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LINCHAMENTOS RACIAIS NO PÓS-ABOLIÇÃO: UMA ANÁLISE DE


ALGUNS CASOS EXCEPCIONAIS DO OESTE PAULISTA

Karl Monsma1

Nos jornais paulistas das décadas de 1890 e 1900, encontram-se repetidas notícias de
linchamentos de negros nos Estados Unidos. Muitas vezes publicadas sem comentários, destacam a
brutalidade dos brancos norte-americanos, como na seguinte notícia que apareceu no Correio de
São Carlos em novembro de 1900:

No Estado de Colorado acaba de reproduzir-se mais uma scena de lynchamento. A victima foi
um negro que assassinara uma moça branca. O povo, tomado de verdadeiro delírio, depois de
espicaçar o corpo do miserável, untou-o de kerosene e atacou-lhe fogo (Correio de São Carlos,
28/11/1900).

Dois dias depois, o mesmo jornal noticiou o linchamento de um negro no estado de


Louisiana, destacando a coragem da vítima, que desafiou seus “carrascos” (30/11/1900). Na
entrelinha, detecta-se certo tom de auto-congratulação – somos mais civilizados que os brutos norte-
americanos porque tratamos melhor os “nossos” negros. Uma semana antes, o Correio (23/11/1900)
havia publicado a primeira parte de um ensaio sobre a formação do povo brasileiro, destacando sua
bondade e a confraternidade entre brancos, negros e índios.
Mas sejam como forem as diferenças entre os EUA e o Brasil na natureza do povo e das
relações raciais no período pós-abolição, não é verdade que o Brasil era livre de linchamentos
raciais. Pesquisando a correspondência dos delegados do Oeste paulista nos primeiros sete anos
após a abolição, encontrei cinco casos nítidos de linchamento de negros, com sete vítimas – uma
das quais era um caboclo, lynchado junto com um negro. O número nem chega perto aos milhares
de casos relatados pelo Sul dos EUA, mas as circunstâncias e a brutalidade desses assassinatos
coletivos de negros eram muito parecidas com as características dos linchamentos norte-
americanos. As semelhanças nos elementos rituais dos linchamentos – tais como a mutilação dos
corpos das vítimas e a tendência de pendurá-los de árvores nas praças centrais das cidades do
interior – sugere que os linchadores brasileiros imitavam os linchamentos dos EUA descritos nos
                                                                                                                       
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PH.D em Sociologia da Universidade de Michigan, Professor Associado, Universidade Federal do Rio Grande do Sul,
karlmonsma@uol.com.br

1  
 
jornais. Embora fossem poucos, esses linchamentos no Oeste paulista tinham grandes repercussões
locais, e sem dúvida serviram para intimidar os outros negros e limitar sua ousadia.
Em São Carlos, um mês e meio depois da Lei Áurea, o “liberto João” foi acusado de
espancar, estuprar e roubar Palmira Faria de Sampaio, de 17 anos e recém casada, em uma chácara
perto da cidade. Não é claro que a vítima realmente foi estuprada. No inquérito policial ela não
menciona violência sexual, limitando-se a dizer que o agressor a espancou para forçá-la a revelar
onde o dinheiro do casal estava guardado, e não consta evidência de estupro no auto de corpo de
delito.2 Parece que o grau de violência sofrida pela jovem levou o delegado e boa parte da
população local a presumir que ela havia sido violentada.3 Foi somente depois, quando confrontado
com o acusado, que Delmira disse que havia sido estuprada.4 Dois dias depois, no início da tarde, ao
sinal de foguetes, diversos grupos se reuniram perto da cadeia com o propósito de tirar João e matá-
lo, mas o juiz de direito e o promotor público se interpuseram e, (segundo o relato do juíz)
discursando sobre a importância de respeitar a lei e as instituições estabelecidas, conseguiram
dispersar o povo. Mas na mesma noite aproximadamente quatrocentas pessoas invadiram a cadeia,
tiraram João e o mataram com pancadas e tiros. Depois penduraram o cadáver de uma arvore na
Praça da Matriz.5
Em novembro de 1889, cinco dias antes da proclamação da República, mais ou menos
oitocentos pessoas atacaram a cadeia de Araraquara, agredindo o juiz de direito, o juiz municipal e
o promotor público, que tentavam acalmar a multidão. Pelo menos seis indivíduos arrombaram a
cela onde dois negros estavam presos e os mataram ali mesmo com múltiplos golpes de machado,
facadas e tiros. Depois penduraram os corpos “horrorosamente mutilados” de uma árvore no pátio
da cadeia.6 Depois uma multidão de brancos também andou pelas ruas da cidade insultando os
negros que encontrava e esbordoando alguns deles. Infelizmente, não foi possível encontrar
informações detalhadas sobre as acusações contra os dois negros. O primeiro alvo dos agressores

