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Cena 1:

Noite. Sala de jantar. A lua está forte lá fora. Hipólito na mesa sozinho, iluminado
pela tela de seu celular. Entra um vulto. Um outro homem. Pálido. Música
sofisticada.
Hipólito: Você veio! Coloquei minha melhor roupa. (silêncio) Eu guardo
comigo...você.
(Teramêno tira de dentro de sua jaqueta um embrulho de presente e entrega à
Hipólito. Hipólito o abre. É uma cueca. Ele a cheira e a passa pelo seu corpo.
Terâmeno tira um celular de seu bolso e coloca em cima da mesa. Aperta play.
Conversa dos dois. Hipólito se emociona e segura as duas mãos entre a cabeça.
Terâmeno se posiciona atrás dele e Hipólito levanta a cabeça encostando na barriga
de Terâmeno, olhando para cima. Terâmeno encosta o dedo na testa de Hipólito e
levanta o dedo em direção aos céus).
Hipólito: ‘‘Houve peleja no céu. Miguel e seus anjos de Deus pelejaram contra o
dragão e seus anjos; todavia não prevaleceram; nem mais se achou no céu o lugar
deles. E foi expulso o grande dragão, a antiga serpente, que se chama diabo e
satanás, o sedutor de todo o mundo, sim foi atirado para a terra, e, com ele, os seus
anjos.’’ Vou cair!

