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Nesta edição

Saúde sem
fronteiras
O contraponto
latino-americano
entre os sistemas
de Cuba e do Chile

Entrevista: Nº 104 • Abril de 2011


Tania Araújo-Jorge Av. Brasil, 4.036/515, Manguinhos
Toda atenção às Rio de Janeiro, RJ • 21040-361
doenças ‘promotoras w w w. e n s p . f i o c r u z . b r / r a d i s
da pobreza’

O SUS que não se vê


Por que o verdadeiro tamanho do sistema
desaparece aos olhos dos brasileiros
Guia orienta reflexão
sobre direito ao aborto
venha sendo cada vez mais utilizado tério da Saúde sobre o aborto, apro-
Katia Machado para alimentar a cultura e a política vadas no fim da década de 1990, e do

A
pública da criminalização”, explica controle da propaganda, na internet,
descriminalização do Paula Viana, secretária executiva das do abortivo misoprostol — cujo nome
aborto, com foco nos Jornadas Brasileiras pelo Direito ao fantasia é Cytotec — e sua aborda-
direitos das mulheres, Aborto Legal e Seguro, na publicação gem na mídia.
por várias vezes esteve Aborto, guia para profissionais de Aprovado no Brasil em 1985 para
na pautas de encontros comunicação, organizado pelo Grupo o tratamento de úlcera gástrica e
nacionais e de embates Curumim, Ipas Brasil (organização duodenal, o misoprostol ficou logo
políticos. Na 13ª Conferência Nacio- não governamental de proteção à conhecido por sua eficácia como
nal de Saúde, por exemplo, realizada saúde das mulheres) e Centro Femi- método abortivo, pois tem como
em novembro de 2007, boa parte dos nista de Estudos e Assessoria. efeito colateral contrações uterinas.
delegados votaram contra a descrimi- Lançado em fevereiro, o guia “O uso hospitalar do medicamento
nalização, sem considerar que este foi preparado por um coletivo de para indução de parto e tratamento
é um grave problema de saúde pú- organizações feministas, com base de aborto iniciado (provocado ou
blica e de justiça social. Apesar em fontes oficiais, de governos e espontâneo) ajudou a disseminar o
de proibido por lei — a prática institutos de pesquisa nacionais e efeito abortivo, e a novidade che-
é crime, exceto em caso de internacionais, trazendo informações gou a bater recordes de vendas no
violência sexual (estupro) ou que poucas vezes estão na agenda mercado farmacêutico do país, com
risco à vida da mulher —, pública. O objetivo é apoiar o tra- 81.861 caixas vendidas em maio de
o aborto é amplamente balho de jornalistas, buscando lançar 1991”, informa o guia.
praticado no país por luzes sobre o tema e criar espaços de A publicação reúne também da-
meios inadequados. interlocução pela mídia, como está dos sobre o aborto no mundo, na Amé-
“Criminalizar informado na apresentação do guia. rica Latina e Caribe e no Brasil, revela
não inibe a prá- o perfil das mulheres que abortam no
tica clandesti- país, de que forma praticam o aborto
Revisão legislativa
na, embora e as consequências do procedimento,
o recurso à Com 70 páginas e organizada em além de apresentar argumentos em
interdição 10 capítulos, a publicação começa favor do direito ao aborto. O guia
de clí- explicando o que são as Jornadas responde uma lista de questões fre-
nicas Brasileiras pelo Direito ao Aborto quentes, entre elas, o que é aborto
Legal e Seguro, criadas em 2004, com provocado, como saber o número
os objetivos de impulsionar a agenda de abortos clandestinos realizados e
dos direitos reprodutivos no Brasil, qual a diferença entre descriminali-
defender uma revisão legislativa zação (rererente ao comportamento
para garantir às mulheres o direito ao da pessoa) e legalização (referente
aborto seguro e impedir retrocessos ao procedimento). Além disso, indica
no exercício dos direitos sexuais fontes especializadas, de forma a
e reprodutivos. colaborar para pautas e reportagens
O documento apresenta sobre o assunto. Segundo a publicação,
em seguida a história de estima-se que, em 2003, 41,6 milhões
proibição e a longa luta de gestações no mundo terminaram
legislativa pela descri- em abortamento, e quase a metade
minalização do aborto, (19,7 milhões) foi de abortamentos
trata de temas como provocados e inseguros. “Cerca de 97%
anencefalia e danos desses abortos inseguros aconteceram
que uma gravidez nos países em desenvolvimento, que
de feto anencéfa- têm leis mais restritivas ou menor
lo levada a ter- acesso à informação e planejamento
mo pode causar familiar”, informa.
à saúde men-
tal e física O arquivo, em PDF, da publicação
da mulher, está disponível em http://abortoe-
das normas mdebate.com.br/arquivos/Aborto_
técnicas Guia_comunicacao.pdf
do Minis-
editorial
Nº 104 • Abril de 2011

Invisibilidades
Comunicação e Saúde

A matéria de capa vai levar você a en-


xergar exemplos e situações, algumas
óbvias outras mais imperceptíveis, que
hipervisibilidade à parte do sistema que
funciona mal e ocultando suas virtudes.
Num momento em que a agenda
• Guia orienta reflexão sobre direito ao
aborto 2

demonstram o quanto o Sistema Único oficial propõe que o país só será rico
de Saúde está presente no cotidiano de com o fim da pobreza, uma discussão Editorial
100% dos brasileiros, pobres ou ricos — ao interessante chega aos responsáveis pelo • Invisibilidades 3
contrário do que possa parecer. O ponto financiamento de pesquisas. Diretora do
de partida foi o resultado de uma pes- Instituto Oswaldo Cruz, unidade pioneira Cartum 3
quisa do Ipea em que 34% da população da Fiocruz, Tania Araújo-Jorge chama a
considerou nunca utilizado o SUS. Para atenção para doenças que demandam
começar, quem acompanha esta leitura mais pesquisas, porque não só decorrem Cartas 4
já entrou no sistema, afinal, RADIS, Ensp como realimentam a pobreza, por com-
e Fiocruz são 100% SUS. prometerem capacidade de trabalho, ge- Súmula 5
Os repórteres descrevem um com- ração de renda e qualidade de vida. Entre
plexo de atividades, muitas de excelência as doenças negligenciadas, tuberculose
internacional, que respondem por pre- (só recentemente alvo internacional de Radis adverte 6
venção à saúde, autorização e fiscaliza- investimentos), hanseníase, leishmanio-
ção da qualidade de produtos e serviços, ses, Chagas, esquistossomose. Cerca de Toques da Redação 6
programas pioneiros de acesso gratuito, 93 milhões de brasileiros convivem com
pesquisas e desenvolvimento tecnológico verminoses diversas.
de ponta. Mais de 8% do PIB brasileiro RADIS se programou para a cober- Acesso e uso
estão ligados à saúde, superando o per- tura jornalística do Congresso Brasileiro • O SUS que não se vê 9
centual referente à agropecuária. de Medicina Tropical, de 23 a 27/3, em • Referência no controle e eliminação de
A invisibilidade do SUS serve a mui- Natal. Por força de decreto de corte line- doenças 10
tos interesses. Alguns governantes captu- ar de despesas, reflexo da sobreposição • Acesso universal e gratuito aos
ram o que ele tem de bom em benefício de políticas econômicas sobre as sociais, antirretrovirais 11
da própria imagem, há profissionais de uma única passagem aérea para realizar a • Nos laboratórios públicos, foco no
saúde — inclusive pesquisadores e aca- reportagem teve a solicitação cancelada. cidadão, não no mercado 12
dêmicos — sem consciência de que seu A mídia comercial, ocupada em festejar • O SUS no controle de qualidade de
trabalho é atividade do sistema, além de qualquer demonstração de rigor com produtos e serviços 13
áreas de comunicação dos governos que os “gastos” públicos, não iria mesmo • Financiamento de 95% dos transplantes
pouco sabem o que é o SUS. Isto, para noticiar esse tipo de evento da Saúde. é do SUS 14
citar o fogo amigo. A categoria inimigos Infelizmente, essa matéria sobre doenças • Medicamentos ao alcance da população 15
do SUS reúne todos quantos queiram lu- e pesquisas praticamente invisíveis não • Socorro para 110 milhões de pessoas na
crar com doença e saúde da população. será escrita. Fica aqui o nosso registro. rede pública 16
Na mídia, a invisibilidade é produzida ora
pela indiferença, ignorando a presença Rogério Lannes Rocha Saúde sem fronteiras
do SUS, ora pelo preconceito, dando Coordenador do Programa RADIS
• Contrapontos na América Latina 18

Cartum Entrevista
• Tania Araújo-Jorge: ‘Passivo da saúde
pública do século passado tem de ser
Radis retrata a saúde em cuba... E no Chile... s.E.O. enfrentado’ 20
Quem tem
Só dá para plano, no
uma foto. meio. Os pobres
Ricos na Serviço 22
atrás.
frente!

Tudo bem.
Aqui estamos Pós-Tudo
todos juntos! • ‘Cegueira seletiva’ enxerga produtos e
esconde necessidades 23
Sérgio Eduardo de Oliveira

Capa Dayane Martins


Ilustrações Dayane Martins (D.M.) e
Sérgio Eduardo de Oliveira (S.E.O.)
Radis 104 • abr/2011
[ 4 ]

cartas

Drogas poderiam nos enviar algum tipo de


material que pudesse ajudar nessa
Lixo
S ou psicóloga, especialista em
Saúde da Família e Intervenções
Psicossociais e atualmente trabalho
nova empreitada.
• Hugo Reis, São Cristóvão, SE

com a população carcerária de Passo Caro Hugo, para assinar a Radis,


Fundo/RS. A matéria central da Radis você deve entrar no nosso site (www.
101 (Drogas) está excelente, trazendo ensp.fiocruz.br/radis) e preencher
a importância de uma política que leve o cadastro. A assinatura é gratuita,
em conta o problema do uso abusivo mas sujeita a aumento de tiragem.
de álcool e drogas de forma integrada, De qualquer maneira, o Conselho
com todas as implicações adjacentes, Municipal de Saúde de sua cidade já
o que não foi feito até então. Entendo recebe a revista, que chega a todos os
que realmente é urgente e necessário municípios do país. Quanto a material

Q ueria deixar registrada minha


satisfação em receber a re-
vista deste mês, capa Lixo (Radis
discutir assuntos como a descrimi-
nalização, uma vez que os presídios
estão cada vez mais superlotados,
de apoio ao trabalho de vocês, acre-
ditamos que o conteúdo da revista,
de maneira geral, deverá interessar
102). É uma feliz parceria entre principalmente, por delitos ligados ao bastante. Você pode acessar desde já
assuntos importantes, que expan- uso de drogas. Parabéns pela matéria todas as edições, em meio virtual, no
dem, como sempre fez a Radis, o e gostaria que fossem abordados mais mesmo site, ok?
conceito de Saúde, e uma diagra- temas sobre o sistema penitenciário.
mação arejada, leve, convidativa. • Miriane Schmitz, Passo Fundo, RS ‘Radis’ agradece
Sempre gostei do que vocês fazem,
mas me caía mal o peso das man-
chas de texto. Sugiro ousar mais, um
Material de apoio
V enho elogiar mais uma vez essa
maravilhosa  redação que diri-
olho aqui, um bold ali. Mas como está
já me ganhou de vez. Parabéns para
a equipe! E sugiro uma pauta: saúde
S ou membro da Comissão de Comu-
nicação do Conselho Municipal de
Saúde de São Cristóvão (SE) e gostaria
ge esta revista com  muito  primor,
com enfoque jornalístico direcio-
nado  à saúde pública  no Brasil, de
em situações de eventos extremos, de fazer a assinatura da revista Radis. forma brilhante, o que  nos fascina
o caso da Região Serrana. Como devo proceder? Aproveitando a a cada edição. Que venham mais
• Ana Lagoa, Teresópolis, RJ oportunidade, gostaria de saber se cem, mais mil. Um  abraço  a  todos.
• Flavia Ferraz  Falcão, especialista 
em  Enfermagem  do  Trabalho, Belford
Roxo, RJ
expediente
Falta de rampas
Ministério
da Saúde G ostaria que a Radis publicasse
que na Prefeitura de Maracás, na
Câmara dos Vereadores, no Fórum de
® é uma publicação impressa e Laïs Tavares e Sandra Benigno Justiça, Delegacia de Polícia, Quartel
online da Fundação Oswaldo Cruz, editada Secretaria e Administração Onésimo e alguns colégios não há rampa para
pelo Programa RADIS (Reunião, Análise e Gouvêa, Fábio Lucas e Vitor Gomes acesso aos cadeirantes, deficientes
Difusão de Informação sobre Saúde), Neto (estágio supervisionado)
da Escola Nacional de Saúde Pública visuais e idosos. Encaminhei denúncia
Informática Osvaldo José Filho
Sergio Arouca (Ensp). ao Conade [Conselho Nacional dos
Endereço Direitos da Pessoa Portadora de De-
Periodicidade mensal Av. Brasil, 4.036, sala 515 — Manguinhos
Rio de Janeiro / RJ • CEP 21040-361 ficiência]. A lei que obriga a constru-
Tiragem 71.500 exemplares
Assinatura grátis Fale conosco (para assinatura, sugestões ção de rampas é de 1985, mas quem
(sujeita à ampliação do cadastro) e críticas) deveria dar o exemplo é o primeiro a
Presidente da Fiocruz Paulo Gadelha Tel. (21) 3882-9118 • Fax (21) 3882-9119 descumprir a lei!
Diretor da Ensp Antônio Ivo de Carvalho E-mail radis@ensp.fiocruz.br • Claudio Dias Santiago, presidente do
Site www.ensp.fiocruz.br/radis (confira Sindicato dos Trabalhadores na Agricul-
PROGRAMA RADIS também a resenha semanal Radis na tura Familiar (Sintraf), Maracás, BA
Coordenação Rogério Lannes Rocha Rede e o Exclusivo para web, que
Subcoordenação Justa Helena Franco complementam a edição impressa)
Edição Eliane Bardanachvili (Milênio) Impressão Ediouro Gráfica e Editora SA NORMAS PARA CORRESPONDÊNCIA
Reportagem Katia Machado (subedição/ Ouvidoria Fiocruz • Telefax (21) 3885-1762
Milênio), Adriano De Lavor, Bruno Site www.fiocruz.br/ouvidoria A Radis solicita que a correspondência
Dominguez (Milênio) e Patrícia dos leitores para publicação (carta, e-
Pimentel (estágio supervisionado) Uso da informação • O conteúdo da revista
Arte Dayane Martins (subedição/Milênio), Radis pode ser livremente reproduzido, desde que mail ou fax) contenha nome, endereço
Natalia Calzavara e Sérgio Eduardo acompanhado dos créditos. Solicitamos aos veículos e telefone. Por questão de espaço, o
de Oliveira (estágio supervisionado) que reproduzirem ou citarem nossas publicações que texto pode ser resumido.
Documentação Jorge Ricardo Pereira, enviem exemplar, referências ou URL.
Radis 104 • abr/2011
[ 5 ]

