo que a vida é, mesmo onde surgem a
partir dela os mais elevados produtos da vida comunitária (Dilthey, 2010, p. 115;
itálicos não originais. Unesp).

Dilthey assinala que as formas elementares e superiores da compreensão, ocorrentes


em qualquer comunidade existente de indivíduos, se objetiva no mundo externo. O espírito
objetivo é o que abarca todas as conexões históricas assimiladas na aculturação e permitida na
compreensão elementar. O que Dilthey afirma é: “Nesse espírito objetivo, o passado é um
presente constantemente duradouro para nós” (Dilthey, 2010, p. 189. Unesp). Nesse caso, o
espírito objetivo como expressão Ausdruk, será o meio da compreensão, pois este indica
simultaneamente as conexões instituídas entre as condições psicológicas e suas expressões da
experiência vigente em qualquer cultura particular. Assim, sujeitos habitualmente captam
mentalmente manifestações que se encontram no núcleo social estabelecido, isto é, dentro do
espírito objetivo. Com isto Dilthey nos quer dizer que: “O espírito objetivo e a força do
indivíduo determinam conjuntamente o mundo espiritual. A história baseia-se na compreensão
dos dois” (Dilthey, 2010, p. 194. Unesp).
Adentramos na forma superior da compreensão, eis que entre as compreensões
elementares e superiores tem-se pouca diferença de grau, pois já se encontra determinada
pelas operações vitais da compreensão. A vida prática cobra opiniões e valores sobre os
indivíduos e, quando isto lhes é estranho e sua distância se torna mais extensa do íntimo do
indivíduo, passa-se para a compreensão superior. As formas superiores da compreensão
também são oriundas da manifestação do mundo interior e objetivadas nas expressões, em
criações de textos, esculturas, obras arquitetônicas, vídeos, sendo que nas manifestações
externas se encontra um intervalo de tempo transcorrido entre a realidade efetiva histórico-
social e seu intérprete. A compreensão superior é comparada por Dilthey como uma
encenação cênica, o drama encenado pelos atores traz muito das vivências que são
compartilhadas por todos no meio social em que a comunidade reside, visto que é nos meios
sociais onde iletrados e cultos podem compartilhar junto a mesma experiência de encanto com
a história narrada na peça teatral. Aqui o compreender superior se orienta com a ação, pelas
características dos personagens, pelas interpretações de momentos que delimitam a guinada
do destino. É nisto que se pode desfrutar da realidade plena da leitura da vida apresentada.
Dilthey também afirma:
É somente então que se realiza nele plenamente um processo de compreensão e de
revivência tal como o poeta procura provocar nele. E sobre toda a região de tal
compreensão de criações espirituais não domina senão a relação entre as expressões
e o mundo espiritual expresso nelas. É somente quando o espectador nota como
aquilo que ele acolheu justamente como uma parte da realidade surgiu de maneira
engenhosa e planejada na cabeça do poeta, que a compreensão que tinha sido regida
por essa relação de uma quintessência de manifestações de vida com aquilo que é
expresso nelas se transpõe para a compreensão, na qual impera a relação entre uma
criação e o criador (Dilthey, 2010, pgs, 193, 194. Unesp).