                                                                                                                       
2
Fundação Pró-Memória de São Carlos (FPM), Processos Criminais, Caixa 302, sem número, 1888, liberto João.
3
Delegado de polícia de São Carlos a chefe de polícia, 07/07/1888, Arquivo do Estado de São Paulo (AESP), Caixa de
Ordem (CO) 2688, Polícia 1888. Só posteriormente, em uma acareação com o acusado, foi que a vítima disse que foi
“violentada” (processo citado na nota 1).
4
FPM, Processos Criminais, Caixa 302, sem número, 1888, liberto João.
5
Juiz de direito de São Carlos a presidente da província (telegrama), 04/07/1888, AESP, CO2688, Polícia 1888. Juiz de
direito de São Carlos a presidente da província, 04/07/1888, AESP, CO2685, Polícia 1888. Delegado de polícia de São
Carlos a chefe de polícia, 07/07/1888, AESP, CO2688, Polícia 1888.
6
Arquivo Público Histórico “Rodolpho Telerolli”, Araraquara, Processos Criminais, Caixa 1890-2, sem número,
Reducino Ortiz de Camargo e outros. A citação é do promotor público.

2  
 
foi Guilherme Manoel Dias do Nascimento, acusado de “raptar” uma moça menor de idade de uma
família importante da cidade.7 Na época, muitos jovens casais fugiam juntos e realizaram o
defloramento da moça como estratégia para forçar o pai dela a consentir ao casamento, mas parece
que o casamento de Guilherme com seu namorada era inaceitável para a família da moça e para a
população branca da cidade. Segundo testemunhas, parentes da moça incentivaram o linchamento e
tomaram parte proeminente nele. A segunda vítima do linchamento, outro negro identificada
somente como Verissimo, provavelmente liberto (pela ausência de referências a um sobrenome), era
acusado de deflorar uma menina de três anos.8
O juiz de direito relatou que os “homens de cor preta considerarão-se injuriados e offendidos
nas pessoas das victimas” e falavam em se reunir para a desforra.9 Mais de dois meses depois, ainda
circulavam boatos de que os negros do município planejavam um ataque à cidade para vingar os
linchamentos.10
Em agosto de 1891, uma multidão atacou a cadeia de Morro Pelado (atual Itirapina) pela
madrugada. Um dos guardas fugiu e o outro foi dominado, e um grupo de homens entrou na cadeia
e deram várias facadas e pancadas no preso Antonio da Conceição Ribeiro, só deixando-o quando
acreditavam que fosse morto. O liberto Antonio, nascido na Bahia 41 anos antes, casado, havia
esfaqueado e assassinado o fazendeiro Ozeias Modesto de Abreu no dia anterior em um conflito
sobre como medir corretamente a quantidade de café que Antonio havia colhido. Os líderes dos
linchadores, e a maioria daqueles que atacaram Antonio, eram empregados ou parentes do
fazendeiro morto, que haviam levado o cadáver dele à cadeia. Embora os linchadores acreditassem
que haviam matado Antonio, e até voltaram à cadeia para reconfirmar sua morte, ele sobreviveu o
ataque.11
No povoado de Leme, no início de 1893, o subdelegado, suspeitando que dois indivíduos
desconhecidos, um negro e um caboclo, fossem ladrões, tentou prendê-los. Os dois resistiram a
tiros, baleando um praça policial, mas foram capturados. Como a cadeia local era pouco segura, o
subdelegado resolveu enviar os presos à cadeia de Pirassununga, mas quando os tirou da cadeia para

                                                                                                                       
7
Infelizmente, não foi possível encontrar informações detalhadas sobre as acusações contra os dois negros. Os autos
existentes são do julgamento de alguns dos linchadores, e incluem somente informações vagas sobre as acusações
contra as duas vítimas, que nunca foram julgados.
8
Juiz de direito de Araraquara a chefe de polícia, 12/10/1889, AESP, CO2711, Polícia 1889.
9
Juiz de direito de Araraquara a chefe de polícia, 12/10/1889, AESP, CO2711, Polícia 1889.
10
Delegado de Araraquara a chefe de polícia, 25/01/1890, AESP, CO2723, Polícia 1890.
11
Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, Processos 33/1891 and 14/1892.

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levar à estação de trem, “ouviu-se vozes de mata! mata!e muitas pessoas atacaram a pau e pedras os
prezos, dos quaes um correu e refugiou-se numa casa contigua, donde foi arrastado para a rua e
morto, assim como seu companheiro.”12
Em junho do mesmo ano, o “pardo” Manoelzinho foi linchado em Santa Cruz das Palmeiras.
Ele era acusado de estuprar e assassinar Durcilla Corrêa, mulher do maquinista de uma fazenda. O
corpo de Durcilla foi encontrado entre alguns arbustos perto do terreiro, mutilado e com os seios
arrancados. A evidência principal contra Manoelzinho era o testemunho da menina Chrysalida,
cunhada da vítima, que disse que “um preto completamente nu”, que ela reconheceu ser
Manoelzinho, havia arrombado a porta no meio da noite e, agarrando Durcilla pela garganta,
arrastou-a para fora da casa. Também depunha contra Manoelzinho o fato de que outras mulheres já
o acusaram de estupro. O subdelegado em comissão enviado pelo chefe de polícia para conduzir o
inquérito sobre o linchamento, soltando sua imaginação, elaborou uma narrativa horripilante do
crime no seu relatório, alegando que Manoelzinho violentou Durcilla depois de morta.