Súmula

que geram R$ 2,20 para cada R$ 1 gasto. da informação já estavam armazenados


Brasileiro, ancestral europeu O diretor de Estudos e Políticas em formatos digitais.
Sociais do Ipea, Jorge Abrahão, ressal- A capacidade da sociedade de

P esquisa coordenada pelo geneticista


Sérgio Danilo Pena, da Universidade
Federal de Minas Gerais, e publicada
ta que “o gasto na educação não gera
apenas conhecimento. Gera economia,
já que ao pagar salário a professores
comunicar esse volume de informação
também aumentou, atingindo 2 quatri-
lhões de megabytes, conforme destaca
na revista científica PLoS, da Biblio- aumenta-se o consumo, as vendas, os o estudo. A evolução rápida dos compu-
teca Pública de Ciências dos Estados valores adicionados, salários, lucros, tadores propiciou essas mudanças. De
Unidos, revela que os brasileiros são juros”. Além desses resultados, 56% dos acordo com os pesquisadores, todos os
bem mais europeus do que africanos. gastos retornam ao caixa do Tesouro na computadores pessoais do mundo podem
É o primeiro grande estudo a medir a forma de tributos. Para a técnica de processar juntos aproximadamente 6,4
ancestralidade da população do país a Planejamento e Pesquisa do Ipea Joana trilhões de Mips (sigla em inglês para
partir de sua genética, informou o site Mostafa, “ampliar em 1% do PIB os gas- milhões de instruções por segundo).
Globo Online (17/2). A participação tos sociais, na estrutura atual, redunda Para Hilbert e López, a quantidade de
europeia é preponderante, em todas as em 1,37% de crescimento desse PIB. Ou cálculos que todos os computadores do
regiões do país, com percentuais que seja, é o tipo de gasto que tem mais mundo podem fazer está no mesmo nível
variam de 60,6% no Nordeste a 77,7% benefícios do que custo”. da de impulsos nervosos executados pelo
no Sul. Os pesquisadores analisam cérebro humano em um segundo.
que a europeização do Brasil ocorreu Em entrevista ao Correio Brazilien-
a partir do fim do século XIX, com o Informação ‘até a lua’ se (11/2), Martin Hilbert observa que, ao
fim do tráfico de negros e o início do longo das duas últimas décadas, nossa

d.m.
fluxo migratório de aproximadamente capacidade de computar informação
6 milhões de trabalhadores europeus. cresceu ainda mais rápido que nossa
Sérgio Pena ressalta a importância do capacidade de comunicar. Ao comparar
estudo tanto do ponto de vista histórico os números da pesquisa com a capaci-
e antropológico, quanto do ponto de dade do organismo humano, Hilbert diz
vista da saúde: os tratamentos podem que “a complexidade informacional de
ser mais homogêneos do que se ima- um ser humano é aproximadamente a
ginava. O pesquisador explica que a mesma da capacidade de todas as nossas
população brasileira, formada por três informações e tecnologias de comuni-
diferentes raízes — indígena, europeia
e africana —, sempre se acreditou
muito heterogênea, mas que, de acordo
P esquisadores da Universidade da
Califórnia traduziram em números
o manancial de informações com o qual
cação combinadas juntas. Há, de fato,
“um mundo” em cada um de nós: um
mundo cheio de informação”, finaliza
com o estudo, independentemente de lidam, hoje, os habitantes do planeta. na entrevista ao Correio.
classificações baseadas na cor da pele, Já se sabia, por exemplo, que uma
os brasileiros são homogêneos do ponto única edição de um dia de semana do
de vista de sua ancestralidade. jornal americano The New York Times 500 mil novos casos de câncer
tem mais conteúdo do que o acessado só em 2011
por um inglês médio do início do século
Gastos sociais aumentam PIB 17, em toda sua vida. Agora, pesquisa
de Martin Hilbert e Priscila López, O Instituto Nacional do Câncer (Inca)
estima que o Brasil deve registrar

E studo divulgado (4/2) pelo Instituto de


Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea)
aponta que gastos com educação e saúde
contabilizou que se fosse armazenado
o volume de informação que circula,
hoje, em todo mundo nos mais diversos
500 mil novos casos de câncer só este
ano. O dado indica leve aumento em
relação à previsão feita em 2010 — de
resultam em crescimento favorável do suportes analógicos e digitais, seriam 489 mil casos —, informou O Estado de
Produto Interno Bruto (PIB). Os dados necessários 404 bilhões de CDs de 730 S.Paulo (5/2). O aumento na ocorrência
utilizados referem-se ao ano de 2006 e megabytes cada, reunindo 295 trilhões de casos no Brasil passou a ser registrado,
constam da pesquisa Gasto com a Políti- de megabytes ou 295 exabytes, infor- mais recentemente, por causa do enve-
ca Social: Alavanca para o Crescimento mou O Globo (11/2). De acordo com o lhecimento da população e dos avanços
com Distribuição de Renda, informou a estudo, publicado na revista Science, no tratamento de doenças infecciosas,
Agência Brasil (4/2). De acordo com os tendo cada CD 1,2 milímetros de es- antigas causas mais frequentes de morte.
cálculos, cada R$ 1 gasto com educação pessura, isso resultaria em uma pilha De acordo com o jornal, o ministro
pública gera R$ 1,85 para o PIB. O mesmo que iria da Terra para além da órbita da Saúde, Alexandre Padilha, durante
valor gasto na saúde gera R$ 1,70. Para da Lua. Em 1986, cada ser humano evento que marcou o Dia Mundial do
a redução da desigualdade social, os tinha o equivalente a 539 megabytes Câncer (4/2), na sede do Inca, anunciou
valores que apresentam maior retorno (menos de um CD-ROM) de informa- que vem negociando com a indústria
são aqueles feitos com o programa Bolsa ção armazenada. O número de discos farmacêutica para reduzir o custo de
Família, que geram R$ 2,25 de renda pulou para 61, em 2007. As formas de medicamentos voltados para o trata-
familiar para cada R$ 1 gasto com o bene- armazenamento também mudaram: em mento da doença. Outra medida que
fício, e os voltados a idosos e portadores 2000, os meios analógicos guardavam vem sendo levada à frente é a criação
de deficiência com renda familiar per cerca de 75% de toda a informação do de um programa nacional para avaliação
capita inferior a 25% do salário mínimo — planeta, mas em apenas sete anos, 94% da qualidade dos exames de mamografia,
Radis 104 • abr/2011
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como informou o jornal Folha de S.Paulo informou o jornal O Globo (28/02). A


(05/02). A intenção do governo é ampliar cidade encerrou 2009 com 2,2 milhões
na rede pública o acesso ao tratamento de pessoas empregadas, das quais 59,4%
do câncer e intensificar o controle de eram homens e 40,6%, mulheres, segundo
qualidade de exames preventivos, com o dados da Relação Anual de Informações
objetivo de impedir erros de diagnóstico. Sociais (RAIS/MTE). Nos cargos de dire-
Cerca de 400 organizações de 120 ção, elas representavam 38%. Dos 888,5
países se mobilizaram para que sejam mil trabalhadores que tiveram suas
adotadas estratégias de prevenção con- carteiras assinadas, em 2010, de acordo
tra o câncer e outros males crônicos não com o Cadastro Geral de Empregados e
transmissíveis, como diabetes e proble- Desempregados (Caged/MTE), os de sexo
mas cardiovasculares e respiratórios, de feminino foram minoria, mais uma vez: RAPOSAS NO GALINHEIRO — A
acordo com o Correio Braziliense (5/2). 37%. A Pesquisa Nacional por Amostra de tropa de choque dos deputados e sena-
Ao lado do câncer, elas consomem mais Domicílio (Pnad/IBGE) de 2009 mostra dores ruralistas resolveu combater na
de 70% dos gastos com atendimento e que, quando chefes de família, as mu- origem a formulação de leis voltadas
tratamento do SUS. Em setembro, está lheres gastam 21,2 horas semanais nos à proteção ambiental. A Comissão de
prevista apresentação, pelo governo, na trabalhos da casa. Como companheiras Meio Ambiente do Senado conta entre
Assembleia Geral da ONU, de agenda es- do chefe da família, as horas sobem seus integrantes com nomes como o
tratégica de ações para reduzir o número para 23,31. Já os homens passam apenas do senador latifundiário Blairo Maggi
de casos e o impacto do câncer e outras 5,63 horas semanais em serviços da casa. (PR-MT), tido como o maior produtor
doenças crônicas no sistema público de “O mercado de trabalho mudou com individual de soja do mundo. Na vice-
saúde. O tema foi incluído na pauta do a entrada maciça das mulheres, mas a presidência da comissão, está a sena-
evento por decisão das Nações Unidas. organização da vida privada, não. Aí re- dora Kátia Abreu (DEM-TO), presidente
“Queremos incentivar a vida saudável e side a maior desigualdade entre homens da Confederação Nacional da Agricul-
o hábito de fazer exames de prevenção e mulheres.”, disse a presidente do Rio tura. Na Câmara, a comissão de Meio
para conter os números”, explicou ao Como Vamos, Rosiska Darcy de Oliveira. Ambiente tem à frente o deputado Gio-
Correio Braziliense o coordenador de vani Cherini, um dos 160 ruralistas do
ações estratégicas do Inca, Cláudio Noro- Congresso, listados pelo Departamento
nha. Tumores nas mamas, fígado, pulmão Mapa genético da Hepatite C Intersindical de assessoria Parlamentar
e região colorretal são responsáveis pela (Diap). Pela declaração da senadora
maioria das mortes. A recomendação
para se precaver é ficar longe do tabaco,
prevenir-se contra infecções crônicas por
P esquisadores do Instituto Oswaldo
Cruz (IOC/Fiocruz) estão fazendo um
mapa genético da hepatite C, de modo a
Kátia Abreu ao jornal O Globo (26/2),
já se pode ter uma ideia das intenções
dessa ala da comissão: para ela, infor-
vírus (como o da Hepatite B e o HPV) e lidar com a grande variação genética do mou o jornal, os ruralistas, antes pegos
evitar o sobrepeso com alimentação equi- vírus causador da doença. Assim como o de surpresa, prepararam-se, e hoje o
librada, completou o jornal Extra (5/2). HIV, da aids, o vírus da hepatite C (VHC debate é de igual para igual com os
ou HCV, na sigla em inglês) tem alta taxa ambientalistas. “O tempo da reserva
de mutação, dando origem a cepas que de mercado acabou. Nós, ruralistas,
Mulheres no mercado de trabalho escapam do sistema imunológico. Esta é convencemos a sociedade com nossos
uma das causas da falha do tratamento argumentos”, afirmou.

O sexo feminino ainda está em desi-


gualdade de condições em relação
ao masculino, no mercado de trabalho.
antiviral. O estudo, inédito, poderá
ajudar a aumentar a chance de cura da
doença, informou O Globo (11/02). A
O coordenador de políticas
públicas da organização ambiental
Greenpeace, Nilo D’Ávila, registrou,
Dados do Sistema de Indicadores do ideia de investigar a história evolutiva
programa Rio Como Vamos (RCV), refe- do VHC no Brasil surgiu de pesquisas
rentes ao Rio de Janeiro e divulgados por semelhantes às desenvolvidas com o HIV estimar a história evolutiva da infecção
ocasião do Dia Internacional da Mulher e pela disponibilidade de grande número por HCV para prever o futuro impacto da
(8 de março), mostraram que, no em- de sequências da VHC obtidas pelo Labo- doença, principalmente das formas mais
prego formal, em 2009, o salário médio ratório de Hepatites Virais do IOC, como graves como a cirrose e o câncer hepá-
das trabalhadoras era 13,2% inferior ao explica a cientista Elisabeth Lampe, uma tico, já que o lapso entre a infecção e o
dos homens (R$1.871 contra R$2.156), das autoras. Sequências genéticas de 231 desenvolvimento das sequelas é de várias
amostras de casos isolados da doença décadas”, alertou. Estudos semelhantes
nas cidades do Rio de Janeiro e Goiânia, aos da Fiocruz comprovam que o vírus
entre 1995 e 2007, foram analisadas, com da Hepatite C circula na África e na Ásia
a colaboração do Laboratório de Aids e há pelo menos 1.100 anos, tendo sido
Imunologia Molecular do IOC. Entre os 2 isolado em 1989. Só entre 1980 e 1995,
TE milhões de brasileiros infectados, preva-
ADVER houve redução do crescimento das taxas
RADIS

R a dis lecem os subtipos 1a, 1b e 3a (dos seis de infecção. No Brasil, a doença se espa-

A grandes genótipos), conforme mostram


estudos. “As características das linhagens
lhou após a segunda metade do século 20.

%
é 100
brasileiras do HCV apresentam diferenças
entre si, quando comparadas com as Remédios sem custo para