Os espectadores mergulham na história da peça encenada, e consequentemente nas


intrigas que esta traz sem se perder dos nexos da ação, compreendendo cada gesto, expressão
e sinal emitidos das personagens em cena. Sem cogitar, a não ser quando esta se mostra em
uma história labiríntica, na criação feita pelo autor, na atuação de diretores e atores. Este
espectador se deixa levar por aquilo que sente e vê, indo mais além na construção do todo.
Ele, o espectador, pode compreender o todo da história melhor do que os autores, diretores, e
atores. Os espectadores tomam a realidade em que se encontra a intriga e revivem, em seus
espíritos, a emoção do virtual no vivido, a realização vinda do espírito poético. Tornando-se
ele mesmo um coautor, codiretor e coator, o observador consegue realizar uma compreensão
superior, colocando junto, na estrutura total, as expressões consecutivas e dispersas,
compreendidas durante o processo de indução, que parte das partes para o todo. Na
compreensão elementar, as manifestações vitais revelam o espírito objetivo. Na compreensão
superior, seu objeto é a singularidade impressa no espírito objetivo. A forma superior da
compreensão parte do espírito objetivo, que abarca os indivíduos, mostrando-lhes a diferença
que há nas individualidades.
A vida humana nada mais é que a conexão, o nexo, a ligação, aquilo que está sobre o
conjunto de conhecimentos da experiência vivida, e revivenciada na construção da
consciência histórica individual e coletiva, a compreensão-interpretação se apresenta como
método nas ciências do espírito em movimento mútuo e constante de pessoas que se alternam
entre uma em resposta à outra. A compreensão e a interpretação não são de tendência
psicologista-psicológica e nem um conjunto de atividades lógicas, mas um estudo
pormenorizado de cada parte num todo, para melhor conhecer sua natureza, funções, relações
e causas no objetivo de compreender e interpretar um fenômeno complexo. Tanto a
compreensão quanto interpretação consistem num retorno às experiências vividas, de difícil
apreensão universal, nos componentes mais básicos e simples da vida, ou seja, um objetivo
teórico e epistemológico. Uma fenomenologia, na ação da consciência intencional que se
volta para um objeto, tomando conhecimento ao perceber o caráter do que esclarece na
revivência de outros indivíduos no saber da dimensão histórica.
Em Dilthey, as Ciências do Espírito deve considerar como seu suporte a descrição e
análise entre vivência, expressão e compreensão. O progresso das ciências do espírito
depende fundamentalmente das experiências vividas, ou seja, vivências na orientação no
processo de crescimento. Todavia, este crescimento é condicionado pela dimensão histórica
onde se encontra inserido este sujeito da compreensão, onde toda a objetivação do espírito
entra em resgate abarcando metodicamente o elemento singular, expresso nas diversas
criações na manifestação da vida particular.
A essência conceitual é formada daquilo que se manifesta na vivência e na
compreensão-interpretação, é a própria vida em conexão abarcando todo o gênero humano, e
ao confrontar-se agora com esta verdade – que em nós não somos apenas o início da partida
das Ciências do Espírito, mas o ponto inicial também da Filosofia – Dilthey afirma: “é preciso
retornar a um momento anterior à elaboração científica desse fato e apreender o fato mesmo
em seu estado bruto” (Dilthey, 2010, p. 89. Unesp). Ao viverem as suas existências, os
sujeitos cognoscentes em suas culturas podem pensar, agir e sentir e, ao expressar estas três
unidades vitais psicofísicas, acaba por experimentar em sua vivência elementos singulares e
compreender aspectos de sua vida psíquica na consciência histórica.
Assim, quando a vida vem ao nosso encontro como um estado de fato próprio ao
mundo humano, nos deparamos com determinações próprias a esse estado de fato
em cada uma das unidades vitais. Nós nos deparamos com concernências vitais,
tomadas de posição, comportamentos, com criações relativas às coisas e aos homens
e com o sofrimento produzido por eles. No subsolo estável a partir do qual se
elevam as capacidades diferenciadas, não há nada que não contenha uma
concernência vital do eu (Dilthey, 2010, p. 89. Unesp).