Havia de ter sido horrorosa a scena hedionda, como hediondas não poderião ter sido as
primitivas scenas de canibalismo. A victima luctava com denodo na escuridão da noite,
soltando gemidos que somente Deus podia houvir borbulhar do seu carinho só de mãe "meu
filho!" Parece incrivel que o coração humano não se tivesse partido n'quele peito de pedra ao
ouvir essas palavras santas que mobilizão até as proprias feras, e carnivoras! "meu filho"!

Encontrou-se pedaços de vestidos, pegadas e sangue, e o criminoso depois de saciado o seu


furor cupidinio sobre um cadaver já rigido, o foi depor uns cincoenta passos do terreiro em uma
monta de arbustos onde com uma acha de lenha esbordoou-lhe o craneo miseravelmente.13

Entretanto, no mesmo relatório, o subdelegado esclareceu que o corpo foi mutilado pelos
porcos da fazenda. Este relatório sobre o evento, que, como o subdelegado disse, somente Deua
havia testemunhado, parece reproduzir “fatos” publicados em jornais, baseados em boatos locais, ou
imaginados por repórteres. Before the subdelegate issued his report. Antes do subdelegado terminar
seu relatório, o jornal Oeste de São Paulo, de Casa Branca, conto uma história parecida em tom,
embora com alguns detalhes distintos, concluindo que “não conseguindo satisfazer à força na pobre
mulher os seus appetites selvagens, [Manoelzinho] cerrou-lhe a garganta, apoderando-se della, com
certeza, depois da morte”. A estória da necrofilia “indubitável” de Manoelzinho foi reproduzido em

                                                                                                                       
12
Delegado de Pirassununga a chefe de polícia, 23/01/1893, AESP, CO2766, Polícia 1893.
13
Subdelegado em comissão de Santa Cruz das Palmeiras a chefe de polícia, 01/07/1893, AESP, CO2752, Polícia 1893.

4  
 
O Estado de São Paulo (24/06/1893), aproximadamente vários dias antes do subdelegado emitir seu
relatório oficial.
Uma semana depois do crime, com a conclusão do inquérito policial, aproximadamente mil
quinhentas pessoas se reuniram em frente à cadeia e exigiram a entrega de Manoelzinho “para ser
interrogado na praça publica”. Os subdelegados e o “doutor Serpa Pinto”, aparentemente juiz
municipal, tentaram conter a multidão, mas foram presos, “em nome do povo”, junto com o
sargento do destacamento policial. A multidão tirou Manoelzinho da cadeia e o interrogou na praça,
onde a menina Chrysalida, a única testemunha, confirmou que ele era o assassino. Depois levaram
Manoelzinho ao cemitério, onde, segundo o que ouviu falar o subdelegado em comissão, ele
confessou o crime sobre o túmulo de Durcilla. Foi morto ali mesmo com tiros, pancadas e
punhaladas. O ajuntamento também o castrou e arrastou seu corpo pelas ruas da vila. O
subdelegado em comissão acreditava que as senhoras da vila se mostraram particularmente
satisfeitas pelo linchamento.14
O ponto aqui não é que as relações raciais no Oeste paulista depois da abolição eram iguais
aos do Sul dos Estados Unidos depois da Guerra de Sucessão. O número de linchamentos raciais no
Oeste paulista nem chegou perto aos aproximadamente dois mil linchamentos que aconteceram no
Sul dos EUA entre 1880 e 1930 (Tolnay e Beck 1995, p. 17). Mas os linchamentos paulistas
aconteceram em mais ou menos as mesmas situações e pelos mesmos motivos que os linchamentos
norte-americanos e envolveram rituais e seqüências de ação coletiva semelhantes. A investigação
dos linchamentos paulistas, tratados como casos excepcionais, pode esclarecer porque esta forma de
terrorismo racial era relativamente rara no Brasil.
Quatro das sete vítimas de linchamento nos casos descritos acima eram acusadas de algum
tipo de violação sexual, real ou imaginada. Em um caso, o de Guilherme Manoel do Nascimento,
em Araraquara, o único “crime” aparentemente foi insistir em se casar com uma jovem branca
contra a vontade do pai dela. Outros três foram acusados de estupro, e as supostas vítimas dessa
violência sexual certamente eram brancas, ou quase brancas.15
No Sul dos Estados Unidos, “desrespeito”, de várias formas, por mulheres brancas era uma
justificativa proeminente por linchamentos de negros. Além das representações de negros como
                                                                                                                       
14
Subdelegado em comissão de Santa Cruz das Palmeiras a chefe de polícia, 01/07/1893, AESP, CO2752, Polícia 1893;
Correio Paulistano, 28/06/1893.
15
Palmira foi identificada como branca no Auto de Corpo de Delito. Infelizmente, não encontrei os inquéritos sobre os
outros crimes que antecederam os linchamentos discutidos aqui.