! que circulam em outros países”, explica

SUS
hipertensos e diabéticos
Elisabeth. Essas características ajudam
a entender melhor a disseminação da
doença e a buscar novas estratégias de
prevenção e tratamento. “É importante
M edicamentos contra a hiper-
tensão e diabetes entraram no
grupo dos que chegam à população
Radis 104 • abr/2011
[ 7 ]

na mesma reportagem, sua preocupa- E deu um palpite: “quem não usa um em artigo seu sobre a tuberculose,
ção com a força que os parlamentares serviço que atende o andar de baixo para o jornal Correio Braziliense, em
da bancada ruralista adquiriram no sente-se recompensado ao achar que 2008, reproduzido pela Radis (65). “Foi
colégio de líderes de partidos, citando ele não presta, pois custa-lhe dinheiro a tuberculose que me levou à saúde
como exemplos o líder do PSDB na fugir da rede de atendimento da patu- pública: dei-me conta de que não era
Câmara, deputado Duarte Nogueira leia. Julga-se protegido, mesmo sus- suficiente tratar os casos, mas que
(SP), e o do PDT, Giovanni Queiroz (PA). peitando que o plano de saúde poderá algo precisava ser feito em termos de
Para o deputado ambientalista desová-lo na rede pública quando seu população”. Nascido em Porto Alegre,
Alfredo Sirkis, a preocupação reside tratamento for mais caro”. Depois de em 1937 e formado em Medicina pela
na “visão retrógrada” da bancada ru- enumerar resultados positivos apre- Universidade Federal do Rio Grande do
ralista sobre a atividade agropecuária sentados na pesquisa, como os que se Sul, Scliar tornou-se especialista em
no país. “Muitos ruralistas têm uma referem ao atendimento no Programa Saúde Pública e concluiu doutorado em
visão bélica, são movidos a ganância e Saúde da Família e à distribuição de Ciências pela Escola Nacional de Saúde
ignorância”, resumiu. remédios, o jornalista apontou que Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz).
As galinhas (parlamentares e os números do Ipea situam o SUS em Como escritor, Moacyr Scliar publicou
cidadãos que defendem o meio am- patamar “pouco melhor que o do cerca de 80 livros, nos quais enfatizava
biente) precisam redobrar a guarda. sistema público e privado americano” as temáticas médicas e judaicas. Por
— ressalvando que isso “não chega três vezes, ganhou o prêmio Jabuti,
ATÉ O ELIO GASPARI — A contar a ser um elogio”... — e “um pouco considerado o mais importante da
pelos comentários que fez em uma pior que o austríaco”. Embora pareça literatura brasileira. Em 2003, foi eleito
de suas colunas dominicais no jornal esquecer-se ou não se dar conta de membro da Academia Brasileira de
O Globo (13/2), o jornalista Elio que é também um usuário do sistema, Letras. Moacyr Scliar morreu em Porto
Gaspari admitiu o SUS como um bom Elio Gaspari conclui: “se a freguesia do Alegre, durante a madrugada, de falên-
caminho para a saúde dos brasileiros. SUS botar a boca no mundo toda vez cia múltipla dos órgãos, depois de ter
Referindo-se a pesquisa do Instituto de que for mal atendida, ele melhorará. sofrido um acidente vascular cerebral.
Pesquisa Aplicada (Ipea) que verificou Se baixar a cabeça, achando que ‘é
como os brasileiros avaliam o sistema assim mesmo’, piorará”. A “freguesia P es q u isa b rasileira no
(ver matéria na pag. 9), o jornalista do SUS” somos todos nós. ‘Lancet’ — A saúde no Brasil é tema
observou que existe “um perigoso da edição de maio do jornal científi-
ingrediente de ignorância convencio- PERDA — A mor- co americano The Lancet, trazendo
nal” entre os que percebem a rede te do médico, artigos de renomados pesquisadores
de saúde pública brasileira como “um professor, sanis- brasileiros, sobre sistemas de Saúde,
desastre”. Para ele, os resultados que tarista e escritor saúde materno-infantil, doenças in-
apontam que 34% dos entrevistados Moacyr Scliar, fecciosas, doenças crônicas e causas
que não tiveram experiência alguma em 27/2, aos 73 externas. Haverá evento de lança-
com o SUS acharam-no ruim ou muito anos, represen- mento em Brasília, nos dias 9 e 10 de
ruim e só 19,2% acharam-no bom ou tou grande perda maio, no auditório da Organização
muito bom propagam essa “ignorância para a saúde pública. Atuante no mo- Pan-Americana da Saúde. O evento
convencional”. Elio Gaspari fez sua vimento da Reforma Sanitária, Scliar reunirá autoridades sanitárias nacio-
interpretação. “A visão catastrofista lutou por melhores condições de nais, pesquisadores, gestores da Saú-
está mais em quem não usa o serviço saúde e dignidade para todos os cida- de, autores, entidades como Abrasco
do que naqueles que usam”, escreveu. dãos. Essa preocupação expressou-se e Cebes e os editores do Lancet.

sem custo, no programa Aqui Tem genéricos. “São medicamentos que


Farmácia Popular. A divulgação foi Novos genéricos integram a lista de prioritários. Entre
feita na primeira cerimônia pública eles, há mais remédios para o trata-
da presidenta Dilma Rousseff, no
Palácio do Planalto, um mês depois
de tomar posse, informou o jornal
A Anvisa liberou (7 e 14/2) registros
para os dois primeiros medica-
mentos genéricos com a substância
mento de câncer, leucemia, artrite,
entre outros”, explicou o presiden-
te em exercício da Anvisa, Dirceu
Extra (4/2). O usuário tem acesso Tenofovir, utilizada no tratamento de Barbano. Não há, no entanto, prazo
ao medicamento apresentando a Aids e hepatite, informou o portal G1 definido para que os medicamentos
receita médica, CPF e documento (18/2). As concessões para a entrada sejam disponibilizados no mercado.
com foto, dependendo da disponi- de pelo menos seis novos genéricos O órgão está priorizando o registro de
bilidade do produto, em um dos 15 no mercado estão sendo feitas desde medicamentos que ainda não contam
mil estabelecimentos conveniados novembro de 2010. Os outros gené- com genéricos e que são importantes
ao programa do governo, de acordo ricos já aprovados foram o fumarato do ponto de vista da saúde pública. O
com O Estado de S.Paulo (4/2). de quetiapina, usado no tratamento Ministério da Saúde anunciou a produ-
Dados do governo apontam que 33 de esquizofrenia aguda ou crônica; ção de 9 milhões de comprimidos do
milhões de pessoas têm hipertensão o entacapona, para tratar o Mal de genérico do tenofovir, fabricados pela
e 7,5 milhões sofrem com o diabe- Parkinson; a dacarbazina, utilizada Fundação Ezequiel Dias (Funed), de
tes, aponta o jornal Extra (04/02). O no tratamento de câncer, e a rosu- acordo com a Agência Brasil (18/02)
acesso aos remédios para controlar vastatina cálcica, para o tratamento Cerca de 64 mil pessoas com aids usam
pressão e colesterol já é responsável de redução do colesterol e dos riscos o medicamento no país. O ministério
pela queda nos índices dessas doen- cardiovasculares. A previsão da Anvisa prevê ainda uma economia de R$ 80
ças dos países mais ricos. é de aprovar o registro de outros 18 milhões por ano.
Radis 104 • abr/2011
[ 8 ]

Segundo o site da própria Anvisa Anvisa tomar posição. Já o coordenador


(17/2), em 2 de fevereiro, o órgão da Sociedade Brasileira de Vigilância de Lei Maria da Penha I
publicou resolução que  instituiu novas Medicamentos, José Ruben Alcântara,
regras para os procedimentos de acom-
panhamento, instrução e análise dos
processos de registro e pós-registro de
colocou-se a favor da restrição. “Os riscos
dos anfetamínicos superam os benefícios,
que, aliás, são muito escassos. Para não
L evantamento do Conselho Nacional de
Justiça (CNJ), com base em informa-
ções dos tribunais de estados brasileiros
medicamentos de interesse do Sistema dizer inexistentes. São pílulas causado- concluiu que a Lei Maria da Penha con-
Único de Saúde (SUS). Ainda segundo a ras de doenças”, afirmou ele, à frente tabiliza resultados positivos crescentes,
instituição, foi publicado também em da entidade que, desde 1991, luta para desde que entrou em vigor, em agosto de
fevereiro o primeiro registro de um in- banir os medicamentos do mercado. 2006, informa o jornal O Globo (13/3).
sumo farmacêutico ativo (IFA), princípio Para José Ruben, os médicos não regis- No período, pelo menos 70.574 mulhe-
ativo responsável pelo funcionamento tram os danos causados pelo seu uso, res conseguiram, na Justiça, medidas
dos medicamentos. O primeiro insumo e, por isso, há uma subnotificação de de proteção para sair da situação de
registrado na agência é o Aciclovir, ocorrências de problemas. risco, e pelo menos 76.743 sentenças
substância empregada no tratamento definitivas estão em processo por agres-
da herpes zoster. O início do registro são a mulheres. Nos estados, tramitam
de insumos farmacêuticos vai garantir Número de obesos dobrou 332.216 processos nas 44 varas e juizados
a isonomia das exigências sanitárias especializados, o que representa 87,2%
em relação aos produtos elaborados no dos 107.597 processos relacionados à
país e os importados. Isso significa um violência contra a mulher, segundo o
incentivo ao desenvolvimento dos setores Tribunal de Justiça. A maior estrutura do
farmoquímicos e farmacêuticos do Brasil, país está no Rio de Janeiro com 93.843
e garante o acesso a produtos de melhor processos em sete juizados especiais. A
qualidade pela população brasileira. juíza Morgana Richa, coordenadora do
grupo do CNJ que monitora a aplicação

s.E.O.
da Lei Maria da Penha defende que o
Polêmica na proibição assunto seja também tratado por varas
de inibidores de apetite especializadas. “A violência configura um

E m audiência pública (23/2) que du-


rou cerca de quatro horas, médicos,
O mundo tem meio bilhão de pes-
soas obesas, duas vezes mais do
que há trinta anos, concluiu pesquisa
cenário mais complexo do que a agres-
são. Tem o problema da recorrência, da
dependência afetiva, dos vínculos fami-
farmacêuticos e um representante do publicada (3/2) no jornal científico liares. Daí a importância de a matéria
Ministério Público discutiram a resolução Lancet. Realizada pela Universidade ser tratada não só por sentença”, afirma.
da Anvisa que proíbe a venda de sibutra- de Harvard, nos Estados Unidos, e
mina e três outros inibidores de apetite pelo Imperial College London, na In-
(anfrepamona, femproporex e mazindol) glaterra, com o apoio da Organização Lei Maria da Penha II
no Brasil. A proibição, que já ocorre nos Mundial da Saúde (OMS) e da Funda-
Estados Unidos e Europa, gerou polêmica
e a decisão foi adiada pelo órgão, sem
prazo definido, informou o jornal O Globo
ção Bill e Melinda Gates, a pesquisa
trabalhou dados colhidos em 199 pa-
íses e territórios entre 1980 e 2008,
U m juiz da comarca de Rio Pardo,
a 150 quilômetros de Porto Alegre
(RS), decidiu aplicar a Lei Maria da Penha
(24/2). Técnicos da Anvisa apresentaram informou a Folha de S.Paulo (4/2). a uma relação homossexual e concedeu
a norma que trata da ineficácia dos três Os Estados Unidos aparecem como medida de proteção a um homem que
anorexígenos e da sibutramina, utilizados líderes da tendência ao crescimento, afirmou estar sendo ameaçado pelo
nos medicamentos para emagrecer. A e China e Brasil destacam-se pelo ex-companheiro, informou o site Último
agência decidiu proibir a comercialização elevado número de pessoas acima do Segundo (25/02). O caso aconteceu quan-
de remédios elaborados a partir dessas peso. Há 31 anos, 4,8% dos homens e do, segundo o juiz, depois de terminar
substancias, porque estudos revelaram 7,9% das mulheres tinham índice de há dois meses um relacionamento de um
aumento de problemas cardiovasculares massa corporal (calculado a partir do ano, a vítima passou a ser perseguida
entre os usuários. Estudo publicado no peso e da altura) acima de 30, o que e ameaçada pelo ex-companheiro que
New England Journal of Medicine, que configura obesidade. Há três anos, chegou a agredi-lo. Ele pediu proteção à
acompanhou dez mil pacientes em 16 9,8% dos homens e 13,8% das mu- Justiça que obrigou o agressor a manter
países, revelou que houve aumento de lheres tinham passado dessa marca. uma distância de, no mínimo, 100 metros
16% no risco de complicações cardiovas- Mais de um adulto, em cada dez, está do ex-companheiro. O juiz observou que
culares entre os usuários da sibutramina. obeso. “A obesidade envolve consumo a Lei Maria da Penha tem como objeti-
A substância foi banida entre americanos alimentar, muito ligado à emoção e vo a proteção das mulheres contra a
e europeus. O presidente da Sociedade estilo de vida. Não há pílula mágica violência doméstica, mas qualquer
Brasileira de Endocrinologia e Metabo- para tratar isso”, observou endocrino- pessoa em situação vulnerável pode
logia, Ricardo Meirelles, manifestou-se logista Bruno Geloneze, coordenador ser beneficiada (Radis 92). A lei já foi
contra a proibição. Ele sustentou que o do laboratório de metabolismo e aplicada em relações homossexuais
objetivo do tratamento de obesos não é diabetes da Unicamp, em entrevista entre mulheres e também em relações
fazer o paciente chegar ao peso ideal, ao jornal. O médico atribui o quadro heterossexuais quando o homem é
mas reduzir os problemas causados pelo não só aos hábitos alimentares, como vítima de violência.
excesso de peso. E completou: “Se proi- aos processos de urbanização e auto-
bir, será criado um mercado negro. Quem matização, que reduzem o gasto ener- SÚMULA é produzida a partir do acompa-
emagreceu voltará a engordar, com os gético. “Sua bisavó, quando tomava nhamento crítico do que é divulgado na
riscos inerentes”. Para ele, a comunidade suco, espremia a laranja. Hoje, é só mídia impressa e eletrônica.
científica precisa ser ouvida antes de a abrir a geladeira”.
Radis 104 • abr/2011
[ 9 ]

ACESSO E USO
D.M.

Sistema faz parte do dia a dia


de todos os brasileiros,
mas não é reconhecido
em suas diversas dimensões

Mas será que existe no país quem nunca tenha utiliza-


Adriano De Lavor, Bruno
do o SUS? O que os resultados da pesquisa indicam, indire-
Dominguez e Katia Machado
tamente, é que boa parte dos brasileiros desconhece que o

P
SUS não se restringe ao atendimento prestado em centros
ense no que você fez, e/ou postos de saúde. “A pesquisa do Ipea demonstrou
em seu dia a dia, nos que a avaliação positiva do SUS se dá por quem utiliza os
últimos 12 meses. Se serviços assistenciais”, observa a secretária executiva do
foi à farmácia adqui- Ministério da Saúde, Márcia Amaral. “No entanto, também
rir um medicamento, é importante destacar os benefícios trazidos para a saúde
vacinou-se, fez uma da população brasileira de forma geral, com o advento do
compra no supermercado ou foi à sistema”, ressalta, destacando que “por meio da atenção
padaria, precisou de um procedimento básica foi possível atingir coberturas vacinais e de pré-natal
médico de alta complexidade para você que se aproximam da universalidade” (ver box, na pág. 10).
ou algum familiar, não há dúvida: você Radis discute aqui o que faz o Sistema Único de Saúde,
usou o SUS. Um dos maiores sistemas de em toda a sua extensão, desaparecer aos olhos dos bra-
saúde pública do mundo, resultado de luta sileiros, buscando localizar como e por que as limitações
da sociedade civil organizada, movida pela do sistema se sobressaem, ao mesmo tempo em que o SUS
determinação de bravos sanitaristas, o Siste- não recebe o devido crédito no que diz respeito às ações
ma Único de Saúde, criado pela Constituição de saúde bem sucedidas no país.
de 1988 e regulamentado dois anos depois,
pelas leis 8.080 e 8.142, tem, quase 21 anos
raízes
depois de sua criação, uma abrangência muito maior do
que a percebida pela maioria dos brasileiros. Radis apresenta também exemplos desse SUS que não
Levantamento realizado pelo Instituto de Pesquisa se vê — ações de vigilância em Saúde, como o trabalho
Econômica Aplicada (Ipea) indica que boa parte da po- da Anvisa e as campanhas de imunização; procedimentos
pulação ainda desconhece a amplitude do SUS: 34,3% de alta complexidade, como o transplante de órgãos;
afirmaram nunca ter usado o sistema — o que é pouco programas de prevenção e tratamento reconhecidos inter-
provável. Publicado em fevereiro, o Sistema de Indica- nacionalmente, como o de combate ao HIV/aids, além da
dores de Percepção Social (Sips/Ipea) — que tem como produção de tecnologia e conhecimento, a exemplo do que
finalidade construir indicadores sociais para verificar como se faz na Fiocruz e em outras instituições públicas de
a população avalia os serviços de utilidade pública e seu pesquisa e/ou ensino em saúde, entre muitos outros.
grau de importância para a sociedade — indicou que o SUS Esse cenário de desconhecimento tem, em grande
recebeu melhor avaliação de quem declarou tê-lo utilizado medida, raízes em questões relacionadas à comu-
(68,9%) do que daqueles que afirmaram não fazê-lo. nicação. Percebe-se, no entanto, que está também
Entre os que declararam ter tido alguma expe- nas mãos dos gestores públicos, que trazem para si o
riência com o SUS, 30,4% consideram os serviços bons crédito de realizações que, na verdade, são viabilizadas
ou muito bons, enquanto, entre os que informaram pelo SUS, a responsabilidade por garantir que o sistema
nunca ter usado o SUS, o índice dos que avaliam os se apresente do tamanho que ele realmente é. Falta,
serviços como bons ou muito bons, cai para 19,2%. Por também, mexer na visão da Saúde que predomina, hoje,
outro lado, os que consideram o SUS ruim ou muito de consumidora de recursos, enfatizando-a, em vez disso,
ruim são em maior número entre os que informaram como geradora de riqueza, como o setor econômico que
nunca ter usado (34,3%) o sistema, do que entre os mais investe em inovação e desenvolvimento tecnológico
que disseram ter usado (27,6%). do país, o que faz dele um motor do desenvolvimento.
Radis 104 • abr/2011
[ 10 ]