Cena 2:
Sentados, frente a frente, cada um numa extremidade da mesa. Teseu e Hipólita.
HIPÓLITA – Estou feliz porque tenho certeza que as coisas podem se encaminhar da
melhor maneira possível.
TESEU – Tenho absoluta certeza que sim. Você é muito importante para mim.
Podemos ser ótimos amigos.
H – Você é meu amigo? Acho que se você quisesse que fossemos amigos você não
teria feito as coisas do jeito que fez. O que você fez não me parece ser coisa de
amigo...Você é meu amigo? É sério? Amigo?
T – Tudo bem, não somos amigos. (pausa) nosso erro foi ter misturado as coisas.
Profissional com relacionamento. ‘’amigos, amigos, negócios a parte’’. Hoje eu
entendo.
H – Sim, eu também. Entendo perfeitamente. É bem conveniente você somente
entender agora. Logo você, tão inteligente, tão perspicaz. Você podia ter entendido
isso antes de eu ter te ajudado a subir na vida e construir teu império. Você foi
oportunista. Perdão, você não gosta que eu te chame de oportunista: você teve
senso de oportunidade.
T – Fui eu que conquistei o meu império. Eu. Conquistei tudo com meu esforço,
joguei tudo para o alto e me dediquei veementemente para conquistar tudo que eu
queria, alcançar o topo. Se eu soubesse que iria causar tantas desavenças nem tinha
levantado essa bosta toda.
H – Agora é fácil dar este discurso: eu saio com uma mão na frente e outra atrás e
você fica com um império para você. Como você chama uma pessoa que passa a
perna na outra? Mau caráter?
T – Se você começar a me chamar de mau caráter a conversa acaba agora. Eu não
podia ficar mais com você. Eu não gosto mais de você. Você queria que eu vivesse
uma relação de conveniência?
H – eu queria que você tivesse avisado, tivesse falado...esse era o trato: não esperar
a coisa desandar completamente e pular fora. Eu te ajudando na tua crise
existencial, te bancando e você pouco se fudendo comigo. Quando eu olhei eu
estava sozinha e você disse ‘’tchau, não preciso mais de você’’.
T - Eu só queria deixar bem claro que você sabia desde o começo que nunca prometi
nada pra você. Nunca disse que seria eterno. Nunca disse que teríamos um
relacionamento sério, que a gente ia se casar, etc, etc etc. A gente já estava muito
tempo juntos. Eu quero experimentar outras coisas. Eu não tenho mais tesão em
você. Eu sinto tesão por outras pessoas. Eu quero te deixar livre pra se relacionar
com outras pessoas. Construir algo com outras pessoas. não perde tempo comigo
porque eu não quero nada com você.
H – Como é que é? Eu nunca falei que queria me casar com você. Quando eu disse
isso? Ninguém nem sabe que a gente se relacionou!
T - não sabe? (Ri)
H - Você é invisível! Você não existe na minha vida social! Ninguém sabe de nós.
Você é um covarde. Vivíamos como os ratos, nos esgotos, escondidos, pelos cantos,
por que você não queria que ninguém nos visse juntos. Eu, uma oportunidade, uma
escada, um degrau. (Pausa) já tô em outra, você sabe, acabou, acabou, tchau. Mas
eu quero deixar claro que não sou sua inimiga. Bola pra frente. A vida continua. E o
nosso sexo estava horrível. Você brochava sempre! Falava que estava cansado,
lembra?
T- (ri) Eu era Brocha?
H- Era. Brocha. Você é brocha! Pelo menos era! Comigo!
T - Você pensou que eu ia te deixar a vida inteira desfrutando de tudo que meus
antepassados conquistaram, sem ter que pagar nada?
H – Mas também quem disse que eu ia pegar toda minha grana e investir para
construir algo pra você e depois você virar e falar, com a cara mais deslavada ‘’ah
cansei, não quero mais’’? Isso é mau caratismo. Você é mau caráter! Você se
aproveita das pessoas pra subir, Teseu! Você é um parasita!
T – se você vai começar a me ofender eu vou embora. Eu não sou obrigado a ficar te
ouvindo. Sejamos objetivos, não vamos misturar as coisas.
H – ok, serei objetiva: quando é que você vai me pagar? Você arrancou toda minha
grana pra construir seu império! Quando é que você vai me pagar?
T - eu estou falido e estou em crise!
H – Eu não perguntei isso! Responda objetivamente: quando é que você vai me
pagar? Eu não tenho nada a ver se você está falido, se você está em crise, foda-se,
eu só quero saber quando é que você vai me pagar!
T – eu não tenho dinheiro, porra! Eu não tenho merda nenhuma de dinheiro. Você
quer que eu faça o que? QUE eu me mate? Você fala comigo como se fosse uma
agiota! Porque você está falando assim comigo? Eu vou te pagar! Só não sei quando!
Mas eu vou te pagar! É questão de honra!
H – Quando é que você vai me pagar, porra? Seja objetivo! não era isso que você
estava falando para eu ser? Estou sendo! (silêncio)
T – Eu vou te pagar tudo. Eu não quero te prejudicar.
H- Paga quando você puder. Sei que você não tem condições de pagar agora.
(silêncio) Eu não vou falar mais, cansei, é exaustivo isso. Eu já entendi que temos
visões completamente divergentes sobre este assunto. não vamos chegar em lugar
nenhum. Só quero resolver. Você pode ficar com tudo pra você. É tudo teu. não
estou sendo irônica, nem nada. Eu só acho uma pena que tenha acontecido dessa
maneira. Uma pena. Eu sempre fui extremamente sincera com você. Me expunha
até demais. Falava tudo.
T - Eu não quero nada pra mim. Eu acho uma pena que você tenha construído esta
imagem de mim. Depois de tanto tempo juntos. De tanto esforço pra levantar tudo
que levantamos. Noites e noites acordado, abrimos mão de tantas coisas.
H – É exatamente isso que eu penso: tanto esforço pra nada. Nadou, nadou, nadou e
morreu na praia.
(Phedra entra e observa tudo de longe. Aproxima-se lentamente, senta-se ao lado
de Teseu)
PHEDRA – Acho melhor você ir embora agora.
H (a olha firmemente) – Eu não vou brigar com você porque você não tem nada a
ver com isso. Eu nem te conheço. Nem sei quem é você, não sei nem seu nome, de
onde você veio, nem sei oq você está fazendo aqui. Porque você está sentada aqui?
Nesta mesa? Debaixo deste lustre?! Você sabia que fui eu que comprei tudo isso?
Que esta cadeira, na qual você está sentada, este lustre, essa toalha, essa lâmpada
fui eu que comprei?
T (explodindo) – Leva tudo, então! Eu não preciso de nada que é seu!
H – ok! Amanhã encosto o caminhão na porta deste mausoléu e levo tudo! Portas,
janelas, até a grama eu levo embora. Eu só vou ficar sossegada quando tudo isso
estiver no chão, Teseu! Deixa eu quebrar tudo isso? Vamos demolir tudo isso?! Aí eu
vou embora em paz. Você nunca mais vai me ver. Deixa eu quebrar pelo menos
todas as portas! Meter o pé em todas estas portas, principalmente estas da entrada.
São tão bonitas né Deixa eu arrebentar tudo?
T – Isso não é mais comigo. Você tem que falar com ela.
(silêncio)
F – Eu vou me levantar e vou deixar vocês dois à sós. Vocês precisam resolver...
algumas pendências. Antes que eu saia é preciso frisar: Eu gosto da decoração da
minha casa deste jeito. não sou adepta a vandalismos. não quebre nada. Entendeu?
Evite dissabores. Também não te conheço. Somente por nome. E até agora não
posso dizer que tenha sido um prazer em conhecê-la. Teseu, meu marido, se ela
precisar de calmantes tem alguns dentro da maletinha de primeiros socorros. não
misture com bebida alcóolica.
(Phedra sai)
T – Eu tô enfrentando uma crise pessoal e você não consegue sair do próprio
umbigo, você não consegue entender que eu tô precisando de ajuda.
H – Eu também estava em crise, eu não estava mais vendo sentindo nenhum em
tudo isso, nao estava mais vendo sentido nenhum na vida e você sabe bem disso...
mas abri mão de falar disso com você, deixei minha crise de lado, ficou somente
comigo, guardada aqui dentro, para não te deixar mal.
T – Eu não consegui olhar pra você...eu não conseguia olhar pra ninguém, somente
para mim. Eu precisava me entender. Eu estava em crise e você me cobrando
atenção, me cobrando que eu me preocupasse com você...eu estava em crise!
H – Ah! Todos estamos atolados até o pescoço em nossas crises pessoais, você não é
o único, meu querido! O mundo está em crise pessoal! O universo está em crise
pessoal! Deixa de ser mimado e sai você do seu umbigo! O mundo todo tem que
parar para ver você em sua crise. Sou só eu que te acho mau caráter, Teseu?
Quantas e quantas pessoas falavam “e aí? O Teseu já te deu uma rasteira?’’ E eu não
acreditei. O que me deixou puta é ver outras pessoas rindo da minha cara enquanto
eu te defendia. Eu apostava em você! Eu acreditava em você! E você não deu a
mínima! Até seus parentes, até seus amigos, Teseu, te acham mau caráter. Como eu
fui tão cega? Esta situação é extremamente desgastante. Eu estou pensando: se não
conseguimos resolver de maneira amistosa, vou conversar com seus inimigos para
juntos movermos uma ação contra você. Agora, Teseu, eu sou tua inimiga: Eu quero
ver você se fuder, Teseu! Você não foi justo comigo!
(falam ao mesmo tempo)
T – Faz o que você quiser! Você quer acabar com a minha vida!
H – não quero acabar com nada. Só quero justiça!
T – Você está querendo me enlouquecer. Eu estou numa crise.
H – Ok! Vou fazer parceria com seus inimigos! Nosso assunto acabou! Conversamos
com os advogados presentes! Até mais! Até mais! Boa sorte, Teseu, mau caráter!
(Teseu levanta, dá um soco na mesa, joga as coisas que estão em cima dela longe e
chuta uma cadeira. Silêncio).
H – Que cena deplorável!
(Teseu segura a mão que está doendo muito).
H – Por que você fez isso? Como está a sua mão? Deixa eu ver!
T – Tá tudo bem! Está doendo!
H - Que espetáculo deplorável! Eu vou te levar para um hospital!
T – não precisa, eu tô bem, eu tô bem. Tá doendo! Tá doendo! Tá doendo muito!
(saem)

Cena 2:

HIPÓLITA –Não vai me convidar para entrar? (pausa)

TESEU –Tem gente em casa. Ela está em casa.

H - Não se preocupe.

T - Hipólito, seu filho, não está.

H- Meu filho?

T- Nosso filho.

H –Não quero nada que seja teu. Pode ficar. Seu filho. Mais uma das tuas conquistas.
Espólio de guerra.

T – Eu vou sair daqui a pouco!

H – É uma pena. Eu preciso entrar. (pausa) É melhor você me convidar para entrar. O
tempo. Esfriou. (entra) As coisas não mudaram por aqui. Os móveis...ah a mesa!!! O
lustre preto. Agora você vai sentar ali. E eu aqui. E nós dois vamos conversar. Faz
tanto tempo que a gente não conversa.

