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A Liberação do
Espírito

Watchman Nee

Publicação da
CLC Editora
Caixa Postal 700
12.200 São José dos Campos (SP)

Título do original em inglês


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THE RELEASE OF THE SP1RIT

1ª edição brasileira — agosto 1983


10.000 exemplares

Tradução de
GORDON CHOWN

Capa de Hermany Rosa Vieira

Número de código para pedidos: 020.04003-8


Publicado no Brasil com a devida autorização de Sure Foundations
Inc., Coverdale, Indiana, U.S.A. e com todos os direitos reservados em
português pela

Publicação da
CLC Editora
Caixa Postal 700
12.200 São José dos Campos (SP)

ÍNDICE
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Introdução ..............................................................................................07

1. A Importância do Quebrantamento ..................................................09

2. Antes e Depois do Quebrantamento ................................................14

3. Reconhecendo "a Coisa em Matos" ..................................................19

4. Como Conhecer o Homem ................................................................23

5. A Igreja e a Obra de Deus .................................................................33

6. O Quebrantamento e a Disciplina .....................................................60

7. A Separação e a Revelação ................................................................33

8. Que Impressão Damos? .....................................................................43

9. A Meiguice e o Quebrantamento ......................................................47

10. Dois Caminhos Muito Diferentes ....................................................50

PREFÁCIO DA EDIÇÃO EM INGLÊS


Ao lermos este manuscrito ficamos impressionados pelo fato de ser ele
uma mensagem vital que precisa ser compartilhada e conhecida por todos os
que pertencem ao Senhor e O buscam mais, e anseiam por ser um canal para a
Sua Vida. Não se pode ler muito desta matéria sem chegar a sentir o anseio e a
oração de Watchman Nee para que a Igreja conheça o Senhor da maneira mais
integral, que o povo de Deus seja cada vez mais frutífero para Ele, que Ele

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ache um mínimo de impedimento em nós, e que Ele possa ser plenamente
liberado através do nosso espírito vivificado e controlado.
Certamente é esta a hora em que o campo da batalha está na alma. Ao
passo que o Senhor está procurando trabalhar através do espírito vivificado,
Satanás está procurando trabalhar através da vida natural, a da alma que não
foi submetida ao controle do Espírito.
Durante seus muitos anos de labutar com cooperadores, o Irmão Nee viu
claramente a necessidade total do quebrantamento. É quase como se ele
estivesse pessoalmente aqui em nosso cenário religioso, sentindo a grande
necessidade do quebrantamento entre os cooperadores cristãos. Talvez haja
alguns que são despreparados para uma dose tão amarga de remédio
espiritual, mas cremos que qualquer pessoa com discernimento e fome
concordará que o romper dos poderes da alma é imperativo, se é que o espírito
humano deva expressar a Vida do Senhor Jesus.
Nesta hora presente, em que o cenário religioso está ocupado com o
subjetivismo e as experiências emocionais, parece ainda mais importante que
cada um dos filhos de Deus compreenda sua constituição básica e a função do
seu espírito, da sua alma e do seu corpo. Para aqueles que realmente estio
prosseguindo para o prémio, para a soberana vocação, esta é,
verdadeiramente, uma verdade altamente imperativa. Confiamos, portanto,
que esta mensagem chegará a todas as partes do Corpo de Cristo e leve a
efeito, uma liberação da Sua vida. Que assim seja, para Sua eterna glória,
louvor e honra!

Os Editores

INTRODUÇÃO
Para o leitor apreciar devidamente estas lições, talvez sejam úteis
algumas declarações preparatórias:

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Primeiramente, devemos ficar acostumados com a terminologia que o
Irmão Nee emprega. Escolheu chamar o espírito do homem de "homem
interior"; à alma do homem, chama de "homem exterior" e para o corpo
emprega o termo "homem periférico." No diagrama retraíamos este fato. Será
útil, também, reconhecer que Deus, ao planejar o homem originalmente,
pretendeu que o espírito do homem fosse Seu lar ou Sua residência. Assim, o
Espírito Santo, formando uma união com o espírito humano, deveria governar a
alma, e o espírito e a alma, usariam o corpo como meio de expressão.

Diagrama

corpo Homem
Periférico

alma Homem
Exterior

espírito Homem
Interior

Em segundo lugar, quando Watchman Nee fala em destruir a alma, talvez


pareça que está usando uma palavra demasiadamente forte, como se fosse
subentender o extermínio dela. Na realidade, a substância total da sua
mensagem claramente indica que a alma, ao invés de funcionar
independentemente, deve tornar-se o instrumento ou vaso do espírito. Desta
maneira, é a ação independente da alma que deve ser destruída. T. Austin-
Sparks indicou com sabedoria:

"Devemos tomar cuidado para que, ao reconhecermos o fato de que a


alma tem sido seduzida, levada ao cativeiro, escurecida e envenenada com
seus próprios interesses, não a consideremos como algo a ser exterminado e
destruído nesta vida. Isto seria o asceticismo, uma forma de budismo. O
resultado de qualquer comportamento deste tipo usualmente não passa de
outra forma de uma doutrina da alma em grau exagerado; talvez o ocultismo.
A totalidade da nossa natureza humana está em nossa alma, e se a natureza
for suprimida numa direção, tomará vingança numa outra direção. É
exatamente o problema de muitas pessoas, se somente o soubessem. Há uma
diferença entre uma vida de supressão e uma vida de serviço. A submissão, a
sujeição e a posição de Servo no caso de Cristo, diante do Pai, não era uma
vida de destruição da alma, mas, sim, de descanso e de deleite. A escravidão,
no mau sentido, é o destino dos que vivem inteiramente na sua própria alma.
Precisamos revisar nossas ideias acerca do serviço, pois está ficando cada vez
mais comum pensar que o serviço é cativeiro e escravidão, quando, na
realidade, é uma coisa divina. A espiritualidade não é uma vida de supressão.
Esta é negativa. A espiritualidade é positiva; é uma vida nova e adicional, não
a vida antiga, lutando para obter o domínio de si mesma."

Em terceiro lugar, devemos ver como é necessário que a alma receba um


golpe fatal mediante a morte de Cristo, quanto às suas forças próprias e
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autogoverno. É como no caso de Jacó: depois de Deus o ter tocado, passou o
resto da sua vida manquejando. Isto ilustraria claramente que sempre deve
ficar registrado na alma o fato de que não pode nem deve agir a partir de si
mesma como sendo a fonte. Mais uma vez, T. Austin-Sparks escreve: "Como
um instrumento, a alma deve ser conquistada, dominada e regida com relação
aos caminhos mais sublimes e diferentes de Deus. É mencionada tão
frequentemente nas Escrituras como sendo algo sobre o qual devemos obter e
exercer a autoridade.” Por exemplo:

"É na vossa perseverança que ganhareis as vossas almas."


Lucas21:19
"Tendo purificado as vossas almas, pela vossa obediência à verdade."
1 Pedro 1:22
"O fim da vossa fé, a salvação das vossas almas."
1 Pedro 1:9

Finalmente, nestas lições, devemos ver por que Watchman Nee insiste
que a alma (o homem exterior) seja quebrantada, dominada, e renovada para
o espírito usá-lo. T. Austin-Sparks disse:

"Quer já tenhamos a capacidade de aceitá-lo, quer não, o fato é que se


vamos avançar com Deus de modo integral, todas as capacidades e energias
da alma para saber, compreender, sentir e fazer, chegarão ao fim, e nós —
naquele lado — ficaremos desnorteados, estonteados, paralisados e incapazes.
Somente então, a compreensão, o constrangimento e a energia, novos,
diferentes e divinos, nos impulsionarão para a frente ou manter-nos-ão em
andamento. Em tais tempos, teremos de dizer a nossa alma: "Somente em
Deus, ó minha alma, espera silenciosa (SI 62:5); e "Ó minha alma, vem comigo
seguir ao Senhor." Mas quanta alegria e fortaleza, é quando, depois da alma
ter sido constrangida para entregar-se ao espírito, a sabedoria e glória mais
sublimes são percebidas na sua vindicação. É então que "A minha alma
engrandece ao Senhor, e o meu espírito se alegrou em Deus, meu Salvador"
(Lucas 1: 46). O espírito fêz alguma coisa, a alma a faz — note os tempos dos
verbos.
Deste modo, a alma é essencial para a plenitude da alegria, e DEVE ser
trazida através da escuridão e da morte da sua própria capacidade a fim de
aprender as realidades mais altas e profundas para as quais o espírito é o
primeiro órgão e faculdade." *

Ao chegarmos perto do fim destas lições, teremos achado o segredo da


vida frutífera para ELE. Não caia na armadilha, conforme tantas pessoas
caíram, de procurar reprimir sua alma ou desprezá-la; seja, pelo contrário, forte
de espírito, de modo que sua alma seja ganha, salva e levada a servir à Sua
plena alegria. O Senhor Jesus determinou que achemos descanso para as
nossas almas - e isto, diz Ele , vem por meio do Seu jugo, - o símbolo da união
e do serviço. Apreciaremos, então, como a alma acha seu maior valor em
servir, não em dominar. É verdade que, até que seja quebrantada, a alma quer
ser "senhor". Através da Cruz, pode tornar-se um "servo" muito útil.

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* (Citações de WHAT IS MAN, de T. Austin-Sparks)

CAPÍTULO 1

A IMPORTÂNCIA DO QUEBRANTAMENTO
Qualquer pessoa que serve a Deus descobrirá, mais cedo ou mais tarde,
que o grande impedimento para a sua obra não são outras pessoas mas, sim,
ela mesma. Descobrirá que seu homem exterior e seu homem interior não
estão em harmonia, pois os dois tendem para direções opostas. Sentirá,
também, a incapacidade do seu homem exterior submeter-se ao controle do
espírito, tornando-o, assim, incapaz de obedecer aos mandamentos mais
sublimes de Deus. Perceberá rapidamente que a maior dificuldade acha-se no
seu homem exterior, pois este o impede de fazer uso do seu espírito.
Muitos dos servos de Deus nem sequer conseguem fazer as obras mais
elementares. Normalmente, devem ser capacitados pelo exercício do seu
espírito a conhecer a palavra de Deus, a discernir a condição espiritual doutra
pessoa, entregar as mensagens de Deus com unção e receber as revelações de
Deus. Mesmo assim, devido às distrações do homem exterior, parece que seu
espírito não funciona apropriadamente. É basicamente porque seu homem
exterior nunca foi tratado. Por esta razão, o reavivamento, o zelo, o implorar e
as atividades não passam de um desperdício de tempo. Conforme veremos, há
apenas um só tratamento que pode capacitar o homem a ser útil diante de
Deus: o quebrantamento.

O Homem Interior e o Homem Exterior

Note como a Bíblia divide o homem em duas partes: "Porque, no tocante


ao homem interior, tenho prazer na lei de Deus" (Rm 7: 22). Nosso homem
interior deleita-se na Lei de Deus. ". . . que sejais fortalecidos com poder,
mediante o seu Espírito no homem interior" (Ef 3:16). E Paulo também nos
informa: "Mesmo que o nosso homem exterior se corrompa, contudo o nosso
homem interior se renova de dia em dia" (2 Co 4:16).
Quando Deus vem habitar em nós mediante o Seu Espirito, a Sua vida e o
Seu poder, entra em nosso espírito, que estamos chamando de "homem
interior." Fora deste homem interior há a alma, na qual funcionam nossos
pensamentos, nossas emoções e nossa vontade. O homem periférico é nosso
corpo físico. Assim, falaremos do homem interior como sendo o espírito, do
homem exterior como sendo a alma, e do homem periférico como sendo o
corpo. Nunca devemos nos esquecer de que nosso homem interior é o espírito
humano onde Deus habita, onde Seu Espírito Se combina com nosso espírito.
Assim como nós vestimos roupas, assim também nosso homem interior "veste"
um homem exterior: o espírito "veste" a alma. E, de modo semelhante, o
espírito e a alma "vestem" o corpo. Está bem evidente que os homens
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geralmente estão mais conscientes do homem exterior e do periférico, e
dificilmente reconhecem ou entendem seu espírito, de modo algum.
Devemos saber que aquele que pode trabalhar para Deus, é aquele cujo
homem interior pode ser liberado. A dificuldade básica de um servo de Deus
acha-se no fracasso do homem interior de irromper pelo homem exterior. Logo,
devemos reconhecer diante de Deus que a primeira dificuldade que
enfrentamos na obra não está nos outros mas, sim, em nós mesmos. Nosso
espírito parece estar embrulhado num invólucro de modo que não pode
facilmente irromper de lá. Se nunca aprendemos como liberar nosso homem
interior por meio de irromper pelo homem exterior, não temos capacidade de
servir. Nada pode estorvar-nos tanto quanto este homem exterior. Se nossas
obras são frutíferas ou não, depende de se nosso homem exterior foi
quebrantado pelo Senhor de modo que o homem interior possa passar pelo
quebrantamento e se manifestar. Este é o problema básico. O Senhor deseja
quebrar nosso homem exterior a fim de que o homem interior possa ter uma
via de saída. Quando o homem interior for liberado, tanto os descrentes quanto
os cristãos serão abençoados.

A Natureza Tem Sua Maneira de Quebrar

O Senhor Jesus conta-nos em João 12: "Se o grão de trigo, caindo na


terra, não morrer, fica ele só; mas se morrer, produz muito fruto." A vida está
no grão de trigo, mas há uma casca, uma casca muito dura, no lado de fora.
Enquanto aquela casca não for rachada e aberta, o trigo não pode brotar nem
crescer. "Se o grão de trigo, caindo na terra, não morrer . . ." Que morte é
essa? É o arrombar da casca mediante a cooperação da temperatura e da
umidade no solo. Uma vez que a casca é fendida e aberta, o trigo começa a
crescer. Então, a questão aqui não é se há vida dentro, mas, sim, se a casca
externa foi rachada.
A Escritura continua, dizendo: "Quem ama a sua vida (Grego, alma)
perde-a; mas aquele que odeia a sua vida (Grego, alma) neste mundo,
preservá-la-á para a vida eterna" (v. 25). O Senhor nos mostra aqui que a casca
externa é nossa própria vida (a vida da nossa alma), ao passo que a vida
interior é a vida eterna que Ele nos deu. Para permitir que a vida interior se
manifeste, é imperativo que a vida exterior seja substituída. Se o exterior
permanecer intato, o interior nunca poderá aparecer.
É necessário (neste escrito) que dirijamos estas palavras para aquele
grupo de pessoas que possuem a vida do Senhor. Entre aqueles que possuem a
vida do Senhor podem ser achadas duas condições distintas: uma inclui
aqueles em que a vida é confinada, restringida, aprisionada e incapaz de se
manifestar; a outra inclui aqueles em que o Senhor forjou um caminho, e a vida
deles, portanto, é liberada.
A pergunta, pois, não é como obter a vida, mas, sim, como permitir que
esta vida apareça. Quando dizemos que temos necessidade de que o Senhor
nos quebrante, não é meramente um modo de falar, nem é apenas uma
doutrina. É vital que sejamos quebrantados pelo Senhor. Não é que a vida do
Senhor não possa cobrir a terra, mas, sim, que Sua vida está sendo aprisionada
por nós. Não é que o Senhor não possa abençoar a igreja, mas, sim, que a vida
do Senhor está tão confinada dentro de nós que não se manifesta. Se o homem
exterior permanecer intato, nunca poderemos ser uma bênção para a Sua

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igreja, e não podemos esperar que a palavra de Deus seja abençoada através
de nós!

O Vaso de Alabastro Deve Ser Quebrado

A Bíblia conta acerca do nardo puro. Deus, deliberadamente usou este


termo "puro" na Sua palavra para mostrar que é verdadeiramente espiritual.
Mas se o vaso de alabastro não for quebrado, o nardo puro não fluirá. Por
estranho que pareça, muitos ainda estão valorizando demasiadamente o vaso
de alabastro, pensando que seu valor excede o do unguento. Muitos pensam
que seu homem exterior é mais precioso do que seu homem interior. Este fica
sendo o problema na igreja. Uma pessoa tem em grande estima sua
habilidade, pensando que é bem importante; outra valoriza suas próprias
emoções, e se estima como pessoa importante; outras têm alta consideração
por si mesmas, e sentem que são melhores do que as demais, que sua
eloquência ultrapassa a das demais, que sua rapidez de ação e exatidão de
julgamento são superiores, e assim por diante. Nós, porém, não somos
colecionadores de antiguidades; somos aqueles que desejamos cheirar
somente a fragrância do unguento. Sem quebrar o exterior, o interior não
surgirá. Deste modo, individualmente não temos qualquer fluir, como também
a igreja não tem um caminho vivo. Por que, pois, devemos considerar-nos tão
preciosos, se nosso interior retém a fragrância, ao invés de liberá-la?
O Espírito Santo não cessou de operar. Um evento após outro, uma coisa
após outra, vem a nós. Cada operação disciplinar tem um só propósito: quebrar
nosso homem exterior a fim de que nosso homem interior possa se manifestar.
Aqui, porém, está nossa dificuldade: ficamos impacientes por causa de
ninharias, murmuramos diante de perdas de pequena monta. O Senhor está
preparando um modo de usar-nos, mas, mal Sua mão nos tocou, sentimo-nos
infelizes, até ao ponto de contendermos com Deus e de nos tornarmos
negativos em nossas atitudes. Desde que fomos salvos, fomos tocados várias
vezes e de várias maneiras pelo Senhor, e tudo com o propósito de quebrar
nosso homem exterior. Quer tenhamos consciência disto, quer não, o alvo do
Senhor é quebrar este homem exterior.
Desta maneira, o Tesouro está no vaso de barro, mas se o vaso de barro
não for quebrado, quem poderá ver o Tesouro que está dentro? Qual é o
objetivo final da operação do Senhor em nossas vidas? É quebrar este vaso de
barro, é quebrar nosso vaso de alabastro, é arrombar nossa casca. O Senhor
anseia por achar um meio de abençoar o mundo através daqueles que
pertencem a Ele. O quebrantamento é o caminho da benção, o caminho da
fragrância, o caminho da frutificação, mas também é um caminho salpicado de
sangue. Sim, há sangue de muitas feridas. Quando nos oferecemos ao Senhor
para fazer a Sua obra não podemos nos dar ao luxo da morosidade de nos
pouparmos. Devemos deixar que o Senhor rache totalmente nosso homem
exterior, de modo que Ele possa achar um caminho para Suas operações.
Cada um de nós deve descobrir para si mesmo qual é a mente do Senhor
para sua vida. É um fato muitíssimo lamentável, que muitos não sabem qual é
a mente ou intenção do Senhor para suas vidas. Quanto mais precisam de que
Ele abra os seus olhos, para ver que tudo quanto entra nas suas vidas pode ler
significado. Entender o propósito do Senhor é ver muito claramente que Ele
visa um único objetivo: o quebrantamento do homem exterior.

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Muitas pessoas, no entanto, antes mesmo que o Senhor erga Sua mão, já
estão aflitas. Oh! devemos reconhecer que todas as experiências, problemas e
provações que o Senhor nos envia são para nosso bem supremo. Não podemos
esperar que o Senhor nos dê coisas melhores, pois estas são as melhores. Se
alguém se aproximasse do Senhor, e orasse, dizendo: "Ó Senhor, por favor,
deixa-me escolher o melhor," creio que Ele lhe diria: "Aquilo que Eu te dei é o
melhor; tuas provações diárias são para teu máximo proveito." Assim, o motivo
por detrás de toda a providência de Deus é quebrantar nosso homem exterior.
Uma vez que isto ocorre e o espírito pode fluir, então, começamos a exercitá-lo.

A Cronologia em Nosso Quebrantamento

O Senhor emprega dois meios diferentes para quebrar nosso homem


exterior; um é paulatino, o outro é repentino. Para alguns, o Senhor dá um
quebrantamento súbito seguido por um paulatino. Com outros, o Senhor dispõe
para que tenham provações diárias constantes, até que, um dia, leva a efeito
um quebrantamento em grande escala. Se não for o repentino primeiro, e
depois o paulatino, então, é o paulatino seguido pelo repentino. Parece que o
Senhor normalmente trabalha conosco durante vários anos antes de poder
realizar esta obra de quebrantamento.
A cronologia está na mão dEle. Não podemos encurtar o tempo, embora
certamente o possamos prolongar. Em algumas vidas, o Senhor pode realizar
esta obra depois de uns poucos anos de trato; noutras, é evidente que depois
de dez ou vinte anos a obra ainda está incompleta. Isto é muito sério! Nada é
mais lastimável do que desperdiçar o tempo de Deus. Quão frequentemente a
igreja é atrapalhada! Podemos pregar com o uso da nossa mente, podemos
comover os outros com o uso das nossas emoções; mas se não sabemos usar
nosso espírito, o Espírito de Deus não poderá tocar as pessoas através de nós.
A perda será grande, se prolongarmos desnecessariamente o tempo.
Logo, se nunca antes nos consagramos de modo total e inteligente ao
Senhor, façamo-lo agora, dizendo: "Senhor, para o futuro da igreja, para o
futuro do evangelho, para o Teu caminho, e também para minha própria vida,
ofereço-me sem condições, sem reservas, nas Tuas mãos. Senhor, deleito-me
em oferecer-me a Ti e estou disposto a deixar-Te fazer toda a Tua vontade
através de mim."

O Significado da Cruz

Ouvimos falar frequentemente acerca da cruz. Talvez estejamos por


demais familiarizado com o termo. Mas o que é a cruz, afinal das contas?
Quando realmente compreendermos a cruz, veremos que significa o
quebrantamento do homem exterior. A cruz reduz o homem exterior à morte;
racha a casca humana e a abre. A cruz deve quebrar tudo quanto pertence ao
nosso homem exterior — nossas opiniões, nossos modos, nossa habilidade,
nosso amor-próprio, nosso tudo. O caminho está claro, claro mesmo como o
cristal.
Tão logo que nosso homem exterior é destruído, nosso espírito pode sair
facilmente para fora. Considere certo irmão, como exemplo. Todos quantos o
conhecem reconhecem que tem uma mente aguçada, uma vontade dinâmica,
e profundas emoções. Mas, ao invés de ficarem impressionados por estas
características naturais da sua alma, reconhecem que se encontraram com seu
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espírito. Sempre que as pessoas estão tendo comunhão com ele, encontram
um espírito, um espírito limpo. Por que? Porque tudo quanto é da sua alma foi
destruído.
Tomemos como outro exemplo certa irmã. Todos aqueles que a conhecem
reconhecem que ela tem uma disposição pronta — rápida para pensar, rápida
para falar, rápida para confessar, rápida para escrever cartas, e rápida para
rasgar o que escreveu. Apesar disto, os que se encontram com ela não se
encontram com sua rapidez, mas sim, com seu espírito. Ela é uma pessoa que
foi totalmente destruída e que se tornou transparente.
Esta destruição do homem exterior é uma questão fundamental. Não
devemos apegar-nos às fracas características da nossa alma, ainda emitindo a
mesma fragrância, mesmo depois de o Senhor lidar conosco durante cinco ou
dez anos. Não: devemos deixar o Senhor forjar um caminho em nossas vidas.