No que diz respeito à relação entre o sistema estavam mais comumente asso- saúde ignoravam a determinação do Mi-
o Sistema Único de Saúde e a mídia, não ciadas “às mazelas e dificuldades do se- nistério da Saúde de exibir a logomarca
é de hoje que o tema interessa aos pes- tor, quase sempre a partir de uma suposta do sistema — também obrigatória em
quisadores da comunicação e da saúde. ineficiência do Estado, incompetência prédios, veículos, uniformes, ofícios e
Em 2000, o jornalista Valdir Oliveira, pro- das autoridades ou dos profissionais da publicações — e que boa parte da popu-
fessor do Programa de Pós-Graduação em área”. Valdir advertia que esse realce lação desconhecia seu significado.
Informação, Comunicação e Saúde (Icict/ em aspectos negativos impedia que o SUS No texto, o comunicador e sanita-
Fiocruz), já chamava atenção para uma criasse para si melhor imagem na esfera rista Mario Scheffer avaliava que a falta
pesquisa realizada em 1998, que mostra- pública e desmontasse “uma construção de uso da logomarca também refletia
va que a maioria dos entrevistados não discursiva sectariamente corrosiva e estratégias de desvalorização do sistema.
sabia definir com precisão o significado conduzida por grupos contrários a ele”. “O lado bom do SUS é pouco conhecido,
da sigla SUS. há preconceito, desinformação e até má
No artigo publicado na edição de fé de setores que lucram com a exposição
O olhar da imprensa
agosto daquele ano da revista Interface negativa dos serviços públicos de saúde”,
(www.interface.org.br) — voltada a Em julho de 2005, atendendo à declarou à revista.
comunicação, saúde e educação —, ele sugestão de um leitor, Radis (edição 35) O coordenador de redação da Asses-
apontava que as principais imagens e mostrou que, 15 anos após a criação do soria de Imprensa do Ministério da Saúde,
informações divulgadas pela mídia sobre SUS, algumas instituições públicas de Renato Strauss, considera “desafiador”

Referência no controle e eliminação de doenças


de crianças brasileiras, passando pelas vacina que teve expressivo declínio

C onsiderado referência mundial


pela Organização Pan-Americana
da Saúde (Opas), o Programa Nacio-
formas graves de tuberculose, tétano,
coqueluche, difteria, sarampo, rubé-
ola, caxumba e febre amarela. As co-
no número de casos em apenas quatro
anos (96%), passando de 5.867, em
2001, para 233, em 2005. Como, em
nal de Imunização (PNI), a cargo da berturas vacinais em crianças menores 2007, registrou-se aumento dos casos,
Secretaria de Vigilância em Saúde, de um ano de idade ultrapassaram a mais de oito mil, o Ministério da Saúde
faz parte do SUS e vem apresentando meta nacional ao longo dos anos: 90% preparou, em 2008, a maior campanha
resultados notáveis. Se, em 1973, o para a BCG (Bacilo Calmette-Guérin), de vacinação já realizada por um país.
país erradicou a varíola, em 1994, foi utilizada para a prevenção da tuber- Foram vacinadas naquele ano, segundo
a vez de a poliomielite sair de cena — a culose, e 95% para as demais. dados do MS, 67,9 milhões de pessoas,
Organização Mundial da Saúde (OMS) Dados do Ministério da Saúde o que representou cobertura vacinal
concedeu ao Brasil o Certificado de mostram que o Brasil foi o primeiro de 96,75%.
Erradicação da doença. A utilização país do mundo a incluir a vacina contra Situação semelhante aconte-
de vacinas contra as duas doenças rotavírus no sistema público de saúde. ceu com o controle da gripe H1N1.
projetou o Brasil como pioneiro no Mais de 60% das crianças menores de Entre abril e dezembro de 2009, o
planejamento e desenvolvimento de um ano foram beneficiadas, já em país havia registrado mais de 46 mil
campanhas de vacinação em massa. 2006, ano da inclusão. Em 2009, o casos e 2.051 mortes pela nova gripe.
São 13 diferentes vacinas, com percentual da população vacinada com Para enfrentar a segunda onda da
proteção para 19 doenças e êxito duas doses da vacina atingiu a marca pandemia, em 2010, o Brasil realizou
comprovado internacionalmente, no de 84,26%. complexa campanha de vacinação
que diz respeito a cobertura e controle Desde 2000, não há também direcionada para os grupos com
ou eliminação de doenças. As vacinas detecção do vírus autóctone do sa- maior risco de adoecer gravemente
antimeningococo, que imuniza contra rampo no país. Em setembro de 2010, ou morrer em decorrência da gripe:
a doença meningocócica, e pneumo- foi entregue à Opas o relatório da cerca de 90 milhões de pessoas foram
cócica 10-valente, que protege contra última etapa para certificação de que imunizadas contra a doença.
a bactéria causadora de meningites e o país está livre da
Foto: ministério da saúde

pneumonias pneumocócicas, sinusite, circulação do vírus.


inflamação no ouvido e bacteremia A cobertura vacinal
(presença de bactérias no sangue), abrange também a
entre outras doenças, foram incor- febre amarela: são
poradas ao Calendário Básico de mais de 65,6 mi-
Vacinação da Criança, em 2010. lhões de brasileiros
Segundo o Ministério da Saúde, vacinados contra a
a previsão é que sejam evitadas doença. A maioria
cerca de 45 mil internações por (62,5%), residente
pneumonia por ano em todo o Brasil, nas chamadas áreas
a partir de 2015. A média dessas in- com recomendação
ternações deverá cair de 54.427 para de vacina (ACRV).
9.185 — redução de 83%. A rubéola é outro
O PNI tem controlado outras tan- exemplo de doen- Vacina contra a poliomielite é uma das 13 que compõem o
tas doenças que ameaçavam milhares ça prevenível por programa de imunização do SUS: pioneirismo brasileiro
Radis 104 • abr/2011
[ 11 ]

mostrar à imprensa os pontos positivos

Foto: dayane martins


Foto: Natalia Calzavara
do SUS, “um dos poucos sistemas de
acesso universal à saúde no mundo, ainda
em construção”. Ele reconhece que os
pontos positivos do sistema não recebem
a mesma atenção dos jornalistas que os
negativos. As doenças com potencial
para gerar epidemias (dengue, gripe e
leptospirose, por exemplo), bem como
problemas relacionados à assistência —
espera por atendimento, acesso a medi-
camentos, pressão pela inclusão de novos
procedimentos — são os assuntos que
mais despertam o interesse da imprensa,
aponta, devido à “força das imagens e
dos relatos das pessoas diretamente afe-
tadas e pela oportunidade de confrontar
Umberto Trigueiros: “ninguém diz de Cristina: trabalho do profissional
e cobrar ações do poder público”. cara limpa que é contra o SUS” de comunicação é político
Programas de excelência como tra-
tamento da aids, transplantes e redes de À frente das assessorias de Comuni- Saúde (Icict) da Fiocruz, identifica “má
doadores de medula, além da melhora de cação do Ministério da Saúde na gestão vontade” da grande mídia em relação
diversos indicadores de saúde — redução do ministro Jamil Haddad, em 1993 ao SUS. Em grande parte resultante de
das taxas de mortalidade infantil e na e 1994, e da Secretaria de Estado de orientação ideológica neoliberal, “uma
infância e eliminação de doenças como Saúde do Rio de Janeiro, nas gestões de postura privatista que considera que
poliomielite, rubéola e sarampo — quan- Sergio Arouca e José Noronha, de 1987 o público não funciona”. Essa postura
do recebem cobertura da imprensa, não a 1990, o jornalista Umberto Trigueiro, também se verifica na cobertura jorna-
aparecem como ações realizadas pelo diretor do Instituto de Comunicação e lística de outras áreas, como transportes
SUS, informa Renato. Informação Científica e Tecnológica em e mineração, por exemplo.

Acesso universal e gratuito aos antirretrovirais


habitantes, segundo o relatório Saúde mente de ser positivo ou negativo. Em

O Brasil é referência internacional


no tratamento de aids, mas nem
todos aprovam as ações na área ou as
Brasil 2009 (Radis 103).
“Só conseguimos dar acesso
universal aos medicamentos porque
2009, foram distribuídos pelo SUS 8,9
milhões de testes de HIV, buscando-se
reduzir os casos de diagnóstico tardio.
vinculam ao SUS, no país. O relatório existe o SUS”, avalia Ronaldo Hallal, Quando os resultados são positi-
State of the Aids response (Estado da coordenador de Cuidado e Qualidade vos, os CTAs encaminham os pacientes
resposta à aids), de 2010, do Programa de Vida do Departamento de DST, para tratamento nos serviços de refe-
Conjunto das Nações Unidas sobre HIV/ Aids e Hepatites Virais do Ministério rência, onde o paciente deve receber
Aids (Unaids), indica que apenas 50% da Saúde. A Unaids elogia o fato de tratamento integral, que inclui cui-
dos brasileiros confiam que o país está o país trabalhar a doença a partir dados de enfermagem, apoio psicoló-
lidando com a doença eficazmente. O da abordagem de direito humano. gico, atendimentos em infectologia,
próprio relatório discorda dessa visão ginecologia, pediatria e odontologia,
e cita o país como líder mundial no controle e distribuição de antirretro-
Política na prática virais, orientações farmacêuticas, rea-
combate à epidemia.
Desde 1996, o Brasil garante As ações do SUS começam na lização de exames de monitoramento,
acesso universal e gratuito aos antirre- prevenção: divulgação de informação distribuição de insumos de prevenção
trovirais, com a regulamentação da Lei e disponibilização de camisinhas mas- e atividades educativas.
nº 9.313. Assim, atingiu uma das metas culinas e femininas para a população O Brasil também se destaca nas
dos Objetivos do Milênio — de garantir geral, gel lubrificante para profis- ações relativas à aids por articular a
o acesso universal ao tratamento de sionais do sexo e homens que fazem redução de preços de medicamen-
HIV/aids para todas as pessoas que sexo com homens e kits de redução de tos e fortalecer a indústria nacional
necessitem — antes mesmo de estes danos para pessoas que fazem uso de para produção de drogas, exames
serem estabelecidos pela Organização drogas. Em 2009, o governo distribuiu diagnósticos e outros insumos. Em
das Nações Unidas, em 2000. 467 milhões de camisinhas. Nos Cen- 2007, o marco desse movimento:
O tratamento e os avanços cien- tros de Testagem e Aconselhamento o ex-presidente Lula determinou o
tíficos mudaram a morbimortalidade (CTAs), é possível fazer testes sigilosos licenciamento compulsório do antir-
por aids e aumentaram a sobrevida dos para HIV, sífilis e hepatites B e C. Quem retroviral Efavirenz, então usado por
pacientes no país. Entre 1996 e 2008, procura o serviço é acompanhado por 38% dos pacientes brasileiros. “Nossa
o coeficiente de mortalidade por aids uma equipe de profissionais de saúde intenção é manter a autonomia, a
caiu 37,6% — de 9,6 óbitos por 100 mil responsável por orientar sobre o resul- independência e a sustentabilidade
habitantes para 6,1 óbitos por 100 mil tado final do exame, independente- das nossas ações”, diz Hallal.
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Umberto observa, no entanto, SUS destina recursos do Estado para “Isso desqualifica a atuação”. Ele
que essa “má vontade” associa-se o financiamento de planos privados. lembra que são poucas as institui-
às limitações do próprio sistema, “Isso não aparece na mídia”, aponta ções que, como a Fiocruz, enxergam
acabando por fragilizá-lo. Ele explica Umberto, para quem o sistema de o comunicador como um profissional
que, como muitas das atribuições saúde suplementar também funciona da saúde. “Não adianta tratar como
do SUS, mesmo que retoricamente mal e somente aparece nos jornais se fosse marketing político. Alguém
defendidas por governo e sociedade, quando é alvo de escândalo. tem que levar a cabo uma política
ainda não foram implementadas, mais alinhada com as diretrizes do
Comunicador como
esse descompasso facilita a ação dos sistema”.
profissional de saúde
opositores, que não o atacam publica- A jornalista Cristina Ruas con-
mente, mas se articulam para atrasar Outra razão apontada por Um- corda: “Não existe comunicação
seu desenvolvimento. “Ninguém se berto diz respeito à rotatividade dos sem mobilização; nem mobilização
levanta, de cara limpa, para dizer que profissionais de comunicação que sem comunicação”. Pesquisadora do
é contra o SUS”, observa. atuam no SUS, nas assessorias do projeto Fundo Global Tuberculose
Uma das estratégias para minar Ministério da Saúde e das secretarias Brasil — voltado à população mais
o sistema é derrubar fontes de finan- estaduais e municipais, a maioria com suscetível aos agravos da tuberculose
ciamento, por exemplo. Ele lembra vínculo esporádico, contratada via nas regiões metropolitanas —, ela atua
que o mesmo governo que defende o processos licitatórios e/ou agências. na área da saúde desde 1982. Cristina

Nos laboratórios públicos, foco


no cidadão, não no mercado
21 novos medicamentos, além de tante para a soberania do país chegar

