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A que se propõem os Elementos de Fixação?

O tema discorre sobre o que são e qual a importância de


peças tão essenciais, muitas delas vendidas aos quilos, como
numa feira livre

Denominamos Elementos de Fixação a


qualquer “peça” cuja função/missão é
“fixar alguma coisa numa outra coisa”.
Nessa categoria podemos citar os
Anéis Elásticos, as Abraçadeiras, os
Pinos, as Porcas, os Prisioneiros,
os Rebites, entre outros. O mais
popular é o Parafuso, cuja aplicação
pode ir desde implantes dentários até
pontes, artefatos aeroespaciais, etc,
mas esta “peça” sempre é
considerada insignificante, pois, na
grande maioria das vezes não possui
valor agregado, é comercializada por
“quilo” ou “cento”, ou seja, “por
baciada”. Também nos projetos,
é quase sempre a última a ser
dimensionada.

Esta insignificância cai por terra quando um Parafuso não cumpre sua
função. É uma realidade experimentada por todos nós: só damos valor
para algo, quando o perdemos. Estima-se que o Parafuso é
responsável por mais de 80 % dos recalls que ocorrem na indústria
automobilística. E a causa vai desde a má definição do Parafuso para a
aplicação específica, passando por problemas de qualidade, processos
de aperto, etc.

Citando a sabedoria popular, podemos dizer que o limiar entre um


indivíduo normal, em relação às suas faculdades mentais é um
Parafuso, pois se diz que uma pessoa “tantã” tem um Parafuso a
menos. Por que um Parafuso e não um Pino ou uma Porca? Também
no gestual, faz-se um movimento com o dedo indicador
apontando para as têmporas, girando (no sentido horário)
informando ao interlocutor que estamos falando de um “tantã”,
ou seja, refere-se não só ao Parafuso como que também a
uma possível falta de aperto. Por observação pessoal, notei que este
gesto é mundial (para os destros). Os canhotos fazem o mesmo gesto,
porém girando no sentido anti-horário (possivelmente está apertado
demais).

Não por acaso, nos parágrafos acima (e nos próximos)sempre será


grafado o Elemento de Fixação coma primeira letra maiúscula, por
exemplo, Parafuso, pois aqui ele e seus similares, como sujeitos, terão
nomes próprios e consequentemente têm as suas responsabilidades e
identidades particulares bem definidas.

Antes de detalhar as propriedades dos Parafusos, vamos discorrer


sobre as Porcas, um dos poucos Elementos de Fixação com gênero
feminino e nada mais coerente, pois “elas” sempre são mais
resistentes que “eles”.

Os esforços inerentes às Porcas sempre serão de ordemaxial, logo o


conceito de Resistência a Tração (EsforçoAxial) reflete bem a natureza
deste Elemento de Fixação. Dependendo do Grau de Resistência da
Porca, é necessário tratamento térmico.

Na Tabela 1, temos os valores mínimos de Tração de Teste, em N/mm²


(ou MPa, no Sistema Internacional),em função do diâmetro nominal.

Tabela 1 - Tração de Teste (MPa) em relação à dimensão


de Porca e do Grau de
Resistência

Outras características mecânicas são mostradas na Tabela 2, em


função do Grau de Resistência.
Tabela 2 – Características mecânicas em relação à dimensão da Porca e
do Grau deResistência

Os valores de Tração de Teste devem ser convertidos em Força, para


um melhor entendimento da capacidadede um Elemento de Fixação.
Desta forma, temos que considerar os fatores geométricos, como por
exemplo,a bitola e o passo, a fim de calcular a referida
capacidade. Para converter Tração calcular a área resistiva (As) do
Elemento de Fixação. A Equação 1 é válida para séries de roscas
Normal e Fina.

onde D = diâmetro nominal do Elemento de Fixação

p = passo

Na Tabela 3, temos alguns exemplos com os respectivos valores de


Força Axial (em k N), para os diversos Graus de Resistência, calculados
a partir da mínimaTração de Teste.
Tabela 3 - Valores de força Axial, em KN, para
diversas Porcas
com diferentes Graus de Resistência.

Os valores mostrados na Tabela 3 indicam qual é a mínima capacidade


de Força Axial suportada por uma Porca, considerando sua dimensão e
o respectivo Grau de Resistência.