Duas Razões para Não Ser Quebrantado

Por que é que, depois de muitos anos de trato, algumas pessoas


permanecem inalteradas? Alguns indivíduos têm uma vontade forte; alguns
têm emoções fortes; e outros têm uma mente forte. Visto que o Senhor pode
quebrantá-los, por que depois de muitos anos, alguns ficam sem
transformação? Cremos que há duas razões principais.
A primeira é que muitos que vivem nas trevas não estão vendo a mão de
Deus. Enquanto Deus está operando, enquanto Deus está destruindo, não
reconhecem que é da parte dEle. Estão destituídos de luz, e, somente veem
homens que se opõem a eles. Imaginam que se o meio-ambiente é realmente
difícil demais, que as circunstâncias são as culpadas. Assim, continuam nas
trevas e no desespero.
Que Deus nos dê uma revelação para ver o que é da mão dEle, a fim de
que nos ajoelhemos e Lhe digamos: "És Tu; visto que és Tu, eu aceitarei." Pelo
menos, devemos reconhecer de Quem é a mão que trata conosco. Não é mão
humana, nem a mão da nossa família, nem a dos irmãos e irmãs na igreja,
mas, sim, a de Deus. Precisamos aprender como nos ajoelhar e beijar a mão,
amar a mão que lida conosco, assim como fazia Madame Guyon. Precisamos
ter esta luz para ver, seja o que o Senhor fez, aceitamos e cremos; o Senhor
nada pode fazer de errado.
A segunda razão, outro grande impedimento à obra de quebrar o homem
exterior é o amor-próprio. Devemos pedir que Deus remova o coração do amor-
próprio. À medida em que Ele lida conosco em reposta à nossa oração,
devemos adorar e dizer: "Ó Senhor, se isto for da Tua mão, que eu o aceite do
meu coração." Lembremo-nos de que a única razão para todo mal entendido,
toda a irritação, todo o descontentamento, é que secretamente amamos a nós
mesmos. Assim, planejamos um modo mediante o qual podemos livrar a nós
mesmos. Muitas vezes, os problemas surgem porque procuramos uma via de
escape — uma fuga da operação da cruz.
Aquele que subiu à cruz e que se recusa a beber o vinho com fel é aquele
que conhece o Senhor. Muitos sobem à cruz com certa relutância, ainda
pensando em beber o vinho com fel para aliviar suas dores. Todos aqueles que
dizem: "Não beberei, porventura, o cálice que o Pai me deu?" não beberá do
cálice do vinho com fel. Somente podem beber um cálice, não dois. Estas
pessoas não têm qualquer amor-próprio. O amor-próprio é uma dificuldade
básica. Que o Senhor nos fale hoje de tal maneira que possamos orar: "Ó meu
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Deus, vi que todas as coisas vêm de Ti. Todos os meus caminhos estes cinco
anos, dez anos, ou vinte anos, são de Ti. Operastes de tal maneira que
atingistes Teu propósito, que não é outro senão que Tua vida seja vivida
através de mim. Mas eu fui tolo. Não vi. Fiz muitas coisas para escapar, e assim
adiei o Teu tempo. Hoje, vejo Tua mão. Estou disposto a me oferecer a Ti. Mais
uma vez coloco-me nas Tuas mãos."

Espere que Verá Feridas

Ninguém é mais belo do que alguém que está quebrantado! A teimosia e


o amor-próprio cedem lugar à beleza na pessoa que foi quebrantada por Deus.
Vemos Jacó no Antigo Testamento, como mesmo no ventre da sua mãe, lutava
com seu irmão. Era sutil, enganoso, traiçoeiro. Por isso, sua vida estava cheia
de tristezas e mágoas. Ainda jovem, fugiu do seu lar. Durante vinte anos foi
logrado por Labão. A esposa do amor de seu coração, Raquel, morreu
prematuramente. O filho do seu amor, José, foi vendido. Anos mais tarde,
Benjamin foi preso no Egito. Deus tratou com ele sucessivamente, e Jacó
encontrou infortúnio após infortúnio. Deus o feriu uma vez, duas vezes; na
realidade, sua história inteira pode ser descrita como sendo uma história de ser
ferido por Deus. Finalmente, depois de muitos tratamentos deste tipo, o
homem Jacó foi transformado. Durante seus últimos poucos anos, era bem
transparente. Quão nobre era sua resposta a Faraó! Quão belo foi seu fim,
quando adorou a Deus, apoiado no seu bordão! Quão claras eram suas
bênçãos pronunciadas sobre seus descendentes! Depois de ler a última página
da sua história, queremos curvar a cabeça e adorar a Deus. Aqui temos alguém
que está amadurecido, que conhece a Deus. Várias décadas de tratos tiveram
como resultado que o homem exterior de Jacó foi quebrantado. Na sua velhice,
o quadro é belo.
Cada um de nós tem boa parte da mesma natureza de Jacó em nós.
Nossa única esperança é que o Senhor marque um caminho para fora,
quebrando o homem exterior de tal maneira que o homem interior possa surgir
e ser visto. Isto é precioso, e é o caminho daqueles que servem ao Senhor.
Somente assim podemos servir; somente assim podemos levar os homens ao
Senhor. Tudo o mais está limitado quanto ao seu valor. A doutrina não tem
muita utilidade, nem a teologia. Qual é a utilidade do mero conhecimento
teórico da Bíblia se o homem exterior permanecer sem ser quebrantado?
Somente a pessoa através de quem Deus pode aparecer, é útil.
Depois de nosso homem exterior ter sido ferido, tratado, e levado por
várias provas, temos feridas em nós, e assim deixamos o espírito emergir-
Temos receio de encontrar alguns irmãos e irmãs cujo ser total permanece
intato, nunca tendo sido tratado e transformado. Que Deus tenha misericórdia
de nós, mostrando-nos claramente este caminho, e revelando-nos que é o
único caminho. Que Ele também nos mostre que nisto é visto o propósito de
todos os Seus tratos durante estes poucos anos, sejam dez ou vinte. Que
ninguém menospreze os tratos do Senhor. Que Ele nos revele verdadeiramente
o que significa o quebrantamento do homem exterior. Se o homem exterior
permanecesse integral, tudo estaria meramente em nossa mente, totalmente
inútil. Tenhamos esperança de que o Senhor venha a tratar de nós de modo
completo.

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CAPÍTULO 2

ANTES E DEPOIS DO QUEBRANTAMENTO


O quebrantamento do homem exterior é a experiência de todos aqueles
que servem a Deus. Deve acontecer antes que Ele possa nos usar de modo
eficaz.
Quando alguém está trabalhando para Deus, duas possibilidades podem
surgir. Primeiramente, é possível que, com o homem exterior intato, o espírito
da pessoa seja inerte e incapaz de funcionar. Se for uma pessoa habilidosa, sua
mente governa seu trabalho; se for uma pessoa compassiva, as emoções
controlam suas ações. Tal trabalho pode parecer bem sucedido, mas não pode
trazer as pessoas a Deus. Em segundo lugar, o espírito pode aparecer revestido
dos pensamentos ou das emoções da própria pessoa. O resultado é misturado
e impuro. Tal obra trará os homens para uma experiência mista e impura. Estas
duas condições enfraquecem nosso serviço a Deus.
Se desejarmos trabalhar de modo eficaz, devemos reconhecer que,
basicamente, "é o Espírito que vivifica." Mais cedo ou mais tarde — se não no
primeiro dia da nossa salvação, então, talvez dez anos mais tarde — devemos
reconhecer este fato. Muitos têm de ser trazidos ao fim da sua sabedoria e ver
o vazio da sua labuta antes de saberem quão inúteis são seus muitos
pensamentos, suas variadas emoções. Não importa quantas pessoas você pode
atrair com seus pensamentos ou emoções, o resultado vem a ser nada.
Finalmente devemos confessar: "É o Espírito que vivifica." Somente o Espírito
faz as pessoas viverem. O homem pode ser trazido para a vida somente pelo
Espírito. Muitas pessoas que servem ao Senhor chegam a enxergar este fato
somente depois de passarem por muita tristeza e muitos fracassos.
Finalmente, a palavra do Senhor passa a ter significado para elas: aquilo que
vivifica é o Espirito. Quando o espírito é liberado, os pecadores podem nascer
de novo e os santos podem ser estabelecidos. Quando a vida
é comunicada através do canal do espírito, aqueles que a recebem nascem de
novo. Quando a vida é fornecida através do espírito para os crentes, resulta em
serem estabelecidos. Sem o Espírito, não pode haver novo nascimento, nem
estabelecimento.
Uma coisa notável é que Deus não quer fazer distinção entre o Seu
Espírito e o nosso espírito. Há muitos lugares na Bíblia onde é impossível
determinar se a palavra "espírito" indica nosso espírito humano ou o Espírito de
Deus. Os tradutores bíblicos, desde Lutero até os estudiosos da atualidade que
labutaram nas versões, não conseguiram resolver se a palavra "espírito",
conforme é usada em muitos lugares no Novo Testamento, se refere ao espírito
humano ou ao Espírito de Deus.
Da Bíblia inteira, Romanos 8 é muito provavelmente o capítulo em que a
palavra "espírito" é empregada mais frequentemente. Quem pode discernir
quantas vezes a palavra "espírito" neste capítulo se refere ao espírito humano
e quantas vezes ao Espírito de Deus? Em várias versões existentes, a palavra
"pneuma" (espírito) às vezes é escrita com uma letra maiúscula; noutras
ocasiões, com uma letra minúscula. É evidente que estas versões não
concordam entre si, e a opinião de qualquer pessoa individualmente não é
definitiva. É simplesmente impossível distinguir. Quando, na regeneração,
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recebemos nosso novo espírito, recebemos o Espírito de Deus, também. No
momento em que nosso espírito humano é ressuscitado do estado da morte,
recebemos o Espírito Santo. Frequentemente dizemos que o Espírito Santo
habita em nosso espírito, mas achamos difícil discernir qual é o Espírito Santo e
qual é nosso próprio espírito. O Espírito Santo e nosso espírito se combinaram
tanto, que embora cada um seja individual, não são facilmente distinguidos.
Deste modo, a liberação do espírito, é a liberação do espírito humano,
bem como a do Espírito Santo, que está no espírito do homem. Visto que o
Espírito Santo e o nosso espírito, são unidos em um só (1 Co 6:17), podem ser
distinguidos somente no nome, e não no fato. E visto que a liberação de um
importa na liberação dos dois, outros podem tocar o Espírito Santo quando
tocam o nosso espírito. Graças a Deus porque à medida em que você deixa as
pessoas entrarem em contato com o seu espírito, deixa-as terem contato com
Deus. O seu espírito trouxe o Espírito Santo aos homens.
Quando o Espírito Santo está operando, precisa ser transportado pelo
espírito humano. A eletricidade numa lâmpada elétrica, não viaja como o raio.
Deve ser conduzida através de fios elétricos. Se você quiser usar a
eletricidade, precisa de um fio elétrico para trazê-la até você. De modo
semelhante, o Espírito de Deus faz uso do espírito humano para transmiti-Lo, e
através dele, Ele é trazido ao homem. Toda pessoa que recebeu a graça, tem o
Espírito Santo habitando no seu espírito. Se pode ser usado pelo Senhor, ou
não, depende, não do seu espírito, mas, sim, do seu homem exterior. A
dificuldade de muitas pessoas é que seu homem exterior não foi quebrantado.
Não há evidência daquele caráter marcado pelo sangue — daquelas chagas ou
cicatrizes. Assim, o Espírito de Deus é aprisionado dentro do espírito do homem
e não pode irromper e sair. Às vezes o nosso homem exterior está ativo, mas o
homem interior permanece inativo. O homem exterior se manifesta, enquanto
que o homem interior fica para trás.

Alguns Problemas Práticos

Vamos passar tudo isto em revista através de alguns problemas práticos!


Tomemos a pregação como um exemplo. Quão frequentemente podemos estar
pregando com sinceridade — dando uma mensagem bem preparada e sólida —
mas interiormente nos sentimos frios como gelo. Ansiamos por animar os
outros, mas nós mesmos não ficamos comovidos. Há falta de harmonia entre o
homem exterior e o interior. O homem exterior está suado com o calor, mas o
homem interior está tremendo de frio. Podemos contar aos outros quão grande
é o amor do Senhor, mas pessoalmente não somos tocados por ele. Podemos
contar aos outros quão trágico é o sofrimento da cruz, mas, ao voltar para
nosso quarto, podemos rir. O que podemos fazer a respeito disto? Nossa mente
pode labutar, nossas emoções podem ser energizadas, mas, o tempo todo,
temos a sensação de que o homem interior está meramente observando os
acontecimentos. O homem exterior e o interior não estão unidos.
Considere outra situação. O homem interior está sendo devorado pelo
zelo. A pessoa quer gritar, mas nada consegue expressar. Depois de falar por
muito tempo, parece que ainda está andando em círculos. Quanto mais
solicitude sente por dentro, tanto mais frio se torna do lado de fora. Anseia por
falar, mas não consegue achar expressão. Quando se encontra com um
pecador, seu homem interior tem vontade de chorar, mas ele não consegue
derramar uma lágrima. Há um senso de urgência dentro dele, mas quando
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sobe ao púlpito e procura gritar, vê-se perdido num labirinto de palavras. Uma
situação desta é muito penosa. A causa radical é a mesma: a casca externa
ainda se apega a ele. O exterior não obedece aos ditames do interior: chorando
por dentro, mas por fora, sem se comover; sofrendo por dentro, mas por fora,
intocado; cheio de pensamentos por dentro, mas por fora, a mente parece
estar em branco. O espírito ainda tem de descobrir um meio de atravessar a
casca.
Deste modo, o quebrantamento do homem exterior é a primeira lição
para toda pessoa que deseja aprender a servir a Deus. Aquele que é
verdadeiramente usado por Deus, é aquele cujo pensamento e emoção
externas, não agem independentemente. Se não aprendermos esta lição, a
nossa eficácia, será grandemente prejudicada. Que Deus nos traga ao lugar em
que o homem exterior, é completamente quebrantado.
Quando prevalecer esta condição, haverá fim desta atividade exterior
com a inércia interior; acabará o chorar interior com a compostura exterior;
acabará a abundância de pensamentos interiores para os quais não há
expressão. Você não ficará pobre em pensamentos. Você não precisará
empregar vinte frases para expressar o que pode ser dito em duas. Seus
pensamentos ajudarão o seu espírito ao invés de atrapalhá-lo.
De modo semelhante, nossas emoções também são uma casca muito
dura. Muitos que desejam estar felizes não podem expressar felicidade, ou
talvez queiram chorar, sem, porém, consegui-lo. Se o Senhor tiver ferido nosso
homem exterior através da disciplina ou da iluminação do Espírito Santo,
poderemos expressar alegria ou tristeza conforme os ditames do interior.
A liberação do espírito nos possibilita permanecer cada vez mais em
Deus. Tocamos o espírito da revelação na Bíblia. Sem esforço, nosso espírito
pode receber a revelação divina. Quando estamos testemunhando ou
pregando, transmitimos a palavra de Deus através do nosso espírito. Além
disto, podemos muito espontaneamente entrar em contato com o espírito dos
outros, mediante o nosso espírito. Sempre que alguém laia em nossa presença,
podemos "tirar a medida dele" — avaliar que tipo de pessoa é, qual atitude
está adotando, que tipo de cristão é, e qual é a sua necessidade. Nosso espírito
pode tocar o espírito dele. E o que é maravilhoso, é que outros facilmente
entram em contato com o nosso espírito. No caso de alguns, apenas temos um
encontro com seus pensamentos, com suas emoções, ou com sua vontade.
Depois de conversar com eles durante horas a fio, ainda não encontramos a
pessoa real, embora ambos sejamos cristãos. A casca exterior é grossa demais
para outras pessoas tocarem o homem interior. Com o quebrantamento do
homem exterior, o espírito começa a fluir e sempre está aberto diante de
outras pessoas.

Aventurando-se e Recolhendo-se

Uma vez que o homem exterior tenha sido quebrantado, o espírito do


homem muito naturalmente, permanece na presença de Deus sem cessar. Dois
anos depois de certo irmão ter confiado no Senhor, leu The Practice of the
Presence of God ("A Prática da Presença de Deus") de Irmão Lawrence. Depois
de lê-lo, sentiu-se aflito com seu fracasso quanto a permanecer
incessantemente na presença de Deus como o Irmão Lawrence. Naqueles
tempos, tinha encontros com horário marcado para orar com alguém. Por que?
Bem, a Bíblia diz: "Orai sem cessar", e eles mudaram a expressão para "Orai
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toda hora." Cada vez que ouviam o relógio bater a hora, oravam. Esforçavam-
se ao máximo para recolher-se em Deus, porque achavam que não podiam
manter-se na presença contínua de Deus. Era como se tivessem ido embora
quietamente enquanto trabalhavam, e, assim, precisassem rapidamente
recolher-se em Deus. Ou se pro um rápido retorno para Deus. Doutra forma,
achar-se-iam ausentes de Deus durante o dia inteiro. Oravam frequentemente,
passando dias inteiros orando no Dia do Senhor e metade do dia aos sábados.
Assim continuavam, durante dois ou três anos. Mesmo assim, o problema ainda
permanecia: recolhendo-se, desfrutavam da presença de Deus, mas ao saírem
para fora, perdiam-na. Naturalmente, este problema não é só deles; tal é a
experiência de muitos cristãos. Indica que estamos procurando manter a
presença de Deus por meio da nossa memória. O senso da Sua presença flutua
de acordo com a nossa memória. Quando nós nos lembramos, há a consciência
da Sua presença; senão, não há nenhuma. Isto é pura tolice, pois a presença
de Deus está no espírito e não na memória.
Para solucionar este problema, devemos primeiramente resolver a
questão do quebrantamento do homem exterior. Visto que nem nossa emoção
nem nosso pensamento tem a mesma natureza que Deus, não podem ser
juntados com Ele. O Evangelho segundo João, capítulo 4, mostra-nos a
natureza de Deus. Deus é Espírito. Somente nosso espírito é da mesma
natureza de Deus; logo, pode ser eternamente unido com Ele. Se procurarmos
chegar a obter a presença de Deus por meio de dirigir nosso pensamento,
então, quando não estamos nos concentrando, Sua presença parece ser
perdida. Além disto, se procurarmos usar nossa emoção para conclamar a
presença de Deus, então, tão logo que nossa emoção se relaxa, Sua presença
parece ter ido embora. Às vezes estamos felizes, e tomamos este fato por
termos a presença de Deus. Deste modo, quando a felicidade cessa, a
presença foge! Ou podemos supor que Sua presença está conosco enquanto
lastimamos e choramos. Infelizmente, não podemos derramar lágrimas durante
nossa vida inteira. Logo, nossas lágrimas se secarão, e depois, a presença de
Deus desaparece. Tanto nossos pensamentos quanto nossas emoções são
energias humanas. Todas as atividades devem chegar ao fim. Se procurarmos
manter a presença de Deus com a atividade, então, quando a atividade cessa,
Sua presença termina. A presença de Deus requer uma natureza igual à dEle.
Somente o homem interior é da mesma natureza de Deus. Através dele,
exclusivamente, a presença de Deus pode ser manifestada. Quando o homem
exterior está em atividades, estas podem perturbar o homem interior, mas, o
homem exterior não é um ajudador, e, sim, um perturbador. Quando o homem
exterior é quebrantado, o homem interior desfruta de paz diante de Deus.
Deus nos deu o espírito para nos capacitar a corresponder a Ele. O
homem exterior, no entanto, sempre está correspondendo às coisas de fora, e
daí nos priva da presença de Deus. Não podemos destruir todas as coisas do
lado de fora, mas podemos quebrantar o homem exterior. Não podemos acabar
com todas as coisas que existem fora; estes milhões e bilhões de coisas no
mundo, estão totalmente além do nosso controle. Cada vez que alguma coisa
acontece, nosso homem exterior corresponderá; todavia não conseguimos
desfrutar em paz da presença de Deus. Concluímos, portanto, que
experimentar a presença de Deus depende do quebrantamento do nosso
homem exterior. Se, pela misericórdia de Deus, nosso homem exterior foi
quebrantado, podemos ser caracterizados da seguinte maneira: Ontem,
estávamos cheios de curiosidade, mas hoje é impossível ser curioso.
19
Anteriormente, nossas emoções podiam facilmente ser despertadas, ou
movendo nosso amor, a mais delicada das emoções, ou provocando nossa ira,
a mais grosseira delas. Mas agora, sejam quantas forem as coisas que vierem
às multidões por cima de nós, nosso homem interior fica imperturbável, a
presença de Deus fica imutável, e nossa paz interior permanece sem a mais
leve agitação.
Torna-se evidente que o quebrantamento do homem exterior é a base
para desfrutar da presença de Deus. O Irmão Lawrence estava ocupado em
serviços de cozinha. As pessoas pediam, impacientes, as coisas que queriam.
Embora houvesse o tinido de pratos e utensílios, seu homem interior não se
perturbava. Podia sentir a presença de Deus no lufa-lufa de uma cozinha tanto
quanto na oração em momentos quietos. Por que? Estava impérvio aos
barulhos externos. Aprendera a comungar no seu espírito e desconsiderar a
vida da sua alma.
Alguns acham que, para ter a presença de Deus, seu ambiente deve
estar livre de perturbações, tais como o tinido dos pratos. Quanto mais longe
estão da humanidade, tanto melhor poderão sentir a presença de Deus. Que
erro! O problema acha-se, não nos pratos, nem nas outras pessoas, mas, sim,
neles mesmos. Deus não vai livrar-nos dos pratos; livrar-nos-á das nossas
respostas! Não importa quão barulhento fica lá fora, o lado de dentro não
precisa corresponder. Visto que o Senhor quebrantou nosso homem externo,
simplesmente reagimos como se não tivéssemos ouvido. Louvado seja Deus,
podemos possuir uma audição muito afinada, mas, devido à obra da graça em
nossas vidas, não estamos influenciados de modo algum pelas coisas que
fazem pressões sobre nosso homem exterior. Podemos ficar diante de Deus em
tais ocasiões tanto quanto, quando estivermos orando sozinhos.
Uma vez que o homem exterior é quebrantado, a pessoa já não precisa
retrair-se em direção de Deus, pois sempre está na presença de Deus. Não é
assim no caso daquele cujo homem exterior ainda está intato. Depois de fazer
algum dever, precisa voltar, pois supõe que se movimentou para longe de
Deus. Até mesmo ao fazer a obra do Senhor, escapa dAquele a quem serve.
Assim, parece que a melhor coisa para ele é deixar de fazer movimento algum.
Apesar disto, os que conhecem a Deus não precisam voltar, porque nunca se
ausentaram. Desfrutam da presença de Deus quando consagram um dia à
oração, e desfrutam da mesma presença em grau muito semelhante quando
estão ativamente ocupados nas tarefas da vida diária. Talvez seja nossa
experiência comum que, ao nos aproximarmos de Deus, sentimos Sua
presença; ao passo que, se estamos ocupados em alguma atividade, a despeito
da nossa vigilância, sentimos que, de alguma maneira, nos afastamos, indo à
deriva. Suponhamos, por exemplo, que estamos pregando o evangelho ou
procurando edificar as pessoas. Depois de certo tempo, temos vontade de nos
ajoelhar para orar. Mas temos alguma ideia de que primeiramente devemos
nos recolher em Deus. D’alguma maneira, a nossa conversa com as pessoas
nos levou um pouco para longe de Deus, de modo que, na oração,
primeiramente devamos nos aproximar mais dEle. Perdemos a presença de
Deus, e, portanto, agora ela deve nos ser restaurada. Ou talvez estejamos
ocupados com alguma tarefa caseira tal qual esfregar o assoalho. Ao completar
nossa tarefa, resolvemos orar. Mais uma vez, sentimos que fizemos uma longa
viagem e que devemos voltar. Qual é a resposta? O quebrantamento do
homem exterior torna desnecessárias tais voltas. Sentimos a presença de Deus

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na nossa conversação tanto quanto ao ajoelhar-nos em oração. Cumprir nossas
tarefas diárias não nos a Casta de Deus; logo, não precisamos voltar.
Agora, consideremos um caso extremo para ilustrar este fato. A ira é o
mais violento dos sentimentos humanos. Mas a Bíblia não nos proíbe de
ficarmos zangados, porque nem toda ira, se relaciona com o pecado. "Irai-vos,
mas não pequeis," diz a Bíblia. Mesmo assim, a ira de qualquer tipo é tão forte
que quase chega ao pecado . Não achamos "Amai, mas não pequeis", nem
"Sede meigos, mas não pequeis", na Palavra de Deus, porque o amor e a
meiguice estão removidos a uma grande distância do pecado. A ira, porém, fica
perto do pecado.
Talvez, certo irmão cometeu uma falha séria. Precisa ser severamente
repreendido. Isso não é coisa fácil. Preferíamos exercer nossos sentimentos de
misericórdia do que colocar nossos sentimentos de ira em jogo, pois esta pode
cair em coisa diferente com o mínimo de descuido. Dessa forma, não é fácil ser
corretamente zangado de acordo com a vontade de Meus Mesmo assim, aquele
que conhece o quebrantamento homem exterior pode tratar severamente com
outro irmão sem seu próprio espírito ser perturbado, nem a presença de Deus
interrompida. Permanece em Deus tanto ao lidar com os outros, quanto na
oração. Assim, depois de ter chamado a atenção do seu irmão, pode orar sem
qualquer esforço para recolher-se em Deus. Reconhecemos que isto é um
pouco difícil; quando, porém, o homem exterior é quebrantado, torna-se
possível, sem problemas.