5  
 
feras incapazes de controlar seus instintos sexuais, que suscitavam temores reais entre brancos,
qualquer aproximação sexual ou romântica entre homem negro e mulher branca era visto como
desafio particularmente ultrajante à predominância e à honra dos homens brancos, que se baseava
em parte no seu monopólio das mulheres brancas. As relações entre homens negros e mulheres
brancas atingiam a honra étnica de toda a comunidade branca, porque afirmavam implicitamente
que brancos e negros eram iguais.16
Os outros três homens linchados nos eventos discutidos acima, o negro e o caboclo presos
em Leme por suspeita de serem ladrões, e o liberto que havia assassinado um fazendeito, foram
mortos porque desafiaram a autoridade de elites brancas a mão armada. Ou seja, o desrespeito por
homens brancos nesses casos era direto e não passou por relações com mulheres brancas. Nos EUA
também, muitos linchamentos se originaram na “insolência” de negros que não aceitavam o direito
de brancos mandarem neles (Tolnay e Beck, 1995, pp. 19-21).
Em ambos os países, linchamentos eram eventos públicos, com aspectos rituais, tais como a
invasão das cadeias, o assassínio público, realizado coletivamente por grupos de brancos, a
mutilação de corpos negros e a exposição pública dos corpos mutilados, tipicamente pendurados de
árvores. Os linchadores brasileiros sem dúvida imitavam os linchamentos norte-americanos, ou as
descrições desses eventos que leram com nos jornais, mas os imitavam porque esta forma de ação
coletiva ressoava com seus sentimentos a respeito dos negros linchados e dos negros em geral. Em
ambos os países, o assassinato público e a exposição dos corpos mutilados de negros eram maneiras
eficazes de terrorizar e intimidar os outros negros, ajudando a coibir sua “impertinência” e mantê-
los “no seu lugar”, ao mesmo tempo em que esses rituais sangrentos fortaleciam a identidade
coletiva e unidade dos brancos (Hale 1998, pp.203-239; Tolnay e Beck, 1995, pp. 19-29 ).
Mas os linchamentos raciais eram muito menos comuns no Oeste paulista que no Sul dos
EUA. Essa diferença claramente não era consequência de maior subserviência entre os afro-
brasileiros de São Paulo. Nos últimos anos da escravidão, haviam participado de várias rebeliões, e
as fugas coletivas eram comuns em todo a província até 1888 (Machado 1994). De fato, é razoável
concluir que a rebeldia da população escravizada, concentrada sobretudo na província de São Paulo,
forçou a monarquia a emitir o decreto da abolição final sem nenhuma forma de compensação aos

                                                                                                                       
16
Sobre o conceito de honra étnica, cf. Weber 1978, v. 1, pp. 385-395.

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ex-senhores. Para entender porque não havia mais linchamentos raciais no Oeste de São Paulo, é
importante examinar outras diferenças entre este contexto e o Sul dos EUA.
As características dos linchamentos paulistas no pós-abolição nos ajudam a entender porque
eram relativamente raras. Primeiro, parece que se concentravam no Oeste de São Paulo. Com a
chegada de grandes levas de imigrantes europeus a essa região, os brancos logo constituíam a
grande maioria da população, o que possibilitava agressões coletivas contra negros sem muito medo
de represálias. Não encontrei notícias de linchamentos raciais no Vale do Paraíba paulista, apesar de
várias menções, na correspondência policial dessa região, de distúrbios de libertos e de uma
sociedade secreta de negros, liderada por africanos velhos com poderes mágicos, que suscitava
grande temor entre os brancos. Parece que não houve linchamentos raciais no Vale do Paraíba
porque não havia um número suficiente de brancos para aterrorizar os negros. Os fazendeiros dessa
região, com cafezais antigos e pouco produtivos, não conseguiram atrair tantos imigrantes.
Os linchamentos também aconteceram nos primeiros anos após a abolição, a população
branca ainda estava bastante nervosa a respeito do comportamento dos libertos. Muitos brancos, e
possivelmente alguns mulatos, de todas as classes sociais se lembravam bem da rebeldia dos
escravos na década de 1880 e temiam a possível violência dos libertos (Machado 1994; Monsma
2008). Além disso, era comum pensar os libertos como vagabundos e desregrados, que facilmente
se entregariam a “instintos selvagens” sem os controles da escravidão (Monsma 2007; Schwarcz
1987).
Os imigrantes recém-chegados facilmente adotavam tais representações dos libertos, em boa
parte porque temiam ser tratados como negros e queriam se distinguir deles (Monsma 2006). A
imigração em massa criou uma população branca dividida etnicamente entre brasileiros e
estrangeiros, e entre as várias nacionalidades e identidades regionais dos estrangeiros, mas o medo e
a repugnância a negros unificava os brancos em alguns momentos. Imigrantes participaram nos
linchamentos paulistas. Os acusados de participar diretamente nos assassinatos de Guilherme e
Verissimo na cadeia de Araraquara incluem um italiano e um português.17 O delegado de São
Carlos escreveu que “a população inteira” da cidade conspirou para linchar o liberto João, e
sabemos que essa população já incluía um grande número de imigrantes em 1888.18 Em Santa Cruz