(Apesar disso, estou muito feliz porque não há rancor em nossas falas e tenho certeza
que as coisas se encaminharam e se encaminharão da melhor maneira possível.

H – Eu com uma mão na frente e outra atrás e você com um império. Como você
chama uma pessoa que passa a perna na outra? Mau caráter?
T – Se você começar a me chamar de mau caráter a conversa acaba agora.

H- Sou só eu que te acho mau caráter, Teseu? Quantas e quantas pessoas falavam “ e
aí? O Teseu já te deu uma rasteira?’’ E eu não acreditei. O que me deixou puta é ver
outras pessoas rindo da minha cara enquanto eu te defendia. Eu apostava em você! Eu
acreditava em você! E você não deu a mínima! Eu te ajudando na tua crise
existencial, te bancando, seu filho da puta, e você pouco se fudendo comigo. Um dia
eu abri os olhos e estava sozinha e quando eu fui falar com você, você me disse
‘’tchau, não preciso mais de você’’. Você é mau caráter! Você se aproveita das
pessoas pra subir, Teseu! Você é um parasita! (Fedra entra e observa tudo de longe.
Aproxima-se lentamente, senta-se ao lado de Teseu)

(silêncio)

T – Eu não queria ter te prejudicado. Eu vou te pagar tudo.

H-

Cena 3:
Casa vazia. Hipólito está dormindo, sentado numa poltrona. Está com uma mala ao
seu lado e uma placa de ‘’vende-se’’ nas mãos. Há tecidos brancos sobre os móveis.
Ele está vestido de preto e visivelmente exausto. Há várias caixas empacotadas,
empilhadas pelo espaço. Nitidamente estão de mudança. É início da madrugada.
Entra uma mulher, Arícia, com uma mochila nas costas.
HIPÓLITO (acorda sobressaltado) – não é possível que você tenha feito isso! não é
possível! Carniceiro! Eu fugi! Eu fugi! (saindo do transe aos poucos) eu não
consegui...eu dormi. Acordei, dormi, acordei, dormi. Várias vezes. Algo me prende
aqui. As memórias. Estas paredes. não posso ir embora antes de encontrá-lo,
encontrá-los.
Arícia (segurando o rosto dele com as mãos) – eu fico aqui com você. não volto mais
pra casa. Agora eu vou ficar aqui.
H – não, Arícia. Aqui não, Arícia. Psiu. Silêncio. Ninguém pode saber que você veio
aqui, que você está aqui.
A – Ele não está aqui, lembra? E ela, ela já deve estar dormindo. É madrugada. Eu
trouxe pra você (uma garrafa térmica de café). Eu te amo. Mesmo que sua família
me odeie, eu te amo. Eu fugi de casa. não posso mais ir embora daqui. Só vou com
você. Pra bem longe. Pra não voltar mais. Eu me escondo no porão ou no sótão. Essa
casa está abandonada. Seu pai abandonou esta casa. Todos abandonaram. Está todo
mundo tão enterrado em si mesmo que ninguém vai notar minha presença aqui.
H – Ninguém encontrou o corpo deles ainda! Ninguém sabe o paradeiro deles. Já
procuramos em todos os lugares: bares, delegacias, hospitais, IMLs, motéis...nada.
Desaparecidos. Nenhum vestígio.
A – E a velha? A mãe, a madrasta...
H – A mulher do meu pai. Ela não sai do quarto. Desde que meu pai desapareceu ela
não sai mais do quarto. Acho que pegou uma depressão. Arranquei a fechadura da
porta dela para que ela não se tranque...talvez ela queira se matar. Talvez tenha
tendências suicidas. Ela fica no escuro. Nenhuma janela aberta, nenhuma luz acesa...
A –Para mim ele não está morto. Ele fugiu com a feminazi. não deve ser fácil para a
velha ter sido traída e abandonada. Eu acho este lustre tão bonito! A primeira vez
que entrei nessa casa achei tão bonita. Tudo limpo, arrumado, organizado. não havia
pó nos móveis, no chão...parecia um cenário. Tudo no seu devido lugar. “Feng
Shui?”, perguntei. Até os sorrisos combinavam com a mobília, até o tom das vozes, o
caminhar...deve-se levar muitos anos para cada um decorar tão perfeitamente suas
marcas dentro desta encenação. Até que, puft, um belo dia um copo de vinho tinto
cai no chão e tudo desmorona.
(Ouve-se mugidos humanos)
H- A velha começou a sua agonia. Uma triste sinfonia. Eu preciso descansar. Eu
gostaria de dormir, sem sobressaltos, sem arrepios, sem pesadelos...dormir, uma
noite inteira...mas eu não consigo. Eu preciso descansar. Eu preciso encontrar o
corpo deles... eu preciso encontrar... o corpo, a carcaça, e dar banho neles, perfumá-
los e vesti-los com suas melhores roupas...e ficarei acordado, uma última noite, ao
lado deles, velarei seus corpos adormecidos, ou o que resta de seus corpos, e direi
próximo do amanhecer ‘’podem ir! Agora vão e descansem em paz! Está tudo
perdoado!’’ Os acompanharei até a cova deles e os enterrarei cantando
louvores...para que possam descansar em paz...para que eu possa descansar em
paz! E depois nos esquecermos uns dos outros, de vez! Como se nunca tivéssemos
nos conhecidos.
A – Ela não para de gemer! É ensurdecedor. Vamos embora daqui! Vamos deixar
tudo isso pra trás! Comecemos a nossa diáspora pelo mundo!
H – Vamos! (não se mexe) Eu não posso! não ainda. Ele vai voltar. Preciso de uma
xícara de café! não aguento mais ficar acordado!
(Arícia tira um livro de dentro de sua mochila e começa a ler, enquanto Hipólito
toma seu café)
A - “Vem agora, pois, e eu te enviarei a Faraó, para que tires o meu povo, os filhos
de Israel, do Egito.”