A Divisão entre o Homem Exterior e o Interior

Quando o homem exterior é quebrado, as coisas de fora serão


conservadas fora, e o homem interior viverá diante de Deus continuamente. O
problema de muitas pessoas é que seu homem exterior e seu homem interior
estão juntos, de modo que o que influencia o externo influencia o interno.
Através da operação misericordiosa de Deus, o homem exterior e o homem
interior devem ser separados. Então, aquilo que afeta o homem exterior não
poderá alcançar o interior. Embora o homem exterior esteja ocupado numa
conservação, o homem interior está tendo comunhão com Deus. O homem
exterior talvez ache pesaroso ter que ouvir o tinido dos pratos; o homem
interior, no entanto, permanece em Deus. A pessoa pode levar a efeito suas
atividades, entrar em contato com o mundo através do homem exterior, mas,
mesmo assim, o homem interior permanece sem ser afetado porque ainda vive
diante de Deus.
Consideremos um ou dois exemplos. Certo irmão está trabalhando na
estrada. Se seu homem exterior e interior já foram divididos, este último não
será perturbado pelas coisas externas. Pode labutar no seu homem exterior,
enquanto, ao mesmo tempo, está internamente adorando a Deus. Ou
considere um pai: seu homem exterior talvez esteja rindo e brincando com seu
filhinho. De repente, surge certa necessidade espiritual. Pode imediatamente
enfrentar a situação com seu homem interior, pois nunca esteve ausente da
presença de Deus. Assim, é importante que reconheçamos que a divisão entre
o homem exterior e o homem interior tem um efeito muito decisivo sobre o
trabalho e a vida da pessoa. Somente assim é que a pessoa pode labutar sem
distração.
Podemos descrever os crentes como sendo pessoas ou "únicas" ou
"duplas." No caso d'alguns, seu homem interior e exterior são um só; com
21
outros, os dois foram separados. Enquanto alguém é uma pessoa "única," deve
conclamar a totalidade do seu ser para seu trabalho ou para sua oração. Ao
trabalhar, deixa Deus para trás. Ao orar mais tarde, deve separar-se do seu
serviço. Porque seu homem exterior não foi quebrantado, está forçado a
aventurar-se e a recolher-se. A pessoa “dupla”, do outro lado, tem a
capacidade de trabalhar com seu exterior enquanto seu homem interior
permanece constantemente diante de Deus. Sempre que a necessidade seu
homem interior pode fluir com força e manifestar-se diante de outras pessoas.
Desfruta da presença ininterrupta Deus. Perguntemos a nós mesmos: Sou uma
pessoa "única" ou "dupla"? Faz toda a diferença, realmente, se o homem
exterior é dividido do interior.
Se, pela misericórdia de Deus, você experimentou esta divisão, então,
enquanto você está trabalhando ou está ativo externamente, você sabe que há
um homem dentro de você que mantém a calma. Embora o homem exterior
esteja ocupado em coisas externas, estas não penetrarão no homem interior.
Aqui está o segredo maravilhoso! Conhecer a presença de Deus é através
da divisão destes dois. O Irmão Lawrence parecia ativamente ocupado com os
trabalhos da cozinha, mas dentro dele havia outro homem que ficava diante de
Deus e que desfrutava de comunhão com Ele, sem perturbação alguma.
Semelhante divisão interior conservará nossas reações livres da contaminação
da carne e do sangue.
Concluindo, lembremo-nos de que a capacidade de usar nosso espírito
depende da obra dupla de Deus: o quebrantamento do homem exterior e a
divisão entre o espírito e a alma, ou seja: a separação do nosso homem interior
do exterior. Somente depois de Deus ter realizado estes dois processos em
nossa vida é que poderemos exercitar nosso espírito. O homem exterior é
quebrantado mediante a disciplina do Espirito Santo; é dividido do homem
interior pela revelação do Espírito Santo (Hb 4:12).

CAPÍTULO 3

RECONHECENDO “A COISA EM MÃOS”


Deixe-me primeiramente explicar o nosso tópico. Suponhamos que um
pai peça que seu filho faça certa coisa. O filho responde: "Neste momento
tenho alguma coisa em mãos; tão logo que eu acabar, farei o que você
ordena." "A coisa em mãos" é a coisa que o filho está fazendo antes de receber
as ordens do seu pai. Imediatamente, reconhecemos que temos aquelas
"coisas em nossas mãos" que nos estorvam em nosso andar com Deus. Pode
ser qualquer coisa — algo que é bom, importante ou que parece ser necessário
— que nos preocupa e desvia nossa atenção. Enquanto o homem exterior
permanecer intato, o mais provável é que acharemos nossas mãos cheias de
coisas. Nosso homem exterior tem seus próprios interesses, apetites,
preocupações e labutas religiosas. Deste modo, quando o Espírito de Deus se
movimenta em nosso espírito, nosso homem externo não pode responder à
chamada de Deus. Assim é "a coisa em mãos" que bloqueia o caminho para a
utilidade espiritual.

22
A Força Limitada do Homem Exterior

Nossa força humana é limitada. Se um irmão puder carregar somente


cinquenta quilos, e você quiser que ele pegue mais dez, ele simplesmente não
pode fazê-lo. É uma pessoa limitada, incapaz de realizar um trabalho ilimitado.
Os cinquenta quilos que já está carregando é "a coisa em mãos." Assim como a
força física do nosso homem periférico é limitada, assim também acontece com
a força do nosso homem exterior.
Muitos, sem perceberem este princípio, gastam descuidadamente a força
do seu homem exterior. Se, por exemplo, alguém desse profusamente todo o
seu amor aos pais, não lhe Sobraria forças para amar seus irmãos, sem
mencionar outras pessoas. Ao esgotar assim as forças (da sua alma), nada
sobra dirigir aos outros.
Assim acontece com nossa força mental. Se a atenção da pessoa for
focalizada em certa questão, e esgotar todo o seu tempo só pensando nela,
não lhe sobrarão forças para pensar em outras coisas. Na Sua Palavra, Deus
explicou nosso problema: “Porque a lei do Espírito da vida em Cristo Jesus te
livrou da lei do pecado e da morte" (Rm 8:2). Mas por que estalei do Espírito da
vida é ineficaz em certas pessoas? Mais uma vez, lemos: "A fim de que o
preceito da lei se cumprisse em nós que não andamos segundo a carne, mas
segundo o Espírito" (Rm 8:4). Em outras palavras, a lei do Espírito da vida
opera eficazmente somente para os que são espirituais, ou seja já: os que
cuidam das coisas do Espírito. Quem são estes? São os que não andam
segundo a carne. Isto é, não são dominados pelos deleites da carne. Por
exemplo, certa mãe vai sair, e deixa seu nené aos cuidados de uma amiga.
Cuidar do nenê significa prestar atenção a ele. Enquanto você está
encarregado com o cuidado de um nené, você não ousa deixar-se distrair
fazendo outras coisas. De modo semelhante, somente aqueles que não fixam
suas intenções nas coisas carnais podem prestar atenção às coisas espirituais.
Aqueles que fixam suas intenções nas coisas espirituais ficam sujeitos à força
do Espírito Santo. Nossas forças mentais estão sujeitos à força do Espírito
Santo. Nossas forças mentais estão limitadas. Se as esgotarmos nas coisas da
carne, achar-nos-emos mentalmente inadequados para as coisas do Espírito.
Reconhecemos, portanto, que assim como nossas forças físicas estão
limitadas, assim acontece com as forças da alma, as do nosso homem exterior.
Enquanto tivermos "coisas em mãos" não podemos fazer a obra de Deus. De
acordo com o número de coisas em mãos, as forças para servir a Deus
diminuem ou aumentam. Logo, a coisa em mãos fica realmente um
impedimento, e este, não de tamanho pequeno.
Além disto, a pessoa pode ter muitas coisas em mãos, emocionalmente:
tais como predileções ou antipatias, inclinações ou expectativas variadas e
conflitantes. Todas estas puxam com atração magnética. Com tantas coisas em
mãos, quando Deus pede a uma pessoa que Lhe dê sua afeição, a pessoa não
pode corresponder, porque já gastou toda a sua emoção. Se já esgotou um
suprimento de dois dias de recursos emocionais, terá que passar igual período
de tempo antes de poder voltar a sentir e falar de modo adequado. Desta
maneira, quando a emoção for desperdiçada em coisas secundárias, não pode
ser usada de modo irrestrito para Deus.
Há, todavia, pessoas que manifestam uma vontade de ferro, uma
personalidade forte cujos poderes de volição parecem ilimitados. Nas coisas de
Deus, porém, são incapazes de tomarem uma decisão; com frequência as
23
pessoas mais fortes vacilam nas suas decisões diante de Deus. Porque é isto?
Antes de respondermos, consideremos alguém que está cheio de ideias.
Embora pareça que nunca está perplexo para concepção de novos planos,
quando se trata de discernir a vontade de Deus nas coisas espirituais, está
totalmente destituído de luz. Por que é assim?
Enquanto o homem exterior está tão carregado e tão exausto, com "as
coisas em mãos", poucas forças sobram para qualquer exercício espiritual. É
necessário, pois, ver a força limitada do homem exterior. Embora quebrantado,
deve existir uma sabedoria para usar estas forças. Quão necessário, pois, é
termos "mãos vazias"!

O que o Espírito Faz de um Homem Exterior Quebrantado?

Ao lidar com o homem, o Espírito de Deus nunca passa por cima do


espírito do homem. Nem nosso espírito pode passar por cima do homem
exterior. Este é um princípio muito importante para ser compreendido. Assim
como o Espírito Santo não passa por cima do espírito do homem, assim
também nosso espírito não desconsidera o homem exterior, para então passar
a funcionar diretamente. A fim de tocar em outras vidas, nosso espírito deve
passar através do homem exterior. Logo, quando as forças deste último forem
consumidas mintas coisas em mãos, Deus não pode realizar Sua obra através
de nós. Não há saída para o espírito humano nem para o Espírito Santo. O
homem interior não pode fluir porque é resistindo e bloqueado pelo homem
exterior. É por isso que sugerimos repetidas vezes que este homem exterior
deve ser quebrantado.
A coisa em mãos está ali antes de Deus começar a operar. Não pertence
a Deus, nem precisa da Sua ordem, do Seu poder, ou da Sua decisão para ser
realizada. Não é algo que está sob a mão de Deus, mas, sim, é uma ação
independente.
Antes de seu homem exterior ser quebrantado, você está ocupado com
suas próprias coisas, anda no seu próprio caminho, e ama sua própria gente.
Se Deus quiser usar seu amor para amar os irmãos, Ele deve primeiramente
quebrantar seu homem exterior. Este amor que você tem, passa assim, a ficar
maior. O homem interior deve amar, mas tem de amar através do homem
exterior. Se o homem exterior estiver ocupado com a coisa em mãos, o interior
será privado do seu canal apropriado para amar.
Mais uma vez: quando o homem interior precisa usar sua vontade,
descobre que ela está agindo independentemente, já ocupada pela coisa em
mãos. Para quebrantar nossa vontade, Deus deve dar-nos um golpe pesado até
que nos prostremos no pó e digamos: "Senhor, não ouso pensar, não ouso
pedir, não ouso resolver por conta própria. Em toda e qualquer coisa preciso de
Ti." Ao sermos feridos, devemos aprender que nossa vontade não deve agir
independentemente.
Sem a cooperação do homem exterior, o interior sofre grandes
desvantagens. Imaginemos que um irmão vai pregar a Palavra. Tem uma
preocupação no seu espírito. Se, porém, deixa de achar pensamentos à altura,
não pode entregar a mensagem, e ela logo desaparecerá. Embora a mensagem
permeie a totalidade do seu espírito, tudo é fútil se sua mente não conseguir
comunicá-la.
Não podemos trazer os homens à salvação, meramente com a
mensagem em nosso espírito; esta deve ser expressa através da nossa mente.
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A mensagem do homem interior deve ser expressa pelo homem exterior. Sem
pronunciamento, é impossível tornar conhecida aos outros a Palavra de Deus.
As palavras do homem não são as de Deus, mas as últimas devem ser
comunicadas pelas primeiras. Quando o homem tem as palavras de Deus,
Deus pode falar; quando o homem não as tem, Deus não pode falar. O
problema hoje é que, embora nosso homem interior esteja disponível a Deus —
capaz de receber a mensagem de Deus — nosso homem exterior é
impulsionado por tais pensamentos múltiplos e confusos desde a manhã até à
noite que nosso espírito não pode achar saída.
Deste modo, Deus deve esmagar nosso homem exterior. Quebra nossa
vontade tirando as coisas da "mão", de modo que a nossa vontade não possa
agir independentemente. Não a fim de que não tenhamos mente, mas, sim, a
fim de que não pensemos segundo a carne, de acordo com nossas imaginações
que divagam. Não para que sejamos destituídos de emoções, mas, sim, a fim
de que todas as nossas emoções estejam sob o controle e a restrição do
homem interior. Isto dá ao homem interior uma vontade, uma mente, e
emoções que podem ser usadas. Deus quer que nosso espírito use nosso
homem exterior para amar, para pensar, e para decidir. Embora não seja Sua
intenção exterminar nosso homem exterior, devemos receber esta experiência
básica de sermos quebrantados, se aspiramos o serviço eficaz a Deus.
Até que isto aconteça, o homem interior e o exterior estão em
desarmonia, sendo que cada um age independentemente do outro. Quando
somos quebrantados, o homem exterior está submetido ao controle do interior,
e dessa maneira, unifica nossa personalidade, de modo que o homem exterior
espatifado seja um canal para o homem interior.
Ora, deve ser reconhecido que uma personalidade unificada, pode
frequentemente caracterizar uma pessoa não-salva, mas, neste caso, o homem
interior está sob o controle do homem exterior. Embora o espírito humano
exista, é tão surrado pelo homem exterior que o máximo que pode fazer é
levantar uns protestos conscientes. O homem interior é totalmente dominado
pelo homem exterior.
Depois de alguém ser salvo, no entanto, é a intenção de Deus que
experimente a inversão desta ordem. Assim como seu homem exterior
controlava o interior antes de ser salvo, assim agora seu homem interior deve
ter domínio absoluto sobre o exterior.
Podemos usar o ciclismo como ilustração. No terreno plano, pedalamos a
bicicleta e as rodas giram pela estrada a fora. Semelhantemente, quando
nosso homem interior é forte, e o homem em exterior é quebrantado,
"pedalamos" e as "rodas" giram pela estrada afora. Podemos resolver se vamos
continuar, ou parar , e com que velocidade viajaremos. No caso de uma
bicicleta num declive, no entanto, as rodas giram sem pedalarmos, pois,
parece que a estrada simplesmente nos leva adiante. De modo semelhante, se
nosso homem exterior for duro e sem quebrantamentos, será como uma
bicicleta descendo uma ladeira, a roda livre, fora de controle. Se o Senhor nos
for gracioso, nivelando a ladeira da nossa experiência por meio de quebrantar
o homem exterior — de modo que este não fique e dar conselhos e fazer
decisões de modo independente - seremos como aqueles que podem usar
apropriadamente seu espírito.

A Pessoa Quebrantada, Não Apenas Ensinada

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Ninguém está equipado para trabalhar simplesmente porque aprendeu
alguns ensinos. A pergunta básica continua sendo: Que tipo de homem é ele?
Aquele cujas operações interiores estão erradas, mas cujo ensino está correto,
pode suprir as necessidades da igreja? A lição básica que devemos aprender e
sermos transformados em vasos apropriados para o uso do Mestre. Isto pode
ser feito somente mediante o quebrantamento do homem exterior.
Deus está operando incessantemente em nossa vida. Muitos anos de
sofrimentos, provações, e impedimentos — trata-se da mão de Deus, que dia
após dia procura levar a efeito Sua obra de nos quebrantar. Você não vê o que
Deus está fazendo neste ciclo interminável de dificuldades? Senão, você deve
pedir a Ele: "Ó Deus, abre os meus olhos a fim de que eu perceba a Tua mão."
Quão frequentemente os olhos de um asno são mais agudos do que os de
alguns que se denominam profetas.
Embora o asno já tivesse visto o Anjo do Senhor, o dono dele não o vira.
O asno reconheceu a mão de Deus que proibia, mas aquele que se chamava de
profeta não a reconheceu. Devemos ter a consciência de que o
quebrantamento é o modo de Deus agir em nossa vida. Quão triste é que
alguns ainda imaginam que se apenas pudessem absorver mais ensino,
acumular mais matéria para pregação, e assimilar mais exposição bíblica,
seriam mais proveitosos para Deus. Esta ideia está totalmente errada. A mão
de Deus está sobre você para quebrantá-lo — não segundo a sua vontade,
mas, sim, a dEle; não segundo os seus pensamentos, mas, sim, os dEle; não
segundo sua decisão, mas a dEle. Nossa dificuldade é que, à medida em que
Deus nos resiste, culpamos a outras pessoas. Reagimos como aquele profeta
que, cego à mão de Deus, culpava o asno por recusar-se a fazer um movimento
sequer.
Tudo quanto vem a nós é ordenado por Deus. Para um cristão, nada é
acidental. Devemos pedir a Deus que abra nossos olhos para vermos que Ele
nos está ferindo em todas as coisas e em todas as áreas da nossa vida. Certo
dia, quando, mediante a Sua graça sobre nós, formos capazes de aceitar a
providência de Deus em nosso meio-ambiente, nosso espírito será liberado e
pronto para funcionar.

Uma Lei Que Não É Afetada pela Oração

Há uma lei imutável de Deus operando em nós: Seu propósito específico


está quebrantando e liberando nosso espírito para seu livre exercício. Devemos
compreender que nada nas nossas orações, rogos ou promessas afetará ou
mudará este propósito; é de acordo com sua lei de realizar um
quebrantamento e liberação em nós; todas as nossas orações não alterarão
esta lei. Se você deliberadamente enfiar a mão numa fogueira, a oração o
livrará da queimadura e da dor (exceto no caso de um milagre)? Se você não
deseja ser queimado pelo fogo, mas deliberadamente coloca a mão no meio
dele apesar disto, então não pense que a oração o protegerá das
consequências; não o fará. Da mesma maneira, percebamos que o modo de
Deus tratar conosco é deliberado, de acordo com Sua lei. A fim de se
manifestar, o homem interior deve passar pelo exterior. Até que nosso homem
exterior seja espatifado, simplesmente não pode fluir. Não procure transtornar
esta lei e seus efeitos ao orar pedindo bênçãos; tais orações são em vão. O
orar nunca poderá transformar a lei de Deus.

26
Devemos resolver esta questão de uma vez para sempre. O caminho da
obra espiritual acha-se quando Deus se manifesta através de nós. Este é o
único caminho que Deus ordenou. Para quem está intato, o evangelho está
bloqueado e não pode fluir através da vida. Curvemo-nos totalmente diante de
Deus. Obedecer a lei de Deus é muito melhor do que dizer muitas orações é
muito melhor parar de orar e confessar: "Deus, prostro-me diante de Ti." Sim,
quão frequentemente nossas orações por bênçãos realmente erguem
barreiras. Ansiamos pela bênção, mas parece que achamos a misericórdia de
Deus nas experiências que esmagam. Se apenas procurássemos a iluminação,
aprendêssemos a submeter-nos à Sua mão, e obedecêssemos à Sua lei,
descobriríamos que o resultado seria a própria bênção pela qual ansiamos.

CAPÍTULO 4

COMO CONHECER O HOMEM


Conhecer o homem é vital para um obreiro. Quando alguém vem para
nós, devemos discernir sua condição espiritual, sua natureza, e a extensão do
seu progresso espiritual. Devemos resolver quanto daquilo que falou realmente
está no seu coração e quanto ele deixou sem dizer. Além disto, devemos
perceber suas características — se é empedernido ou humilde, se sua
humildade é verdadeira ou falsa. Nossa eficácia no serviço está estreitamente
relacionada com nosso discernimento da condição espiritual do homem. Se o
Espírito de Deus nos capacita através do nosso espírito a conhecer a condição
da pessoa diante de nós, podemos, então, oferecer a palavra certa.
Nos Evangelhos, descobrimos que sempre que os homens vinham para
nosso Senhor, Ele sempre tinha a palavra certa. Esta é uma coisa maravilhosa.
O Senhor não falou à mulher samaritana acerca do novo nascimento, nem
contou a Nicodemos acerca das águas vivas. A verdade do novo nascimento
era para Nicodemos, ao passo que a verdade das águas vivas era para a
mulher samaritana. Quão apropriadas eram as palavras. Aqueles que não O
tinham seguido foram convidados a vir; mas os que desejavam segui-Lo foram
convidados a carregar a cruz. Para um que se ofereceu, Ele falou sobre contar o
custo; e para um que se demorava, disse: "Deixa os mortos que enterrem seus
próprios mortos." As palavras de nosso Senhor eram apropriadíssimas, porque
conhecia todos os homens. Nosso Senhor sabia se vinham como interessados
sinceros ou meramente para fazer espionagem contra Ele; e aquilo que Ele lhes
dizia sempre era bem aplicável. Que Deus seja misericordioso conosco afim de
que nós, também, possamos aprender dEle como conhecer os homens ao
ponto de sermos eficazes ao lidarmos com eles.
Sem tal conhecimento que lhe é dado, o irmão somente pode lidar com
as almas segundo seu próprio entendimento. Se tem um sentimento especial
num certo dia, falará a todas as pessoas de acordo com que aquele
sentimento, seja quem for apareça. Se tem um assunto predileto, falará sobre
ele a todos que vierem a ele. Como um trabalho destes pode ser eficaz?
Nenhum médico pode usar a mesma receita para todo, os seus pacientes.
Infelizmente, alguns daqueles que servem a Deus têm uma só receita. Embora
não possam primeiramente diagnosticar as enfermidades das pessoas, estão
procurando curá-las. A despeito da sua ignorância das complexidades do
27
homem e da sua falta de discernimento da condição espiritual do homem,
mesmo assim, parecem estar bem prontos para tratar toda enfermidade. Quão
estulto é ter uma só uma receita espiritual, e mesmo assim, procurar tratar de
todas as doenças espirituais!
Você imaginou que são os morosos que não podem discernir, e que
somente os habilidosos o podem? Não: nesta obra, os morosos e os habilidosos
são igualmente excluídos. Você não pode usar sua mente ou seu sentimento
(independentes) para discernir as pessoas. Seja quão aguçada for sua mente,
você não pode penetrar na profundidade do homem e revelar sua condição.
Depois de encontrar-se com uma alma, cada obreiro deve primeiramente
discernir qual é a verdadeira necessidade daquele indivíduo diante de Deus.
Frequentemente, você não pode confiar naquilo que ele diz. Embora ele possa
insistir corretamente que tem "dor de cabeça," esta pode ser mero sintoma de
uma condição mais profunda cujas raízes devem ser achadas noutra parte.
Simplesmente porque sente algum calor não significa que tem uma "febre
alta." É provável que ele lhe diga muitas coisas que não têm qualquer
aplicação ao caso dele. Uma "pessoa doente" compreende bem raramente qual
é seu problema verdadeiro; é-lhe necessário, portanto, que você faça seu
diagnóstico e lhe ofereça os meios da cura. Talvez você queira que ela lhe
conte a sua necessidade, mas ela tende a enganar-se. Somente um
diagnosticador treinado, que tem perícia em reconhecer enfermidades
espirituais, pode discernir a necessidade real do "paciente." Em cada
diagnóstico você deve ter a certeza. Um diagnóstico que é meramente
subjetivo certamente afligirá as pessoas com doenças imaginárias, insistindo
teimosamente que isto ou aquilo é o mal delas.
Às vezes, descobrimos que a enfermidade específica está além da nossa
capacidade para ajudar. Não seja tão tolo supondo que pode lidar com toda e
qualquer situação e ajudar a todos. Em prol daqueles aos quais você pode
ajudar, você deve gastar e ser gasto. Quando você não pode ser útil, deve
contar ao Senhor: "Isto está além da minha capacidade; não posso discernir
esta doença. Ainda não aprendi esta. Ó Senhor, sê misericordioso." Nunca
devemos pensar que podemos dar conta de todo o trabalho espiritual, nem
devemos procurar monopolizá-lo. Aqui temos nossa oportunidade de ver o
fornecimento da parte dos diferentes membros do Corpo. Se você achar que
certo irmão ou irmã pode tratar do problema, procure-o e diga: "Isto está além
da minha capacidade; talvez esteja dentro da sua jurisdição." Cooperando
desta maneira no Corpo, aprendemos a agir com mútuo relacionamento, não
independentemente.
Devemos ressaltar isto mais uma vez: todo obreiro deve aprender diante
do Senhor como conhecer o homem. Quantas vidas, são estragadas depois de
passarem pelas mãos de irmãos zelosos que não aprenderam, mas, sim, dão
em vão opiniões subjetivas para suprir necessidades objetivas! As pessoas não
estão necessariamente padecendo dos males que nós imaginamos que
tenham. Nossa responsabilidade é discernir sua verdadeira condição espiritual.
Se não participamos primeiramente do entendimento espiritual, como
poderemos esperar que ajudemos
os demais filhos de Deus?