P esquisa e o desenvolvimento
de produtos dela decorrentes
são motores do crescimento eco-
dispositivos intrauterinos (DIU),
gerando economia de R$ 170 mi-
lhões por ano aos cofres públicos.
a essa terceira fase”. Os laboratórios
públicos, informa Hayne, vêm dis-
cutindo com o Ministério da Saúde
nômico de um país e de seu forta- Investimentos conjuntos dos mi- maneiras de produzir itens de maior
lecimento em nível internacional nistérios da Saúde e da Ciência e Tec- valor tecnológico e valor agregado.
— geram empregos, enriquecem nologia, que somaram R$ 700 milhões, Farmanguinhos se prepara
a indústria nacional e reduzem possibilitaram 3,6 mil estudos em mais para fabricar o imunossupressor
a dependência do conhecimento de 400 instituições acadêmicas. tacrolimo, usado por pacientes
estrangeiro. Na saúde, o impacto Entre as instituições públicas submetidos a transplante de rim, e
é ainda mais significativo, pois de pesquisa, a Fundação Oswaldo uma combinação de medicamentos
tende a melhorar o cuidado. Cruz é um dos exemplos mais ci- 4 em 1 para tuberculose que pode
O investimento público é tados. Somente Farmanguinhos, ampliar a adesão ao tratamento
fundamental nessa área, em que instituto de pesquisa, desenvol- e diminuir as taxas de abandono,
se observa a falta de interesse vimento e produção da Fiocruz, um dos principais problemas na
de empresas privadas em voltar produz em torno de 1 bilhão de terapia contra a doença.
sua produção para determinadas medicamentos por ano para o
doenças — chamadas de negligen- SUS — antibióticos, antiulcerosos,
Foto: Peter Ilicciev/ Fiocruz

ciadas. Justamente por isso, o SUS analgésicos e produtos dermato-


precisa contar com uma base de lógicos, entre outros.
pesquisa em saúde, hoje forma- Destacam-se medicamentos
da por 19 laboratórios públicos para o combate à aids, à tubercu-
voltados para desenvolvimento e lose e à malaria, além de kits para
produção de medicamentos, soros assistência farmacêutica em pe-
e vacinas. Juntos, produzem 80% nitenciárias e para calamidades.
das vacinas e 30% dos medica- “O diferencial de Farman-
mentos utilizados no sistema. guinhos como laboratório oficial
Entre 2003 e 2010, esses é que alia pesquisa e desenvol-
laboratórios receberam R$ 450 vimento tecnológico”, diz Hayne
milhões em recursos e três Felipe, diretor do instituto. Para
novas fábricas tiveram R$ 320 ele, o Brasil vem evoluindo em
milhões de aporte financeiro pelo pesquisa e desenvolvimento em
Ministério da Saúde. Nesse perío- saúde: está numa segunda fase,
do, o Brasil incorporou três novas em que utiliza e transforma os
vacinas e dois medicamentos por insumos. O objetivo é ser um
meio de acordo de transferência país inovador, com uma indústria
de tecnologia. Parcerias público- farmoquímica pujante, produzindo Nos laboratórios públicos, pesquisa e produção
privadas levaram à produção de princípios ativos próprios. “É impor- do que não é de interesse dos privados
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[ 13 ]

explica que a comunicação ideal se ção de todas as áreas da prefeitura. demanda do trabalho de assessoria”.
baseia em três pilares: técnico, po- “Como vai compreender que aquilo Já no campo político, a atuação
lítico e financeiro. Na área técnica, que passa para imprensa é parte do do profissional de comunicação vai
ela identifica que falta capacitação SUS?”, questiona Cristina, também depender do comprometimento do
para os profissionais. Além disso, nos mestranda do Icict/Fiocruz. gestor que o contratou e de a insti-
pequenos municípios, não há como Em relação à dimensão financei- tuição incorporar (ou não) sua filiação
o assessor se apropriar de uma visão ra, ela observa que não há investi- ao SUS, bem como seus interesses
abrangente da saúde, já que muitas mento de recursos em planejamento em relação à mídia. “O trabalho do
vezes trabalha sozinho na divulga- e gestão de marca. “Só se atende a assessor é político”, afirma.

O SUS no controle de qualidade de


produtos e serviços
empresas que produzem, transpor- de carne clandestina. “Em quatro anos

H ospitais, clínicas, creches, espa-


ços culturais, orfanatos, presí-
dios, salões de beleza, supermercados,
tam, armazenam, comercializam ou
prestam serviços relacionados à saúde.
“Quando são identificadas irregulari-
de trabalho educativo com os mani-
puladores de carne, houve mudança
significativa: área de desossa própria,
o campo de atuação da vigilância dades, os responsáveis podem sofrer conservação e transporte corretos,
sanitária é amplo e está relacionado sanções que variam de uma notificação instalações bem cuidadas, manipu-
ao dia a dia dos cidadãos. Poucos, no a multas que chegam a R$ 1,5 milhão ladores uniformizados”, comemora
entanto, se dão conta de que suas e até mesmo ao fechamento dos esta- a diretora. “A população, orientada
ações integram o Sistema Único de belecimentos”. e conscientizada, denuncia quando
Saúde. A vigilância sanitária tem a algo está errado”. Trabalhos como
missão de garantir qualidade e se- esses foram favorecidos pelo novo
parceria com a população modelo de repasse de recursos para
gurança de produtos e serviços, dos
ramos de alimentos, medicamentos, Além de autorizar e fiscalizar, a as vigilâncias sanitárias de estados e
saneantes (inseticidas, desinfetantes vigilância atua em trabalhos educati- municípios, com base em um teto e
etc.), cosméticos, equipamentos vos relativo ao consumo de produtos e um piso, definidos em 2007. “Houve
para diagnóstico e tratamento de serviços que podem representar risco aumento no valor dos repasses fede-
doenças, defensivos agrícolas, bem para a saúde. A ideia é que a população rais e a vigilância sanitária chegou a
como serviços médicos, odontológicos, atue em parceria com a vigilância sani- lugares que nunca haviam recebido
hospitalares e laboratoriais. tária, fiscalizando, recusando produtos incentivo”, ressalta Maria Cecília.
Coordenado pela Agência Nacio- e serviços inadequados ao consumo e Municípios com população de até 20
nal de Vigilância Sanitária (Anvisa), o denunciando práticas ilegais. Maria mil habitantes — e que não tinham
Sistema Nacional de Vigilância Sanitá- Cecília enumera exemplos de ações acesso a recursos — passaram a rece-
ria (SNVS) tem impacto direto sobre exitosas de participação social e ber o valor anual de R$ 7,2 mil para
a saúde da população. “Trabalhamos educativa — que são apresentadas, custeio da estruturação dos serviços de
de forma preventiva na proteção e anualmente, nos fóruns regionais vigilância sanitária. “Os municípios se
promoção da saúde das pessoas, ou de vigilância sanitária do país. No equipam com veículos, computadores,
seja, de maneira a evitar que elas município de Iporá, em Goiás, com termômetros e outros instrumentos
fiquem doentes”, destaca a diretora cerca de 32 mil habitantes, a vigilância necessários às inspeções”, explica Ma-
da Anvisa Maria Cecília Martins Brito. sanitária trabalha em conjunto com ria Cecília. Já os municípios com mais
O SNVS engloba unidades nos três comerciantes locais para melhorar a 20 mil habitantes recebem repasses
níveis de governo, federal, estadual qualidade dos serviços e produtos ofe- proporcionais à população.
e municipal, com ações compartilha- recidos para a po-
Foto: sérgio eduardo oliveira

das. A Anvisa é responsável, em nível pulação. “Em ins-


nacional, pela definição das normas peções de rotina,
do que é colocado à disposição do os fiscais sanitários
cidadão no mercado brasileiro. É a desenvolvem ações
agência que autoriza ou não a comer- educativas para in-
cialização de determinado produto. centivar o fim da
Para conceder essa autorização, são informalidade do
analisados aspectos como capacidade comércio”, rela-
técnica, condições de higiene e capa- ta Maria Cecília.
citação profissional dos responsáveis Já em Silvanópolis
pela produção. Nos níveis estadual e (TO), profissionais
municipal, os órgãos de vigilância são de saúde apresen-
responsáveis por fiscalizar. Segundo taram experiência
Maria Cecília, os fiscais da vigilância eficiente no com- Alimentos, assim como remédios, produtos de limpeza,
sanitária visitam regularmente as bate ao comércio cosméticos e serviços médicos: alvos da vigilância sanitária
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nesse tempo em que estou diretamente Ele reconheceu que este vem sendo
Na gestão, grande
envolvido com a área da Saúde, de ter anunciado em campanhas publicitárias
responsabilidade
visto um plano de gestão voltado para em rádio, TV e jornal, sem menção ao
O secretário municipal de Saúde do a comunicação estratégica”, aponta, SUS (ver Toques, Radis 100). “Não havia
Rio de Janeiro, Hans Dohmann, faz uma referindo-se também à própria gestão. me dado conta disso”. A gestão normal-
autocrítica e considera que a invisibilida- Um exemplo do que analisa mente está mais preocupada em gerir e
de do SUS diz respeito também à gestão está em uma das iniciativas levadas fazer acontecer, buscando dar conta de
e aos gestores, comumente focados em à frente em sua gestão: a Clínica da uma demanda em um período de tempo,
divulgar o que fazem e esquecendo-se de Família. Hans buscou refletir sobre e esquece que é preciso também cuidar
projetar a instituição SUS como um todo. o plano de comunicação do projeto, da instituição SUS”, observa.
“No máximo, entra a logo em algum pro- lançado pela Prefeitura do Rio em Do lado do usuário, a invisibilidade
jeto nosso, mas isso é pouco”, observa. 2009, com foco na atenção básica se concretiza. Hans relata que as placas
Ele defende que parte do orçamento para resolutiva, que prevê atendimento das Clínicas da Família trazem a logomar-
a Saúde deveria destinar-se à comunica- médico e dentário, pré-natal, farmá- ca do SUS, mas, ainda assim, houve quem
ção estratégica do SUS. “Afinal, investir cia e exames, além de atendimento perguntasse quanto teriam que pagar
em comunicação é investir no SUS”, domiciliar, entre outros serviços, para usar o serviço. “É curioso o quanto
justifica. “Infelizmente não me recordo, reunindo equipes multiprofissionais. ainda temos dificuldade de transmitir que

Financiamento de 95% dos transplantes é do SUS


cirurgia cardiovascular, neurocirurgia, é realizado no Brasil desde 1979. Entre

Q uando o “Fantástico” anunciou,


em abril de 2009, a estreia da
série Transplante, o dom da vida, apre-
assistência aos portadores de obesida-
de e reprodução assistida, são alguns
exemplos de uma extensa lista.
2003 e 2009, o SUS ampliou em 57,51%
o número de procedimentos.
A medida reflete o sucesso de ou-
sentada pelo médico Dráuzio Varella, No caso dos transplantes, o SUS tra área, nem sempre associada ao SUS
a produção do programa dominical é responsável pela realização de cerca — o Registro Nacional de Doadores de
da TV Globo informou em seu blog — de 95% de procedimentos, cujas dire- Medula Óssea (Redome). Com a marca
http://fantastico.globo.com/platb/ trizes nacionais determinam gratuida- de 1,9 milhão de doadores registrados,
transplante/page/5/ — que havia 50 de da doação, beneficência em relação é o terceiro maior banco do gênero no
mil brasileiros na fila de espera por aos receptores e não maleficência em mundo (à sua frente estão os registros
um transplante. “Muitos morrerão relação aos doadores vivos. nos Estados Unidos, com 5 milhões
enquanto aguardam. O objetivo desta Dados do Ministério da Saúde de doadores, e na Alemanha, com 3
série é colaborar para que a fila ande informam que o Brasil apresenta milhões). A chance de um portador de
mais depressa”, alertava um dos textos “crescimento sustentado” no número leucemia encontrar um doador de me-
de apresentação do quadro. de transplantes realizados nos últimos dula óssea compatível fora da família
Apesar do alerta de que mesmo anos. Somente em 2009, foram regis- é de uma em 100 mil. Com o Redome,
com um “bom seguro saúde e um patri- tradas 20.253 cirurgias — aumento as chances se tornaram maiores: em
mônio sólido” ninguém seria privilegia- de 59,2% em relação a 2003, quando 2000, apenas 10% dos doadores de
do, e da informação de que o sistema foram realizados 12.722 procedi- medula foram brasileiros localizados
era informatizado “e fiscalizado pelos mentos. Aumento (16,4%) também no cadastro; já em 2009, o percen-
próprios pacientes que aguardam”, os foi verificado no primeiro semestre tual passou para 64%. Desde 2009, os
textos publicados no blog deixavam de 2010, quando o número de trans- registros do Redome foram integrados
de mencionar o SUS e creditavam o plantes de órgãos sólidos (coração, ao National Marrow Donor Program
aumento do número de doadores de fígado, rim, pâncreas e pulmão) subiu (NMDP), maior rede de registros de
órgãos à veiculação da série televisiva. de 2.033 (em 2009) para 2.367. Em doadores de medula óssea do mundo.
Na verdade, o que o Fantástico 2010, no Dia Nacional do Doador de Com a integração, brasileiros têm
não divulgou — assim como a maio- Órgãos e Tecidos, o governo des- acesso aos registros internacionais, en-
ria das matérias publicadas sobre tinou R$ 76 milhões para o setor. quanto pacientes estrangeiros podem
o assunto — é que o SUS mantém o identificar e utilizar as células-tronco
Sistema Nacional de Transplantes, de doadores daqui. Os custos (cerca
Terceiro maior banco de de R$ 50 mil) da identificação inter-
considerado um dos maiores pro-
doadores do mundo nacional de doadores são financiados
gramas públicos de transplantes
de órgãos e tecidos do mundo. São Do total investido na área pelo pelo SUS. Os pacientes com leucemia
548 estabelecimentos de saúde e governo, em 2009, R$16 milhões também contam com a rede de bancos
1.376 equipes médicas autorizados destinam-se à ampliação de centros públicos de sangue de cordão umbilical
a realizar transplantes em 25 estados de transplantes de medula óssea, com (Rede BrasilCord), fonte alternativa
do país. instalação de 80 novos leitos para a ao transplante. A rede, criada em
Os transplantes são um dos itens realização das cirurgias. Indicado no 2004, reúne hoje 11 bancos públicos:
da lista de procedimentos de alta tratamento de leucemias (câncer), lin- quatro em São Paulo e unidades no
complexidade — isto é, que envolvem fomas (conjunto de cânceres do siste- Rio de Janeiro, Distrito Federal, Santa
alta tecnologia e alto custo — do SUS. ma linfático) e alguns tipos de anemias Catarina, Ceará, Pará, Pernambuco e
Diálise, radioterapia, quimioterapia, graves, o transplante de medula óssea Rio Grande do Sul.
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ser diferente. “A Clínica da Família pre- pria mídia não tem interesse em que o