                                                                                                                       
17
Arquivo Público Histórico “Rodolpho Telerolli”, Araraquara, Processos Criminais, Caixa 1890-2, sem número,
Reducino Ortiz de Camargo e outros.
18
Delegado de São Carlos a chefe de polícia, 07/07/1888, AESP, CO2688, Polícia 1888.

7  
 
das Palmeiras também, foi “o povo” que realizou o linchamento de Manoelzinho, segundo o
subdelegado em comissão. 19 Boa parte, senão a maioria, desse povo em 1893 eram imigrantes.
Na maioria dos linchamentos paulistas, a vítima era acusado de violência, sobretudo de
violência sexual, mas o caso de Guilherme mostra que mesmo relações consensuais com uma
mulher branca, sobretudo uma de uma família da elite, eram suficientes para justificar o
linchamento para muitos brancos. Guilherme aparentemente foi linchado por deflorar uma branca
com o consentimento e a participação dela, e seu linchamento foi planejado e incentivado
principalmente por parentes da sua namorada.20 A chave para a compreensão de todos esses
linchamentos é que respondiam a desafios abertos contra a predominância dos homens brancos. A
monopólio de mulheres brancas por homens brancos era uma forma central do privilégio dos
homens brancos e simbolizava a dominação branca, portanto as relações sexuais entre homens
negros e mulheres brancas desafiavam a honra branca em um dos seus pontos mais sensíveis. Nos
casos que não envolveram sexo, real ou imaginado, as vítimas do linchamento haviam desafiado as
elites ou autoridades brancas com a violência.
Para os brancos que realizaram os linchamentos, as acusações contra as vítimas eram
particularmente graves, mesmo quando as provas eram falhas. Parece que a fúria contra os negros, e
a vontade de recolocá-los no “seu lugar” com violência, só eram suficientes para unificar os brancos
de diversas classes sociais e origens nacionais distintos quando as vítimas eram acusadas de
violações graves da ordem racial. No Sul dos EUA, por outro lado, onde a população branca era
bem mais homogênea, houve muitos linchamentos por violações menores da hierarquia racial, como
atitudes impertinentes ou simplesmente por conversar com moças brancas. Em mais de um quarto
dos linchamentos norte-americanos, a vítima era acusado de “ofensas diversas”, “insulto a uma
pessoa branca” ou não era acusada de nenhuma ofensa (Myrdal 1944, p. 561).
Logo depois da abolição, muitos brancos no Oeste paulista temian uma grande onda de
violência realizada por libertos, mas isso nunca aconteceu e com o passar do tempo a grande
maioria deles procurou emprego. Portanto, mesmo as reclamações da vadiagem de libertos se
mostraram exageradas. Com a diminuição do medo dos libertos, o linchamento racial parece ter
desaparecido do repertório de ação coletiva dos brancos do Oeste paulista – não encontrei nenhum

                                                                                                                       
19
Sudelegado em Comissão Pedro D’Alcantara ao chefe de polícia, 01/071893, AESP, CO2752, Polícia 1893.
20
Depoimentos de testemunhas. Arquivo Público Histórico “Rodolpho Telerolli”, Araraquara, Processos Criminais,
Caixa 1890-2, sem número, Reducino Ortiz de Camargo e outros.