Nós Somos a Sua Instrumentalidade

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Ao diagnosticar um caso, um médico pode apelar a muitos instrumentos
de medicina. Conosco, não é assim. Não temos termómetros nem raio-x, nem
qualquer outro dispositivo para nos ajudar a discernir a condição espiritual do
homem. Como, pois, discernimos se um irmão está espiritualmente doente, ou
determinamos a natureza do seu distúrbio? É maravilhoso que Deus nos
projetou para sermos "termómetros" para a medição. Mediante a Sua operação
em nossa vida, Ele deseja equipar-nos para discernir o que "aflige" uma
pessoa. Como os "médicos" espirituais do Senhor, devemos ter um preparo
interior eficiente. Devemos ter profunda consciência do peso da nossa
responsabilidade.
Suponhamos que o termómetro nunca fora inventado. O médico teria de
determinar se seu paciente estava com febre pelo mero toque da sua mão. A
mão lhe serviria de termômetro. Quão sensível e acurada sua mão teria de ser!
No trabalho espiritual, é exatamente esta a situação.
Nós somos os termómetros, os instrumentos. Devemos passar por
treinamento eficiente e disciplina rigorosa, pois tudo quanto for deixado
intocado em nós será deixado intocado em outras pessoas. Além disto, não
podemos ajudar outros a aprender lições que nós mesmos não aprendemos
diante de Deus, Quanto mais eficiente for o nosso treinamento, tanto maior
será nossa utilidade na obra de Deus. Semelhantemente, quanto o mais nos
poupamos — nosso orgulho, nossa estreiteza, nossa felicidade — tanto menor
a nossa utilidade. Se encobrirmos estas coisas em nós mesmos, não
poderemos descobri-las nos outros. Uma pessoa orgulhosa não pode lidar com
outra na mesma condição; um hipócrita não pode tocar na hipocrisia de outra
pessoa, nem pode aquele que é desregrado na sua vida ter um efeito útil sobre
quem tem a mesma dificuldade. Como sabemos bem que, se tal coisa ainda
está em nossa natureza, não poderemos condenar exatamente aquele pecado
nos outros! De fato, dificilmente até mesmo o reconhecemos nos outros. Um
médico pode curar a outros sem curar a si mesmo, mas isto dificilmente pode
ocorrer no âmbito espiritual. O obreiro é, em primeiro lugar, ele mesmo um
paciente; ele deve ser curado antes de poder curar os outros. Não pode
mostrar aos outros aquilo que ele mesmo não viu. Não pode guiar os outros por
onde não pisou. Não pode ensinar aos outros o que não aprendeu.
Devemos ver que nós somos os instrumentos preparados por Deus para
conhecermos os homens. Logo, devemos ser fidedignos, qualificados para dar
um diagnóstico acurado. A fim de que meus sentimentos sejam fidedignos,
preciso orar: "Ó Senhor, não me deixa passar intato, sem ser quebrado, e
despreparado." Devo deixar que Deus opere em mim aquilo que nunca sonhei,
de modo que possa tornar-me um vaso preparado que Ele possa usar. Um
médico não faria uso de um termómetro defeituoso. Quanto mais sério é para
nós mexermos em condições espirituais do que doenças físicas, enquanto
ainda retemos nossos próprios pensamentos, emoções, opiniões e modos. Se
ainda quisermos fazer isto, e, de repente, quisermos fazer aquilo, ainda somos
instáveis. Como podemos ser usados quando estamos tão indignos de
confiança? Devemos passar pelo tratamento de Deus, senão, nossos esforços
são em vão.
Assim, outra vez, devemos enfrentar esta pergunta: Temos consciência
real da grandeza da nossa responsabilidade? O Espírito de Deus não opera
diretamente nas pessoas; faz Sua obra através dos homens. As necessidades
das pessoas são supridas, de um lado, pela disciplina do Espírito Santo (ao
ordenar seu meio-ambiente), e, do outro lado, pelo ministério da Palavra. Sem
29
o fornecimento do ministério da Palavra, o problema espiritual dos santos não
poderá ser solucionado. Que grande responsabilidade recaiu sobre Seus
obreiros! É seríssimo. O fornecimento que a igreja está recebendo, mostra se a
pessoa é usável ou não.
Suponhamos que é a característica de certa doença chegar a uma
temperatura de, digamos, 39º C. Mas a não ser que você saiba a temperatura
exata, seu diagnóstico não poderá ser certo. Você não pode determinar, ao
tocar o paciente com a mão, que tem uma febre de cerca de 39º C. Assim
também nos assuntos espirituais, seria por demais arriscado procurarmos
ajudar os outros enquanto nossos sentimentos e opiniões estivessem
completamente errados e nossa compreensão espiritual estivesse inadequada.
Somente se formos acurados e fidedignos é que o Espírito de Deus pode ser
liberado através de nós.
O ponto de partida de uma obra espiritual é marcado por muitos
reajustes feitos diante de Deus. Um termómetro é feito de acordo com um
padrão específico, e é cuidadosamente examinado para cumprir especificações
rígidas. Se, pois, nós somos o termómetro, quão severa deve ser a disciplina
para nos levar até o padrão de exatidão que Deus exige! Na obra de Deus,
somos "médicos" bem como "instrumentos médicos." Quão importante é que
passemos no teste dEle.

A Chave para Perceber o Espírito do Paciente

Ao conhecer a condição de um paciente, devemos considerar tanto o


lado do paciente quanto nosso lado. Se você quiser saber o que aflige uma
pessoa, deve primeiramente reconhecer seu aspecto mais destacado.
Destacar-se-á de modo tão notável que, por mais que a pessoa tente, não
poderá escondê-lo. A pessoa orgulhosa revelará o orgulho. No caso de uma
pessoa triste, uma nota de tristeza permeia até mesmo suas risadas.
Invariavelmente, a natureza da pessoa fará com que certa impressão
específica seja deixada.
Há muitas referências na Bíblia que descrevem tipos diferentes de
espírito. Algumas pessoas são apressadas no seu espírito; outras são
endurecidas no seu espírito; ainda outras tem um espírito tristonho. Podemos
dizer que uma pessoa tem um espírito altaneiro, outra tem um espírito
deprimido, e assim por diante. De onde vêm estas condições diferentes do
espírito? Por exemplo, num espírito duro, de onde veio a dureza? Num espírito
orgulhoso, de onde vem a altivez? Decerto, nosso espírito humano no seu
estado normal não é colorido com coisa alguma. É projetado simplesmente
para manifestar o Espírito de Deus. Como pode ser, pois, que se fala do espírito
como sendo duro, ou orgulhoso, ou altivo, ou implacável, ou ciumento? A
resposta é a seguinte: o homem exterior e o interior não estão divididos, e,
assim, a condição do homem exterior fica sendo a do interior. O espírito é duro
porque está revestido da dureza do homem exterior, ou orgulhoso por que está
revestido com o orgulho do homem exterior, ou ciumento por causa do ciúme
do homem exterior. Originalmente, o espírito é neutro na sua natureza, mas
pode adotar o caráter do homem exterior se este último não for quebrantado.
Nosso espírito emana de Deus. Desta maneira, originalmente é puro,
antes de ser afetado pelo estado impuro do homem exterior. Torna-se, porém,
orgulhoso ou duro totalmente por causa da falta de quebrantamento do
homem exterior. Como a condição do homem exterior tende a manchar o
30
espírito do ponto de se manifestar com essa imperfeição! Assim, para purificar
o espírito, a pessoa deve lidar, não com o espírito, mas, sim, com o homem
exterior. Devemos reconhecer que o problema se acha, não com o espírito,
mas, sim, com o homem exterior. Podemos perceber, pelo tipo de espírito que
flui, que o homem não foi quebrantado. A condição específica do homem
exterior fica revelada no tipo de espírito com que entramos em contato. Uma
vez que tenhamos aprendido a tocar o espírito do homem, sabemos
exatamente qual é sua necessidade. O segredo de conhecer o homem está nas
manifestações do seu espírito — ao sentir aquilo do qual está revestido.
Repetimos enfaticamente que este é o princípio básico para conhecer outro
homem: é por meio de sentir, ou tocar, seu espírito. À medida em que o
espírito flui, revela a natureza do homem exterior: se ele foi quebrantado ou
não, porque nosso espírito toma seu colorido do homem exterior ao manifestar-
se.
Quando alguém está forte num aspecto específico, é semelhante a
alguma coisa que se destaca diante de você. É só estender a mão e tocá-lo. Se
você o tocar, saberá o que é. Reconhecerá que esta coisa é o homem exterior
dele, ainda intato. Se você puder sentir assim o espírito de um homem,
conhecerá sua condição. Saberá o que é revelado por ele ou aquilo que está
procurando esconder. Por isso, dizemos outra vez: se você quiser conhecer um
homem, deve conhecê-lo de acordo com o seu espírito.

Nossos Próprios Preparativos para Conhecermos o Homem

Consideremos agora nossa parte em conhecer o homem. As medidas


disciplinares que o Espírito Santo toma conosco são lições dadas por Deus,
mediante as quais, numa coisa após outra, somos quebrantados. São
necessários muitos quebrantamentos em muitas áreas das nossas vidas para
chegarmos a um lugar de utilidade. Quando dizemos que podemos tocar outra
pessoa através do espírito, não quer dizer que podemos tocar todos os
indivíduos de modo semelhante, nem que podemos discernir na sua totalidade
a condição espiritual doutra pessoa. É simplesmente que no aspecto específico
em que fomos disciplinados pelo Espírito Santo e quebrantados pelo Senhor,
podemos tocar em outra pessoa. Se, em algum aspecto, não fomos
quebrantados não podemos, de modo algum, suprir aquela necessidade do
nosso irmão. Justamente naquele ponto, nosso espírito é insensível e incapaz.
Este é um fato espiritual invariável! Nosso espírito é liberado de acordo
com o grau do nosso quebrantamento. Aquele que aceitou mais disciplina é
aquele que melhor pode servir. Quanto mais a pessoa é quebrantada, tanto
mais sensível ela é. Quanto mais perdas a pessoa sofrer, tanto mais tem para
dar. Onde quer que desejamos salvar a nós mesmos, naquele mesmo ponto
ficamos espiritualmente inúteis. Sempre que nos conservamos e nos
desculpamos, naquele ponto estamos privados de sensibilidade e suprimento
espirituais. Que ninguém imagine que pode ser eficaz e desconsiderar este
princípio básico.
Somente aqueles que aprenderam podem servir. Você pode aprender as
lições de dez anos num só ano, ou levar vinte ou trinta anos para aprender
lições de um só ano. Qualquer atraso na aprendizagem importa num atraso no
servir. Se Deus colocou um desejo no seu coração para servir a Ele, você deve
procurar entender em que isso implica. O caminho do serviço acha-se no
quebrantamento, ao aceitar a disciplina do Espírito Santo. A medida do seu
31
serviço é determinada pelo grau da disciplina e do quebrantamento. Tenha a
certeza de que nem a emoção nem a habilidade humana pode ajudar. O tanto
que você realmente possui baseia-se em quanto Deus operou na sua vida.
Logo, quanto mais Ele lida com você, tanto mais aguçada é sua percepção do
homem. Quanto mais você é disciplinado pelo Espírito Santo, tanto mais
prontamente o seu espírito poderá tocar em outro.
É muito importante lembrar-nos de que, embora o Espírito de Deus seja
dado a nós, os crentes, uma vez para sempre, em nosso espírito, devemos
continuar a aprender enquanto a vida durar. Assim, quanto mais aprendemos,
tanto mais podemos discernir. É uma fonte de mágoa para nós que tantos
irmãos e irmãs no Senhor não sabem exercer o discernimento espiritual. Muitas
pessoas não diferenciam entre aquilo que é do Senhor e aquilo que é da
natureza humana. Somente à medida em que temos experiência da maneira
severa do Senhor lidar conosco em certa questão, é que podemos perceber,
até mesmo o seu surgimento em outras pessoas. Não precisamos esperar que
o problema se multiplique. Podemos discernir muito tempo antes da sua
proliferação. Deste modo, nossa sensibilidade espiritual é conquistada
paulatinamente através do experimentar a mão de Deus sobre nós. Por
exemplo, alguns talvez condenem mentalmente o orgulho, sim, até mesmo
preguem contra ele, sem, porém, sentir a pecaminosidade do orgulho no seu
próprio espírito. Desta maneira, quando o orgulho aparece no seu irmão, seu
espírito não fica aflito; pode até mesmo simpatizar. Chega, depois, o dia em
que o Espírito Santo opera na sua vida de tal maneira que realmente você vê o
que é o orgulho. Deus lida com ele, e seu orgulho é consumido. Embora sua
pregação contra o orgulho possa soar igual à anterior, agora, porém, cada vez
que um espírito de orgulho aparece no seu irmão, você sente sua feiura, e fica
aflito. O que você aprendeu de Deus e ficou vendo, capacita-o a sentir e a ficar
aflito. (A "aflição" descreve mais apropriadamente tal sensibilidade interior).
Agora que reconhece esta indisposição, pode servir ao seu irmão.
Anteriormente, era atacado pela mesma aflição; agora está curado. (Isto não
lhe dá a entender que deva alegar a libertação completa — simplesmente que
conhece certa medida de cura.) É assim que chegamos a ter conhecimento
espiritual.
A sensibilidade espiritual é realizada através de muitos tratamentos.
Realmente tiramos proveito quando preservamos a nós mesmos? "Quem quiser
preservar a sua vida, perdê-la-á." Devemos pedir ao Senhor que não retire Sua
mão de nós. Quão trágico é deixar de reconhecer o que o Senhor está fazendo.
Podemos até mesmo estar inconscientemente resistindo a Sua mão. A ausência
do entendimento espiritual é devida à falta de aprendizagem espiritual. Logo,
reconheçamos que quanto mais tratamento recebemos, tanto mais
conheceremos os homens e as coisas, e tanto mais poderemos suprir as
necessidades dos outros. Não há outra maneira de expandir a esfera do
serviço; devemos alargar o escopo das nossas experiências.

Aprendendo a Praticar Isto

Uma vez aprendidas estas lições básicas, descobrimos que nosso espírito
é liberto e capaz de definir a verdadeira condição de outras pessoas. Como
podemos colocar isto em prática?
Para tocar o espírito de um homem, devemos esperar até que ele abra
sua boca e fale. Poucos chegam à posição, em qualquer tempo, em que podem
32
tocar o espírito do homem sem primeiramente ouvir o que ele tem para dizer. A
Palavra de Deus diz: "Porque a boca fala do que está cheio o coração" (Mateus
12:34). Seja qual for sua intenção real, seu espírito é revelado por aquilo que
sua boca fala. Se for altivo, um espírito altivo se manifestará; se for hipócrita,
um espírito hipócrita ficará em evidência; ou se for invejoso, um espírito de
ciúme. Enquanto você o ouve falar, pode tocar seu espírito. Não preste atenção
àquilo que ele diz, mas note especialmente a condição do seu espírito.
Realmente conhecemos o homem, não meramente pelas suas palavras, mas,
sim, pelo seu espírito.
Em certa ocasião, quando o Senhor Jesus estava viajando em direção a
Jerusalém, dois dos discípulos viram que os samaritanos não O recebiam.
Perguntaram a Ele: "Senhor, queres que mandemos descer fogo do céu para os
consumir?" (Lucas 9: 54). Enquanto falavam, seu espírito foi revelado. A
resposta do Senhor foi: "Vós não sabeis de que espírito sois" (9: 55). O Senhor
nos mostra aqui que escutar as palavras de um homem é conhecer seu
espírito. Tão logo as palavras são pronunciadas, o espírito é revelado, "porque
a boca fala do que está cheio o coração."
Há ainda outra consideração a ser levada em conta. Quando você está
escutando uma conversa, não permita que o assunto em discussão distraia
você do espírito. Suponhamos que dois irmãos estejam envolvidos numa
contenda, e cada um culpa o outro. Se esta questão é trazida diante de você,
como agirá? Embora você talvez não tenha nenhum modo objetivo de
averiguar os fatos se apenas os dois estiverem presentes, você certamente
sabe que, tão logo que eles abrem a boca, seus espíritos são revelados. Entre
os cristãos, o certo e o errado é julgado, não somente pela ação, mas também
pelo espírito. Quando um irmão começa a falar, você pode sentir
imediatamente que seu espírito está errado, embora talvez lhe faltem
informações sobre os fatos do caso. Um dos irmãos talvez se queixe que o
outro ralhou com ele, mas imediatamente você sente que seu espírito não está
certo! A questão verdadeira está com o espírito.
Diante de Deus, o certo ou o errado não é determinado tanto pelo ato
quanto pelo espírito. Quão frequentemente na igreja uma ação errada é
acompanhada por um espírito errado. Mas se o julgamento for feito
exclusivamente segundo o ato, arrastamos a igreja para outro âmbito.
Deveríamos estar no âmbito do espírito, não naquele da mera ação exterior.
Uma vez que nosso próprio espírito tenha sido liberado, podemos
detectar a condição do espírito dos outros. Se entrarmos em contato com um
espírito que está fechado, devemos exercer nosso espírito em julgar a questão
e discernir o homem. Que possamos dizer com Paulo: "Daqui por diante, a
ninguém conhecemos segundo a carne" (2 Co 5:16). Não conhecemos o
homem segundo a carne, mas, sim, segundo o espírito. Tendo aprendido esta
lição básica, fornecemos um caminho para Deus operar Seu propósito.

CAPÍTULO 5

A IGREJA E A OBRA DE DEUS

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Se realmente entendermos a natureza da obra de Deus, prontamente
reconheceremos que o homem exterior verdadeiramente é um empecilho
formidável. É verdade que Deus é muito impedido pelo homem. O povo de
Deus deve conhecer o propósito supremo da igreja e também seu inter-
relacionamento, o poder de Deus, e a obra de Deus, dentro da igreja.

A Manifestação de Deus e a Restrição de Deus

Houve um tempo em que Deus Se confiou à forma humana — na Pessoa


de Jesus de Nazaré. Antes do Verbo Se tornar carne, a plenitude de Deus não
conhecia limite algum. No entanto, uma vez que a encarnação veio a ser uma
realidade, Sua obra e Seu poder eram limitados a esta carne. Este Homem,
Cristo Jesus, restringirá a Deus ou O manifestará? A Bíblia nos mostra que,
longe de limitar a Deus, Ele manifestou a plenitude de Deus de modo
maravilhoso.
Em nossos dias, Deus Se confia à igreja. Seu poder e Sua obra estão na
igreja. Assim como nos Evangelhos achamos toda a obra de Deus dada ao
Filho, assim hoje Deus confiou à igreja todas as Suas obras, e não agirá à parte
dela. Desde o Dia do Pentecoste até ao tempo presente, a obra de Deus tem
sido levada a efeito através da igreja. Pense na responsabilidade tremenda da
igreja! O ato de Deus em confiar-Se à igreja é como Seu ato anterior de confiar-
SE a um só Homem, Cristo — sem reservas, nem restrições. A igreja, porém,
pode restringir a obra de Deus ou limitar Sua manifestação.
Jesus de Nazaré é o próprio Deus. Seu ser inteiro, de dentro para fora, é
revelar a Deus. Suas emoções refletem as emoções de Deus; Seus
pensamentos revelam os pensamentos de Deus. Enquanto estava nesta terra
podia dizer: "Não para fazer a minha própria vontade; e, sim, a vontade
daquele que me enviou . . . O Filho nada pode fazer de si mesmo, senão
somente aquilo que vir fazer o Pai ... Porque eu não tenho falado por mim
mesmo, mas o Pai que me enviou, esse me tem prescrito o que dizer e o que
anunciar" (João 6: 38; 5:19; 12: 49). Aqui vemos um Homem a quem Deus está
confiado. Ele é o Verbo que Se tornou carne. É Deus que Se torna homem. É
perfeito. Quando veio o dia em que Deus desejou distribuir Sua vida entre os
homens, aquele Homem podia declarar: "Se o grão de trigo, caindo na terra .. .
morrer, produz muito fruto" (João 12: 24). Deste modo, Deus escolheu a igreja
para ser Seu vaso hoje — o vaso daquilo que Ele fala, para a manifestação do
Seu poder e da Sua operação.
O ensino básico dos Evangelhos é a presença de Deus e em um Homem,
ao passo que o das Epístolas é a de Deus na igreja. Que nossos olhos sejam
abertos ao fato glorioso: Deus anteriormente habitava no Homem Jesus Cristo,
mas agora Deus está somente na igreja, e não em qualquer outra coisa.
Quando esta luz raiar sobre nós, ergueremos espontaneamente nossos
olhos ao céu, dizendo: "Ó Deus! Quanto nós Te impedimos!" Em Cristo, o Deus
onipotente ainda era onipotente sem sofrer qualquer restrição ou
estreitamento. O que Deus espera hoje é que este mesmo poder possa
permanecer intato à medida em que Ele reside na igreja. Ele deve ficar tão
livre para manifestar-Se na igreja quanto o era em Cristo. Qualquer restrição ou
incapacidade na igreja invariavelmente limitará a Deus. Esta é uma coisa muito
séria; não a mencionamos levianamente. O empecilho em cada um de nós
constitui-se em empecilho para Deus.