Cena4:
PHEDRA: ah, meu corpo todo se contorce em uma dor que jamais senti em outro
momento. O que fazer quando não há saídas? Quando não tenho mais a
possibilidade de respirar a não ser por meio de aparelhos ligados a meu corpo? Ah a
dor! A morte! Eu a vejo. não aguento a luz do sol! Meu corpo pede os cantos, as
sombras, o silêncio, quero estar imersa na escuridão profunda. Ah os pés de
galinhas! Ah simpatia mortal que nada adianta, que nada melhora. Vênus, sua
amada maldita! Porque me fez de ti um joguete? Porque colocou no meu caminho
uma dor que não se dá para arrancar com o mais forte dos remédios. Queima em
mim! Queima em mim! Já não sou senhora de mim! Em mim só há trevas e desejo!
Sou uma suicida em potencial! Eu preciso me livrar de mim mesma, meus ossos
estão explodindo da minha carne, eu sinto o núcleo deles, minha pele está sendo
rasgada e minha respiração é um líquido flamejante dentro de minhas veias, um
ácido, mortal, destrutivo, devastador. Ah Vênus, deusa que tanto estimo e que
sempre prestei os mais profundos sacrifícios, porque eu? Oq eu fiz para ti? Arranca
isso do meu corpo! Estou em febre, vou morrer, não há saídas. O que fazer? Porque
esse enxame de abelhas me picam o corpo sem parar? Deusa, mata eu em mim! Eu
preciso descansar, mas minhas mãos não me permitem pôr fim a mim mesma. Eu
quero a morte que sorri para mim, um sorriso largo, desdentado, e quando vou
agarrá-la, ela sai correndo risonha, zombeteira e nunca a alcanço. Porque essa
tortura? Porque esse sadismo? Oq eu fiz? Porque meus pés queimam? Meu coro
cabeludo está em chamas! Meus cabelos se tornaram espinhos
pontiagudos? Porque não consigo escapar? Preciso voltar para a não luz! Tenho que
voltar para o meio das pedras e ficar a espreita! Que meu ferrão perpasse meu
corpo, meu crânio, meus olhos e destile este meu veneno fatal, mortal em mim
mesma. não estou mais conseguindo respirar! Preciso morrer! Preciso morrer! Eu
preciso conseguir me matar. Voltar para as pedras! Voltar para dentre as pedras! Ah,
dor implacável do desejo! Isso é o amor? Isso é o amor? Vênus, atira em mim! Atira
em mim! Vênus, não me abandone!

Cena5:
(Hipólito está no chão, sobre um lençol branco estendido e usando as malas como
travesseiros improvisados. Arícia levanta, cantarola uma música e dança sozinha,
lentamente. Olha para Hipólito. Vai para o espelho, se observa e se ajeita, tentando
ficar mais bonita. Fica insatisfeita com sua imagem).
Arícia: eu não sou bonita.
(Arícia pega um revólver aponta para o teto e fica brincando de dar tiros, aponta
para o espelho e depois para Hipólito).
Uni, duni, Tê, salame, minguê, o sorvete colorido foi para vo-cê.
(As luzes se apagam. Escuridão. Barulhos).
T/A: Quem é você?
T/A: Quem é você?
H: Quem é tá aí?
T/A: Tem gente aqui!!! Alguém entrou aqui.
T/A: Hipólito! Hipólito!
T/A: Você veio para nos matar?
A: Ele é um assassino.
T: Cuidado com ela. Ela veio nos matar.
A: Ele veio nos matar.
H: Para. Para. Arícia.
A/T: Hipólito.
H: Terâmeno.
T: Você conhece ela?
A: Você conhece ele?
T/A: Vocês se conhecem?
H: Acendam a luz. Acendam essa porra de luz.
(as luzes se acendem. Terâmeno está com um grifo nas mãos. Arícia está com as
mãos na cabeça, com dor. Hipólito está de pé, ofegante. Silêncio).
H: estamos só nós 3 aqui! Terâmeno, Arícia! Arícia, Terâmeno. (silêncio)
T: Eu não queria machucar você.
A: Com um grifo na mão?
T: Foi sem querer!
A: Ninguém bate em outro pessoa com um grifo na cabeça sem querer.
T: Bati fraco. Pensei que era algum ladrão.
A: Eu tô zonza.
T: Não desmaia.
A: Nasceu um galo.
T: cadê sua arma? Você estava com a arma na mão!
A: Eu sou contra o porte de armas.
(pega a arma do chão)
T: Aqui.
A: Não é minha.
T: Ela tava nas tuas mãos. Você estava apontando pra ele.
A: Não é minha!
T: Você estava apontando para ele.
A: Foda-se, não é minha!
H: É minha! Quer dizer, eu encontrei no quarto do meu pai. A arma do meu pai. Eu ia
jogar no mar. Aproveitar e jogar no mar quando a gente passasse na frente dele. Eu
entrei no quarto dele e revirei tudo, tudo, tudo, queria encontrar algo, uma pista,
um vestígio, alguma coisa e...nada. Encontrei essa arma. Senti um arrepio tão forte
na coluna que...trouxe comigo! Vou jogar no mar!
T: Essa louca estava apontando esta arma pra você.
A: Era brincadeira. Eu nunca segurei uma arma na mão. Você nunca brincou que
atirar nas pessoas?
T: Não sou doente.
A: De mentira! De faz de conta! Atirar de mentira! Eu não sou doente!
T: Vamos embora, Hipólito! Eu não aguento mais essa casa! Isso é um hospício!
A: Onde vocês vão?
T: A gente vai fugir.
A: Eu ia fugir com você, Hipólito!
T: Quem é você?
A: Quem é você? (pausa) Eu sou a irmã dele. Futura esposa.
T: Esposa?
A: Eu estou escondida aqui.
T: Estamos escondidos aqui. (para Hipólito) A gente tem que ir embora daqui. Isso
não está me fazendo bem.
A (aproximando-se do revólver): Ninguém sai deste porão.
H: Calma, Arícia. Vai dar tudo certo.
A (apontando o revólver para eles): Eu não tenho mais pra onde voltar. Estou aqui.
Vim pra cá. não tenho mais pra onde ir. Hipólito, eu sou frágil. não me deixe
quebrar. Eu larguei tudo. Eu tenho um útero. A gente ia fugir juntos.
(Terâmeno avança sobre ela e cobre seu rosto com um pano, ela se debate
violentamente, tentando gritar e se soltar).
Hipólito: Não mata, Terâmeno! Não mata, Terâmeno! Vamos fugir! Vamos ter que
fugir! não mata, Terâmeno!
(Hipólito parte para cima dele, tentando salvar Arícia. Briga entre os dois. Arícia se
solta, respira muito profunda e ruidosamente, como se estivesse quase sufocando.
Hipólito e Terâmeno param um deitado em cima do outro, exaustos).
Terâmeno: Agora vamos embora!
(Arícia chora compulsivamente)
Arícia: Ninguém vai conseguir sair daqui!