Foto: sérgio eduardo oliveira


cisa apresentar-se como uma política de SUS dê certo” — e com que as pessoas
estado”, reconhece. falem mal, mesmo sem conhecê-lo. Ela
identifica que não se divulga quando
usuários abastados recorrem ao SUS para
patrimônio nacional
procedimentos caros, não pagos por seus
Para quem divulga, essa lacuna planos privados. “Os que se servem deste
aparece com nitidez. Especializada em expediente têm vergonha”.
Saúde, com 23 prêmios por reportagens
na área, a jornalista Conceição Lemes
patrimônio nacional
identifica que os gestores (municipais,
estaduais e federais), de fato, não têm Apresentar o SUS como patrimônio
o hábito de informar, nos contatos com a nacional é um dos maiores desafios da
imprensa, que os programas bem avalia- gestão, analisa o secretário de Gestão Es-
dos, como imunização e aids, são do SUS. tratégica e Participativa do Ministério da
“Sobram para o SUS as filas e os hospitais Saúde, Luiz Odorico Monteiro de Andra-
lotados”, observa. de. “Boa parte da população, em espe-
Hans: focados em divulgar o que fazem, Para Conceição, não se pode fi- cial, a classe média, que ao longo desses
gestores esquecem de projetar o SUS
car esperando que o jornalista tome a anos foi optando por planos de saúde, usa
aquele é um projeto do SUS”, analisa. iniciativa de perguntar ou inferir para o SUS e acha que não usa, fortalecendo a
“Isso prova que todos nós que militamos dar crédito ao SUS. Primeiro, por conta cultura de que o sistema de saúde público
mais ou menos no SUS precisamos urgen- da alta rotatividade dos profissionais é para pobre”. Odorico ressalta que o SUS
temente incluir em nosso trabalho um que cobrem a área — “tem que repetir não é apenas um sistema de assistência
plano de comunicação estratégica”, diz. sempre, como se faz com prevenção”. médica e hospitalar. “Articula promoção,
O secretário destaca que o SUS Ela também considera que está dissemi- proteção, recuperação, reabilitação e
é patrimônio do povo brasileiro, inde- nada a cultura de que o SUS “é coisa de muito mais”, esclarece, lembrando que,
pendentemente de partido político ou pobre”, o que faz com que o jornalista ao tomar banho, estamos com o SUS, pois
gestor, e, no Rio de Janeiro, não pode não se sinta parte do sistema — “A pró- a água é monitorada pelo Sistema de

Medicamentos ao alcance da população


importante, ampliando o acesso da camentos, tomando como referência

D esde fevereiro, 11 medicamentos


para hipertensão e diabetes vêm
sendo distribuídos gratuitamente em
população aos medicamentos. “Não
houve qualquer limitação nos postos
de saúde, ao contrário, desde 2004,
pedidos encaminhados pelas secreta-
rias de Saúde e ações judiciais movidas
por usuários. No ano passado, o Minis-
15 mil pontos do Brasil por meio do o governo aumentou os recursos tério da Saúde gastou R$ 6,5 bilhões
programa Aqui Tem Farmácia Popular para a assistência farmacêutica com medicamentos — o equivalente
— em farmácias populares e drogarias básica”, argumenta. a 12,5% de seu orçamento, contra R$
privadas conveniadas. O país tem 33 O Aqui Tem Farmácia Popular 2 bilhões ou 5,8% do orçamento da
milhões de hipertensos e 7,5 milhões integra a Política Nacional de As- pasta, em 2003.
de diabéticos. Somente na primeira sistência Farmacêutica do SUS, que
foto: agência brasil

semana, 560 mil pessoas buscaram atua em três frentes. A primeira se dá


medicamentos para essas doenças, se- na atenção básica, pela distribuição
gundo balanço do Ministério da Saúde. de um conjunto de medicamentos
São oferecidos também medicamentos elencados pelo Ministério da Saúde
com descontos de até 90% para outras a partir da Relação Nacional de
cinco doenças — asma, rinite, mal de Medicamentos Essenciais (Rename),
Parkinson, osteoporose e glaucoma —, que lista medicamentos para os
além de fraldas geriátricas. principais problemas de saúde dos
O programa inclui as farmácias brasileiros com base em dados epi-
privadas como pontos de venda ou demiológicos. A segunda volta-se ao
distribuição dos medicamentos, atendimento de doenças de caráter
sendo, por isso, alvo de crítica dos transmissível e de alto impacto na
que consideram que a assistência saúde da população, cujos programas
farmacêutica deveria se dar nas são coordenados nacionalmente pelo
unidades do SUS: o paciente sairia ministério — entre eles, DST/aids,
da consulta com o diagnóstico e tuberculose, hanseníase e malária,
os medicamentos necessários para imunobiológicos e insumos de coa-
o tratamento. Para o diretor do gulopatias e hemoderivados.
laboratório Farmanguinhos/Fio- A terceira frente de atuação
cruz, Hayne Felipe, a inclusão das avalia a necessidade de ampliação do Medicamentos gratuitos e com desconto são
farmácias privadas no programa foi acesso e incorporação de novos medi- oferecidos em 15 mil pontos de venda
Radis 104 • abr/2011
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Informação de Vigilância da Qualidade da da rede, busca de um financiamento es- pública que tem raízes solidárias e hu-
Água para Consumo Humano, do âmbito tável e implica discutir com a sociedade manísticas, na busca da universalização
na Secretaria de Vigilância em Saúde a ideia de integralidade em saúde. Odo- da saúde. “Vivemos no Brasil um dilema
do Ministério da Saúde. “Quando vamos rico recorda que milhões de brasileiros ético: as pessoas que trabalham e que
comprar o pão, compramos na padaria do passaram a ter direito à saúde com o opinam não são usuárias do sistema, ou
SUS, pois a vigilância sanitária cuida da advento do SUS. “Mas a expansão da co- melhor, não se reconhecem como tais”,
fiscalização daquele estabelecimento”. bertura não foi seguida de investimento diz. Ele lembra que em países onde há
maciço na qualidade do acesso, gerando sistemas universais, como Canadá e In-
insegurança na população em relação ao glaterra (Radis 99), há crises e debates,
Noção de pertencimento
sistema”, avalia. mas as pessoas que criticam são e fazem
A invisibilidade do SUS envolve dis- Odorico acredita que ainda não se questão de ser usuárias de seus sistemas
puta de valores na sociedade, melhoria conseguiu discutir o SUS como política públicos de saúde.

Socorro para 110 milhões de pessoas na rede pública


A política que ampara o Samu se- que já participaram de ações seme-

O Sistema Único de Saúde brasileiro


inclui, desde 2003, o atendimen-
to de socorro à população na rede
gue os mesmos princípios doutrinários
do SUS — universalidade, equidade,
integralidade, descentralização, par-
lhantes, profissionais de saúde dos
hospitais universitários federais, das
forças armadas, além de estados e
pública, dentro da Política Nacional ticipação social e humanização — e municípios. Depois da tragédia, 20
de Urgências e Emergências. A face inclui, além do atendimento móvel, a ambulâncias foram entregues para
mais visível desta política é o Serviço organização das ações de urgência nos reforçar o Samu em cidades atingi-
de Atendimento Móvel de Urgência pronto-atendimentos, unidades bási- das pelas chuvas. A ideia é acelerar
(Samu), presente em 1.461 municípios cas de saúde e equipes da Estratégia o processo de implantação do Samu
do país, oferecendo cobertura para Saúde da Família, bem como nas gran- regional, nessas áreas.
110 milhões de pessoas. des urgências e nos pronto-socorros As ações dão continuidade ao
O serviço é controlado por 157 dos hospitais; ao mesmo tempo, prevê trabalho de resgate, salvamento
centrais de regulação, que organizam o a retaguarda hospitalar para os atendi- e orientação à população iniciado
atendimento, realizado por equipes de dos nas urgências e propõe estruturas pelo Ministério da Saúde logo após os
profissionais de saúde, como médicos, para o atendimento pós-hospitalar. desastres, com apoio aos abrigos e à
enfermeiros, auxiliares de enferma- Outro programa do SUS integrado atenção básica; disponibilização de
gem e socorristas, que contam com a esta política é o das Unidades de leitos, equipe e veículos nos hospitais
o apoio de duas mil ambulâncias. O Pronto Atendimento (UPAs 24h), que federais; instalação de farmácia cen-
Samu atende urgências e emergências oferecem serviços de raio X, eletro- tral e farmácias satélites; transferên-
24 horas por dia, em qualquer lugar. cardiografia, pediatria, laboratório cia de recursos; ações de atenção à
O socorro é iniciado a partir de exames e leitos de observação. O saúde mental; envio de medicamentos
do momento em que o cidadão soli- modelo ganhou caráter nacional em e vacinas e de material de orienta-
cita o serviço, através de chamada 2009 (ver Radis 83) e tem como ob- ção à população e aos profissionais.
gratuita para o número 192. Após jetivo ampliar a assistência, diminuir
a identificação da emergência, um filas nos prontos-socorros dos hospitais Foto: ministério da saúde

médico faz o diagnóstico da situação e evitar que casos de menor comple-


e, imediatamente, fornece orien- xidade sejam encaminhados para as
tações ao usuário, avaliando qual o unidades hospitalares.
melhor procedimento: encaminhar Durante a inauguração da 104ª
a pessoa a um posto de saúde ou UPA 24h (a primeira no Distrito Fe-
enviar uma ambulância de suporte deral), em fevereiro, o governo di-
básico para o atendimento no local. vulgou investimento de R$ 898,8
Se o caso for mais grave, uma UTI milhões para as obras das 462 uni-
móvel pode ser enviada. dades autorizadas em todo o país.
O médico regulador tem
poder de autoridade sanitá-
Eventos extremos
ria e comunica a urgência ou
emergência a unidades públi- As ações de urgência e emergên-
cas de saúde, para que leitos cia serão ampliadas com a criação da
sejam reservados e haja con- Força Nacional de Resgate do SUS, uma
tinuidade nas ações. No site sobre equipe de profissionais especializados
o Samu na internet, o governo em atendimento a vítimas de desastres
federal informa que serviço é res- naturais, como o que vitimou mais de
ponsável pela redução do número 890 pessoas na região serrana do Rio
de óbitos, tempo de internação de Janeiro, em janeiro.
em hospitais e sequelas decorren- A proposta do ministro Alexandre Atendimento de urgências e emergências
tes da falta de socorro precoce. Padilha é reunir servidores públicos faz parte de política nacional do sistema
Radis 104 • abr/2011
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A secretária executiva do Ministé-

Foto: Ana Limp / Fiocruz


Foto: Katia Machado
rio da Saúde, Márcia Amaral, acredita
que, além de dar maior visibilidade
para o conjunto de ações de saúde
ofertadas pelo SUS, “para que a socie-
dade possa melhor usá-lo, valorizá-lo,
defendê-lo e criticá-lo, exercendo o
controle social”, é preciso trabalhar a
noção de “pertencimento”. Trata-se,
explica, “de um desafio ético, estético
e político, do Ministério da Saúde e de
todos que defendem o sistema”. Márcia
ressalta que o SUS está presente na vida
de 100% dos brasileiros, seja por meio
da realização de ações preventivas e de
promoção à saúde, seja pela oferta e
coordenação de serviços assistenciais.
“É natural que as áreas com maior Odorico: “as pessoas que trabalham e opinam Gadelha: exemplo de direito de cidadania aliado
sobre o SUS não se reconhecem como usuárias” a alto potencial de inovação e geração de renda
dificuldade chamem mais a atenção da
população, pois são, constantemente, público disputar espaço comercial na emprego e renda”, nas palavras do se-
pautadas pela mídia. Mas, isso não pode mídia, estará desqualificando aquilo que cretário de Ciência, Tecnologia e Insumos
ofuscar a qualidade dos serviços que já é um direito”. Estratégicos do Ministério da Saúde, Car-
são prestados pelo SUS”. los Gadelha. O setor alavanca pesquisas
e emprega 12 milhões de trabalhadores
Papel do cientista
diretos e indiretos, o que faz dele um
Apropriação política
Além de mídia, gestores, empre- motor do desenvolvimento do país. Mais
A jornalista Conceição Lemes cha- sários e usuários, outro grupo estaria de 8% do Produto Interno Bruto brasileiro
ma atenção para a apropriação política relacionado à invisibilidade do SUS: estão ligados à saúde, superando inclusi-
que se faz das realizações bem sucedidas os pesquisadores. O jornalista Wagner ve a agropecuária.
do SUS. Ela narra caso ilustrativo de Oliveira, coordenador de Comunicação “Pesquisa e desenvolvimento são
janeiro de 2010, quando o governo do es- Social da Fiocruz, acrescenta à discussão fundamentais para fortalecer a política
tado de São Paulo e a secretaria de Saúde a falta de conscientização de alguns deles social: sem tecnologia e base produtiva
mandaram release para mídia anuncian- de que trabalham para o SUS e para o não garantimos acesso em longo prazo”,
do a distribuição de 41 milhões de doses Estado. Ele lembrou que a “função so- diz o secretário. O SUS funciona como
de vacina contra a gripe suína. Segundo cial do cientista” ficou mais clara após coordenador da agenda de pesquisa do
ela, de acordo com a comunicação oficial a redemocratização do país, quando a Brasil, seja ela pública ou privada, já
distribuída à imprensa, “parecia que o ciência legitimou sua contribuição para que é um grande comprador de medica-
estado de São Paulo arcaria com os custos um novo projeto de Brasil, com institui- mentos e produtos biotecnológicos. No
das vacinas; faria a distribuição via Mi- ções como a SBPC e a Fiocruz. A partir setor público, há um desafio adicional: as
nistério da Saúde; e que São Paulo seria desse debate, foram definidas opções doenças negligenciadas (tais como leish-
o primeiro a dispor das vacinas por ter estratégicas sobre o campo da saúde e maniose, doença de Chagas e malária),
saído na frente do próprio ministério”. as necessidades de atenção do cientista que não são objeto de investimento por
Ela resume a estratégia afirmando que e do poder público. Ele acredita que uma parte do setor privado.
“filho feio não tem pai; já para o bonito, cobertura ampla da saúde deve incluir a Ao incluir um medicamento na Far-
é preciso fazer teste de DNA de tantos repercussão da função social do cientista, mácia Popular, por exemplo, o governo
candidatos à paternidade”. de modo que o mundo acadêmico possa estimula sua produção. “Grande parte
O bom atendimento ao usuário estreitar sua ligação com os serviços. do estoque vem de laboratórios priva-
do SUS é ponto de partida para que a “Temos que superar a ideia de dos, que se beneficiam com a expansão
área de comunicação possa trabalhar marketing pelo marketing”, orienta, “e do mercado e a queda dos preços para
a dimensão dos direitos e da gestão aproximar o conhecimento científico da o consumidor, provocadas pela filosofia
pública, como defende a jornalista população, de maneira que o pesquisador de copagamento do programa”, explica
Cristina Ruas, a partir de sua experi- possa prestar contas para a sociedade Hayne Felipe, diretor do laboratório
ência como assessora de Comunicação e fazer com que este saber acadêmico Farmanguinhos/Fiocruz e conselheiro-
em setores da administração pública, circule”. Wagner lembra que, cada vez geral da Associação Brasileira das
em nível municipal, estadual e fe- mais, a ciência traz impactos à vida Indústrias de Química Fina, Bio-
deral. Para Cristina, não se trata de das pessoas, quando se fala em células- tecnologia e suas Especialidades.
vender bem a logomarca do SUS, mas tronco, transgênicos ou testes genéticos. “O Estado paga a totalidade ou
“tentar institucionalizar aquilo que é parte do valor do produto”.
público”, considera. “Muitas vezes, Para Carlos Gadelha, a atual
um cartaz informativo apresenta 15 Dimensão econômica e
prioridade no que diz respeito a inova-
logomarcas que concorrem umas com industrial
ção, pesquisa e produção é o acesso de
as outras”. Cristina defende que o Mi- Além da dimensão social, o SUS qualidade e em tempo razoável da popu-
nistério da Saúde invista em estratégias tem uma dimensão econômica e indus- lação ao SUS — eixo único do Ministério
menos comerciais de divulgação” e trial pouco valorizada — reforçando sua da Saúde. “Nossa inovação, produção e
qualifique melhor o serviço prestado. invisibilidade. “É um dos raros exemplos pesquisa têm que criar melhores condi-
“Conceitualmente, o SUS sempre foi que aliam direito de cidadania com alto ções de acesso, não mais capacitar por
um projeto social. Enquanto o poder potencial de inovação e geração de capacitar ou inovar por inovar”.
Radis 104 • abr/2011
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Saúde sem fronteiras