34
Por que a disciplina do Espírito Santo é tão importante? Porque a divisão
entre o espírito e a alma é tão urgente? É porque Deus precisa ter um caminho
através de nós. Que ninguém pense que estamos interessados apenas na
experiência espiritual. Nossa solicitude é o caminho de Deus e Sua obra. Deus
está livre para operar através das nossas vidas? A não ser que sejamos
tratados e quebrantados através da disciplina, restringiremos a Deus. Sem o
quebrantamento do homem exterior, a igreja não pode ser um canal para
Deus.

O Quebrantamento — A Maneira de Deus Operar

Passemos agora a considerar como o quebrantamento do homem


exterior afetará nosso modo de ler a Bíblia, nosso modo de ser ministros da
Sua Palavra, e nossa pregação do evangelho.
(1) Lendo a Bíblia: Está além de dúvida que o que somos, determina o
proveito que tiramos da Bíblia. Quão frequentemente o homem, na sua
soberba, depende da sua mente não renovada e confusa para ler a Bíblia. O
fruto é nada senão seu próprio pensamento. Não toca o espírito das Sagradas
Escrituras. Se esperamos encontrar o Senhor na Sua Palavra, nossos
pensamentos devem primeiramente ser quebrantados por Deus. Talvez
tenhamos alto conceito da nossa habilidade, mas para Deus é um grande
obstáculo. Nunca pode levar-nos para o pensamento de Deus.
Há, pelo menos, duas exigências básicas para ler a Bíblia: primeiramente,
nosso pensamento deve entrar no pensamento da Bíblia; e, em segundo lugar,
nosso espírito deve entrar no espírito da Bíblia. Você deve pensar como o
escritor — seja Paulo, Pedro ou João — estava pensando quando escrevia a
Palavra de Deus. Seu pensamento deve começar onde o pensamento dele
começa, e desenvolver como o dele se desenvolve. Você deve ter a capacidade
de raciocinar como ele raciocina e de exortar como ele exorta. Em outras
palavras, seu pensamento deve ser engrenado com o pensamento dele. Isto
permitirá ao Espírito que lhe dê o significado exato das Escrituras.
Pense numa pessoa que vem à Bíblia com sua mente já fixa. Lê a Bíblia
para obter apoio para suas doutrinas preconcebidas. Que tragédia! Uma
pessoa experiente, depois de escutar alguém assim falar durante cinco ou dez
minutos, pode discernir se quem fala está usando a Bíblia para suas próprias
finalidades, ou se seu pensamento entrou no pensamento da Bíblia. Há uma
diferença de âmbitos aqui. Uma pessoa pode levantar-se e dar uma mensagem
agradável que parece ser bíblica, mas, na realidade, seu pensamento é
contraditório ao pensamento da Bíblia. Ou podemos escutar alguém pregar,
cujo pensamento expressa o pensamento da Bíblia e, portanto, é harmonioso e
unido com ela. Embora esta condição deva ser a norma, nem todos chegam a
ela. Para unir nosso pensamento com o pensamento da Bíblia, é necessário que
nosso homem exterior seja quebrantado. Não pense que nossa leitura bíblica é
fraca por causa de falta de instrução. O defeito está muito mais em nós,
porque nossos pensamentos não foram subjugados por Deus. Ser quebrantado
desta maneira é cessar das nossas próprias atividades e do nosso pensamento
subjetivo, e paulatinamente começar a tocar a mente do Senhor e seguir a
tendência do pensamento da Bíblia. Não é antes de ser quebrantado o homem
exterior que podemos entrar no pensamento da Palavra de Deus.
Ora, embora isto seja importante, ainda nos falta mencionar o assunto
primário. A Bíblia é mais do que palavras, ideias e pensamentos. O aspecto
35
mais destacado da Bíblia é que o Espírito de Deus é liberado através deste
Livro. Quando um escritor, seja Pedro, João, Mateus ou Marcos, é inspirado pelo
Espírito Santo, sua mente renovada segue o pensamento inspirado e seu
espírito é liberado juntamente com o Espírito Santo. O mundo não pode
entender que há um espírito na Palavra de Deus, e que aquele espírito pode
ser liberado exatamente como é manifestado no ministério profético. Hoje, se
você estiver escutando uma mensagem profética, reconhecerá que está
presente algo misterioso, além das palavras e dos pensamentos. Você pode
sentir isto claramente, e podemos muito bem chamá-lo o espírito na Palavra de
Deus.
Não há somente pensamentos na Bíblia; o próprio espirito se manifesta
através d'Ela. Assim, é somente quando seu espírito pode sair e tocar o espírito
da Bíblia, que você pode entender o que a Bíblia está dizendo. Ilustrando:
pensemos num menino mau que deliberadamente quebra a janela de um
vizinho. O vizinho sai e lhe faz fortíssimas censuras. Quando a mãe do menino
fica sabendo da travessura, ela também repreende severamente. Mas, de
alguma maneira, há uma diferença de espírito entre as duas repreensões. A
primeira é mal-humorada, feita com um espírito zangado; a outra expressa o
amor, a esperança, e o treinamento. Este é apenas um exemplo simples. O
Espírito que inspira a composição das Escrituras o Espírito eterno, sempre
presente na Bíblia. Se nosso homem exterior foi quebrantado, nosso espírito é
liberado e pode tocar aquele Espírito que inspira as Escrituras. De outra forma,
a Bíblia permanecerá como um livro morto em nossas mãos.
(2) O Ministério da Palavra: Deus deseja que entendamos a Sua
Palavra, pois este é o ponto de partida do serviço espiritual. Está igualmente
solícito para colocar Sua Palavra como mensagem dinâmica em nosso espírito
de modo que possamos usá-la para ministrar à igreja. Em Atos 6:4 lemos: "E,
quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra."
"Ministério" significa servir. Assim, o ministério da palavra significa servir as
pessoas com a palavra de Deus.
No ministério, qual é a dificuldade que nos leva a deixar de liberar a
palavra dentro de nós? Frequentemente, alguém pode sentir-se muito
preocupado com uma palavra que, segundo sente, deve comunicar aos irmãos.
Mesmo assim, enquanto se levanta para falar frase após frase, a preocupação
interna permanece tão pesada como sempre. Mesmo depois de passar uma
hora, não há senso de alívio, e, finalmente, sai carregando o mesmo fardo de
uma mensagem que não foi entregue. Por que? É porque seu homem exterior
não foi quebrantado. Ao invés de serem úteis, as faculdades da alma tornam-se
um obstáculo para o homem interior.
Uma vez, porém, que o homem exterior for quebrantado, a expressão já
não é problema. Então, a pessoa pode pensar em palavras apropriadas para
expressar seu sentimento no íntimo. Através da liberação, o fardo interno é
aliviado. Esta é a maneira de ministrar a Palavra de Deus à igreja. Repetimos,
então: o homem exterior é o maior empecilho ao ministério da Palavra de
Deus.
Muitos têm a noção errónea de que são as pessoas habilidosas que
melhor podem ser usadas. Como isto é errado! Não importa quão habilidoso
você seja, o exterior nunca poderá substituir o homem interior. Somente depois
de o homem exterior ter sido quebrantado é que o interior pode achar
pensamento adequado e palavras apropriadas. A casca do homem exterior
deve ser esmagada por Deus. Quanto mais é despedaçada, tanto mais a vida
36
no espírito é liberada. Enquanto esta casca permanecer intata, a mensagem
que pesa no espírito não pode ser liberada, nem a vida e o poder de Deus
podem fluir de você para a igreja. É principalmente através do ministério da
Palavra de Deus que Sua vida e Seu poder são fornecidos. A não ser que você
tenha seu homem interior liberado, as pessoas podem ouvir sua voz; não
podem tocar a vida. Você pode ter uma palavra para dar, mas outras pessoas
deixam de recebê-la; você não tem meios de expressão.
A dificuldade é que a vida que há dentro, deixa de fluir. Há uma Palavra
de Deus atuante por dentro, mas não pode ser manifestada por causa do
obstáculo do lado de fora. Deus não tem um livre caminho através de você.
(3) Pregando o Evangelho: Há um conceito geral, falso, de que as
pessoas creem no evangelho porque, ou foram mentalmente convictas da
exatidão doutrinária, ou emocionalmente comovidas pelo seu apelo. Na
realidade, os que correspondem ao evangelho por qualquer destas duas razões
não permanecem nEle. O intelecto e a emoção precisam ser alcançados, mas
estes sozinhos, são insuficientes. A mente pode encontrar-se com a mente, e a
emoção pode alcançar a emoção, mas a salvação sonda mais profundamente.
O espírito deve tocar o espírito. Somente quando o espírito do pregador
floresce e brilha é que os pecadores caem e se rendem a Deus. Este é o
espírito apropriado e necessário para a pregação do evangelho.
Certo mineiro grandemente usado por Deus escreveu um livro chamado
Seen and Heard ("Visto e Ouvido"), em que relata suas experiências ao pregar
o evangelho. Fomos profundamente comovidos ao ler este livro. Embora fosse
um irmão simples, sem alto grau de cultura nem com dons especiais, ofereceu-
se inteiramente ao Senhor e foi poderosamente usado por Ele. Uma coisa o
caracterizava: era um homem quebrantado; seu espírito era puro. Quando
estava numa reunião, ouvindo um pregador, sentiu uma preocupação tão
grande pelas almas que pediu ao pregador permissão para falar. Subiu ao
púlpito, mas não vinham as palavras. Seu homem interior ardia tanto com uma
paixão pelas almas que suas lágrimas jorravam. Finalmente, conseguiu
pronunciar apenas umas poucas sentenças pouco compreensíveis. Mesmo
assim, o Espírito Santo encheu aquele lugar de reunião; as pessoas ficaram
convictas dos seus pecados e da sua condição de perdidas. Aqui havia um
jovem que era quebrantado — tinha poucas palavras, mas quando seu espírito
fluía, as pessoas eram poderosamente tocadas. Ao ler sua autobiografia,
reconhecemos que ele era alguém cujo espírito era totalmente liberto. Era o
instrumento para salvar a muitos durante sua vida.
Este é o modo certo de pregar o evangelho. Sempre que você vê alguém
que não é salvo, sente que deve dar-lhe o evangelho, você deve permitir que
seu espírito seja liberado. Pregar o evangelho é puramente uma questão de ter
o homem exterior quebrantado de modo que o homem interior possa fluir e
tocar outros. Quando seu espírito toca o espírito de outra pessoa, o Espírito de
Deus vivifica aquele espírito que está em trevas de modo que aquela pessoa
possa ser maravilhosamente salva. Se, porém, seu espírito estiver amarrado
pelo homem exterior, Deus não tem via de saída através de você, e o
evangelho fica bloqueado. É por isso que focalizamos tanta atenção em lidar
com o homem exterior. Se nos falta este tratamento, não temos poder para
ganhar almas, embora tenhamos todas as doutrinas de cor. A salvação vem
quando nosso espírito toca o espírito de outra pessoa. Então, aquela alma não
pode deixar de prostrar-se aos pés de Deus. Ó amados, quando nosso espírito é
verdadeiramente liberado, as almas certamente serão salvas.
37
Uma vez que as pessoas são salvas, Deus não quer que elas esperem
para lidar com seus pecados, que esperem mais anos para se consagrarem, e
que esperem ainda mais tempo para responderem à chamada de realmente
seguirem ao Senhor. Tão logo que as pessoas creem, devem imediatamente
voltarem-se dos seus pecados, consagrarem-se totalmente ao Senhor, e
romperem o poder das coisas deste mundo. Sua história deve ser como
aquelas que são registradas nos Evangelhos e em Atos. Para o evangelho ter
seu efeito mais completo no homem, o Senhor precisa ter um caminho nas
vidas dos mensageiros do evangelho.
Nestes anos temos ficado totalmente convictos de que o Senhor está
trabalhando para a recuperação. O evangelho da graça e o evangelho do reino
devem ser juntados. Nos Evangelhos, os dois nunca são separados. Somente
em anos posteriores é que parece que aqueles que ouviram o evangelho da
graça sabem pouco ou nada do evangelho do reino. Deste modo, os dois foram
separados. Mas já é tempo para eles serem unidos, de modo que as pessoas
sejam completamente salvas, deixando tudo e se consagrando totalmente ao
Senhor.
Curvemos nossa cabeça diante do Senhor e reconheçamos que o
evangelho deve ser completamente pregado, e seus mensageiros totalmente
tratados. Para o evangelho entrar nos homens, devemos permitir que Deus
seja manifestado em nós. Assim como a pregação eficaz do evangelho requer
mais poder, assim também os mensageiros do evangelho devem pagar um
preço mais alto. Devemos colocar tudo sobre o altar. Oremos assim: "Senhor,
coloco meu tudo sobre o altar. Acha um caminho através de mim a fim de que
também a igreja ache um caminho em mim. Eu não gostaria de ser aquele que
bloqueia a Ti e que bloqueia a igreja."
O Senhor Jesus nunca restringiu Deus de qualquer maneira. Durante
quase dois mil anos Deus tem trabalhado na igreja, visando o dia em que a
igreja já não O restringirá. Assim como Cristo manifesta plenamente a Deus,
assim também será com a igreja. Passo a passo, Deus está instruindo Seus
filhos e tratando com eles; uma vez após outra sentimos Sua mão sobre nós.
Assim será até aquele dia em que a igreja fique sendo realmente a plena
manifestação de Deus. Hoje, voltemo-nos para o Senhor e confessemos:
"Senhor, estamos envergonhados. Atrasamos a Tua obra; fomos um empecilho
na Tua vida; bloqueamos a propagação do evangelho; e limitamos o Teu poder."
Individualmente em nosso coração, dediquemo-nos a Ele novamente, dizendo:
"Senhor, ponho meu tudo sobre o altar, a fim de que Tu tenhas um caminho
através de mim."
Se esperamos que a eficácia do evangelho seja plenamente recuperada,
a consagração deve ser total. Devemos consagrar-nos a Deus assim como na
igreja primitiva. Que Deus tenha uma via de saída através de nós.

CAPÍTULO 6

O QUEBRANTAMENTO E A DISCIPLINA
Para o homem exterior ser quebrantado, é imperativo uma plena
consagração. Mesmo assim, devemos entender que este ato de crise por si só,
não resolverá a totalidade do nosso problema no serviço. A consagração é
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meramente uma expressão da nossa disposição para estar nas mãos de Deus,
e pode ocorrer em apenas uns poucos minutos. Não pense que Deus pode
acabar Seus tratos conosco neste tempo tão curto. Embora estejamos
dispostos a oferecer-nos completamente a Deus, estamos apenas no começo
da estrada espiritual. É como entrar pelo portão. Depois da consagração, deve
haver a disciplina do Espírito Santo para nos tornar em vasos dignos para o uso
do Mestre. Sem consagração, o Espírito Santo encontra dificuldade em nos
disciplinar. Mesmo assim, a consagração não pode servir como substituto da
Sua disciplina.
Aqui, pois, há uma distinção vital: nossa consagração somente pode ser
de acordo com a medida do nosso discernimento espiritual e da nossa
compreensão, mas o Espírito Santo disciplina de acordo com Suas próprias
luzes. Realmente não sabemos o quanto a nossa consagração envolve. Nossa
luz é tão limitada que, quando nos parece que está no seu auge, aos olhos de
Deus é negra como breu. A exigência excede a tudo quanto temos a
possibilidade de consagrar — pelo menos, no nosso entendimento limitado. A
disciplina do Espírito Santo, por outro lado, nos é medida conforme nossa
necessidade vista na própria luz de Deus. Ele conhece nossa necessidade
especial e, portanto, pelo Seu Espírito, ordena nossas circunstâncias de tal
maneira que leva a efeito o quebrantamento do homem exterior. Veja até que
ponto a disciplina do Espírito Santo transcende nossa consagração.
Visto que o Espírito Santo opera conforme a luz de Deus, Sua disciplina é
eficiente e completa. Frequentemente estranhamos as coisas que nos
acontecem, mas, se fôssemos deixados por conta própria, poderíamos
enganar-nos com a melhor das nossas escolhas. A disciplina que Ele ordena
transcende nosso entendimento. Quão frequentemente somos apanhados
despreparados e concluímos que, decerto, uma coisa tão drástica não é nossa
necessidade. Muitas vezes, Sua disciplina desce sobre nós repentinamente,
sem recebermos aviso prévio! Talvez insistamos que estamos vivendo "na luz",
mas o Espírito Santo está tratando conosco de acordo com a luz de Deus. A
partir do momento em que O recebemos, Ele tem ordenado nossas
circunstâncias para nosso proveito de acordo com Seu conhecimento de nós.
A operação do Espírito Santo em nossas vidas tem seu lado positivo bem
como negativo — ou seja, há tanto um lado construtivo quanto um destrutivo.
Depois de nascermos de novo, o Espírito Santo habita em nós, mas nosso
homem exterior mui frequentemente O priva da Sua liberdade. É como
procurar andar com um par de sapatos do tamanho errado. Porque nosso
homem exterior e o interior estão em desacordo entre si, Deus tem de
empregar quaisquer meios que considera eficaz em demolir qualquer fortaleza
sobre a qual nosso homem interior não tem controle algum.
Não é mediante o fornecimento de graça ao homem interior que o
Espírito Santo quebranta o exterior. É lógico que Deus quer que o homem
interior seja forte, mas Seu método é utilizar meios externos para diminuir
nosso homem exterior. Seria quase impossível para o homem interior realizar
isto, visto que, os dois são tão diferentes quanto à sua natureza que
dificilmente podem causar qualquer ferida um ao outro. A natureza do homem
exterior e a das coisas externas são semelhantes. Desta maneira, o primeiro
pode ser facilmente afetado por estas últimas. As coisas externas podem ferir o
homem exterior muito dolorosamente. É assim que Deus usa coisas externas
para tratar do nosso homem exterior.

39
Você se lembra que a Bíblia diz que dois pardais são vendidos por um
asse (Mt 10: 29) e que cinco pardais são vendidos por dois asses (Lc. 12: 6). O
preço certamente é barato, e o quinto pardal é oferecido de graça. Mesmo
assim, "nenhum deles cairá em terra sem o consentimento de vosso Pai. E
quanto a vós outros, até os cabelos da cabeça estão todos contados" (Mt
10:29, 30). Não somente cada cabelo é contado, como também é numerado.
Podemos, portanto, ter certeza de que todas as nossas circunstâncias são
ordenadas por Deus. Nada é acidental.
A providência de Deus é de acordo com Seu conhecimento das nossas
necessidades, e tem em mira o despedaçar do nosso homem exterior. Sabendo
que uma certa coisa externa nos afetará assim, Ele dispõe a situação a fim de
nos fazer encontrar com ela uma vez, duas vezes, e talvez até mais vezes.
Você não percebe que todos os eventos da sua vida durante os últimos cinco
anos ou dez anos foram ordenados por Deus para sua educação? Se você
murmurou e se queixou, você estava ignorando a disciplina do Espírito Santo.
Lembre-se de que tudo quanto nos acontece é medido pela mão de Deus para
nosso bem supremo. Embora, provavelmente não seja o que escolheríamos,
Deus sabe o que é melhor para nós. Onde estaríamos nós hoje, se Deus não
tivesse nos disciplinado assim por meio de ordenar nossas circunstâncias? É
exatamente isto que nos conserva puros, e andando nos Seus caminhos. Como
são estultos aqueles que têm murmurações na sua boca e rebelião no seu
coração diante das próprias coisas que o Espírito Santo lhes distribuiu sob
medida para seu próprio bem.
Tão logo somos salvos, o Espírito Santo começa a distribuir disciplina;
mas não pode agir livremente até que nossa consagração seja completa.
Depois da pessoa ser salva mas ainda não consagrada, e enquanto ainda ama
a si mesma mais do que a Deus, o Espírito Santo, mesmo assim, está operando
para trazê-la sob controle e quebrantar seu homem exterior, a fim de que, Ele
possa operar sem impedimento.
Finalmente, vem um momento em que você percebe que não pode viver
por si só e para si mesmo. Na luz vaga que você possui, você vem para Deus e
diz: "Consagro-me a Ti. Quer venha a vida, quer venha a morte, entrego-me
nas Tuas mãos." Isto fortalecerá a obra do Espírito Santo na sua vida. Nisto
acha-se a importância da consagração: deixa o Espírito Santo operar sem
restrição. Não ache estranho, portanto, quando muitas coisas inesperadas lhe
acontecem depois da sua consagração.
Você disse ao Senhor: "Senhor! Faz o que achas melhor na minha vida."
Agora, depois de você ter-se colocado assim incondicionalmente nas Suas
mãos, o Espírito Santo pode operar livremente em você. Para resolver de todo
o coração que seguirá ao Senhor, você deve prestar bastante atenção à obra
disciplinar do Espírito Santo.

O Maior Meio de Graça

Deus tem outorgado Sua graça a nós desde o dia em que fomos salvos.
As maneiras pelas quais podemos receber graça da parte de Deus são
chamadas os "meios de graça." A oração e o escutar uma mensagem são dois
exemplos, porque através destes meios, podemos aproximar-nos de Deus e
receber graça. Este termo descritivo: "os meios de graça," têm sido
universalmente aceitos pela Igreja no decurso dos séculos. Recebemos graça
através das reuniões, das mensagens, das orações, e assim por diante. Mas
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decerto o maior meio de graça que não podemos nos dar ao luxo de
negligenciar, é a disciplina do Espírito Santo. Nada pode ser comparado com
este meio de graça — nem a oração, nem as leituras bíblicas, nem as reuniões,
nem as mensagens, nem a meditação, nem o louvor. Entre todos os meios de
graça dados por Deus, parece que este é o mais importante.
Seguir a história deste meio de graça pode mostrar-nos quão longe já
andamos com o Senhor. O que experimentamos diariamente, no lar ou na
escola ou na fábrica ou na estrada, é ordenado pelo Espírito Santo para nosso
máximo benefício. Se não tiramos proveito deste maior meio de graça,
sofremos uma perda terrível. Nenhum dos outros meios pode substituí-lo, por
mais preciosos que sejam. As mensagens nos alimentam, a oração nos
restaura, a Palavra de Deus nos refrigera, e ajudar aos outros libera nosso
espírito. Mas se nosso homem exterior permanecer forte, damos a todos
aqueles que entram em contato conosco, a impressão de sermos mistos e
impuros. As pessoas reconhecerão nosso zelo mas também nossos motivos
mistos, nosso amor para com o Senhor, mas também nosso amor para
conosco. Sentem que somos um irmão precioso, porém difícil, pois nosso
homem exterior não foi quebrantado. Não nos esqueçamos que, embora
sejamos edificados através de mensagens, da oração, e da Bíblia, o maior meio
de edificação é a disciplina do Espírito Santo.
A partir de então deve haver, da nossa parte, uma consagração completa
de modo que devemos submete-nos àquilo que o Espírito Santo ordena.
Semelhante submissa traz bênçãos para nós. Se, ao invés disto, disputamos
com Deus e seguimos nossas próprias inclinações, perderemos o caminho da
Sua bênção. Uma vez que reconhecemos que todas as providências de Deus
são para nosso máximo proveito —até mesmo coisas que nos são
desagradáveis — e estamos dispostos a aceitar estas coisas como medidas
disciplinares da parte d'Ele, veremos como o Espírito Santo fará uso de todas
estas coisas ao lidar conosco.