Cena 6:
Hipólito e Terâmeno com vendas nos olhos. Um leva o outro, numa aparente
condução programada, mas se vê que estão à deriva. Param. O condutor tira a sua
venda e depois a do outro. Silêncio.
H: Que lugar é esse? eu não consigo reconhecer!
T: A gente vinha aqui, muitas vezes...
H: A gente? Eu nunca vim aqui. Este lugar está abandonado. Ninguém cuida dele? Tá
parecendo um enorme terreno baldio. Tá tudo arrasado aqui. Tacaram sal na terra?
Que porra de lugar é esse?
T: Estamos quase chegando
H: Ué, já não chegamos?
T: Chegamos no lugar mas não no lugar, no lugar exato...aqui já é o lugar mas ainda
não é o lugar mesmo.
H: Isso não é um sequestro, é? Esse cheiro de lixo, deve ter até corpos nesse
terreno, deve ter todos os tipos de insetos...vários já me picaram. Que bosta de
lugar é esse?
T: Chegamos! Agora, sim.
H: Chegamos? Mas não tem nada aqui. Que porra é essa? Por que você me trouxe
neste lugar? Se eu soubesse que você estava me convidando para vir aqui, no meio
do nada, eu nunca viria. Minhas pernas tão doendo de tanto que andamos. E tá
coçando também. não tem nada aqui. Por que você me trouxe até aqui?
T: Não sei. Eu só quis te trazer até aqui.
H: Vai se fuder.
T: Na verdade, eu nem quis, só trouxe.
H: Vai se fuder. Vai se fuder. Vai se fuder.
T: Ok, eu vou embora. Eu tô confuso. não, tô cem por cento seguro do que estou
fazendo.
H: E vai me deixar aqui? No meio do nada?
T: Ué não nascemos grudados. Eu tenho a minha vida para tocar. Preciso ir.
H: Calma! Peraí! Mas por que você me trouxe até aqui? Só pra dizer que ia embora?
T: Eu sou um fracasso. não sei o que faço da vida. Hoje é meu aniversário.
H: Oi?
T: Eu tô indo embora.
H: Ok, mas é noite. Cara... Eu nunca imaginei...eu nunca vim aqui.
T: Ué você não é o Senhor Coragem? O Sabe tudo? Tá com medo de ficar sozinho no
escuro?
H: Barraco a esta hora da noite? Preciso avisar para alguém que você não tá batendo
bem e me buscar deste buraco que você me trouxe.
T: É meu aniversário! Me dá meu presente! Ninguém pode saber que a gente está
aqui. Me dá seu celular!!!Ninguém pode saber.
H: Não, não mexe nele. Eu vou ligar. Me solta, seu viado filho da puta.
T: Ele é meu. Dá ele aqui. Filha da puta.
H: Solta este revolver.
T: Ele é meu. Você não vai falar com ninguém. Ninguém pode saber que estamos
aqui.
H: O celular é meu. O revólver é teu, mas o celular é meu. Devolve, seu babaca.
T: Você não me conhece!
H: Eu não estou te reconhecendo.
T: Prazer, sou teu assassino. Não escutou? Sou teu assassino!
H: Nossa, você é péssimo com frases de efeito. Você é um covarde. não consegue
nem abrir a boca diante dos outros, imagine me matar. Teria mais medo se uma
galinha estivesse na minha frente batendo asas porque vai botar um ovo.
T: Você não me conhece. Eu sou um homem. Eu tenho um revólver, nada é para
sempre, sabia? Quando eu te prometi que você continuaria vivo? Vou te matar
antes que seja tarde demais! Será meu presente de aniversário ver seu corpo
atirado no chão. Calado, silenciado, imóvel, inerte. Depois vou urinar nele, cuspir
nele, arranhar, chutar, esmurrar, despejar todo meu ódio em você e te jogar no mar.
H: Por isso que você foi na praia? Pra saber onde atirar meu corpo? não foi pra
salgar o cu no mar?
T: Cala a boca senão eu atiro! Eu sou o responsável pela sua eutanásia!
H: Como você consegue ser tão imbecil?
T: Eu tenho um revólver com balas. E ele está apontado para o seu peito. Vou
cravejar seu corpo de balas. Crime passional. E eu vou rir, gargalhar e ainda vou ao
cinema. Assistir aquele filme que você queria assistir comigo. E vou usar seu cartão
de débito e vou gastar toda a sua grana, toda toda toda. Você vai chegar no inferno
sem um puto no bolso.
H: Você nem sabe minha senha.
T: Fala a senha. Fala a senha senão eu te mato. Para de rir senão eu atiro em você.
H: Seu filho da puta. Você podia ter acertado em mim!!!
T: Mas... era pra ter acertado mesmo.
H: Seu fracassado. não consegue nem matar uma pessoa.
T: Tem mais balas. Cadê as balas? Desta vez não vou errar o alvo. Vou acertar bem
no meio dessa sua boca grande. Nunca mais vou ouvir sua voz. Você agora é meu
prisioneiro de guerra. Você terá seu corpo violentado, estuprado, torturado...
H: Você é brocha. não vai fazer porra nenhuma. Você é um fracasso humano. É
capaz de chamar sua mamãe na hora de limpar a bunda. Você deve estar todo
cagado. Morrendo de medo de ter que fazer alguma coisa. Para de chorar, imbecil!
T: Você não vai chorar? Se eu morrer você não vai chorar?
H: Você sempre esteve morto.
T: Eu te amo mas sinto tesão por outras pessoas e tenho que ir embora.
H: Espera. não consigo. Eu queria conseguir chorar, mas não consigo. O que está
acontecendo com você?
T: O que?
H: Você. Cadê? Você...Você está desaparecendo!
T: Eu...estou...sumindo? não, aqui tinha uma casa, aqui tinha uma casa que
construímos juntos e tinham janelas e portões e fundações profundas e
encanações...eu estou...sumindo? Aqui tinha um álbum de fotografias, memórias
agradáveis, caminhadas, aqui tinha... eu não posso estar...desaparecendo!!!
Você...você também está desaparecendo...não consigo mais te ver...cadê você!
T: Sumiu!
H: Sumimos!
T: Desaparecidos!