Contrapontos na
América-Latina
Em Cuba, forte presença do Estado e influência
nos princípios do SUS brasileiro;
no Chile, sistema misto abre espaço público
e privado para quem contribui

ao estilo bem-estar, executada pelo Estado,


Adriano De Lavor
mediante a constituição de mecanismos orça-
mentários de financiamento público”, explica

N
o artigo O SUS entre a tradição o sanitarista.
dos Sistemas Nacionais e o modo Nesse sentido, o sistema de saúde de Cuba
liberal-privado para organizar o é citado com frequência por teóricos, por sua
cuidado à saúde, o sanitarista Gas- influência na criação do SUS e, mesmo os que
tão Wagner aponta que a tradição dos sistemas fazem críticas ao regime político implemen-
nacionais de saúde foi construída em articula- tado por Fidel Castro e seus correligionários
ção com a luta dos trabalhadores, realizadas reconhecem sua qualidade. Radis pesquisou as
particularmente em países europeus, durante principais características do sistema cubano,
o século 20, em prol de políticas públicas ou com presença integral do Estado na saúde,
do socialismo. É desta tradição, afirma Gastão, em contraponto com as de outro país latino-
que o SUS recolheu a concepção de direito americano, o Chile, que descreveu trajetória
universal à saúde —“e de que este direito seria bem diversa, com setor privado fortalecido e
concretizado por meio de uma política pública, fragmentação dos serviços públicos.

da família. A meta é atingir 100% dico deveria ser gratuito, o que levou à
da população. criação do Sistema Nacional de Saúde,
Cuba No site que mantém na internet, disseminando-se as ações de saúde.
a Embaixada de Cuba no Brasil informa A mudança priorizou o atendimento
que, antes da revolução, predomi- primário, baseado no médico e na en-
Prioridade para a
navam no país os serviços de saúde fermeira da família, implementado a
atenção primária
privados. À população de baixa renda, partir de 1984. O modelo compreende
A rede assistencial de Cuba restavam as Casas de Socorro, que aten- procedimentos e serviços de promoção,
apresenta hoje 381 áreas de saúde diam principalmente casos de urgência. prevenção, cura e reabilitação, além
cobertas pelo programa Médico da A quase totalidade dos serviços se da proteção de grupos populacionais
Família — que inspirou a criação localizava na capital, Havana, onde se específicos, com o uso de tecnologias
da Estratégia Saúde da Família no concentravam 65% dos médicos e o 62% dirigidas “ao indivíduo, à família, à
Brasil — e conta com 28 mil médi- dos leitos disponíveis. Nas zonas rurais, comunidade e o meio”, informa o site.
cos distribuídos em seu território. praticamente não existia atendimento É o programa de “medicina fa-
Dados oficiais apontam que mais do médico e havia somente um só hospital. miliar” que orienta as demais ações.
99,1% da população cubana estão A partir dos anos 1960, tomou Além da revitalização do atendimento
cobertos com médico e enfermeira força a ideia de que o atendimento mé- hospitalar — em 2000, eram 270 unida-
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des no país, oferecendo 58.713 leitos natal, a síndrome da rubéola congênita medida permite maior relacionamento
— a estratégia diminuiu a demanda de e a meningoencefalite pós-parotidite. dos profissionais com a comunidade e
internações, consultas de urgências Entre os grupos priorizados estão garante que sempre vai haver um mé-
e intervenções cirúrgicas. O sistema as mulheres, as crianças e o “adulto dico à disposição, diz Roberto.
também investe em programas de maior”, já que 14.3% da população têm Além do médico de família, há
prevenção, diagnóstico e tratamento mais de 60 anos. um clínico geral de bairro, os hospi-
do câncer, insuficiência renal, cardio- tais de zona e os institutos especiali-
patias, além de diagnóstico precoce zados. Todo atendimento é gratuito,
Esperança de vida
das afecções congênitas, pré-natais, com exceção dos medicamentos,
de sangue e hemoderivados. Nenhuma Segundo o médico Roberto San- que são subsidiados pelo Estado. O
doença fica fora do sistema de saúde tillana Gomez, sanitarista do Programa resultado pode ser observado quan-
cubano, que oferece tratamentos a Saúde da Família em Cuba, o sistema do se comparam as estatísticas das
problemas que vão de dores de cabeça é um conjunto de unidades adminis- Nações Unidas sobre esperança de
a enfermidades relacionadas à aids, trativas de produção e de serviços vida. Cuba ocupa o terceiro lugar
passando por assistência odontológica comprometidos com a atenção integral em todo continente americano, com
e também cirurgias plásticas. à saúde. Ele explica que a atenção expectativa de vida de 76 anos para
Em Cuba, os maiores índices médica primária é “a porta de entra- os homens e 80, para as mulheres. Já
de mortalidade estão associados às da da saúde”, e que cada equipe do em relação à mortalidade infantil, as
doenças crônicas não transmissíveis; Programa Saúde da Família atende no estatísticas da ONU apontam que o
o país distribui vacinas contra 13 do- máximo 250 famílias. Seus integrantes índice de Cuba é de cinco mortes a
enças e já erradicou de seu território residem na área de atuação, em edifi- cada mil nascimentos, o que situa o
a poliomielite, a difteria, o sarampo, a cação construída pelo governo, onde país em um nível só comparável ao
meningite tuberculosa, o tétano neo- também funciona um consultório. A do Canadá no continente americano.

e os esquemas de proteção social, que — o Sistema Nacional de Serviços de


destruíram o sistema estatal construído Saúde, composto por 26 organismos,
Chile até então. o Serviço de Saúde Metropolitano do
Hoje, o sistema de saúde chileno Ambiente, que são descentralizados,
é de caráter misto, com a participa- com personalidade jurídica e patrimô-
ção dos setores público e privado. nio próprio. São eles que executam as
Sistema misto inclui
O subsistema público, normatizado ações de saúde, e o Fonasa, que capta
setor público e privado
e gerido pelo Ministério da Saúde, é e administra os recursos financeiros
No artigo Política e saúde no Chile responsável pelo fomento e proteção provenientes da arrecadação de impos-
e no Brasil. Contribuições para uma à saúde de toda a população e pelo tos e das contribuições dos afiliados. A
comparação, a pesquisadora Eliana atendimento de trabalhadores ativos Central de Abastecimento e o Instituto
Labra, da Escola Nacional de Saúde que contribuem para o Fundo Nacio- de Saúde Pública oferecem suporte
Pública Sergio Arouca (Ensp/Fiocruz) nal de Saúde (Fonasa), suas famílias e aos serviços. Os estabelecimentos de
aponta que o Chile foi o primeiro país também pessoas de baixa renda que atenção primária (consultórios e postos
a seguir o caminho encontrado pela não têm como contribuir. rurais) são controlados tecnicamente
Grã-Bretanha em seu Serviço Nacional Enquanto os contribuintes do sis- pelo SNSS, mas os recursos são oriundos
de Saúde (Radis 99), implementando, tema podem optar por atendimento na do Fonasa, distribuídos através de um
em 1952, um sistema similar, que se- rede do Sistema Nacional de Serviços sistema de faturamento por atenção
guiu o conceito de seguridade social, de Saúde (SNSS) ou pela utilização do prestada (Fapem).
abrangendo segurança pecuniária e sistema de medicina curativa ofereci- O subsistema privado é com-
biológica. Ela explica que, tanto o Chile do por médicos e instituições privadas posto por Instituições de Saúde e
quanto o Brasil empreenderam refor- inscritos no Fonasa, a população que Pensão (Isapres), empresas privadas
mas nas primeiras décadas do século não pode contribuir somente é aten- que oferecem à comunidade segu-
20 e adotaram formatos institucionais dida na rede oficial. ros de saúde destinados a cobrir os
parecidos na sua formulação, mas que Os serviços de atenção primá- gastos de atenção médica de seus
posteriormente tomaram rumos dia- ria são gratuitos, e incluem ações afiliados e dependentes. O atendi-
metralmente opostos. Nos anos 1980, preventivas para crianças — como mento é prestado por profissionais
enquanto a Reforma Sanitária brasileira vacinação — e gestantes, além de e estabelecimentos privados. Exis-
buscava fortalecer os serviços públicos distribuição de leite. Estes serviços tem ainda Isapres exclusivos para
criando um sistema único que atendes- são oferecidos (ou não), dependendo contribuintes de empresas, estatais
se a todos os cidadãos por igual, com da organização dos municípios. e privadas. Aos empregadores cabe
equidade e controle social, no Chile, a Integram o sistema público o Mi- o pagamento de seguro obrigatório
ditadura militar “virava pelo avesso” o nistério da Saúde — que cumpre funções contra acidentes de trabalho e en-
sistema econômico, a máquina estatal normativas, de avaliação e controle fermidades laborais.
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Entrevista

Tania Araújo-Jorge

‘O passivo da saúde pública do século


passado tem de ser enfrentado’

Foto: dayane martins


Bruno Dominguez

D
oenças como hanseníase,
leishmanioses, tuberculose e
Chagas são não só decorrentes,
como promotoras da pobreza e
devem estar no foco da agenda de pes-
quisa em saúde do país. Quem chama a
atenção para essa demanda é a médica
e pesquisadora Tania Araújo-Jorge, dire-
tora do Instituto Oswaldo Cruz, unidade
da Fiocruz voltada a pesquisa, desen-
volvimento tecnológico e prestação de
serviços de referência para diagnóstico
de doenças infecciosas e genéticas e con-
trole de vetores. Para Tania, as ações do
Brasil para reduzir as doenças infecciosas
têm sido produtivas e a curva é descen-
dente. O quadro, no entanto, ainda re-
quer visibilidade e atenção. “As doenças
têm grande impacto no desenvolvimento
da vida adulta durante uma fase longa
e crônica. Comprometem a capacidade
de gerar renda e a qualidade de vida”, Não é um conceito novo, é apenas uma progresso individual. As políticas públi-
analisa Tania, em entrevista à Radis. revisão do conceito com a integração de cas de controle da pobreza deveriam
causa e consequência. elevar o combate a essas doenças a um
Por que chamar as doenças negligen- patamar de atenção e de investimento
ciadas, tais como malária, leishma- Como o governo deve lidar com essa mais alto. Estamos chamando a atenção
niose visceral e doença de Chagas, questão? do Governo Federal para a necessidade
de doenças promotoras, e não só As políticas públicas de controle da de articular as políticas, não só a fim de
decorrentes, da pobreza? pobreza, que são a prioridade número reduzir consequências da pobreza, mas
As doenças negligenciadas sempre um do governo Dilma, não podem deixar também de reduzir causas da pobreza.
foram consideradas decorrência da de lado o foco no controle das doenças
situação de pobreza. Em tese, com o infecciosas mais antigas. O passivo da O desafio de controlar essas doenças
aumento da renda haveria o fim dessas saúde pública do século passado tem de não foi colocado no PAC da Saúde,
doenças. Mas há uma percepção cada ser enfrentado neste século. Nos países no Mais Saúde, nem na campanha
vez maior de que elas não só decorrem desenvolvidos, como Canadá e Estados eleitoral. Como inserir esse tema na
como realimentam a pobreza. Não são Unidos, e os europeus de modo geral, agenda do governo?
infecciosas agudas, têm grande impac- doenças como hanseníase e tuberculose Evidentemente, é pelo próprio Mi-
to no desenvolvimento da vida adulta foram controladas pela melhoria da nistério da Saúde que esse debate tem
durante uma fase longa e crônica. Com- qualidade de vida, da habitação, do que começar — e começou. Em dezem-
prometem a capacidade de trabalho, a transporte, pelo aumento do próprio bro de 2010, a questão foi levantada no
capacidade de gerar renda, a qualidade padrão socioeconômico da população. encontro que comemorou os dez anos do
de vida. Contribuem para alimentar os No Brasil, um conjunto multifatorial de Departamento de Ciência e Tecnologia
determinantes sociais da doença e a problemas gera pobreza e doenças, num da Secretaria de Ciência, Tecnologia
própria pobreza, na medida em que para ciclo que se realimenta. Esse quadro se e Insumos Estratégicos do Ministério
se gerar riqueza tem que se estar ativo coloca tanto para as doenças infecciosas da Saúde, que agora está revisando a
no mercado de trabalho. A partir de um quanto para a desnutrição — que também agenda nacional de temas prioritários
estudo econômico, constatou-se que es- era vista como decorrência da pobreza, para pesquisa em saúde. Nessa reunião,
sas doenças não só são consequência da mas é geradora de mais pobreza na a discussão ganhou corpo. Os pesquisado-
pobreza como também são causa dela. medida em que reduz a capacidade de res concordaram em que a desnutrição e
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as doenças infecciosas são geradoras de com pesquisa para inovação, mas tam- determinados momentos, tem-se um
pobreza e passaram a enxergá-las como bém com pesquisa para implementação financiamento externo “para investir em
oportunidade de articular desenvolvi- de estratégias. obesidade”. O dinheiro vem para isso e
mento social com saúde em questões que a pesquisa tem que ser sobre isso. Se os
atingem diretamente segmentos pobres O relatório ‘Saúde Brasil 2009’ países endêmicos, e o Brasil em especial,
da população. Não atingem a sociedade mostra o crescimento das doenças não pautarem as doenças infecciosas da
como um todo, mas a população brasi- crônicas e a diminuição das doenças pobreza como prioridade, o investimento
leira que mais necessita de cuidados. A infecciosas. Qual é o critério para não vem para isso. Tanto o investimento
ideia é que a gente bata e rebata esse definir as prioridades de pesquisa? de fora quanto o de dentro dependem
ponto, de modo a dar visibilidade a ele. A agenda de pesquisa é muito com- da definição de prioridades. Por isso, a
plexa porque, por exemplo, a redução discussão da agenda de prioridades de
Qual é o quadro atual dessas doenças das doenças infecciosas não se dá da pesquisa em saúde é tão importante. É
no Brasil? mesma maneira em todas as regiões essencial sua atualização pelo ministério,
Tuberculose, hanseníase e leish- do país. A aids tem sido reduzida no regularmente a cada dois, três, quatro
manioses são as que preocupam mais, Brasil de modo geral por uma adequada anos. O ministério está atualizando agora
mas existe um conjunto de outras — política de controle, mas no Nordeste a agenda que saiu em 2005.
Chagas, filariose, oncocercose. Algumas está aumentando. Esse é apenas um dos
não podem ser erradicadas, na medida aspectos que temos de considerar na Se não é possível erradicar todas es-
em que interpõem ciclos complexos de sas doenças, quais seriam as metas
transmissores, de vetores, mas podem de controle a se atingir?
ser controladas com boas políticas. Mais Existe um protocolo firmado com
de 100 milhões de brasileiros ainda con-
vivem com essas doenças. Dois milhões
Não podemos ficar a Organização Pan-Americana da Saúde
referente a todas as doenças que são
têm esquistossomose, 500 mil têm leish- à mercê da vontade passíveis de controle em curto e médio
manioses, quatro milhões são portadores prazos, que inclui a identificação das
de doença de Chagas crônica, mais de de indústrias lacunas de conhecimento.
75 mil, de hanseníase, e 93 milhões têm farmacêuticas
outras verminoses. Registram-se 300 mil Toda essa discussão toca na partici-
novos casos de malária por ano. O Brasil internacionais e pação da saúde no desenvolvimento
tem dado passos grandes no controle da
países desenvolvidos.
econômico do país...
transmissão vetorial da esquistossomose No governo Lula, a saúde foi in-
e da doença de Chagas, tendo o trata-
mento dos casos crônicos como desafio
A ideia é inverter a cluída na agenda de desenvolvimento
econômico — o complexo produtivo e
maior nesse campo. Já as leishmanioses lógica de quem define industrial da saúde e todo o movimen-
e a tuberculose não estão tão bem con- to de recursos, de volume de pessoas
troladas. É preciso identificar nossas fra- a prioridade trabalhando, de aportes de serviços e
gilidades e enfrentá-las adequadamente: de novos produtos que envolvem o con-
pautá-las como políticas públicas, com junto da saúde. Costuma-se dizer que,
necessidade de financiamento tanto complexidade que é este país. Outro é a se as importações do Brasil parassem
para pesquisa quanto para intervenção superposição de doenças infecciosas com hoje, teríamos uma parada completa de
em campo. doenças crônicas: há cardiopatas com todos os CTIs e de todos os laboratórios
doença de Chagas que têm hipertensão e de diagnóstico, pois todo o material é
Como está esse debate no mundo? obesidade. Seria ótimo se uma [crônica] importado. É um grau de dependência
Essa não é uma preocupação só do existisse sem a outra [infecciosa], mas muito forte que o país tem e, evidente-
Brasil, mas mundial. A Organização Mun- quando registramos as duas precisamos mente, todas essas necessidades devem
dial da Saúde está trabalhando em um lutar nas duas frentes. As ações do Bra- entrar na agenda do desenvolvimento.
relatório global sobre o impacto dessas sil para reduzir as doenças infecciosas Nós temos que falar dessa questão, da
doenças em todo o mundo e sobre as têm sido muito produtivas, a curva geração de pobreza a partir das doen-
prioridades de pesquisas. Esse trabalho descendente é clara. Eram a segunda ças, com os interlocutores do campo do
dura mais de dois anos e envolve cerca causa de mortalidade infantil e já não desenvolvimento econômico.
de 150 especialistas. Eles listaram 15 são mais; foram tão bem controladas
doenças que devem ser foco dos governos no atendimento natal e perinatal que E quanto à participação da saúde
em países endêmicos. O grande problema hoje a segunda causa de mortalidade para a erradicação da miséria?
é: não podemos ficar à mercê da vontade infantil são as doenças genéticas, as más A miséria é o determinante central
de indústrias farmacêuticas internacio- formações congênitas, com incidência da saúde de qualquer povo, seja na
nais e países desenvolvidos de investir que antes parecia pequena devido à Índia, na China, no Brasil ou no Haiti.
nessas doenças. Elas não são prioridade mortalidade por infecções no primeiro Então, todas as políticas que controla-
para um conjunto de países no mundo. A ano de vida. Mas não se pode desligar o rem ou reduzirem a miséria em um país
ideia é inverter a lógica de quem define alarme: é preciso olhar a saúde como um são promotoras de saúde, numa ligação
a prioridade. Até agora, essas doenças problema complexo, sistêmico, com toda absolutamente direta. As políticas para
foram negligenciadas na agenda de in- diversidade que se tem no país. melhoria das condições de saúde também
vestigação, de desenvolvimento de novos têm impacto no desenvolvimento social.
medicamentos, novas estratégias e novas O que falta para a pesquisa nessa É uma roda, é um circulo. Por isso é que
abordagens ou mesmo de aplicação de área: investimento, prioridade? eu digo que essa não é só uma questão
abordagens adequadas já existentes. Às Um pouco dos dois. A prioridade de causa e efeito, é uma inter-relação.
vezes já se tem a solução, mas não se dita o investimento, mas quem dita Para controlarmos, temos que olhar a
consegue o controle. É preciso trabalhar a prioridade? Essa é a discussão. Em partir de todos os ângulos.
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Serviço