Tratamentos de Vários Tipos

Sejam quais forem as coisas às quais você está ligado, Deus tratará delas
uma após a outra. Nem seque trivialidades tais como as vestes, o comer e o
beber podem escapar à mão cuidadosa do Espírito Santo. Ele não negligenciará
uma só área na sua vida. Você pode até mesmo ignorar sua afinidade por uma
certa coisa, mas Ele sabe, e trata dela de modo muitíssimo eficiente. Até que
venha o dia em que todas estas coisas são destruídas, você não conhece
liberdade perfeita. Nestes tratamentos, você pode finalmente reconhecer a
eficiência do Espírito Santo. Coisas há mui esquecidas, são trazidas à mente
pelo Senhor. As obras de Deus são perfeitas, e nada menos do que a perfeição
pode satisfazer a Ele. Deus não pode parar no meio do caminho. Às vezes,
tratará com você através d'outras pessoas, planejando para você ficar junto
com uma pessoa com quem está zangado, ou a quem você despreza, ou de
quem tem ciúmes; ou, muito frequentemente, é através daqueles que você
ama. Antes disto, você não sabia quão impuro e misturado você era, mas
depois você reconhece quanto "lixo" havia em você. Você pensava que era
totalmente do Senhor, mas, depois de receber a disciplina do Espírito Santo,
começa a reconhecer os efeitos de longo alcance que as coisas externas
tinham sobre você.

41
Além disto, a mão de Deus pode tocar na vida dos nossos pensamentos.
Descobrimos que nossos pensamentos são confusos, independentes,
descontrolados. Fingimos ter mais sabedoria do que outros. É então que o
Senhor nos deixa colidir com um muro ou espatifar-nos até o pó - tudo para nos
mostrar que não devemos ter a ousadia de usar nossos pensamentos
desordenadamente. Uma vez que tenhamos sido iluminados nisto, temeremos
nossos próprios pensamentos como o fogo. Da maneira como se recolhe a mão
imediatamente diante da chama, assim nós também nos recolheremos
instantaneamente quando encontramos nossos pensamentos descontrolados.
Lembraremos a nós mesmos: "Não é assim que devo pensar; estou com medo
de seguir meus próprios pensamentos."
Além disto, Deus assim disporá nossas circunstâncias de modo que possa
lidar com nossas emoções. Algumas pessoas são extremamente emotivas.
Quando estão jubilosas, não podem se conter; quando estão deprimidas, não
podem ser consoladas. A totalidade da vida delas gira em torno das suas
emoções, e seu júbilo resulta em dissipação, e sua depressão em inatividade.
Como Deus retifica esta situação? Coloca-as em situações em que não ousam
ser demasiadamente felizes quando estiverem jubilosas, nem demasiadamente
tristes quando estiverem deprimidas. Somente podem depender da graça de
Deus e viver pela Sua misericórdia, não pelas suas emoções instáveis.
Embora sejam bem comuns as dificuldades com os pensamentos e
emoções, a dificuldade maior e mais prevalecente é com a vontade. Nossas
emoções são desregradas por que nossa vontade não foi tratada. A raiz está
em nossa vontade. A mesma coisa diz respeito a nossos pensamentos. Talvez
possamos pronunciar com a boca as palavras: "Não se faça a minha vontade,
e, sim, a tua," mas quantas vezes realmente deixamos o Senhor assumir o
controle quando as coisas acontecem? Quanto menos você conhece a si
mesmo, tanto mais facilmente pronuncia tais palavras. Quanto menos
iluminado você está, tanto mais fácil a submissão a Deus parece ser. Aquele
que fala com facilidade barata comprovou que nunca pagou o preço.
Somente quando somos tratados por Deus é que realmente vemos quão
endurecidos somos e quão dispostos a termos nossa própria opinião. Deus
precisa tratar conosco para tornar nossa vontade terna e dócil. Pessoas
resolutas estão convictas de que seus sentimentos, modos e julgamentos
sempre estão certos. Considere como Paulo recebeu esta graça registrada em
Filipenses: "Não confiamos na carne" (3:3). Nós, também, devemos ser levados
por Deus a uma situação em que não ousamos confiar em nosso próprio
julgamento. Deus permitirá que cometamos engano após engano até
compreendermos que este será nosso padrão para o futuro, também.
Realmente precisamos da graça do Senhor. Frequentemente o Senhor permite
que ceifemos consequências sérias dos nossos julgamentos.
Finalmente, você ficará tão aflito com seus fracassos que dirá: "Temo
meus próprios julgamentos assim como temo o fogo do inferno. Senhor, tendo
a cometer enganos. A não ser que Tu sejas misericordioso comigo, a não ser
que Tu me apoies, a não ser que Tu me detenhas com Tua mão, errarei mais
uma vez". Este é o começo da destruição do homem exterior: quando você já
não ousa confiar em si mesmo. Suas opiniões usualmente lhe vêm facilmente
até que você tenha sido tratado por Deus repetidas vezes e tenha sofrido
muitos fracassos. Então, você se rende e diz: "Deus, não ouso pensar, não ouso
decidir." Esta é a disciplina do Espírito Santo: quando todos os tipos de coisas e
todos os tipos de pessoas estão fazendo pressões de todas as direções.
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Não pense que haverá qualquer relaxamento desta lição! Muitas vezes, o
fornecimento da palavra de Deus pode estar em falta, ou outro meio de graça
pode ser insuficiente, mas este meio de graça especial — a disciplina do
Espírito Santo - sempre está conosco. Você pode dizer que não tem
oportunidade de escutar a Sua palavra e ser suprido por ela, mas isto nunca
acontecerá no caso da disciplina do Espírito Santo. Dia após dia, Ele está
planejando amplas oportunidades para você aprender.
Uma vez que você se rende a Deus, esta disciplina satisfará sua
necessidade muito mais do que o fornecimento da Sua palavra. Não é apenas
para os cultos, os habilidosos, os dotados; não, é o caminho para todo filho de
Deus. O fornecimento da palavra de Deus, o poder da oração, a comunhão dos
crentes — nenhuma destas coisas pode substituir a disciplina do Espírito Santo.
É porque você precisa não somente ser edificado; precisa também ser
quebrantado, de ser livrado de todas as numerosas coisas na sua vida que não
podem ser levadas para a eternidade.

A Cruz em Operação

A cruz é mais do que uma doutrina; deve ser posta em prática. Não
pense que o caminho para a humildade é lembrando-nos constantemente que
não devemos ser orgulhosos. Devemos ser feridos uma vez após outra — ainda
que chegue a vinte vezes — até que nos rendamos e já não somos orgulhosos.
Nunca suponhamos que isto se realiza meramente por meio de seguir o ensino
de um determinado irmão. Não, é porque nosso orgulho tem sido quebrado
através do tratamento por Deus.
Mediante a operação da cruz, aprenderemos a depender da graça de
Deus, não da nossa memória. Quer lembremos, quer não, permanece o fato de
que Ele está realizando uma obra que é fidedigna e duradoura. Anteriormente,
o homem exterior e o interior não podiam ficar de mãos dadas; mas agora o
homem exterior espera meigamente, com temor e tremor, diante de Deus.
Cada um de nós tem necessidade desta disciplina da parte do Senhor. Ao
passarmos em revista a história do nosso passado, não podemos deixar de ver
a mão de Deus lidando com a independência, o orgulho, e o egoísmo do nosso
homem exterior. Descobrimos o significado das coisas que nos aconteceram.

CAPÍTULO 7

A SEPARAÇÃO E A REVELAÇÃO
Deus deseja não somente quebrantar o homem exterior, como também
separá-lo de tal maneira que o homem interior já não seja emaranhado nas
atividades do homem exterior. Ou podemos simplesmente dizer que Deus quer
dividir nosso espírito da nossa alma.
Quão raro é achar um espírito puro nestes dias. Geralmente quando
nosso espírito aparece, nossa alma aparece também; estão misturados. Assim,
a primeira exigência na obra de Deus é um espírito puro, não um espírito
poderoso. Aqueles que descuidam deste fato, embora sua obra talvez seja feita
com poder, a acharão destruída devido à falta de pureza. Embora possuam
verdadeiramente o poder de Deus, mesmo assim, por causa de ser misto o seu
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espírito, estão destruindo aquilo que edificam. Vamos ver se podemos
compreender como isto acontece.
Alguns podem pensar que, enquanto recebem poder da parte de Deus,
todas as suas habilidades naturais serão reconhecidas por Ele. Não é assim!
Quanto melhor conhecemos a Deus, tanto melhor conhecemos e amamos um
espírito puro — pureza esta que não permite nenhuma mistura entre o exterior
e o interior. Aquele cujo homem exterior não foi tratado não pode esperar que
o poder que flui de dentro dele seja puro. Se o poder espiritual é misturado à
medida em que sai da pessoa, ainda que os resultados pareçam bons, trata-se
de um pecado diante de Deus.
Muitos irmãos jovens, mesmo sabendo que o evangelho é o poder de
Deus, ainda insinuam sua própria habilidade, suas piadas, e seus sentimentos
pessoais na sua pregação do evangelho; deste modo, as pessoas tocam neles e
não somente no poder de Deus. Embora eles mesmos talvez não percebam o
fato, outros que são puros de espírito detectarão instantaneamente tais
impurezas. Quão frequentemente nosso zelo na labuta é misturado com prazer
natural. Estamos fazendo a vontade de Deus porque acontece que coincide
com a nossa. Ao ficarmos firmes por Deus estamos meramente expressando
nossa personalidade forte.
Visto que nosso maior problema é com esta impureza, Deus deve operar
em nossa vida de tal maneira que nosso homem exterior fique quebrantado e
nós fiquemos refinados das nossas impurezas. Enquanto Deus está quebrando
nossa casca exterior, dura, também está fazendo a obra do refinamento. Deste
modo, vemos Seu tratamento duplo da nossa pessoa: quebranta o homem
exterior, e divide-o do espírito. O primeiro é realizado através da disciplina do
Espírito Santo, ao passo que o segundo é através da revelação do Espírito.

A Necessidade de Ser Quebrantado e Dividido

O homem exterior precisa ser quebrantado para o espírito ser liberado.


Quando, porém, o espírito emergir não deve ser anuviado pelo homem exterior.
Este problema nos leva mais longe do que a liberação do espírito, porque diz
respeito à limpeza ou pureza do espírito.
Se alguém não for esclarecido quanto à natureza do homem exterior, e,
portanto, não for julgado rigorosamente diante de Deus, seu homem exterior
automaticamente sairá juntamente com seu espírito. Enquanto ele está
ministrando diante de Deus, nós podemos perceber que ele mesmo também se
manifestou. Pode exibir a Deus, mas também exibe seu próprio- eu não
julgado. Não é estranho que nossa parte mais destacada, nosso aspecto mais
forte, sempre toca em outras pessoas? Nosso homem exterior não julgado
projetará seu ponto mais forte sobre outras pessoas. Não há nada de
imaginativo nisto. Como você pode esperar que se tornará espiritual no púlpito
se não for espiritual no seu quarto? Você pode projetar-se para dentro da
espiritualidade? Por mais que você se esforce, você fica revelado cada vez que
abre sua boca.
Se você realmente deseja ser liberto, Deus terá de tratar do seu ponto
forte de modo básico, não apenas superficialmente. Somente depois de Ele ter
quebrantado você neste aspecto, é que seu espírito poderá ser liberado sem
suas impurezas serem impostas sobre outras pessoas.
A impureza é o maior problema na vida dos servos de Deus.
Frequentemente, tocamos tanto a vida como a morte em nosso irmão.
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Achamos a Deus, mas também ao próprio-eu, um espírito meigo, mas também
a teimosia, ao Espírito Santo, mas também a carne — tudo na mesma pessoa.
Quando se levanta para falar, impressiona os outros com um espírito misto, um
espírito que não é limpo. Assim, para Deus usar você como um ministro da Sua
palavra, para você ser Seu porta-voz, você deve buscar Sua graça por meio da
oração: "Ó Deus, faze uma obra em mim, para quebrantar e dividir meu
homem exterior." Senão, o Nome do Senhor sofrerá dano. Você está dando aos
homens aquilo que é de você mesmo enquanto ministra a palavra de Deus. O
Nome do Senhor não sofre porque você tem uma falta de vida, mas, sim, por
causa do seu fluxo de impurezas. A igreja de igual maneira.
Agora, tendo considerado a disciplina do Espírito Santo, o que se diz
acerca da revelação do Espírito Santo? A disciplina do Espírito Santo pode
anteceder Sua revelação, ou pode segui-la. Não há nenhuma ordem fixa; com
alguns, pode começar com Sua disciplina, noutros, com Sua revelação. Mesmo
assim, é certo que a disciplina do Espírito Santo excede Sua revelação.
Estamos nos referindo, naturalmente, à experiência dos filhos de Deus, e não á
doutrina. Para a maioria, parecerá que a disciplina desempenha um papel
muito maior do que a revelação.

Como a Palavra Viva Divide

"Porque a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais cortante do que


qualquer espada de dois gumes, e penetra até ao ponto de dividir alma e
espírito, juntas e medulas, e apta para discernir os pensamentos e propósitos
do coração. E não há criatura que não seja manifesta na sua presença; pelo
contrário, todas as coisas estão descobertas e patentes aos olhos daquele a
quem temos de prestar contas" (Hb 4: 12, 13).
A primeira coisa a ser notada é que a palavra de Deus é viva. Sua palavra
certamente estará viva quando a virmos assim. Se, pois, não a achamos viva,
simplesmente deixamos de ver a palavra de Deus. Talvez tenhamos lido as
palavras da Bíblia, mas se não tocarmos em algo vivo, não vemos a palavra de
Deus.
João 3: 16 diz: "Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o
seu Filho unigénito, para que todo o que nele crê não pereça, mas tenha a vida
eterna." Considere como alguém ouve semelhante palavra; ajoelha-se e ora:
"Senhor, Te dou graças e Te louvo, porque Tu me amaste e me salvaste!"
Sabemos imediatamente que este homem tocou a palavra de Deus, porque
Sua palavra ficou sendo viva para ele. Outro homem pode estar assentado ao
lado do primeiro, escutando as mesmíssimas palavras, mas não realmente
ouvindo a palavra de Deus. Não há qualquer resposta viva da parte dele. Há
somente uma conclusão que podemos tirar: visto que a palavra de Deus é viva,
aquele que escuta e não vive, não ouviu a palavra de Deus.
Não somente a palavra de Deus é viva; é também eficaz. "Viva" indica
sua natureza, ao passo que "eficaz" indica sua capacidade de realizar a obra do
homem. A palavra de Deus não pode voltar vazia; prevalecerá e realizará seu
propósito. Não é mera palavra, mas, sim, a palavra que operará de tal maneira
que trará resultados.
O que, pois, a Palavra de Deus faz por nós? Penetra e divide. É mais
cortante do que qualquer espada de dois gumes. Seu corte é demonstrado
nisto: "penetra até ao ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas." Note
a analogia aqui: a espada de dois gumes contra juntas e medulas, é a Palavra
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de Deus contra a alma e o espírito. As juntas e as medulas estão embutidas
profundamente no corpo humano. Separar as juntas é cortar através dos ossos;
dividir as medulas é rachar os ossos. Somente duas coisas são mais difíceis de
serem divididas do que as juntas e as medulas: a alma e o espírito. Nenhuma
espada, por mais afiada que seja, pode dividi-los. Semelhantemente, nós
somos totalmente incapazes de distinguir entre o que é alma e o que é espírito.
A Escritura, porém, nos informa que a Palavra viva de Deus pode fazer este
trabalho, porque é mais cortante do que qualquer espada de dois gumes. A
Palavra de Deus é viva, eficaz, e capaz de penetrar e dividir. É a alma e o
espírito do homem que assim são penetrados e divididos.
Talvez alguém levante a seguinte questão: "Não parece que a Palavra de
Deus fez qualquer coisa especial em mim. Frequentemente ouvi as palavras de
Deus e até mesmo recebi revelação, mas, não sei o que é esta penetração,
nem compreendo esta divisão. Pelo que eu saiba, estes dois processos me são
estranhos."
Como a Bíblia responde a esta pergunta para nós? Diz: "penetra até ao
ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas," mas passa a dizer também
que é "apta para discernir os pensamentos e os propósitos do coração."
"Pensamentos" se refere àquilo que deliberamos em nosso coração e
"propósitos" tem referência aos nossos motivos. Desta maneira, a Palavra de
Deus é capaz de discernir tanto o que pensamos como o que motiva os
pensamentos.
Consequentemente, podemos facilmente identificar aquilo que vem do
homem exterior. Confessamos bem levianamente: "Aquilo foi da alma, porque
veio do próprio-eu." Mas não "vemos" realmente o que é a alma ou o próprio-
eu. Depois, certo dia, a misericórdia de Deus vem a nós, a Sua luz brilha sobre
nós, e Sua voz nos anuncia de modo severo e solene: "O que você
frequentemente chama do seu próprio-eu é você mesmo! Você falou acerca da
carne de modo leviano e fácil. Você deve "ver" como Deus odeia isto e não
permitirá que assim continue."
Antes deste "ver", temos conseguido falar de modo jocoso acerca da
carne; mas uma vez tendo sido feridos com a luz, confessaremos: "Ah! é isto! É
acerca disto que tenho falado." Assim, temos mais do que uma divisão
intelectual. É a Palavra de Deus que vem sobre nós para nos indicar aquilo que
pensamos e propomos em nosso coração. Recebemos uma dupla iluminação:
como nossos pensamentos têm sua origem na carne, e como nossas intenções
são inteiramente egoístas.
Para ilustrar este fato, consideremos duas pessoas não convertidas. Uma
delas tem consciência de ser um pecador. Frequentou muitas reuniões e
escutou muitas mensagens sobre o pecado. A pregação clara levou-o a
reconhecer-se pecador. Quando, porém, se refere assim a si mesmo, pode
mencionar o fato com risos, como se realmente não importasse. Outro pecador
escuta a mesma mensagem, e a luz de Deus raia sobre ele. O Espírito o
convence de tal maneira que se prostra no chão e ora: "Oh! é isto que eu sou
— um pecador" Não somente ouviu pela Palavra de Deus que é um pecador,
como também "viu" que esta é a sua verdadeira condição. Condenasse a si
mesmo. Está abatido até ao chão. Iluminado desta maneira, pode confessar
seu pecado e receber a salvação da parte do Senhor. A partir de agora, nunca
falará leviana ou jocosamente acerca do pecado que "viu." Mas o primeiro, que
pode descrever-se jocosamente como pecador, não "viu" e, portanto, não é
salvo.
46
Como você reage hoje a esta mensagem de que seu homem exterior
interfere seriamente com Deus e deve ser quebrantado por Ele? Se você
começa a falar sobre ela de modo livre e fácil, com certeza não tocou em você.
Se, por outro lado, você for iluminado por ela, você dirá: "Ó Senhor, hoje
começo a conhecer a mim mesmo. Até agora, não tinha reconhecido meu
homem exterior." E à medida em que a luz de Deus o cerca, descobrindo seu
homem exterior, você cai no chão, sem poder mais ficar de pé. Imediatamente,
você "vê" o que você é.
Certa vez, você disse que amava ao Senhor, mas, sob a luz de Deus,
descobre que não é assim — é a você mesmo que você realmente ama. Esta
luz realmente divide você e o coloca à parte. Está internamente separado, não
pela sua mentalidade, nem por meros ensinos, mas, sim, pela luz de Deus.
Certa vez, você disse que era zeloso pelo Senhor, mas agora a luz de Deus
demonstra que seu zelo era inteiramente movido pela sua própria carne e
sangue. Você pensava que amava os pecadores enquanto pregava o
evangelho, mas agora veio a luz, e você descobre que sua pregação do
evangelho tem sua origem principalmente do seu amor à atividade, do seu
deleite em falar, da sua inclinação natural. Quanto mais profundamente esta
luz divina brilha, tanto mais são revelados os pensamentos e propósitos do seu
coração. Certa vez, você supunha que seus propósitos e intenções eram do
Senhor, mas nesta luz penetrante, você sabe que são inteiramente de você
mesmo. Esta luz humilha você diante do Senhor.
Consequentemente, aquilo que supúnhamos ser do Senhor revela que é
de nós mesmos. Embora tínhamos proclamado que nossas mensagens eram
dadas pelo Senhor, agora a luz do céu nos compele a confessar que o Senhor
não nos falou, ou, se falou, quão pouco Ele disse. Quão grande porção da obra
do Senhor, assim-chamada, acaba sendo atividades carnais! Este desvendar da
natureza verdadeira das coisas, ilumina-nos para termos o conhecimento
verdadeiro daquilo que é de nós mesmos e daquilo que é do Senhor, quanto
vem da alma e quanto do espírito. Quão maravilhoso seria se pudéssemos
anunciar: a Sua luz brilhou, nosso espírito e nossa alma estão divididos, e os
pensamentos e propósitos do nosso coração são discernidos.
Vocês que tiveram experiência disto sabem que é além de mero ensino.
Todos os esforços para distinguir o que é do próprio-eu e o que é do Senhor,
para separar as coisas que são do homem exterior daquelas que são do
homem interior — até ao ponto de alistá-las item por item e depois decorá-las
— revelaram-se como nada mais do que esforços desperdiçados. Você continua
a comportar-se exatamente como de costume, pois não pode ver-se livre do
seu homem exterior.
Talvez você possa condenar a carne, talvez se orgulhe de poder
identificar tal e tal coisa como pertencente à carne, mas ainda não está liberto
dela.
A liberação vem da luz de Deus. Quando aquela luz brilhar, você
imediatamente verá quão superficial e carnal foi sua negação da carne, quão
natural foi sua crítica daquilo que é natural. Mas agora o Senhor desnudou
diante dos seus olhos os pensamentos e os propósitos do seu coração. Você cai
prostrado diante dEle e diz: "Ó Senhor! Agora sei que estas coisas realmente
são do meu homem exterior. Somente esta luz pode realmente dividir meu
exterior do meu interior."
Assim acontece que até mesmo nossa negação do nome exterior e nossa
firme resolução no sentido de rejeitá-lo, em nada ajudará. Sim, até mesmo a
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própria confissão do nosso pecado dá em nada, e nossas lágrimas de
arrependimento precisam ser lavadas no sangue. Quanta estultícia,
imaginarmos que poderíamos desmascarar o nosso pecado! Somente na Sua
Luz é que "veremos" e seremos desmascarados. Deve ser Sua obra pelo
Espírito, não nossos esforços da alma – ou seja, não da nossa própria mente.
Este é o único caminho de Deus.
É por isso que Deus diz: "A minha Palavra é viva e eficaz. A minha espada
é a mais afiada de todas. Quando a minha Palavra vem ao homem, é capaz de
dividir a alma e o espírito, assim como uma espada de dois gumes pode dividir
as juntas e as medulas."
Como é que ela divide'.' Por meio de revelar os pensamentos e os
propósitos do coração. Nós não conhecemos nosso próprio coração. Amados,
somente aqueles que estão na luz, conhecem seu próprio coração. Ninguém
mais o conhece, ninguém mesmo! Quando, porém, vier a palavra de Deus, nós,
"vemos." Somos desmascarados como sendo egocêntricos, procurando apenas
a gratificação, a glória, a proeminência e o prestígio para nós mesmo. Quão
bendita é aquela luz que nos leva a cair aos Seus pés.

O Que É uma Revelação?