Aqui, Dilthey nos mostra o nascedouro daquilo que ele chama de “concernência vital”,
ou seja, a relação na qual o Eu se inseri nas circunstâncias, descrevendo a mudança que se
repete continuamente na conexão com as coisas e dos homens com estas. Não haverá homem
e coisa alguma funcionando exclusivamente na função de objeto para o Eu, não tendo em si
uma força ou impulso, um limite de sonho ou que torne menor sua vontade, um valor,
inspirações de opiniões feitas logo após um exame e reflexão ou familiaridade interior, ou
submeter-se à vontade de outrem, o que configura a diferença entre indivíduos. Entretanto,
quem não se sente desconfortável com um sujeito diante desta diferença e singularidade?
Esta unidade vital psicofísica em momento restrito e duradouro modifica-se
convertendo os homens e as coisas em mensageiros da felicidade do Eu, em dilatação e
ampliamento de seu horizonte existencial, na valoração de seu vigor ou restringindo por
interesse a área de sua atuação real, pondo em atividade um constrangimento moral e
subtraindo minha vontade. Contudo, esta concernência vital nos traz mudanças dos estados de
nós mesmos, uma mudança oriunda da relação vivificadora ao corresponder à virtude
característica inerente de um ser que, assim sendo, as coisas atingem seu sentido no nexo com
a vida. Sobre a camada mais profunda do Ser, a vida se manifesta em inúmeros matizes ao
modificar-se na conexão do mundo histórico, é o que Dilthey afirma: “uma apreensão
objetiva, uma valoração e um estabelecimento de metas como tipos de comportamento. Esses
tipos de comportamento estão ligados para formar no curso da vida conexões interiores que
abarcam e determinam toda a atividade e todo o desenvolvimento” (Dilthey, 2010, p. 90.
Unesp).
Isto Dilthey nos mostra em um exemplo de seu texto elucidando a vida de um poeta
lírico quando expressa suas experiências vividas, ao partir de sua posição deixando sua marca
nos homens e nas coisas quando acessamos sua singularidade impressa em seu espírito
objetivo, na relação vital psicofísica. Nisso, algum ego se agiganta na própria existência e, no
seio dessa vivência, o lapso de tempo de suas experiências emerge trazendo consigo a
concernência vital do Eu no que lhe concerne à condição de acesso à expressão objetivada em
seu escrito, à veracidade do poeta lírico ao enxergar e observar as expressões dos homens, as
ocupações e ele mesmo. O poeta épico, colocado por Dilthey, também se apresenta em
semelhantes condições às do lírico, nada pode expressar ou falar de outro modo sem aquelas
manifestações oriundas da experiência vivida, no vínculo das unidades psíquicas da vida.
Dentro das concernências vitais, apresenta também as experiências vividas por
indivíduo em suas épocas. É aquilo que Dilthey chama de vivência (Erlebnis) ou um dos
pilares de sustentação do mundo histórico e o mais importante dentro da proposta
hermenêutica a qual se propõe a fundamentar as Ciências do Espírito, na busca da apreensão
objetiva que se apresenta no ritmo contínuo do tempo. Na proporção que a experiência torna-
se mais ampla no contínuo avançar do tempo retirando-se cada vez mais para um lugar mais
afastado, desponta uma recordação no próprio lapso da vivência. Assim, as recordações em
seus estados e representações existenciais das várias condições, elaboram-se no momento da
compreensão. Recordações e representações existenciais surgem na maneira de expressões e
seres equivalentes no mundo histórico. As ocorrências no proceder dessa indução adquirem
estabilidade conclusiva, desenvolve de modo repetido o fluxo da vida; as universalizações
geradas permanecem em contínua correção, ou seja, a constância vinda da experiência
particular de cada pessoa é diferente daquilo que chamamos de validade universal científica
(Dilthey, 2010, p. 91. Unesp), visto que a proposição de caráter geral não se constitui de
acordo com um método e não poderá expressar-se de maneira firme. “O ponto de vista
individual, que se pretende à experiência pessoal de vida, retifica e se amplia na experiência
geral de vida” (Dilthey, 2010, p. 91. Unesp).
Nas palavras do próprio Dilthey, a experiência expressiva de um quadro e sua pintura
podem reunir vários momentos isolados durante o transcurso do tempo e mesmo assim podem
ser considerados como vivência. Um encontro com a experiência romântica entre duas
pessoas não se dará apenas num único evento, mas a soma de acontecimentos ocorridos em
momentos de variados tipos, tempos e lugares: “Por essa experiência de vida compreendo os
princípios que se formam em algum círculo de pessoas ligadas umas às outras e que são
comuns a elas” (Dilthey, 2010, p. 91. Unesp). Esta unidade vital psicofísica eleva-se do fluxo
contínuo da vida na própria experiência vivida.
A experiência da vida não pode ser compreendida como sendo conteúdo de uma
atividade anterior à experiência em sua consciência no poder elaborar cogitações sobre si
mesma, a partir de um imperativo categórico a priori, já que teríamos de estar de posse da
mente, mas a vivência é desempenho e resultado do pensamento histórico da individualidade,
isto é, um bem no qual e pelo qual nos nutrimos. “Trata-se de enunciados sobre o transcurso
da vida, juízos de valor, regras de condução da vida, definições de metas e bens” (Dilthey,
2010, p. 91. Unesp). A experiência à medida que assim é doada na maneira de ser pré-
reflexiva em seu valor, imediatamente esta experiência poderia converter-se no objeto da
reflexão, e se isto acontecer ela deixará de ser o próprio conhecimento direto com a vida, se
tornará conteúdo de encontro em outra vivência. “Sua característica mais marcante é o fato de
elas serem criações da vivência comum e de se referirem tanto à vida dos homens singulares,
quanto à existência das comunidades” (Dilthey, 2010, p. 91. Unesp). A vivência é mais que
um debate, ela é ação da consciência, não poderá ser edificada sobre juízos categóricos a
priori como Kant havia instituído, apresentando uma vivência sem vida, onde o pensamento é
pulverizado, tornando-se rarefeito em seu direito de tornar-se eterno e sua criação contínua na
objetivação da vida, reencontrada na autenticidade e vontades individuais:
O a priori de Kant é rígido e morto; mas as verdadeiras condições da consciência e
os seus pressupostos, como eu os entendo, são um processo histórico vivo, são
desenvolvimento, eles tem a sua história e o curso dessa história é a sua adaptação à
multiplicidade dos conteúdos da sensibilidade que é cada vez mais bem conhecida
de modo indutivo (Dilthey, 2010, págs. 43, 44. Edusp).