8  
 
caso nítido de linchamento racial que aconteceu despois de 1893. Sem dúvida ainda havia muitos
brancos que queriam manter os negros no seu lugar subordinado, mas não havia medos raciais
fortes o suficiente para unificar a população branca em ações terroristas e públicas contra os negros
que desafiavam a superioridade branca.
Nos EUA, por outro lado, os linchamentos não eram motivados somente por medo de negros
e a vontade de os manter no “seu lugar”; também faziam parte da reconquista do poder político
regional pelas elites brancas depois do período de Reconstruction, em que, sob a ocupação do
exército do Norte, os negros sulinos temporariamente ganharam direitos políticos e tomaram parte
ativa na vida política local e estadual (Foner 1988; Scott 2000). Anthony Marx (1998) afirma que o
Estado racial do Sul dos EUA, com privilégios legais para brancos e a exclusão política e
econômica dos negros, resultou de uma estratégia da elite branca da região para manter o apoio
político dos brancos pobres depois da Reconstruction. Sem a unidade racial dos brancos, e a
predominância de questões raciais sobre questões de classe na política sulina, as elites do Sul
provavelmente teriam perdido sua hegemonia política em várias partes do Sul. Os privilégios dos
brancos, e a exclusão dos negros, foram impostos em boa medida pela violência e pelo terror,
muitas vezes na forma de linchamentos.
Por outro lado, os fazendeiros e outras elites locais brasileiras da Primeira República não
sofreram nenhuma ameaça séria a seu poder local e regional e tinham pouco a ganhar pela
promoção da unidade branca. Seu poder político era garantido pelo coronelismo, com sua mistura
de clientelismo, fraude eleitoral e intimidação de eleitores em nível local, facilitados por trocas
estratégicas entre elites locais e governos estaduais, em que as autoridades estaduais nomeavam
autoridades locais, sobretudo os delegados de polícia, indicadas pelo grupo político que controlava
o governo municipal, e estas autoridades, por sua vez, usaram seu poder para arrebanhar votos para
o partido que controlava o governo estadual. (Carvalho 1997; Leal 1997). Com seu poder local
seguro, só rivalizado às vezes por outras panelinhas da elite local, estes grupos da elite se
interessavam pouco em ganhar o apoio dos brancos pobres pela promoção da unidade racial e dos
privilégios de todos os brancos. De qualquer maneira, as massas de imigrantes europeus, que com
seus filhos logo constituíram a maioria da população em boa parte do Oeste paulista, eram inúteis
como fonte de apoio político porque a grande maioria deles continuava cidadãos estrangeiros e não
podia votar. De fato, com a grande afluência de italianos, espanhóis, portugueses e outros europeus,
os fazendeiros e outras elites locais logo começaram a se preocupar mais com o potencial de

9  
 
distúrbios e violência dos imigrantes que com qualquer ameaça dos libertos, que agora constituíam
uma pequena minoria da população.21
Um elemento muitas vezes destacado nas análises dos linchamentos norte-americanos é a
participação ou a tolerância das autoridades locais, o que permitia – em assegurar a impunidade dos
participantes – a realização pública desses rituais de violência, que reforçava a divisão entre brancos
e negros e fortalecia a unidade branca contra (Myrdal 1944, p. 562). Entretanto, no Oeste de São
Paulo, as autoridades eram bem menos condescendentes com os linchadores. Nos casos
encontrados, geralmente o delegado, o juiz e o promotor tentaram convencer a multidão a respeitar
a lei e deixar a Justiça julgar os negros acusados. Isso podia envolver certo risco pessoal. O juiz de
direito de Araraquara levou uma pedrada no rosto enquanto defendia a cadeia.22 Depois de deixar
Antonio por morto, os linchadores de Morro Pelado foram buscar o soldado da polícia que havia
tentado os impedir de invadir a cadeia, com a ideia de matá-lo também, mas o oficial superior o
levou a um esconderijo seguro. As autoridades de Santa Cruz das Palmeiras foram presos na cadeia
municipal pela multidão durante o linchamento de Manoelzinho e, quando foram soltos depois,
sofreram agressões do povo.23
Mas fica claro que a principal preocupação das autoridades era manter a ordem pública, não
proteger a vida dos negros linchados. Depois do linchamento em São Carlos, o juiz de direito
escreveu ao presidente da província: “Consummado o crime levarão para o pateo da Matriz o
cadaver de João, e pendurarão-no em uma arvore. Nenhuma desordem houve, e a maior calma
possivel reina na cidade como se nada tivesse havido!”24 Segundo o delegado da mesma cidade

A indignação da população inteira contra João foi tal, que fez esquecer o respeito devido às
autoridades. Assassinado João pendurarão-n'o em uma arvore no Largo da matriz e todos
retirarão-se sem ter havido desordem alguma.

A cidade continúa na maior calma possivel, sem alarma algum, sem perturbação alguma do
socego publico.25

Depois de descrever o linchamento em Santa Cruz das Palmeiras, o subdelegado em comissão


escreveu que “Conservou-se depois d'isso inteiramente calma a Villa”.26
                                                                                                                       
21
Em São Carlos em 1907, os negros eram aproximadamente 13% da população total.
22
A Província de São Paulo, 13/11/1889.
23
Subdelegado em comissão de Santa Cruz das Palmeiras a chefe de polícia, 01/07/1893, AESP, CO2752, Polícia 1893.
24
04/07/1888, AESP, CO2685, Polícia 1888.
25
Delegado de São Carlos ao chefe de polícia, 07/07/1888, AESP, CO2688, Polícia 1888.
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Subdelegado em comissão de Santa Cruz das Palmeiras a chefe de polícia, 01/07/1893, AESP, CO2752, Polícia 1893.