A Escritura que estamos considerando continua assim: "E não há criatura


que não seja manifesta na sua presença; pelo contrário, todas as coisas estão
descobertas e patentes aos olhos daquele a quem temos de prestar contas."
Aqui, o Senhor nos dá o padrão ou o critério para a divisão. O que se constitui
em revelação pelo Espírito Santo? Quanto devemos ver antes de se tratar de
uma revelação? Hb 4:13 pode nos ajudar a responder. A revelação nos capacita
a ver o que Deus vê. Todas as coisas estão descobertas e patentes aos Seus
olhos. Qualquer venda está em nossos próprios olhos, não nos de Deus.
Quando Deus abre nossos olhos a fim de que saibamos o propósito do nosso
coração e nosso pensamento mais profundo na medida em que Ele mesmo nos
conhece — esta é revelação. Assim como somos descobertos e patentes diante
dEle, assim o somos diante de nós mesmos quando recebemos a revelação.
Esta é a revelação: termos permissão de ver o que nosso Senhor vê.
Se Deus nos for misericordioso e nos outorgar até mesmo uma pequena
medida da revelação, de modo que possamos nos ver como somos vistos por
Ele, seremos imediatamente prostrados em terra. Não precisamos fazer esforço
para sermos humildes. Aqueles que vivem na luz não podem ser orgulhosos. É
somente enquanto vivemos nas trevas que podemos ser orgulhosos. Fora da
luz de Deus, os homens podem ser arrogantes e altivos; mas sob a revelação
da luz somente podem prostrar-se diante dEle.
Enquanto você avançar, fica sendo cada vez mais evidente que é
extremamente difícil explicar esta questão de dividir o natural do espiritual, o
exterior do interior. Somente à medida em que há revelação é que o problema
é solucionado. Seja para o que você for capacitado a discernir entre os
pensamentos e propósitos do seu coração, pode ter certeza de que sua alma e
seu espírito estão sendo divididos.
Se você desejar ser usado por Deus, mais cedo ou mais tarde você
deixará a luz brilhar sobre você. Você se voltará a Ele e dirá: "Ó Deus, sou
completamente indigno de confiança. Não sei a quem estou acusando, nem
qual pecado estou confessando. Somente na Tua luz poderei saber." Antes de
você receber iluminação, você pode dizer que é um pecador, mas falta-lhe a
48
contrição do pecador; talvez você pense que odeia a si mesmo, mas não tem
nenhum senso real de aborrecimento de si; talvez você diga que nega a si
mesmo, mas falta o senso de abnegação. Uma vez que a luz vem, a cobertura
da superfície é arrancada, e aquilo que é "real" ou "original" é revelado. Que
desvendamento, ver que somente amo a mim mesmo; ver que estou logrado,
e enganando o Senhor; ver que não amo a Ele! Esta luz mostra a você o que
você é e o que você tem feito. Doravante, você terá o conhecimento interior
daquilo que pertence ao próprio-eu. Sem este julgamento pela luz, você nem
sequer pode imitar, mas agora, à medida em que a luz de Deus julga, o espírito
e a alma são divididos; a imitação é impossível.
O que o Senhor faz é penetrar para dentro do nosso homem interior com
uma luz intensa. Pode acontecer enquanto estamos escutando uma
mensagem, ou orando sozinhos, ou tendo comunhão com outros, ou até
mesmo andando sozinhos. Esta luz incomparável nos mostra quanto pertence
a nós mesmos. Revela-nos que quase nada que procede de nós mesmos vem
da parte do Senhor. Na conversação, nas atividades, nas obras, no zelo, na
pregação, na ajuda aos outros - em todos os campos da vida, nosso próprio-eu
permeia tudo. Uma vez, porém, que nosso próprio-eu oculto é trazido â luz,
nossa condenação do homem exterior será espontânea. Nas ocasiões
subsequentes, sempre que ele se expressar, imediatamente nos lastimaremos
disto e o julgaremos. É somente depois de tal iluminação que somos capazes
de dividir o espírito da alma. Doravante, viveremos diante do Senhor com
nosso espírito liberado. É puro agora, e não oferece dificuldade alguma ao
Senhor.
Desta maneira, a divisão do espírito e da alma depende da iluminação;
ou seja: podemos ver como Deus vê. Exatamente o que Deus vê? Vê aquilo que
nós não vemos. Somos cegos àquilo que é de nós mesmos, e pensamos que é
de Deus quando realmente não é. O que professamos ser bom, agora
condenamos segundo aquela luz. Aquilo que considerávamos certo, agora o
rejeitamos. Aquilo que passava por espiritual, agora reconhecemos como sendo
da alma. E aquilo que pensávamos que era de Deus, agora reconhecemos
como sendo do próprio eu. Confessamos: "Senhor! Agora chego a conhecer a
mim mesmo. Estive cego durante vinte ou trinta anos, e não o percebia. Não
tenho visto conforme Tu tens visto."
Semelhante visão liberta você do peso morto do próprio- eu. Ver é o
tratamento dEle. A Palavra de Deus é eficaz, porque o ilumina ao ponto de
poder despir o homem exterior. Não é que depois de você ter ouvido a Palavra
de Deus que paulatinamente se transforma, como se a visão fosse um passo, e
o despojar, outro passo. Não: a própria iluminação é um despojar; as duas
coisas ocorrem simultaneamente. Tão logo a luz atinge, a carne está morta.
Nenhuma carne pode viver naquela luz. No momento em que alguém entra na
luz, prostra-se. A luz secou a sua carne. Amados, isto é eficácia. Realmente, a
Palavra passa a esperar que você produza. A Sua palavra é eficaz na sua vida.
Que o Senhor abra os nossos olhos para vermos a importância da disciplina do
Espírito Santo e Sua revelação. Estes dois dão as mãos para tratarem de modo
eficaz em nosso homem exterior. Dependamos de Deus para recebermos Sua
graça que nos capacitará a colocar-nos sob Sua luz e sermos iluminados ao
ponto de nos curvar diante dEle, reconhecendo: "Senhor, quão estulto e cego
tenho sido todos estes anos, ao pensar erroneamente que aquilo que fluía de
mim vinha de Ti. Senhor, sê misericordioso comigo!"
CAPÍTULO 8
49
QUE IMPRESSÃO DAMOS?
Para fazermos a obra do Senhor não depende tanto das nossas palavras
ou ações, mas, sim, daquilo que vem saindo de nós. Não temos capacidade de
edificar os outros se dizemos uma coisa e emitimos da nossa vida outra, se
encenamos uma maneira de viver e realmente vivemos de outra. Aquilo que
emana de nós é uma consideração importante.
Frequentemente dizemos que nossa impressão de certa pessoa é boa ou
má. Como recebemos semelhante impressão? Não é somente das suas
palavras, nem sequer das suas ações. Alguma coisa misteriosa expressa-se
enquanto ele está falando ou agindo. É isto que nos dá a impressão.
O que os outros sentem em nós é nossa característica mais destacada.
Se nossa mente nunca foi tratada, e é indisciplinada, naturalmente usaremos
nossa mente para entrar em contato com as pessoas, e elas ficarão
impressionadas com seu vigor. Ou se possuímos uma afeição exagerada, se
somos demasiadamente calorosos ou frios, outras pessoas tomarão nota disto
na sua impressão de nós. Seja qual for nossa característica mais forte,
invariavelmente se destacará e impressionará outras pessoas. Talvez possamos
controlar nossas palavras ou nossas ações, mas não podemos refrear aquilo
que expressa nossa natureza. Não podemos deixar de revelar aquilo que
somos.
2 Reis 4, narra como a sunamita recebia Eliseu. "Certo dia passou Eliseu
por Suném, onde se achava uma mulher rica, a qual o constrangeu a comer
pão. Daí todas as vezes que passava por lá entrava para comer. Ela disse a seu
marido: Vejo que este que passa sempre por nós, é santo homem de Deus."
Note que Eliseu não pregou sermão algum, nem operou milagre algum.
Meramente fazia uma rápida visita e comia, sempre que passava por aquele
caminho. Pelo modo dele comer, a mulher o reconhecia como sendo um santo
homem de Deus. Esta era a impressão que Eliseu dava aos outros.
Devemos perguntar a nós mesmos: qual é a impressão que damos aos
outros? Quantas vezes enfatizamos a necessidade para nosso homem exterior
ser quebrantado. Se este quebrantamento não for realizado, outras pessoas
encontram o impacto do nosso homem exterior. Sempre que estamos na
presença delas, sentem-se constrangidas por nosso amor próprio, ou por nosso
orgulho, ou obstinação, ou habilidade, ou eloquência. Talvez a impressão que
deixamos seja favorável, mas Deus está sendo satisfeito? Semelhante
impressão servirá à necessidade da igreja? Se Deus não está satisfeito, e a
igreja não está sendo ajudada, qualquer impressão que deixamos é em vão.
Amados, a plena intenção de Deus requer que nosso espírito seja
liberado. É imperativo para o crescimento da igreja. Como é urgente, portanto,
que nosso homem exterior seja quebrantado! Sem este quebrantamento,
nosso espírito não poderá emergir e a impressão que deixaremos com outras
pessoas não será espiritual.
Suponhamos que um irmão está falando sobre o Espírito Santo. Embora
seu assunto seja o Espírito Santo, suas palavras, suas atitudes, e suas
ilustrações estão cheias de si mesmo. Talvez sem saber por que, o auditório
sofre interiormente enquanto o escuta. Sua boca está cheia do Espírito Santo,
mas a impressão que deixa com seus ouvintes é dele mesmo. Qual é o valor
espiritual de semelhante conversa vazia? Nenhum.

50
Ao invés de ressaltar o ensino, coloquemos mais ênfase sobre aquilo que
sai de nós. Deus não está nos observando para ver se nosso ensino se torna
mais profundo; quer lidar conosco como indivíduos. Se nossa natureza não for
corretamente tratada, poderemos emitir o assim chamado ensino espiritual,
mas não há qualquer comunicação espiritual. Como é trágico quando
meramente impressionamos o homem exterior mas não transmitimos nada de
impressão viva ao homem interior!
Uma vez após outra, Deus dispõe nossas circunstâncias para quebrantar-
nos em nosso ponto forte. Você poderá ser ferido uma vez, duas vezes, mas
ainda o terceiro golpe terá de vir. Deus não soltará você. Não deterá Sua mão
até que tenha quebrantado aquela característica de destaque em você.
Aquilo que o Espírito Santo realiza quando estamos sendo disciplinados é
totalmente diferente daquilo que acontece quando estamos ouvindo uma
mensagem. Uma mensagem que ouvimos pode frequentemente ficar em nossa
mente por vários meses, possivelmente até durante anos, antes da sua
verdade tornar-se operacional em nós. Deste modo, o ouvir frequentemente
antecede o verdadeiro entrar na vida. Através da disciplina do Espírito Santo,
porém, percebemos a verdade mais rapidamente, e assim a possuímos. Como
é estranho que captamos mero conhecimento através de uma mensagem
muito mais rapidamente do que aprendemos a realidade através da disciplina!
Uma vez que ouvimos, nos lembramos. Podemos, porém, ser disciplinados dez
vezes e ainda ficar querendo saber porque. O dia em que a disciplina realiza
seu propósito é o dia em que você realmente "vê" a verdade e entra na sua
realidade. Assim, a obra do Espírito Santo é demoli-lo de um lado, e reedificá-lo
do outro lado. Assim, seu coração dirá: "Graças ao Senhor! Agora sei que Sua
mão que estava sobre mim durante estes últimos cinco ou dez anos tem sido
precisamente para quebrantar este ponto forte em mim."

A Obra Notável de Morrer Através da Dominação

Tendo considerado a operação disciplinar do Espírito Santo, agora


vejamos como Ele emprega outros meios para lidar com nosso homem exterior.
Além da disciplina, haverá a iluminação. Às vezes estas duas são usadas
simultaneamente, às vezes alternadamente. Às vezes a disciplina é
demonstrada em circunstâncias que visam o nivelamento da nossa
característica destacada: noutras vezes, Deus graciosamente brilha sobre nós
para nos iluminar. A carne, conforme sabemos, jaz oculta nas trevas. Permite-
se a existência de muitas obras da carne porque nós não as reconhecemos
como tais. Uma vez que a Sua luz nos revela a carne, trememos, e não
ousamos movimentar-nos.
Observamos especialmente este fato em tempos em que a igreja está
rica na palavra de Deus. Quando o ministério da Sua palavra é forte, e não há
falta de ministério profético, a luz aparece, clara e forte. Em tal luz, você chega
a reconhecer que até mesmo a condenação do seu orgulho é em si mesma
orgulho. Na realidade, sua própria maneira de falar contra seu orgulho é
jactanciosa. Deste modo, tão logo que você vê o orgulho na luz, você
certamente dirá: "Ai de mim! Então isto é orgulho — quão repugnante e impuro
ele é!" O orgulho visto à luz da revelação é completamente diferente do
orgulho acerca do qual se fala tão levianamente. A iluminação desmascara a
condição verdadeira. Imediatamente raia sobre você que é dez mil vezes pior
do que quaisquer das suas noções preconcebidas acerca de si mesmo. No
51
mesmo momento, seu orgulho, seu próprio-eu, e sua carne murcham de tudo e
morrem sem esperança alguma da sobrevivência.
Tudo quanto é revelado "na luz" é morto por ela. Isto é muito
maravilhoso. Não somos primeiramente iluminados para então, no decorrer do
tempo, paulatinamente sermos trazidos para a morte. Pelo contrário, caímos
instantaneamente diante da vinda da luz. À medida em que o Espírito Santo
revela, recebemos nosso tratamento. A revelação, portanto, inclui tanto o ver
quanto o morrer. É o modo sem igual de Deus tratar. Uma vez que a impureza é
realmente exposta, não poderá permanecer. Logo, a luz tanto revela quanto
mata.
Esta ação de ser morto pela luz é uma das experiências cristãs mais
necessárias. Paulo não foi correndo para a beira da estrada para ajoelhar-se
quando a luz brilhou sobre ele. Caiu em terra. Embora fosse naturalmente
capaz e autoconfiante, reagiu à luz ao cair, um pouco perplexo, mas
intimamente desmascarado. Quão eficaz era esta luz que prostrou-o em terra!
Notemos que isto aconteceu de uma só vez. Poderíamos supor que Deus
primeiramente ilumina nosso entendimento e depois nos deixa para calcular
tudo. Este não é o modo de Deus agir. Deus sempre nos mostra quão odiosos e
poluídos somos, e nossa resposta imediata é: "Ai de mim! Como sou miserável
— tão impuro, tão desprezível!" Se Deus revela nosso verdadeiro eu, caímos
como mortos. Uma vez que uma pessoa orgulhosa tenha sido iluminada, não
poderá sequer fazer uma tentativa de ser orgulhosa — nunca mais! O efeito
daquela iluminação deixará sua marca sobre ela durante todos os seus dias.
Do outro lado, este tempo de iluminação também é o tempo para crer —
não para pedir, mas para curvar-se até ao chão. Deus segue o mesmo princípio
ao salvar-nos como faz ao operar em nós mais tarde. Quando o brilho do
evangelho resplandece em nós, não oramos: "Senhor, rogo-Te, sé meu
Salvador." Orar assim, até mesmo por dias a fio, não traria a certeza da
salvação. Dizemos simplesmente: "Senhor, eu Te recebo como meu Salvador."
Imediatamente, a salvação ocorre! De modo semelhante, na operação
subsequente de Deus, tão logo que a luz vem sobre nós, devemos
imediatamente prostrar-nos sob Sua luz e dizer ao Senhor: "Senhor, aceito a
Tua sentença. Concordo com Teu julgamento." Isto nos preparará para mais luz.
Naquela hora do desvendamento, até mesmo as ações nobres —
realizadas em nome dEle e por amor a Ele — de alguma maneira perderão seu
brilho. Em todo propósito sublime você perceberá a inclinação mais vil. Aquilo
que você considerava como sendo inteiramente para Deus, agora parece
crivado com o próprio-eu. Ai! O próprio-eu parece permear todo vestígio do seu
ser, furtando a Deus a Sua glória.
A nós tem parecido que não há profundidade que o próprio homem não
possa sondar! Mesmo assim, é necessária a revelação de Deus para
desmascarar a condição real do homem. Deus não parará até que nos desnude
a fim de que vejamos a nós mesmos. De início, somente Ele sabe, porque
sempre estamos descobertos e patentes diante dEle. Mas uma vez que Deus
nos revelou os pensamentos e propósitos do nosso coração, então estamos
descobertos diante de nós mesmos. Como voltaremos a erguer nossa cabeça?
A nossa própria brandura fica sendo coisa do passado. Embora tenhamos
pensado que éramos melhor do que outras pessoas, agora sabemos o que
realmente somos, e temos vergonha de nos mostrar. Procuramos em vão uma
palavra adequada para descrever nossa impureza e nossa condição
desprezível. Nossa vergonha pesa sobre nós, como se carregássemos a
52
vergonha do mundo inteiro. Como Jó, caímos diante do Senhor e nos
arrependemos de nós mesmos: "Por isso me abomino, e me arrependo no pó e
na cinza." Semelhante iluminação, semelhante aborrecimento de si mesmo,
semelhante vergonha e humilhação, semelhante arrependimento, libertam-nos
da escravidão de longos anos. Quando o Senhor ilumina, liberta. A iluminação é
a libertação, e o ver é a liberdade. Somente assim é que nossa carne cessa de
operar, e nossa casca externa é quebrantada.

A Disciplina Comparada com a Revelação

Passemos agora a comparar a disciplina e a revelação do Espírito Santo.


A disciplina do Espírito Santo geralmente é um processo mais lento, repetida
uma vez após outra, talvez durante anos até que a questão em pauta seja
finalmente tratada. (Aliás, esta disciplina do Espírito Santo frequentemente
existe sem qualquer fornecimento de ministério). Não é assim com a revelação
do Espírito Santo. Esta frequentemente vem rapidamente, dentro de uns
poucos dias ou, possivelmente, uns poucos minutos. Sob a luz de Deus você
verá em pouquíssimo tempo sua condição verdadeira e quão inútil você é.
Depois, também, a revelação frequentemente vem através do suprimento da
Palavra de Deus. É por isso que a revelação do Espírito Santo se multiplica
quando a igreja está forte e o ministério da Palavra de Deus é rico.
Ninguém, no entanto, deve imaginar que, na ausência de semelhante
ministério rico e de semelhante revelação transbordante, então está livre para
viver de acordo com seu homem exterior. É importante lembrar-se de que a
disciplina do Espírito Santo ainda está operante. Embora alguém esteja privado
do contato com outros crentes por muitos anos, a presença do Espírito Santo
com ele é uma garantia de que possa chegar a uma boa condição espiritual,
posto que é responsivo à disciplina do Espírito. Embora a fraqueza da igreja
possa ter como resultado que alguns membros tenham falta do suprimento da
palavra de Deus, somente podem culpar a si mesmos se deixam de perceber o
valor da disciplina do Espírito. Além disto, o fracasso deles não quer dizer que o
Espírito Santo não os disciplinou, nem os disciplina. Pelo contrário, significa que
os anos de disciplina não produziram efeito algum. Embora o Senhor tenha
ferido uma vez após outra, permaneceram ignorantes do significado disto.
Como um cavalo ou mula, teimosos e destituídos de entendimento, parece que
não sondam a mente do Senhor — mesmo após dez anos de tratamento. Quão
lastimáveis são os tais! Somente podemos tirar a seguinte conclusão: a
disciplina é abundante em muitas vidas, mas reconhecer a mão do Senhor
naquela disciplina é realmente raro.
Quão frequentemente, quando o Senhor trata conosco, vemos somente a
mão do homem. Isto é inteiramente errado. Como o Salmista, nossa atitude
deve ser: "Emudeço, não abro os meus lábios, porque tu fizeste isso" (Salmo
39:9). Devemos lembrar-nos de que é Deus quem está tratando conosco, e não
nosso irmão, nossa irmã, ou qualquer outra pessoa.
O Senhor nos tem disciplinado durante anos, mas, ao invés de
reconhecer Sua mão, culpamos outras pessoas ou o destino pelos
acontecimentos? Que sejamos lembrados de que tudo é medido por Deus para
nós. Ele predeterminou seu tempo, seus limites, e sua força, a fim de
quebrantar nossa característica destacada que é de difícil trato. Oxalá
tenhamos a graça suficiente para reconhecer o significado da Sua mão ao
procurar despedaçar este homem exterior. Até que isto aconteça, as pessoas
53
somente encontrarão aquele próprio-eu imperioso quando entram em contato
conosco. Até que o quebrantamento seja levado a efeito, nosso espírito não
pode fluir livremente em direção a elas.
Oremos sinceramente no sentido de a igreja vir a conhecer a Deus como
nunca antes, a fim de que os filhos de Deus sejam cada vez mais frutíferos
para Ele. O Senhor pretende trazer-nos para uma posição em que não somente
a mensagem do evangelho e nosso ministério do ensino sejam correios, como
também estejamos certos. A questão é: Deus pode ser plenamente liberado
através do nosso espírito? Quando o espírito é liberado, supre as necessidades
do mundo. Nenhuma obra é mais importante ou mais eficiente do que esta, e
nada pode substituí-la. O Senhor não Se preocupa tanto com seus ensinos ou
sermões quanto com a impressão que você dá. O que é que vem de você? Esta
é a vara da medida final. Você impressiona as pessoas com você mesmo ou
com o Senhor? Você deixa as pessoas tocarem seu ensino ou seu Senhor? Isto
é realmente vital, pois determina o valor de toda a sua labuta e obra.
Amado, tenha certeza de que o Senhor presta muito mais atenção àquilo
que vem da sua vida interior do que àquilo que sai da sua boca. Não se
esqueça de que em todo contato que você fizer com outra pessoa, algo sai de
dentro de você. Ou é você, ou é Deus, que flui, ou seu homem exterior, ou o
espírito. Finalmente, perguntaria: Quando você fica em pé diante das pessoas,
o que se manifesta? E a fim de não darmos uma resposta demasiadamente
apressada, lembremo-nos de que esta pergunta básica somente poderá ser
corretamente respondida "na Sua luz."