EVENTO tein e Célia Leitão Ramos, oferece de Mônica Bara


a estudantes, docentes, pesquisado- Maia, analisa a re-
63ª Reunião Anual da SBPC res e profissionais da área da saúde lação paradoxal da
coletiva um panorama abrangente melhoria dos indi-
dos principais debates contemporâ- cadores da saúde
neos em torno do tema. Os caminhos das mulheres com
da pesquisa em saúde coletiva, a falta de evidên-
questões conceituais, a procura de cias na melhoria
validade metodológica, a polêmica da mortalidade ma-
entre diferentes disciplinas e o con- terna no Brasil. Tomando como base
fronto entre diversos paradigmas, o caso da rede hospitalar de Belo
teorias e abordagens estão entre Horizonte, a autora traz neste livro
os tópicos discutidos no livro. A uma investigação sistemática sobre
obra também busca responder às como disputas em torno do modelo
necessidades das diversas fases de de assistência ao parto tornam-se
pesquisa, da elaboração do projeto obstáculos para a implementação

A 63ª edição da Reunião Anual


da Sociedade Brasileira para o
Progresso da Ciência (SBPC) tem
à apresentação dos resultados. A
coletânea põe em xeque os atuais
critérios, ainda basicamente quan-
de uma política que considere mais
o papel da mulher e minimize os im-
pactos negativos de uma excessiva
como tema central Cerrado: água, titativos, utilizados para medir a hospitalização do processo, forne-
alimento e energia. Realizado desde produtividade em pesquisa. O livro, cendo, assim, valiosos indicadores
1948, o encontro é importante meio com 238 páginas, provoca no leitor a para uma efetiva humanização do
de difusão dos avanços da ciência tensão de combinar conhecimentos parto no Brasil.
nas diversas áreas do conhecimento sem banalizá-los.
e um fórum de debate de políticas
públicas em ciência e tecnologia Saúde e trabalho
(C&T). Composta por conferências, Direitos Humanos
simpósios, mesas-redondas, encon- Biossegurança –
tros, sessões especiais, minicursos Direitos e Ajuda uma abordagem
e sessões de pôsteres para apre- Humanitária: pers- multidisciplinar
sentação de trabalhos científicos, a pectivas sobre (Editora Fiocruz),
reunião é aberta ao público, princi- família, gênero organizado pelos
palmente, estudantes, pesquisado- e saúde (Editora pesquisadores da
res, técnicos e gestores públicos e Fiocruz), organiza- Fiocruz Pedro Tei-
privados. Paralelamente, realiza-se do por Jaqueline xeira e Silvio Valle,
a SBPC Jovem (programação voltada Ferreira e Patrice trata da evolução das abordagens
para estudantes da Educação Bási- Schuch, é uma co- em saúde e trabalho, discutindo a
ca), a ExpoT&C (mostra de ciência letânea dirigida a todos que se inte- política de biossegurança e a gestão
e tecnologia) e a SBPC Cultural ressam pela interface entre ciências da qualidade e das inter-relações
(atividades artísticas regionais). As sociais e direitos humanos. O livro que se devem manter com o tema.
inscrições estão abertas. tem como um dos objetivos refletir Em sua segunda edição, a publica-
Data 10 a 15 de julho sobre a aplicação de direitos com ção tem 22 capítulos que abordam
Local Universidade Federal de Goiás, o humanitarismo atual e apresenta a biossegurança entendida como
Goiânia, GO. uma série de estudos, a maioria, de proteção ao trabalhador de saúde
Mais informações cunho etnográfico, sobre práticas na pesquisa e na assistência, pas-
Site www.sbpcnet.org.br/goiania/ sociais que articulam os discursos sando por áreas diversas como riscos
home/ de direitos e os valores da ajuda biológicos, hepatite B como doença
humanitária. Problemas sociais, ocupacional, esterilização química,
PUBLICAÇões como pobreza e discriminação, e proteção radiológica e organização
novas formas de intervenção sobre dos laboratórios de saúde pública.
Saúde Coletiva eles, provenientes da ação estatal, O livro põe em discussão, ainda, as
jurídica, de ajuda humanitária ou consequências da biotecnologia.
Pesquisa em saúde de organizações da sociedade civil,
coletiva: fronteiras, também são abordados na obra.
objetos e métodos
(Editora Fiocruz) , E ndereço
organizado por Vir- Maternidade como questão pública
ginia Alonso Hortale, Editora Fiocruz
Humanização do Parto: política pú- Tel. (21) 3882-9039 e 3882-9006
Carlos Otávio Fiúza
Email editora@fiocruz.br
Moreira, Regina Cele blica, comportamento organizacional Site www.fiocruz.br/editora
de Andrade Bods- e ethos profissional (Editora Fiocruz),
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Pós-tudo

‘Cegueira seletiva’ enxerga


produtos e esconde necessidades
poder constitutivo do controle social e culpada por essa situação de desinforma-
Adriano De Lavor
suas instâncias. Ausente nas conferên- ção, que também reflete as disputas na

Q
cias e negligente com os conselhos de esfera política e econômica; ou, ainda,
uando a pesquisa do Ipea saúde, a grande mídia segue utilizando subestimar o poder de reflexão do povo
aponta que parte dos brasilei- seu discurso denunciatório sobre a ine- brasileiro, que não é mero receptor de
ros não se considera usuária ficácia do que é público na saúde para, notícias. O que se tenta compreender é
do Sistema Único de Saúde, repetidamente, ignorar agentes políticos como se forjou uma imagem midiática
a primeira suspeita é que há algo de e condenar à invisibilidade tudo aquilo tão sólida de ineficiência pública que faz
errado na divulgação do sistema para que concorre com a esfera dos negócios, com que aquilo que existe, comprovada-
a população. Mas será mesmo esta a sempre bem iluminada pelas embalagens mente funciona e está à disposição da
única causa do desconhecimento? Na e pesquisas de produto. Enquanto isso, população seja reduzido a uma derrotada
discussão que propõe sobre invisibilida- o discurso desqualifica o que ainda está política para os pobres.
de social, o cientista político Luiz Edu- por construir e que carece da ampla Conquista da mobilização do povo
ardo Soares coloca que indiferença e brasileiro no processo de redemocra-
preconceito anulam a pessoa por meios tização e fruto de um movimento que
opostos: enquanto a primeira ignora a vislumbrou um novo projeto para o país,
sua presença, o segundo “corresponde mais justo e igualitário, o Sistema Único
a uma hipervisibilidade, que ilumina de Saúde universalizou o direito à saúde
uma imagem artificial e pré-construída, no Brasil, antes restrito aos que tinham
obscurecendo a individualidade da pes- a sorte de ter uma carteira de trabalho
soa, mantida na penumbra”. assinada. Mas o quadro que pintam sobre
Difícil não reconhecer o próprio ele nos meios de comunicação de grande
SUS nesta condição. Mesmo o cidadão consumo não utiliza, de seus arquivos,
que utiliza a saúde suplementar para outras imagens que não sejam as da
cuidar de sua família é usuário do SUS. ineficácia e a da ineficiência. A seleção
Basta observar o preparo de um inocente daquilo que estampa as manchetes joga
churrasco de domingo: a carne terá sido para fora das páginas e dos comentários
vistoriada pela Vigilância Sanitária, o d.m.
o que não interessa que seja visto.
desinfetante para higienizar o ambiente, mobilização social para que se cumpra Dentro desta estratégia de mos-
também. Assim como o protetor solar como direito de todos e dever do Estado. trar e esconder fatos, motivos e
usado pela criança, o perfume compra- De um lado, a hipervisibilidade de versões, a partir do uso de estigmas
do para esposa e o analgésico que se suas limitações; de outro, a negligência e negligências, deduz-se que não é o
acredita amenizar a ressaca. Um simples em relação às boas práticas que oferece. Sistema Único de Saúde que é invisível;
almoço cotidiano, para ser saudável, não Observar o que se noticia revela um hia- o modo que a sociedade o enxerga é de
prescinde de normas, serviços e profis- to entre o que se diz sobre o sistema e tal modo desviado, que ele somente
sionais do SUS. o que ele realmente é. Nesse contexto, se torna visível quando alvo das câ-
Seja para o rico, seja para o pobre, falar sobre o SUS implica supervalorizar meras de televisão — portadoras de
é o SUS quem financia todas estas ações. filas apinhadas de sofrimentos, instala- uma espécie de cegueira seletiva que
Mesmo reconhecendo que condições ções carentes de reforma e profissionais valoriza apenas as iniciativas privadas,
políticas e econômicas também contri- ausentes de seus postos; reforçar a ideia mais afeitas ao espetáculo sensorial
buem para a formação de sua imagem, de que tudo aquilo é coisa de pobre dos meios e conexões que constroem
o SUS é vítima de preconceito, apresen- e despesa inútil para o contribuinte. o cenário da mídia atual.
tado pela mídia comercial como cenário Ao mesmo tempo, as narrativas de- Neste sentido, é a própria saú-
exclusivo de iniquidades, destino irrevo- monstram indiferença em relação aos de que se torna invisível, ofuscada
gável de cidadãos de segunda classe que avanços do sistema, ignorando a oferta pelos holofotes especializados em
não podem consumir bens de saúde. O gratuita de procedimentos de alta iluminar artigos para o consumo. No
reflexo desta imagem estereotipada é complexidade que salvam vidas ou o tempo das vitrines on line e on time,
a exclusão de suas qualidades da cena conhecimento produzido em institui- os produtos se tornam mais visíveis
discursiva midiática. ções de pesquisa, por exemplo. que as necessidades.
Desaparece dos olhos da audiência, Convém esclarecer que não há in-
por exemplo, o que há de mais caro tenção, nesta rápida análise, de duvidar * Adriano De Lavor é jornalista da Radis e
em sua essência, que é a participação das carências ou justificar incorreções em doutorando no Programa de Pós-Graduação
popular. Raríssimas são as pautas ou qualquer dos serviços; nem demonizar o em Informação, Comunicação e Saúde (PP-
coberturas jornalísticas que abordam o papel da mídia, como se fosse a exclusiva GICS) no Icict/Fiocruz

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