Cena 7:
Phedra: Hipólito. Oi, Hipólito. Tudo bem? Eu...eu queria...falar contigo. Tudo bem?
Sim...eu sei...a gente não se fala há tempos...sim...posso colocar uma música? Eu
vou colocar uma música, espera...gosta desta? É. Acabou! Morreu. Um de nós
morreu. Ele morreu. Teu pai. Estou de luto. Pena. Que pena! Fico bem de preto? Ele
se foi. Sim. E você? Como você está? Você sabe...eu sei que sabe... o quanto o
amei...um touro...indomável...eu o domei, sabia? ele, o teu pai...consegui agarrá-lo
com as minhas frágeis mãos...o sedutor dos sedutores. Rex seductor rendido, de 4,
aos meus pés...tudo que eu queria, pum, fazia...sem feitiços, sem
encantamento...senão os naturais. Estou falante hoje. Você já observou este lustre
preto? Chorei a noite inteira, sabia? Eu gostaria tanto de falar sinceramente esta
frase mas...não consegui! Chorei porra nenhuma. Sorry. Deve ser meu jeito de
sofrer. Quando soube da morte...não chorei! Seco. Me deu uma ânsia. Corri pro
banheiro e quase não deu tempo de despejar tudo no vaso...saía de mim um
barulho alto...uma mistura de grito, alívio e vômito…um mix. Hei, dj! O ser humano é
tão estranho né Pensei muito em você...é, em você. Surpreso? E neste lustre preto.
não sei. Este lustre preto não me saía da cabeça, parecia uma lua me regendo. E
você... você é tão parecido com teu pai, as mesmas feições, o mesmo signo...os
pés...só que mais jovem, bem mais jovem...sabia que sempre gostei da sua
juventude? Do seu desconcerto com as coisas e com as palavras...sua frieza...eu olho
pra você e vejo a imagem dele...Teseu, é você? E eu o amei muito, você sabe. Eu o
amo. Eu te amo, é isso. Vê, vem do meu peito seco, daqui. I love you! Eu te amo. não
ele, aquele, morto, mas você, este aqui, na minha frente. não vá. Eu vou trancar a
porta. E nós, nós 2, eu e você, juntos, governaremos, nesta cama, neste chão,
naquele sofá, naqueles destroços. Tranca a porta, fica, Teseu! Fica, Hipólito! E joga a
chave pela janela! Eu preciso me despedir do seu pai! Teseu! não há traição. É o
espírito do seu pai soprando em meus ouvidos com hálito doce e embriagado as
palavras dele! Filho, eu repouso em você, me empresta teu corpo, tua carne, teu
tesão...que Phedra faça amor com o pai. Por meio do filho. Tire a roupa, Phedra.
Você, Hipólito, o cavalo, aquele que recebe em transe. Eu tua égua. Meu frio Teseu!
Como tua carne fria! i love you, Hipólito, Teseu!

Cena 8:

Hipólito: Phedra, não faz a loca. Em momento algum prometi alguma coisa pra você.
não tenho culpa se você é uma vadia carente. Um puta de um troço carente. Eu não
tenho nada com isso. Foi só um lance. Eu te agradeço, sério, te agradeço muito por
tudo que você fez por mim, mas...que mania burra é essa das pessoas acharem que
sempre tudo é pra sempre. Era! Mas não é mais. Mudei, o mundo muda, as coisas
mudam. Você quer que tudo fique sempre do mesmo jeito. Você é uma doente.
Hahahaha. Achei engraçada essa passagem. Te chamar de doente. Lembra que você
me chamava de doente? Hahahah o mundo dá voltas. Doente né E agora? Meu, sai
do meu colo, sai da minha aba, sai pra lá...vou cantar uma musiquinha pra você “sai
da minha aba são pra lá’’. O que que você pensou? Eu queria entender o que você
pensou. Onde é que você encontrou esta brecha p pensar que a gente ia ficar
juntos? Eu gosto de você. Sério. Como alguém da família. Você é minha mãe. Uma
espécie de mãe, velha e gorda com problemas de pressão. Eu gosto mesmo. Você é
muito importante na minha vida. Hahahaha. Essa passagem foi engraçada também.
Hahahahaha importante! Hahahahahaha Todo mundo pira com isso né “você é
importante para mim!” hahahahaha Desculpa, desculpa, desculpa. Eu sou jovem, eu
ainda tenho muita coisa pra viver...e...e você não me dá mais tesão. Zero tesão. Igual
aqueles produtos Coca Zero, Pepsi zero. Hahahahahaha você sempre que quis. Eu
nunca quis, mas tamu aí. Você sabia que eu era assim. Frio. Você amava essa minha
insensibilidade, apatia, essa minha tendência absoluta para a destruição...você
achou que me salvaria...me salvaria de mim...hahahahaah Ipon! Lona! Chão! Quem
perdeu, Phedra, sua bitch? Hein, fala, quem perdeu? E o engraçado é que não sinto
nada. É como se nada. Hahahahaha outra passagem engraçada. (muda) Eu imagino
sempre um carro em alta velocidade. Eu dirigindo, sozinho, em alta velocidade, uma
grande avenida, eu dirigindo, o vento forte no meu rosto, o vento no meu rosto...e,
de repente, uma aparição, gente! Paradas, rindo singelamente, felizes, paradas...e
um anjo aparece pra mim e diz: Acelera! Eu tento relutar mas...meus pés não me
obedecem. Eis a caça...e eu o caçador! Acelero! Eu vou com tudo e “pum’’ acerto em
cheio. Strike. Acerto em cheio o carro, em alta velocidade, nas pessoas e no muro. E
só vermelho! Vermelho! Eu amo o vermelho! Amo, porra nenhuma!