CAPÍTULO 9

AMEIGUICE NO QUEBRANTAMENTO
O método de Deus quebrantar nosso homem exterior varia de acordo
com o alvo. Expliquemos o alvo da seguinte maneira: com alguns, é seu amor-
próprio; com outros, é seu orgulho. Há, também, aqueles cuja autoconfiança e
habilidade precisam ser destruídas; tais pessoas se acharão em um
predicamento após outro, derrotadas a cada passo, até que aprendam a dizer:
"Não vivemos na sabedoria da carne, mas, sim, na graça de Deus." Além disto,
aqueles cuja característica destacada e a subjetividade se acharão em
circunstâncias peculiares à sua necessidade. E, além disto, há aqueles que
sempre estão borbulhando com ideias e opiniões. Embora a Bíblia afirma: "Há
coisa que seja maravilhosa demais para o Senhor?" alguns irmãos sustentam
que nada é difícil demais para eles! Jactam-se de que podem fazer tudo, mas,
estranhamente, fracassam em todos os empreendimentos. As coisas que
pareciam tão fáceis desmontam-se nas suas mãos. Perplexos, perguntam "Por
que?" É esta a maneira de o Espírito Santo tratar com eles a fim de atingir o
alvo necessário. Tais ilustrações mostram como o alvo do Espírito varia com o
respectivo indivíduo.
Há, também, uma variação no ritmo dos tratamentos pelo Espírito Santo.
Às vezes, os golpes podem suceder-se um após outro sem folga; ou pode haver
54
períodos de calmaria. Mas Deus disciplina todos aqueles a quem ama. Desta
maneira, os filhos de Deus têm feridas infligidas pelo Espírito Santo. Embora a
aflição possa variar, as consequências são as mesmas: o próprio-eu por dentro
está ferido. Assim Deus toca em nosso amor-próprio, nosso orgulho, nossa
habilidade ou nossa subjetividade, seja qual destes se constitui em Seu alvo
exterior. Pretende com cada tiro contra o alvo enfraquecer-nos ainda mais, até
que venha o dia em que somos esmagados e maleáveis nas Suas mios. Quer o
tratamento toque nossa afeição, quer nossos pensamentos, o resultado final é
produzir uma vontade quebrantada. Todos nós somos naturalmente obstinados.
Esta vontade teimosa é apoiada por nossos pensamentos, nosso amor-próprio,
nossa afeição, ou nossa habilidade. Este fato explica as variações nos tratos do
Espírito Santo conosco. Finalmente, é nossa vontade que Deus quer atingir,
pois é ela que representa nosso próprio-eu.
Deste modo, uma característica em comum destaca os que foram
iluminados e disciplinados — tornam-se meigos. A meiguice é o sinal do
quebrantamento. Todos aqueles que são quebrantados por Deus são
caracterizados pela meiguice. Anteriormente, podíamos nos dar ao luxo de
sermos obstinados, porque éramos como uma casa bem apoiada em muitos
pilares. À medida em que Deus remove os pilares, um após outro, a casa
forçosamente há de ruir. Quando os apoios externos são demolidos, o próprio-
eu não pode deixar de cair.
Devemos, no entanto, aprender a reconhecer a verdadeira meiguice. Não
seja enganado ao ponto de pensar que uma voz que fala suavemente indica
uma vontade mansa. Muitas vezes, uma vontade de ferro se esconde por
detrás da voz mais suave. A teimosia é uma questão de caráter, não da voz.
Alguns que aparentam ser mais mansos do que outros são — diante de Deus —
igualmente obstinados e egoístas. Para os tais, somente pode haver a
severidade do Seu tratamento até que não ousem agir com presunção. Pelo
desígnio de Deus, os tratamentos que parecem ser externos tocam-nos até o
âmago; nunca poderemos levantar nossa cabeça nestas questões específicas.
É decidido irrevogavelmente que nestas questões não podemos desobedecer
ao Senhor; não ousamos insistir em nossa opinião. O temor da mão do Senhor
nos refreia. É o temor de Deus que nos torna meigos. Quanto mais somos
quebrantados através dos tratamentos de Deus, tanto mais meigos nos
tornamos. Ver a verdadeira meiguice é contemplar o quebrantamento interior.
Ilustramos o fato da seguinte maneira: Depois de entrar em contato com
certo irmão, você pode sentir que ele verdadeiramente tem dons, mas, mesmo
assim, achar que ele não foi quebrantado. Muitos são assim — dotados, porém,
intatos. Sua falta de quebrantamento pode ser facilmente detectada. Tão logo
que você se encontra com eles, você sente um meio tom neles — você pode
sentir sua teima. Não é assim com quem é quebrantado; há uma meiguice
operada pelo Espírito. Seja em que ponto a pessoa foi tocada por Deus, ali ela
não ousa jactar-se. Aprendeu a temer a Deus neste ponto, e é transformada em
meiguice.
Note, por favor, como a Escritura usa metáforas diferentes para
descrever o Espírito Santo. Ele é como o fogo e como a água. O fogo fala do
Seu poder, a água da Sua purificação. Mas no que diz respeito ao Seu caráter,
diz-se que Ele é como uma pomba, meiga e mansa. O Espírito de Deus
incorporará Sua natureza em nós, pouco a pouco, até que nós, também,
sejamos caracterizados pela pomba. A meiguice, nascida do temor de Deus, é
o sinal do Espírito Santo para o quebrantamento.
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Considerando as Qualidades da Meiguice

Uma pessoa quebrantada pelo Espírito naturalmente possui a meiguice.


Seus contatos com as pessoas já não são marcados por aquela teima, dureza e
aspereza que são as marcas registradas de um homem não quebrantado. Já foi
trazido ao ponto em que sua atitude é tão meiga quanto sua voz é mansa. O
temor a Deus no seu coração naturalmente acha expressão nas suas palavras
e nas suas maneiras.

(1) Abordável
Há várias qualidades que caracterizam uma pessoa que é meiga: ela é
abordável — é tão fácil ter contato com ela, falar com ela, e fazer perguntas a
ela. Confessa prontamente os seus pecados e derrama lágrimas livremente.
Para alguns, é tão difícil derramar lágrimas. Não é que haja qualquer valor
especial nas lágrimas, mas naquele cujo pensamento, vontade e emoção foram
tratados por Deus, as lágrimas frequentemente denotam sua disposição para
ver e reconhecer sua falta. É fácil conversar com ele, porque sua casca exterior
foi quebrada. Aberto às opiniões dos outros, dá as boas-vindas às instruções, e,
nesta posição nova, pode ser edificado em todas as coisas.

(2) Altamente Sensível


Além disso, aquele que é meigo está alerta ao seu meio ambiente, visto
que seu espírito pode facilmente sair e tocar o espírito em cada um dos seus
irmãos. O mínimo movimento no espírito de outra pessoa não passa
desapercebido por ele. Quase imediatamente ele pode perceber a verdadeira
significação de uma situação — seja ela certa ou errada. Suas ações são bem-
consideradas, nem magoará os sentimentos dos outros com falta de
consideração.
Frequentemente persistimos em fazer coisas que, no espírito de outras
pessoas já foram condenadas. Nosso homem exterior não é quebrantado.
Outros sentem este fato, mas nós, não. Considere como isto pode ocorrer nas
reuniões de oração, quando os irmãos e as irmãs podem sentir repugnância
das nossas orações. Mesmo assim, não cessamos de falar monotonamente. Os
espíritos dos demais irmãos clamam: "Parem de orar," Mas permanecemos
insensíveis. Não há correspondência aos sentimentos dos outros. Não é assim
com aquele cujo homem exterior foi quebrantado. Porque o Espírito tocou
naturalmente e operou uma profunda sensibilidade e pode ser tocado também
pelo espírito de outros. Tal pessoa não ficará embotada diante das reações dos
outros.

(3) Pronto para uma Vida em Conjunto


Somente estes quebrantados sabem o que é o corpo de Cristo. Sem a
meiguice, dificilmente estariam prontos para participar da vida no corpo.
Começam a tocar o espírito do corpo, até mesmo os sentimentos dos outros
membros. Se alguém não tem este senso do corpo, é como um membro falso
do corpo, igual a uma mão artificial de Cristo, que pode movimentar-se com o
corpo físico, mas que não tem nenhuma sensação. O corpo inteiro sentiu este
fato, menos ele. Nem pode receber com meiguice a instrução ou a correção.
Um quebrantado, no entanto, pode tocar a consciência da igreja e perceber o
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seu sentimento, pois seu espírito está aberto ao espírito da igreja para receber
dela qualquer comunicação.
Quão preciosa é esta sensibilidade! Sempre que fazemos qualquer coisa
errada, imediatamente a sentimos. Embora não estejamos livres de fazer
coisas erradas, mesmo assim, possuímos uma faculdade que rapidamente nos
aferroa. Os irmãos e as irmãs sabem que você está errado, mas mesmo antes
de abrirem a boca você é trazido de volta ao seu bom-senso pelo mero contato
com eles. Você tocou o espírito deles, e isto lhe indica se aprovam ou
desaprovam. Torna-se evidente que a meiguice, que é o fruto do
quebrantamento, é uma exigência básica, e que é impossível sem a vida no
corpo.
O corpo de Cristo vive da mesma maneira que nosso corpo físico. Não
exige a conclamação de um concílio geral para chegar a decisões. Nem há
necessidade de discussões prolongadas; todos os membros naturalmente
possuem um sentimento em comum e aquele sentimento expressa a mente do
corpo. E, além disto, também é a expressão da mente da Cabeça. Assim, a
mente da Cabeça é conhecida através daquela do corpo. Depois de nosso
homem exterior ter sido quebrantado, começamos a viver naquela consciência
corpórea como membros correlatos do Seu corpo, e somos facilmente
corrigidos.

(4) Facilmente Edificado


A maior vantagem do quebrantamento, no entanto, não está em ter
nosso erro corrigido, mas, sim, em capacitar-nos a receber o suprimento da
totalidade do corpo. Nosso espírito então é liberado e aberto para receber a
ajuda espiritual de qualquer parte do corpo. Quem não for quebrantado
dificilmente, poderá ser ajudado. Suponhamos, por exemplo, um irmão muito
inteligente porém, não quebrantado. Pode vir às reuniões, mas não é tocado. A
não ser que encontre alguém cuja mente é mais aguçada do que a dele, não
será ajudado. Analisará os pensamentos do pregador e os rejeitará como sendo
inúteis e sem sentido. Meses e anos podem passar dessa forma sem ele ser
tocado. Está fechado pela parede da sua mente e parece que somente poderá
ser ajudado através da sua mente. Nesta condição, não pode receber a
edificação espiritual. Se, porém, o Senhor entrasse e despedaçasse esta
parede, mostrando-lhe a futilidade dos seus próprios pensamentos, ele ficará
atento como uma criança àquilo que os outros dizem. Já não desprezará
pessoas que parecem estar abaixo das suas habilidades ou capacidades.
Ao escutar uma mensagem, fará uso do seu espírito para entrar em
contato com o espírito do pregador, ao invés de focalizar sua atenção na
pronúncia das palavras ou na apresentação da doutrina. Quando o espírito do
pregador é liberado com uma palavra específica da parte do Senhor, o espírito
deste ouvinte é refrigerado e edificado. Se o espírito de alguém estiver livre e
aberto, recebe ajuda sempre que o espírito do seu irmão flui. Lembre-se,
porém, que esta não é a mesma coisa que ser ajudado na doutrina. Quanto
mais o espírito de um homem tem sido tratado por Deus, tanto mais ajuda
pode receber. E é verdade, além disto, que sempre que o Espírito de Deus Se
movimenta pela doutrina, pelas palavras, ou pela eloquência. Sua atitude está
inteiramente mudada. É uma lei invariável: que à medida em que alguém é
ajudado depende da condição do seu espírito.
Agora, devemos compreender claramente o que significa ser edificado.
Não pode significar pensamentos expandidos, nem compreensão melhorada,
57
nem maior acúmulo doutrinário. Simplesmente significa que meu espírito mais
uma vez entrou em contato com o Espírito de Deus. Não importa através de
que o Espírito de Deus Se movimenta, seja na reunião, seja na comunhão
individual; não sou menos nutrido e vivificado. Meu espírito é bem como um
espelho, que é polido cada vez.
Expliquemos o assunto assim: tudo quanto procede do espírito abrilhanta
tudo quanto toca. Como indivíduos, somos muito semelhantes a lâmpadas —
lâmpadas de cores diferentes. A cor, porém, não interfere com a passagem da
eletricidade através dela. Tão logo a eletricidade flui para dentro dela, ela se
acende. Assim acontece com nosso espírito; onde há o fluir do Seu Espírito,
esqueceremos a teologia que aprendemos. Tudo quanto sabemos é que o
Espírito veio. Ao invés do mero conhecimento, temos uma 'luz interior."
Estamos revificados e nutridos na Sua presença.
Anteriormente, nossa intelectualidade nos tornava impossíveis, mas
agora podemos ser facilmente ajudados. Agora compreendemos por que é
difícil para outros receberem ajuda. Entendemos que é necessário passar muito
tempo em oração antes de podermos tocá-los no espírito. Não há outra
maneira de ajudar uma pessoa obstinada. Conforme veremos na lição
seguinte, há um caminho que Deus designou para a eficácia verdadeira.

CAPÍTULO 10

DOIS CAMINHOS MUITO DIFERENTES


Devemos reconhecer dois caminhos muito diferentes que existem diante
de nós para recebermos a ajuda. Primeiramente, "há um caminho que parece
justo" em que a ajuda é recebida de fora — através da mente — pela doutrina
e pela sua exposição. Muitos até mesmo declararão que foram grandemente
ajudados por esta maneira. Mesmo assim, é uma "ajuda" muito diferente da
ajuda que Deus realmente pretende dar.
Em segundo lugar, devemos ver que o caminho de Deus é o caminho do
espírito que toca no espírito. Ao invés de ter nossa mentalidade desenvolvida
ou de adquirir um armazém de conhecimento, é por este outro meio de contato
que nossa vida espiritual é edificada. Que ninguém se engane; até que
tenhamos achado este caminho, não descobrimos o cristianismo verdadeiro.
Somente este é o caminho para a edificação e inspiração do nosso espírito.
Expliquemos o caso como segue: Se você estiver acostumado a sermões,
sem dúvida você ficaria aborrecido se ouvisse a mesma mensagem do mesmo
pregador duas vezes. Você sente certeza que basta ouvir aquela mensagem
uma só vez. É assim porque seu conceito do cristianismo é simplesmente
doutrina — armazenar conhecimentos correios na sua mente. Você não
percebe que a edificação não é uma questão de doutrina mas, sim, do espírito?
Se seu irmão fala através do espírito, você será lavado e purificado cada vez
que o espírito dele toca em você, independentemente de quão familiar é o
assunto ou de quantas vezes você já ouviu aquele tema específico. Qualquer
ensinamento ou doutrina que não resulta na revificação do espírito pode
somente ser considerado preceito ineficaz.

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Além disto, há algo bem notável em quem foi quebrantado. Se você for
alguém que realmente é quebrantado, você descobrirá que não somente
poderá prestar socorro, como também, ao assim fazer você também é ajudado.
Alguém lhe faz uma pergunta, e ao respondê-la você é ajudado. Você está
orando com um pecador que está buscando ao Senhor, e, mais uma vez, você
está fortalecido no íntimo. Você pode ser guiado a falar severamente com um
irmão que deslizou; não somente o espírito dele é revificado, mas você
também é edificado. Você pode receber ajuda de todo contato espiritual. Você
fica maravilhado porque o corpo inteiro está suprindo você como membro.
Qualquer membro do corpo pode suprir sua necessidade, e você é ajudado.
Você se torna um recipiente para o suprimento de todo o corpo. Que
maravilha! Verdadeiramente você pode regozijar-se: "A riqueza do Cabeça é do
corpo, e a do corpo é minha." Quão grandemente isto difere do mero aumento
do conhecimento mental!
Esta capacidade de receber ajuda — deixando que o espírito de outra
pessoa toque em nosso espírito — é prova que a pessoa é quebrantada. A
habilidade não impede de receber ajuda; mas é evidência que a casca exterior
é mais dura do que outras. Na misericórdia do Senhor, uma pessoa habilidosa
deve ser tratada drasticamente, quebrantada muitas vezes e de muitas
maneiras até que, um dia, possa receber o suprimento da igreja inteira.
Perguntemos a nós mesmos: "Podemos receber este suprimento de outras
pessoas?" Se não pudermos receber, é provável que nossa casca dura impeça
o encontro com o espírito do nosso irmão que é liberado. Se, porém, formos
quebrantados, somos ajudados tão logo que o espírito dele se movimente. A
pergunta, portanto, não é quão poderosos são os espíritos, mas sim: como os
espírito se tocam um ao outro? É este contato entre os espíritos que revifica e
edifica a pessoa. Quão grande é a necessidade, pois, para o homem exterior
ser quebrantado! Não pode haver dúvida de que isto se constitui em exigência
básica para sermos ajudados e para ajudarmos os outros.

A Comunhão no Espírito

Embora haja muitos tipos diferentes de comunhão, há a comunhão


espiritual que é muito mais do que o intercâmbio de ideias e opiniões. É a
interação de espíritos. Este tipo de comunhão é possível somente depois de
nosso homem exterior ter sido despedaçado, sendo nosso espírito liberado
desta maneira, para tocar no espírito de outras pessoas. Neste compartilhar do
espírito, experimentamos a comunhão dos santos e compreendemos o que as
Escrituras querem dizer com a "comunhão de espírito." É verdadeiramente
uma comunhão de espírito, e não um intercâmbio de ideias. Mediante esta
comunhão no espírito podemos orar de comum acordo. Porque muitos oram
através da sua mente, independentemente do seu espírito, é difícil para eles
achar outra pessoa com a mesma mente que pode orar em harmonia com eles.
Qualquer pessoa que nasceu de novo e que tem o Espírito Santo
habitando nela pode ter comunhão conosco. Isto é possível porque nosso
espírito está aberto para a comunhão, pronto para receber o espírito do nosso
irmão, e para ser recebido por este. E, desta maneira, podemos tocar o corpo
de Cristo, pois nós somos o corpo. Podemos compreender quando dizemos que
nossos espíritos são o corpo de Cristo? Realmente, "Um abismo chama outro
abismo" (SI 42:7). As profundezas do seu ser estão clamando por um toque das
minhas profundezas; e eu estou clamando por um toque das profundezas da
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igreja inteira. Esta é a comunhão das profundezas, a chamada e a resposta de
uma para outra. Esta é a única coisa mais necessária para sermos úteis diante
do Senhor e para tocarmos corretamente no espírito da igreja.

Uma Meiguice Além da Imitação

Quando sugerimos que devemos ser meigos, não estamos procurando


persuadir você a fingir-se meigo. Se você assim fizer, logo descobrirá que até
mesmo esta meiguice fabricada pelos homens precisa ser destruída. Devemos
aprender de uma vez por todas, que o esforço humano para imitar a meiguice
é fútil. Tudo deve ser do Espírito Santo, pois somente Ele conhece nossa
necessidade e disporá as circunstâncias que levarão ao quebrantamento de
nosso homem exterior.
É nossa responsabilidade pedir luz da parte de Deus a fim de que
possamos reconhecer a mão do Espírito Santo e, de boa mente, submeter-nos
a Ele, reconhecendo que tudo quanto Ele faz é certo. Não sejamos como
cavalos ou mulas sem entendimento. Pelo contrário, entreguemo-nos ao
Senhor para Ele operar em nós. À medida em que você se entregar ao Senhor,
descobrirá que Sua obra realmente começou cinco ou dez anos antes, embora
não pareça que produziu qualquer fruto em você. Hoje, veio uma mudança.
Finalmente, você pode orar: "Senhor, eu era cego, sem saber como Tu me
estavas guiando. Agora, vejo que desejas quebrantar-me. Para isto, entrego-me
a Ti." Então, tudo que era infrutífero durante cinco ou dez anos começa a dar
fruto. Achamos o Senhor entrando com perícia para destruir muitas coisas de
cuja existência nem sequer tínhamos consciência. Esta é Sua obra de mestre:
despojar-nos do orgulho, do amor-próprio, e da exaltação de nós mesmos, a fim
de que nosso espírito seja liberado e exercitado para a utilidade.

Duas Perguntas Correlatas

Duas perguntas surgem aqui para a nossa consideração. Visto que o


quebrantamento do homem exterior é a obra do Espírito Santo que desafia as
imitações feitas pelos homens, devemos procurar por fim a qualquer ação da
carne que reconhecemos; ou devemos esperar passivamente até que maiores
luzes venham da parte do Espírito Santo, o Realizador da obra?
Decerto é correto e apropriado que acabemos com toda atividade carnal,
mas devemos ver como isto é vastamente diferente de imitar a obra do
Espírito. Ilustrando: embora eu seja orgulhoso, devo recusar todo o orgulho,
mas não finjo ser humilde. Ou, posso perder a calma com as pessoas, mas
mantenho esta tendência sob controle; isto, porém, não me torna manso.
Enquanto o negativo está lutando para ser reconhecido, devo resisti-lo sem
trégua. Mesmo assim, não fingiria que possuo o positivo. Esta é a distinção
importante: o orgulho é uma coisa negativa, de modo que devo tratar com ele;
a humildade é algo positivo; não posso, portanto, imitá-la. Embora eu deva
colocar ponto final em todas as atividades da carne que me são conhecidas,
não preciso imitar a virtude positiva. Tudo quanto preciso fazer é entregar-me
ao Senhor, dizendo: "Senhor, não há razão para exercer minhas forças para
imitar. Estou confiando em Ti para fazer a obra." A imitação exterior não é de
Deus; é do homem. Todos quantos buscam ao Senhor devem aprender de
dentro, e não apenas conformar-se exteriormente. Devemos permitir que Deus
termine Sua obra dentro de nós antes de podermos esperar que a evidência
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dela seja manifestada do lado de fora. Tudo quanto é fabricado externamente é
irreal e condenado à destruição. Quem possui uma coisa falsificada, sem o
saber, defrauda a outros bem como a si mesmo. Assim como o comportamento
falsificado se multiplica, a própria pessoa chega a acreditar que ela realmente
tem esta personalidade. Frequentemente, é difícil convencê-la da sua
irrealidade, porque não pode distinguir o certo do errado. Logo, não devemos
procurar imitar exteriormente. É muito melhor ser natural; assim fica aberto o
caminho para Deus operar em nós. Sejamos singelos, e não imitemos coisa
alguma, tendo plena confiança de que o próprio Senhor acrescentará Suas
virtudes a nós.
A segunda pergunta é: Alguns são naturalmente dotados com uma
virtude tal qual a mansidão; há uma diferença entre a mansidão natural e a
mansidão que vem através da disciplina?
Há dois aspectos a serem considerados ao responder a esta pergunta.
Primeiramente, tudo que é natural é independente do espírito, ao passo que
tudo quanto vem através da disciplina do Espírito Santo está sob o controle do
espírito, e se move somente à medida em que o espírito se move. A mansidão
natural realmente pode tornar-se um impedimento para o espírito. A pessoa
que é habitualmente mansa é mansa em si mesma, e não "no Senhor."
Suponhamos que o Senhor queira que ela se levante e pronuncie algumas
palavras enérgicas. Sua mansidão natural a impediria de seguir ao Senhor.
Diria, pelo contrário: "Ah, isto eu não posso fazer. Nunca na minha vida
pronunciei palavras tão duras. Que outra pessoa o faça. Eu simplesmente não
posso." Você vê como sua mansidão natural não está sob o controle do espírito.
Qualquer coisa que é natural tem sua própria vontade e é independente do
espírito. Aquela mansidão, no entanto, que vem através do quebrantamento
pode ser usada pelo espírito, porque não resiste nem oferece sua própria
opinião.
Em segundo lugar, uma pessoa naturalmente mansa é mansa apenas
enquanto você está de acordo com a vontade dela. Se você a força a fazer o
que não gosta de fazer, mudará de atitude. Nas assim chamadas virtudes
humanas, falta o elemento de abnegação. É óbvio que o propósito de todas
elas é construir e estabelecer a vida do próprio-eu. Sempre que aquele próprio-
eu é violado, as virtudes humanas desaparecem, todas elas. As virtudes que
brotam da disciplina, do outro lado, somente são possuídas depois da vida feia
do nosso próprio-eu, ali é vista a virtude verdadeira. Quanto mais o próprio-eu
for ferido, tanto mais fulgurosamente brilha a verdadeira mansidão. A
mansidão natural e o fruto espiritual, portanto, são basicamente diferentes.

Uma Exortação Final

Tendo ressaltado a importância de ser quebrantado o homem exterior,


tenhamos cuidado para não procurar levá-lo a efeito artificialmente. Devemos
submeter-nos sob a mão poderosa de Deus, aceitando todos os tratamentos
necessários. À medida em que o homem exterior é quebrantado, o interior é
fortalecido. Alguns talvez achem o homem interior ainda fraco. Não ore por
forças para corrigir este defeito, pois a Bíblia nos ordena: "Fortalecei-vos."
Proclame que é seu alvo ser forte. A coisa maravilhosa é que depois do seu
homem exterior ter sido quebrantado, você pode ser forte sempre que quiser.
O problema da força é resolvido com o problema do homem exterior. Ao
desejar ser forte, você é forte. Ninguém pode bloquear seu caminho. O Senhor
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diz: "Sê forte." No Senhor você também diz: "Sé forte." E você descobre que
você é forte.
O homem interior é liberado somente depois de o homem exterior ter
sido quebrantado. Este é o caminho básico para o serviço de Deus.

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