Este campo de discussão da experiência vivida gira em torno da objetivação da vida,


experiência vivida cuja soma de todas suas realizações acaba por abrir, na visão kantiana, a
subjetividade da própria vivência, opondo-a à objetividade da existência. Praticamente a
vivência e o conhecimento objetivo da vida se conectam revelando-se em múltiplas relações
estruturais, isto é, a objetivação da existência se torna o objeto das ciências do espírito.
Dilthey afirma: “O indivíduo, as comunidades e as obras, para o interior das quais a vida e o
espírito se transpuseram, formam o reino exterior do espírito” (Dilthey, 2010, p. 109. Unesp).
Essas conexões da vida, do mesmo modo que se mostram para a revivência que existe dentro
do indivíduo, são dessa maneira adaptadas na relação com a natureza. A realidade externa e
grande do espírito nos enreda sempre. Esta é a realização do espírito objetivo no mundo
concreto, a partir da manifestação efêmera até a sua apreensão ao longo das eras na
constituição ou num código jurídico. Todavia, em cada expressão de experiência vivida ocorre
atuação de algo comum no âmbito atribuído ao espírito objetivo.
Em cada palavra expressada, cada frase emitida, em cada gesto ou produção de
conjuntos de normas e condutas, em cada quadro artístico ou escultura de arte e em cada
realização histórica, torna-se compreensível porque há elementos valorizados que se articulam
e manifestam-se neles e com o outro. O sujeito experimenta, reflete e atua permanentemente
na esfera própria no que é coletivo e unicamente no campo da compreensão. É a partir desta
identificação que tudo aquilo que for recriado traz em si o traço, o feitio da experiência
vivida, aquilo que podemos chamar por “conhecido”. É neste ambiente social que vivemos,
ele nos prende continuamente. “Sentimo-nos por toda parte familiarizados com esse mundo
histórico e compreendido, compreendemos o sentido e o significado de tudo aquilo, e nós
mesmos somos entretecidos com esses pontos em comum” (Dilthey, 2010, p. 110. Unesp).
A repetição das expressões da vida que sobrevém em nós determina, de modo contínuo
um novo vigor em cada revivência. No entanto, na ação de cada expressão objetiva da
experiência vivida e compreensão se encontram relacionadas com as demais expressões e
revivência, de modo que esta vivência compõe a duração própria da recriação,
impulsionando-a sempre a avançar na conexão familiarizada em seu íntimo com o todo.
Sendo assim, as relações entre o familiar se agigantam, desenvolvendo na mesma duração das
condições universais que já se encontram condicionadas no indivíduo comum na
determinação de sua compreensão. “Nós compreendemos os indivíduos por conta de seu
parentesco entre si, por conta dos elementos comuns presentes neles” (Dilthey, 2010, p. 195.
Unesp). A revivência deste sujeito particular traz outra característica de objetivação da vida,
um caráter que define tanto estas duas partes antagônicas, a saber, o parentesco e o sentido da
universalização. “A objetivação da vida contém em si uma multiplicidade de ordens
articuladas” (Dilthey, 2010, p. 110. Unesp).
O compreender será sempre um hábito na experiência já vivida, ao ser mais
aperfeiçoado, faz-se método científico para as ciências do espírito. Segundo Dilthey: a
Erklären da natureza é a explicação de uma realização contínua e exclusivamente intelectual.
A Verstehen da reexperiência da vida circunda a contribuição de muitas evoluções
sentimentais e psíquicas. A compreensão dialoga com a unidade vital psicofísica do sujeito, a
vida interna, já a explicação posiciona-se como leis causais objetivas. Toda recriação é um
método assíduo e similar, não havendo a preocupação de leis que pontuam o início e o fim
perfeito do processo. Todavia, sendo a recriação relativa, não significa apenas uma
concentração de concepções e ideias, pois bem sinaliza uma aptidão contínua na direção da
universalização da vida objetiva. Esta possui um nexo estrutural circundante, centralizando e