Cena 10:
Teseu chega em sua casa. Bate na porta mas ninguém abre. É madrugada. Silêncio.
Silêncio absoluto. Silêncio de túmulo. Entra. Anda e para. Sobre a sua cabeça um
lustre preto. Teseu caminha silenciosamente procurando alguém. Ninguém. Ao
longe só se ouve algumas vozes. Ele caminha até seu quarto e nele vê escrito A
expressão de Teseu se modifica! Teseu um corno! Teseu sobe correndo as escadas.
Bate na porta do quarto de Phedra.
Phedra: Estava te esperando! Eu senti que você viria! Hoje! Entra!
Teseu: (mostrando o espelho) Teseu é um corno!
Phedra: Você estava foragido, fora da cidade! Uns dizem que você... fugiu com a
feminazi, numa tórrida aventura de amor, outros que você era um assassino e se
matou depois de matar a feminazi! Em segredo, alguns celebram a sua morte e
outros choram... mas para a futura surpresa de todos, Tcharam!, você reaparece.
Teseu: Um corno!
Phedra (se jogando sobre ele): Eu tô velha! Meu corpo está se deteriorando! Eu
estou ficando esverdeada! Está nascendo bolor em mim! Em todas as partes! Eu não
sou mais bonita! não sei mais quantos anos tenho! Minha pele está caindo!
Teseu: Phedra... Phedra. Phedra ô Phedra , deplorável! Phedra, eu sempre fui um
cara tão legal com você, Phedra? Você lembra de tudo que eu fiz por você? Tudo
que eu fiz por você, caralho! O mínimo que você tinha que me dar...não, você não
tinha que me dar nada, eu não to te cobrando nada, olha em volta, você não
consegue...Construir junto. Phedra, tudo isso aqui foi construindo durante anos e
anos, eu larguei tudo, abri mão de tudo, glória, fama, quis ter uma vida simples com
você mas agora... agora, parece que estou enterrado num grande mausoléu. Não
quero te culpar mas foi por tua culpa. Você deixou tudo isso acabar, Phedra.
(Teseu e Hipólito eram super parecidos. Para Phedra. Qdo Phedra via Teseu
enxergava Hipólito, qdo via Hipólito enxergava Teseu. Phedra, de repente, começou
aos poucos se direcionar pra porta. Diante do silêncio dela Teseu foi se curvando,
diante do silêncio de Phedra. Um herói se curva. Ela abriu a porta).
Phedra: Sai! Você é um fantasma! Você não existe!
(Teseu, olha Phedra, a imagem de Phedra. Ela uma estátua de mármore. Ele um
espectro à deriva implorando a clemência por ter sido traído. Colocou a mão no seu
pescoço, no pescoço dele, no pescoço dela, sem pensar, sem saber porque, suas
mãos tinham vida própria, naquele corpo morto, tinha vida própria).
Teseu: eu não fiz isso, eu não posso ter feito isso! Me perdoa, Phedra! Eu sou um
fantasma! Estou morto?!não me abandona! Eu não quero ficar sozinho no escuro!
Phedra fecha a porta e os dois ficam sozinhos imersos na escuridão abraçados.
Phedra: Vinga, Corno! Vinga!

Cena 11:
Hipólito: não é justo você me deixar, não sozinho, não agora, não aqui. Eu preciso de
você. Eu tô sangrando. Você não vê? Eu tô sangrando muito. Tá tudo vermelho.
Terâmeno: Eu preciso me livrar de você! Você me sufoca! Eu tenho toda uma vida
pela frente! Eu quero ser livre! Você me sufoca.
H: não fala assim comigo! Tá doendo!
T: Tá vendo essa mão aqui? Esse pus? Esse...que porra é isso, um corpo? E isso? É
uma respiração? Eu tô respirando? Você não me afogou em você? Existe vida além
de você! Eu vou conseguir viver sem estar agarrado dependentemente nas tuas
pernas! Você achou que eu não era nada né Hipólito. Que eu não existia. Eu existo,
Hipólito, eu existo, seu filho da puta. Você achou que eu era um bonequinho que
dava corda e jogava de escanteio quando... quando...eu não sou bom com as
palavras, merda! Elas me escapam! Merda! Merda! Merda de vida!
H: Então me bate! Pode me bater! Vem! Arrebenta a minha cara! Onde você vai?
Mete um tiro na minha cara! Você não pode sair assim! não a essa hora! não assim!
Você não pode me deixar aqui sozinho! Eu não sei sair daqui!
T: Se vira! Se vira!
H: Dança comigo! Por favor, dança comigo! Do you wanna dance with me? É a nossa
música. Eu tô sangrando. Eu tô ficando cego. Eu tô ficando cego!
T: você vai cair, Hipólito! Cair! Olha minha mão aqui, Hipólito! Estendida pra você!
Eu quero te ver no chão! Você pensou que eu...que eu...O que você pensou? Eu não
sei o que falar. Merda de palavras que me escapam. Por que estes brancos me
atormentam tanto? Branco. Tudo branco. Agora eu quero te ver no chão. não sou
um capacho. Chorando, quero te ver chorando. Chão, choro, caído. Vai cair! Vai cair!
Tomba! Você não tem mais poder nenhum sobre mim! Monstro! Monstro!
H: (sozinho) dança comigo! Eu não vou abrir os olhos! Eu não vou abrir os olhos!
Cena 12:
(Escuro. Ouve-se barulhos pequenos, ruídos).
Hipólito (com uma lanterna): Quem tá aí? Quem tá aí?
(Alguém vem por trás e tampa a boca de Hipólito).
Teseu: Calma! Sou eu! Teseu! não grita! Teu pai!
Hipólito: Você não está morto? Você não morreu?
Teseu: não morri. Eu fugi!
Hipólito: Cadê minha mãe? Cadê ela?
Teseu: não sei! Eu não sei onde ela foi parar! Eu não a encontrei em lugar nenhum!
Hipólito: você não estava com ela? Você não estava com ela? Cadê minha mãe? O
que você fez com ela?
Teseu: A gente estava junto mas eu...fugi. Abri a porta do carro e fugi. Desapareci.
Acho que foi isso. Só lembro de flashs. Eu em fuga.
Hipólito: Porque você fugiu?
Teseu: eu não aguentava mais!!! Eu quis fugir! Desaparecer! Deixar tudo pra trás! Eu
precisava de um tempo. Recomeçar. Eu, comigo! Só. Sem mais ninguém. Veio um
clarão! No escuro! Um clarão! Eu fugi!
Hipólito: A gente precisa encontrar minha mãe. Vocês estão desaparecidos.
Procuramos em todos os lugares: bares, hospitais, motéis, delegacias, IMLs e nada.
Nenhum vestígio! Desaparecidos! Agora você aparece assim, do nada, sem ela!
Teseu: ela também queria fugir! Ela falou pra mim: ‘’Vamos pro mar! A gente acelera
o carro e foge pra dentro do mar’’. Ela queria ir pro fundo. ‘’Só no fundo há
explicação para as coisas’’. Ela queria uma explicação. Ela queria fugir. De tudo!
Como eu! Paramos de nos chamar pelos nossos nomes e só nos chamávamos de
amor e ela acelerou o carro...e eu fugi!
Hipólito: Essa história é absurda! Completamente absurda! Você sempre foi
mentiroso!
Teseu: Eu não posso ter feito isso. me escuta, olha... Você é meu filho...e a gente
nunca se entendeu. Eu nunca me vi...seu pai! Você aí, tão diferente de mim...acho
que eu nunca consegui te achar, te amar. Acho que eu nunca tentei
verdadeiramente. A praia. Você é tão parecido com tua mãe. As mesmas feições.
Um sósia, um fantasma. O mar. Um inimigo que sempre desejou o meu exílio. Eu
voltei porque precisava falar isso, eu precisava reverter isso. não sei porque eu
voltei. Eu não posso ter feito isso. Desculpa, eu não consigo te amar. Você me ama?
Alguém precisa me amar. Eu estou com febre. Ela me amava. Eu não posso ter feito
isso. Você precisa me amar. Eu não consigo. Desculpa. Desculpa.
Hipólito: não tem problema. É recíproco. não é porque sou teu filho que tenho que
te amar. É uma herança: o ódio da mãe, passa para o filho. O vingador? Lei de
talião? Olho por olho, dente por dente? Uma nova versão, atualizada? O filho tem
que vingar a morte da mãe? O filho tem que vingar o assassinato da mãe?
Teseu: Eu não matei ninguém. Tira isso da cabeça. Eu sou assim, frio, mas não matei
tua mãe. Me abraça. Eu não matei, por favor. Eu não posso ter feito isso. Eu não
matei. Me abraça, por favor.
Hipólito: eu queria poder... te abraçar. Eu queria poder... te estraçalhar. Aproveitar
que agora você está assim frágil, velho, cagando nas calças, precisando de alguém
pra limpar tua bunda e te espancar. Fazer com que você pagasse tudo: tintim por
tintim...mas não vale a pena. A dívida caducou. Você não é meu foco. Só quero me
limpar de você. Te esquecer.
Teseu: (deitado no chão) Eu fui tão mal assim? Porque tanto ódio? Então me abraça.
Eu tô pedindo um abraço. Eu não sei chorar. Eu só quero um abraço. (olhando para
Hipólito) Você é ela, tão lindo, tua boca, teus olhos. Toca meu corpo, me abraça.
Sente meu cheiro. Ainda o cheiro dela está em mim. Coloca a mão aqui dentro do
meu peito, aqui é quente. Me abraça. (Hipólito olha para o alto, respira
profundamente, deita ao lado do pai e o abraça de conchinha, tocando com os seus
lábios a nuca do pai).