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Apesar de sua oposição aos linchamentos, fica evidente nos inquéritos que os delegados
eram influenciados pelos mesmos boatos que incentivavam e legitimavam os linchamentos. Parece,
pela evidência das primeiras declarações de Palmira Sampaio e do auto de corpo de delito, que a
agressão que ela sofreu na chácara perto de São Carlos não incluiu a violência sexual, e que o
ladrão a espancou para forçá-la a revelar onde o dinheiro do casal estava escondido. O juiz de
direito não mencionou a violência sexual no seu ofício ao presidente da província sobre esse
evento.27 Um artigo sobre o crime no A Província de São Paulo (05/07/1888) antes da notícia do
linchamento chegar à cidade tampouco menciona o estupro. O artigo simplesmente afirma que João
espancou Palmira para ela revelar o esconderijo do dinheiro. Mas depois Palmira acusou João de
estupro e a população branca da cidade, os jornais e as autoridades aceitaram sem questionamentos
essa “fato”, que confirmou seus piores medos dos libertos. Depois do linchamento, e talvez para
justificá-lo, o delegado incluiu o estupro, não como acusação mas como fato inquestionável, no seu
relatório ao chefe de polícia.28 No mesmo dia do artigo no Província, mas depois da notícia do
linchamento, e provavelmente o relatório do delegado, chegarem à capital, um artigo no Correio
Paulistano afirmou que João “estava respondendo a processo por haver violentado uma senhora
casada, roubando em seguida cerca de 500$000.” O subdelegado em comissão enviado para
esclarecer o linchamento de Manoelzinho em Santa Cruz das Palmeiras nunca duvidou da
declaração da criança que o identificou na escuridão da noite. Também acresceu detalhes macabros
do crime baseados em artigos nos jornais, que por sua vez aparentemente se baseavam em boatos
locais. Soltando sua imaginação, o subdelegado acresceu que mais detalhes ainda.
Com medo de provocar mais desordens, os delegados relutavam em responsabilizar os
linchadores. O delegado de São Carlos terminou o inquérito sobre o linchamento de João sem
acusar ninguém, e escreveu para o chefe de polícia: “forão inqueridas 22 testemunhas, e nenhuma
sabe quem foi o autor ou autores da mórte de João, e do projecto de assassinal-o”.29 O subdelegado
em comissão a Santa Cruz das Palmeiras encerrou o inquérito sobre o linchamento sem indiciar
ninguém, explicando:

mandei proceder na forma da lei a rigorosa inquerito a fim de descobrir os sublevadores da


população, não surtindo esse inquerito effeito algum, visto declararem as testemunhas
inqueridas ter isto partido excluzivamente do povo e não ter havido cabeças. Encerrei, portanto,
                                                                                                                       
27
04/07/1888, AESP, CO2685, Polícia 1888.
28
07/04/1888, AESP, CO2688, Polícia 1888
29
Delegado de São Carlos ao chefe de polícia, 07/07/1888, AESP, CO2688, Polícia 1888.

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as investigações, julgando improcedente o inquerito e classificando o delicto uma dessas
manifestações de delirio das multidões apontadas com brilhantismo Scipio Leglele, e
Lombroso, e que escapão á Sancção penal pelas suas condições especiais.30

O delegado de Araraquara escreveu pelo menos duas vezes ao chefe de polícia solicitando
permissão para suspender o inquérito sobre o linchamento de Guilherme e Verissimo porque temia
novos distúrbios: “sendo publico, que nesses factos se acha envolvida grande parte da população, o
andamento do inquerito nas actuais circunstancias virá collocar em serias difficuldades as
auctoridades”.31 Mas o chefe, imune às pressões locais de Araraquara, insistiu que ele continuasse
com o inquérito. Depois da conclusão do inquérito, o promotor de Araraquara denunciou quatorze
pessoas, mas somente três foram julgados e o júri absolveu todos.
Depois da tentativa de linchamento em Morro Pelado de Antonio, que havia assassinado um
fazendeiro, o inquérito resultou no indiciamento de onze indivíduos. Foi fácil identificar aqueles
que incentivaram e lideraram o linchamento neste caso porque eram parentes ou empregados do
fazendeiro morto. Todo os acusados negaram a participação no evento e desapareceram antes do
julgamento, talvez encontrando refúgio em outras fazendas da região – e podemos duvidar que o
delegado realmente tenha se empenhado na busca dos indiciados. Somente um foi preso, vinte anos
depois, na cidade de São Paulo. As autoridades o mandaram a Rio Claro, sede da comarca, para o
julgamento, mas o júri o absolveu.32 Antonio sobreviveu e se recuperou o suficiente para ser
julgado pelo assassinato do fazendeiro um ano depois, mas o júri, talvez acreditando que ela já
havia sofrido o suficiente, aceitou sua afirmação, um tanto dúbia, que havia agido em legítima
defesa e o absolveu. O juiz apelou ao Tribunal de Justiça, que determinou um novo julgamento, mas
o novo júri o absolveu novamente e ele foi libertado.33 Ao final, Antonio se restaurou e recuperou
sua liberdade, mas provavelmente teve de deixar a região para evitar outra tentativa de vingança de
parte dos parentes e empregados do fazendeiro.