Como já ressaltado, “ela” é, na maioria das vezes, a “peça” mais


resistente do que “ele” e estes valores podem ser comparados com a
Capacidade de Geração de Força do Parafuso (“ele”), assumindo o
Esforço Combinado (Tração – Torção), assinalados na Tabela 6.

Com relação aos Parafusos, a classificação da Resistência segue uma


terminologia particular. Os Parafusos utilizados pela indústria
automobilística, por exemplo, são identificados como: Classe 4.8, 5.8,
6.8, 8.8, 10.9 e 12.9. Os Parafusos Classe 4.8, 5.8 e 6.8 não sofrem
tratamento térmico. Já os Parafusos Classe 8.8, 10.9 e 12.9 precisam
de tratamento térmico (têmpera e revenimento). Existe também a
Classe 9.8, que não é mais utilizada em projetos novos, por estar em
fase de extinção em algumas montadoras. O significado destes
números pode ser descrito, para uma melhor compreensão,observando
a Figura 1, que se refere a um Parafuso com Classe de Resistência 8.8:

Figura 1 – Descrição de um Parafuso segundo sua de Resistência, no caso,


8.8.

Analogamente, os valores nominais para Parafusos de cada Classe de


Resistência são mostrados na tabela abaixo:

Tabela 4 – Valores nominais para Parafusos segundo sua


Classe de Resistência

A especificação ISO 898 Parte I determina valores mínimos para o


Limite de Resistência à Tração (LRT) e Limite de Escoamento (LE) para
cada categoria de Parafuso. Também recomenda Dureza Rockwell “B”
HR”B” (para Parafusos não tratados termicamente), Dureza Rockwell
“C” HR”C” (para Parafusos temperados e revenidos). Seus respectivos
valores são mostrados na tabela a seguir:

Tabela 5 - Valores mínimos para LRT, LE e dureza Rockwell para Parafusos,


segundo sua Classe de Resistência.

Os Parafusos com as Classes de Resistência 4.8, 5.8 e 6.8


normalmente são confeccionados de Aço com Baixo ou Médio Carbono.
Para os Parafusos com as Classes de Resistência 8.8, 10.9 e 12.9 o Aço
deve ser Médio Carbono ou Aço Ligado.

O procedimento convencional para calcular a Capacidade de Geração


de Força que se pode obter de um Parafuso requer conhecer as suas
características geométricas e a Classe de Resistência. Assim, por
exemplo, um Parafuso M12 × 1,5 Classe 10.9, possui Limite de
Resistência à Tração (LRT) entre 1.040 e 1.220 MPa, uma vez que o
limite superior da Classe 10.9 é o limite inferior da Classe
imediatamente acima, no caso 12.9, e seu valor nominal igual a 1.000
MPa. Neste caso o M representa o sistema métrico e o 12 refere-se ao
diâmetro nominal do Parafuso (12 mm). O número 1,5 representa o
passo, ou seja, a distância existente entre as cristas de dois
filetes consecutivos, no caso, 1,5 mm. A Força que este
Parafuso suportará sem ruptura é dada pela Equação 2:

O LRT varia entre 1.040 e 1.220 MPa e a área resistiva deste Parafuso
é de 88,1 mm², segue então que:
ou seja, a Força que se pode obter deste Parafuso está entre 91,6 kN
e 107,5 kN. Considerando o Limite de Escoamento (LE) na fórmula da
Força (eq. 2) conclui-se que este Parafuso começa a escoar entre 82,5
kN e 96,7 kN. Devemos lembrar que estes valores referem-se à Força
Axial (tração pura). Todavia, num processo de aperto tem-se um
Esforço Combinado, pois simultaneamente ocorrem esforços axiais e
torsionais. O comportamento do Parafuso durante este processo de
aperto – bem como as distintas regiões de Forças que se obtém dele,
considerando o seu Grau de deformação – pode ser visto na Figura 2,
abaixo:

Figura 2 – Gráfico Força (de união) em relação ao aperto (em ângulo)


do Parafuso

Na região denominada “elástica”, o Parafuso se comporta como se


fosse uma mola, isto é, o comportamento é linear e a deformação não
é permanente. Assim, se parar de apertar, ao desapertar, o Parafuso
retornará às suas dimensões originais, respeitando a Lei de Hooke.
O limiar da zona elástica define o Limite de Escoamento e este valor
também é conhecido como Yield Point. A partir de uma dada Força,
começa o processo de deformação permanente em associação ao
alongamento do Parafuso e neste ponto entra-se na região
denominada “elasto-plástica”, ou seja, o Parafuso está em uma
zona de deformação que é parcialmente permanente. Ao
desapertar este Parafuso, o seu comprimento será maior que o
original, mas ainda não há estricção considerável. Ao final da zona
elasto-plástica, chega-se à máxima deformação permanente, entrando
na região “plástica”, onde o Parafuso está nas proximidades do seu
limite de ruptura, condição inaceitável em qualquer processo de
aperto.
Na Figura 2 observa-se a Força (em kN) em função do Aperto (ângulo,
em graus). Nesta estratégia, considera- se o Esforço Combinado tração
– torção e, desta forma, os valores de Força sofrem certa redução
percentual. Esta redução, que denominamos Rendimento (η), por sua
vez, é função exclusiva do coeficiente de atrito de rosca (μG) e é dada
pela Equação 3:

onde:

p (passo), d2 (diâmetro primitivo da rosca do Parafuso) e d3 (diâmetro


do núcleo da rosca do Parafuso), que são os parâmetros geométricos
do Parafuso considerado.

Esta equação revela que o rendimento é inversamente proporcional ao


Coeficiente de Atrito de Rosca (μG), ou seja, quanto menor μG, maior
será o rendimento (η).

Exemplificando para um Parafuso M12 × 1,5 (passo fino), com Classe


de Resistência 10.9, assumindo que o Coeficiente de Atrito de Rosca
está numa faixa de 0,10 ≤ μG ≤ 0,16, tem-se o rendimento
variando entre 86,7 % a 77,2 %. Assim, o Limite de Resistência à
Tração, que no esforço axial era de 91,6 a 107,5 kN, agora passa a ser
de 70,7 a 93,2 kN respectivamente, considerando o Esforço
Combinado, ou seja, contemplando o menor rendimento para a menor
Resistência à Tração (1.040 MPa) e o maior rendimento para a maior
Resistência a Tração (1.220 MPa). De maneira similar, o Limite de
Escoamento, que se situava entre 82,5 e 96,7 kN, agora se encontra
entre 63,7 e 83,9 kN. Estes números indicam qual é a faixa real de
trabalho de um Parafuso M12, passo 1,5, com Classe de Resistência
10.9, quando assumimos somente a região elástica (e 0,10 ≤ μG ≤
0,16).

Desta forma, para se calcular a Capacidade de Geração de Força de um


Parafuso, na zona elástica, devemos considerar: I) O Limite de
Resistência à Tração (máximo e mínimo); II) A Área Resistiva, que é
função do passo e da bitola do Parafuso; III) O Rendimento, que é
função exclusiva do Coeficiente de Atrito de Rosca (μG), nos seus
limites máximo e mínimo e IV) Quanto ao Limite de Escoamento,
considerar a Classe de Resistência, aplicando 80 % do Limite de
Resistência à Tração para 8.8 e 90 % para 10.9 e 12.9.
Um sumário dos valores de Força, capaz de ser gerada por um
Parafuso, passo normal, considerando o limiar da zona elástica (Yield
Point), assumindo o Coeficiente de Atrito de Rosca numa faixa de 0,10
≤ μG ≤ 0,16 e aplicando 80 % do Limite de Resistência à Tração para
8.8 e 90 % para 10.9 e 12.9 é mostrado na Tabela 6.

Tabela 6 – Valores de Força (em k N) e a respectiva dispersão, considerando a zona elástica de um


Parafuso, segundo sua Classe de Resistência e 0,10 ≤ μG ≤ 0,16

Os valores apresentados na Tabela 6, considerando o Esforço


Combinado, são referentes ao Limite de Escoamento e a dispersão é
em função da faixa especificada para o Limite de Resistência à Tração
bem como assumindo o Coeficiente de Atrito de Rosca numa faixa de
0,10 ≤ μG ≤ 0,16.

De maneira conservadora, usualmente se utiliza apenas 75 % destes


valores.
A parte final deste artigo será publicada em nossa próxima
edição.

Dr. Roberto Garcia

Consultor técnico, bacharel em química, mestre e doutor em físico


química pela UNESP (Universidade Estadual Paulista).

roberto.2.garcia@gmail.com

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