concentrando gradativamente. Constituindo-se como um estímulo na busca pela fusão de
momentos históricos, a compreensão da vida é o meio ininterrupto, diferente, de proximidade,
pois nunca teremos um acesso integral da experiência vivida, apenas àquilo que ela quis
expressar, já que não há sabedoria ou cultura que possa esgotar as contingências das
expressões da vida objetiva.
É só por meio da ideia de objetivação da vida que conquistamos uma intelecção da
essência do elemento histórico. Tudo surgiu por meio de uma ação espiritual e
carrega, com isso, o caráter da historicidade. Tudo está entrelaçado no próprio
mundo sensorial como produto da história (Dilthey, 2010, p. 110 e 111. Unesp).
Tudo que nos circunda é objeto da compreensão, desde a arrumação de árvores de um
parque público, a acomodação das casas e prédios em ruas, as ferramentas adequadas de um
artífice, até uma condenação em um júri, constituindo-se, tais momentos ao nosso redor, num
cabedal tornado histórico. Aqueles objetos que o espírito objetivo penetra na época atual,
feitio originário das expressões da vida tornada histórica no porvir, quando alguma coisa se
faz hoje. “A história não é nada cindida da vida, nada separada do presente por uma distância
temporal” (Dilthey, 2010, p. 111. Unesp).
A objetivação do espírito se transforma em habilidade que se adquire com a
experiência, esta contém, durante a universalidade, o ponto, a conexão do mundo externo com
o psicológico. Sendo assim, a objetivação estará sempre conectada a vivência e esta a
compreensão, ao experienciar, onde a unidade vital psicofísica revela-se a sua essência
própria, o que possibilita sua interpretação. Se os conhecimentos das ciências do espírito
encontram-se compreendidos aí, logo, na condição de época para nós se faz essencial separar
tudo aquilo estabelecido tudo que se mostra obscuro, assim como é intrínseco às
representações do mundo psicológico daquilo que é concedido no âmbito. Toda a ação
gratuita é aqui estabelecida, isto é, histórica, e compreendida pelos demais sujeitos
cognoscentes, tornando-se comum entre si à interação formativa, ela é familiar, pois é
revivida por conter um conjunto de variado consentimento, “… uma vez que a interpretação
da manifestação da vida na compreensão mais elevada já se baseia em agrupamento” (Dilthey,
2010. p. 111. Unesp).
A relação da condição psíquica surge no sujeito do saber e torna-se mudança de
espírito apenas para a explicação do nexo significativo na sociedade, os processamentos
objetivos e práticos do mundo anímico. Logo, o mundo psicológico é inspiração e
subordinado ao sujeito do saber que o capta. Todo esse movimento realizado pelo espírito
exerce a revivência para atingir o objetivo de compreender nesse cultivo de sua formação
social. Assim, enfrentamos o problema da formação do mundo histórico no sujeito do saber
que torna tal formação provável num conhecimento com relação à realidade espiritual.
Todavia, esta responsabilidade só é suscetível deste ser determinado se especificarmos as
habilidades específicas, que operam associadamente na criação dessa relação e na condição de
indicarmos qual é a parte que compõe na formação do percurso histórico na vida psíquica e na
manifestação da sistematização neste mundo. Este transcurso histórico indicará até que
posição esses obstáculos compreendidos na correlação recíproca das veracidades poderão ser
solucionados. Ele, o transcurso, precisará deduzir pouco a pouco da experiência vivida o
postulado da existência da compreensão nas ciências do espírito.
A compreensão é um reencontro do eu no tu; o espírito encontra-se em níveis cada
vez mais elevados da conexão; essa mesmidade do espírito do eu, no tu, em cada
sujeito de uma comunidade, em todo sistema da cultura, por fim, na totalidade do
espírito, e da história universal, torna possível a atuação conjunta das diversas
capacidades nas ciências humanas. O sujeito do saber está assim unido com o seu
objeto e esse objeto é o mesmo em todos os níveis de sua objetivação (Dilthey, 2010,
p. 168. Unesp).