                                                                                                                       
30
Subdelegado em comissão de Santa Cruz das Palmeiras a chefe de polícia, 01/07/1893, AESP, CO2752, Polícia 1893.
31
Delegado de Araraquara ao chefe de polícia, 21/11/1889, AESP, CO2708, Polícia 1889.
32
Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, Processos Criminais, 33/1891.
33
Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, Processos Criminais, 14/1892.

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Conclusão

No Oeste paulista, a oposição das autoridades locais aos linchamentos, e a desordens


populares em geral, significava que só era possível realizar linchamentos contra a vontade das
autoridades, não com sua conivência. Isso podia ocorrer quando as acusações contra negros ou
caboclos eram graves o suficiente, na percepção dos brancos, para reunir uma multidão, que podia
acuar as autoridades e o destacamento policial. A aversão das próprias autoridades a alguns dos
negros acusados de violência contra brancos, sobretudo a violência sexual, certamente minava a
eficácia de sua oposição aos linchamentos também, mas tal aversão surgia nos mesmos casos de
acusações graves contra negros. Os delegados de polícia eram voluntários escolhidos pelo
governador do estado entre as elites locais e sofriam as pressões de seus pares. Os juízes de direito e
os promotores eram mais independentes e tendiam a enfatizar mais o respeito às leis, porque tinham
formação em direito, recebiam salários do Estado e tipicamente não trabalhavam no seu município
de origem, mas eles não comandavam destacamentos policiais e, por isso, sua capacidade de
impedir os linchamentos era limitada e sua autoridade moral. De qualquer maneira, todas essas
autoridades estavam mais preocupadas em manter a ordem pública e o respeito a eles mesmos que
em proteger as vítimas dos linchamentos.
A discussão acima identifica duas explicações pelo fato de que o número de linchamentos
raciais após a abolição foi relativamente limitado no Oeste paulista. Primeiro, foi só nos primeiros
anos depois da abolição que o medo de libertos era forte o suficiente para unificar as elites e os
trabalhadores brancos, e para unificar os brancos brasileiros e imigrantes europeus de diversas
origens. Mesmo nesse período imediatamente depois da abolição, somente negros acusados de
crimes graves, sobretudo violência sexual contra mulheres brancas, evocavam repulsa o suficiente
para unificar os brancos e reunir grandes ajuntamentos de pessoas com o propósito de assassiná-los.
Segundo, as autoridades locais geralmente se posicionavam contra linchamentos e qualquer outro
tipo de desordem popular. Somente era possível realizar linchamentos quando uma multidão
decidida a matar presos sobrepujava as autoridades, ou quando a repugnância das autoridades a
presos negros específicos era tanto que efetuaram somente tentativas perfunctórias para manter a
ordem e impedir os linchamentos.
Mas nada disso significa que os linchamentos paulistas, relativamente infrequentes, eram
insignificantes. Não se encontram linchamentos de estupradores ou assassinos brancos nos

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documentos desse período. Portanto os linchamentos claramente refletem o ultraje especifico a
negros que usaram a violência contra mulheres, elites ou autoridades brancas. A natureza pública
dos linchamentos também deixa claro o propósito de intimidar os outros negros e os manter no “seu
lugar”.
Poucos anos depois da abolição de 1888, os linchamentos raciais desaparecem das fontes
disponíveis para o Oeste paulista. Certamente imigrantes e outros brancos pobres ainda se
preocupavam em manter a subordinação dos negros e em proteger os poucos privilégios que
gozavam por serem brancos. Pesquisando os processos criminais do município de São Carlos,
encontrei alguns outros casos de violência coletiva de brancos, sobretudo de imigrantes italianos,
contra negros nas décadas de 1890 e 1900, que podem ser classificados como quase-linchamentos
ou linchamentos em potencial (Monsma 2006). Mas a esses eventos faltava a natureza pública e
ritual de linchamentos. Esta evidência sugere que muitos brancos pobres, especialmente os
imigrantes, se sentiam ameaçados pelas exigências de igualdade plena por parte de indivíduos
negros, e às vezes reagiam violenta e coletivamente para defender a predominância branca. Mas
geralmente não conseguiam realizarem o terrorismo planejado, público e ritualizado de
linchamentos raciais porque as elites e autoridades locais geralmente não os apoiavam. No Brasil, as
elites não precisavam incentivar ou facilitar o racismo popular para fortalecer seu poder político. As
camadas populares brasileiras tinham pouca influência independente dos “coronéis” e os
estrangeiros nem votavam. Poucos anos depois da abolição, a população de imigrantes no Oeste
paulista era muito maior que a população negra, e as elites e autoridades se preocupavam mais em
controlar esses estrangeiros que em controlar a minoria negra (Monsma 2008).

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14  
 
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