Os textos elaborados por Dilthey para a criação de uma “Crítica da Razão Histórica”
são produzidos a partir da Crítica da Razão Pura de Kant. O plano de Dilthey é apresentar
razões fundamentadas filosoficamente no exercício da razão da existência humana, no interior
da consciência histórica, abrindo caminho para uma compreensão da dimensão do
acontecimento da história, na qual nutrimos e nos movemos no fluxo contínuo do tempo. Em
finais do século XIX, Dilthey enfrenta veementemente o positivismo que insistia em
fundamentar as Ciências do Espírito com a rigorosidade das Ciências da Natureza,
substituindo do núcleo formador toda a construção Psicológica Naturalista pela Psicologia
Descritiva e Analítica criando uma Hermenêutica que descreve e analisa as sociedades, na
concepção da vida objetiva, de conceber a característica organizacional das Ciências do
Espírito.
[…] Dilthey critica o positivismo na medida em que não reconhece na sociologia o
estatuto epistemológico que lhe conferia Comte. Deu a prioridade à psicologia, mas
combatentdo vigorosamente o naturalismo que infestava essa disciplina, sem, no
entanto, recair nas armadilhas da introspecção (JAPIASSU, 1982, p. 125).

A importância dada às ciências histórico-sociais não pode ser só de interesse pela alma
humana, pelo procedimento da psiquê do sujeito, mas pelo “espírito” a cultura associada. A
interpretação de uma atividade lúdica independe do caráter do criador. Mesmo que a obra de
arte como um quadro ou escultura exprima gozo e infelicidade, esses não serão estados do
indivíduo, todavia, da “pessoa ideal” projetada pelo criador em sua experiência vivida. A vida
psíquica deste sujeito é compreendida durante a revivência e exteriorização de seu espírito
objetivo. O homem se reconhece na própria história, jamais pelo juízo categórico. A exegese
ou interpretação não compreende a substância humana como regra, mas nos mostra várias
capacidades do gênero humano, soltando-nos dos grilhões do hoje.
Em Dilthey há o debate da separação dos termos em oposição entre “ciências do
espírito” (Geisteswissenschaften) e “ciências da natureza” (Naturwissenschaften),
considerando-as um contraste indispensável entre duas áreas do saber. Compreensão e
explicação estão respectivamente relacionadas às ciências do espírito e ciências da natureza,
nesta última seu método se detém na explanação em sua capacidade de sentir e captar o que
existe no mundo externo, em parte a História ou qualquer área do saber humano operaria na
vinculação à obrigação da compreensão (Verstehen) nos acontecimentos da vida anímica, de
compreendê-los não somente em seu estado manifesto, mas igualmente seu mundo histórico,
penetrando sua intenção, suas ligações figurativas, gnosiológicas, experienciais, ou em outras
palavras, seu sentido, sendo essa ambitude a das ciências do espírito.
Dilthey tocará de maneira profunda na contestação substancial na elaboração da gnose
científica, no tocante as Ciências do Espírito, a complexidade das metodologias teóricas
confere de modo irrefutável, com o desejo que cada um destes procedimentos filosóficos
verifica à eficácia universal. Profusão, circunstâncias históricas, distinção e transformação,
unem-se à investigação feita por Dilthey na relação da cultura. Na conexão de cada visão
formativa de um povo, desse modo, autêntica, em discernimento nas manifestações
predeterminadas pelo universo histórico pertencente, uma fixada porção de vericidade na
especificidade de estar conforme a realidade, estando assim, encoberta ao sujeito do saber que
só conhece quando este toma posse através da indução. Dilthey declarará que em um
magnífico trabalho artístico, parecendo aqui ser uma interpretação daquilo que venha ser uma
obra de arte, não terá nenhuma utopia no tocante a sua expressão espiritual:

[…] nenhuma obra de arte verdadeiramente grande consegue simular um conteúdo


alheio ao seu autor e ela nem quer dizer absolutamente nada sobre o autor.
Verdadeira em si, ela se encontra fixada, visível, duradouramente presente, e, com
isso, uma compreensão artística segura da obra torna-se possível (Dilthey, 2010, p.
187. Unesp).

Para Dilthey, a vida brota no vínculo das relações sociais com o meio, a vida revela-se
removendo o véu que a encobre sendo ela mesma reveladora do segredo da própria vida, da
mesma as vivências recebendo e agindo em favor da verdade. A unidade vital psicofísica
assinala-se e neste diferenciar a vida brilha, revelando a conexão de vínculos indesatáveis do
eu próprio e da realidade-efetiva do mundo histórico. Neste vínculo vívido, na desordem
sentimental, nos sobrevém a humanidade desenhando o mundo psicológico na relação de
valores como categorias ordenadas. Dilthey procura examinar detalhadamente cada setor da
vida, propondo uma Filosofia profunda a partir da ação reflexiva humana na própria vida.
Inexplicável, secreta e de impossível acesso a um conceito ou pelo conceito. A vida é
substancialmente significativa nas expressões, passagens discordantes nos embates de forças
antagônicas, num modo de mudança e identificação manifestas nas experiências novas. É
característico da vida, manifestar-se e objetivar-se em alegorias, emergindo relações sociais,
pois todo o mundo psicológico busca expressar-se num exterior. Eis ai o motivo pelo qual a
vida se apresenta como uma raiz ao fenômeno histórico.
Dilthey declara com impulso que a experiência vivida e o mundo extrínseco se
conectam a todo o momento numa relação de reciprocidade, nunca se separando. Entretanto,
na concepção de mundo, há possibilidade conectiva em que o meio social é reprodução
humana, ou seja, pertencente a uma ação psicológica, indicação axiológica e teleológica,
como objeto final. Isto significa que o mundo dos fenômenos emocionais, sua grandeza livre,
é pura imaterialidade, pois o conhecimento de si mesmo e os indivíduos em sua volta são
convergentes, mas não exclusivamente em graus de juízos. Esta ligação provoca em nós, seres
viventes, plenas condições de sentir e perceber através dos sentidos, imaginações, sonhos e
capacidade intelectual e prática. Afeição, entendimento, desejo e força, compreendem o tecido
e o construído num enredo. De fato, a compreensão deve ultrapassar o campo da aparência,
uma vez que esta é recíproca ao conhecimento que o indivíduo tem sobre si mesmo e do meio
prático social a qual pertence, em seus dilemas.
Como esclarecer então a expressão de uma construção do mundo histórico? Queremos
esclarecer que o ponto de vista de Dilthey, o pensamento não é um mero produto de
encadeamentos de juízos, não nasce de mecanismos simples do desejo de sentir, já que a ação
de se apropriar do mundo histórico brota da organização de nossa constituição psicológica.

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