Cena 13:
Terâmeno: Hipólito, olha pra mim, olha dentro dos meus olhos e veja o furacão, veja
o quanto de destruição que está plantado dentro dele. Foi isso que nós plantamos,
dor, angústia, mágoa, rancor, ressentimentos. Você colocou isso dentro de mim e eu
não consigo arrancar. Você me apodreceu! Estamos apodrecendo um com o outro.
Nos fazemos mal reciprocamente e não vamos parar de fazer isso nunca, até a nossa
destruição completa. E então choraremos, choraremos todas as desgraças
cometidas, todas as barbáries, todas as crueldades meticulosamente calculadas um
contra o outro, um bombardeio, um ataque surpresa, uma emboscada... Isso é o
amor? Isso é o maior espetáculo da terra? O melhor? Olha nos meus olhos e veja a
dor que pulsa nele. O amor é o pior! Porra! É um lixo de espetáculo. Degradante. O
que pulsa em mim? O que eu tenho vontade de fazer? Fiquei pensando o dia inteiro
nisso: Eu vou pegar minha moto e vou fugir...sair daqui, pra nunca mais voltar...em
alta velocidade...pensamentos um atrás do outro, do lado, em cima, tudo
misturado...em alta velocidade...noite adentro, madrugada adentro...e... tá vendo
aquela parede ali? Um muro. Meu corpo naquele muro, em alta velocidade. Eu vou
me arremessar nele, me amassar todinho, inteiro nele, apagão, não vai restar nada
de mim, nada de memória, nada de nada....eu vou estourar! Eu vou me estourar
todo! não sobrará nada de mim. Só a culpa, em você. Isso eu quero que exista,
intocável: a culpa, em você! Você vai pagar, Hipólito! Você não vai mais dormir. Suas
noites de sono acabaram. E pesadelos, acordado, um atrás do outro...e sempre!
Acordado, sentindo a cama vazia, o corpo não tocado mais, insensível, frio, como
meu corpo frio, você vai ver meu corpo esfriar, congelar...e seus olhos
esbugalhados...e a culpa! Eu serei teu túmulo, teu fantasma! esta casa...essa casa vai
cair! Tem que cair! Há de cair!!! Todos!! Cair. Um por um. não restará nada. Só um
túmulo. Um grande túmulo cheio de gavetas. Ninguém depositará flores para os
mortos!!! Nem uma alma viva!
(Hipólito cai no chão e fica agarrado na mesa tentando se levantar. Entra Arícia).
H (sussurrando): eu sou um fracassado! Coitado de mim! Eu preciso de remédios!
Crise. Estou em crise. Acho que estou surtando. Estou em crise. (falando alto) O meu
problema é o português. Sempre tive dificuldades com o português. Acho uma
língua estranha. Prefiro o silêncio. Sou profundo. (volta a sussurrar) Tô indo pro
fundo. Profundo. Pro fundo. Me tirem daqui. Que espécie de monstro eu sou?
A: você não é um monstro
H: OOOOO! Um monstro! Bú! Tenho culpa se nasci filho da puta? É minha natureza.
Meu signo. não se meta a besta comigo. não se meta com a minha família. Eu te
prendo no para-choque do meu carro e te arrasto em alta velocidade no asfalto
quente, seu viado. Filha da puta. Eu te amo. Você me dá tesão porque você é um ser
odioso e me despreza. Eu quero ter filhos do seu ódio. Esse nosso ventre seco. Tetas
sem leite. Quem me ama eu tenho nojo. Eu odeio. (sobressaltado). Arícia, Arícia,
Arícia, me salva! Me salva de mim! Eu te amo. Acredita em mim. Eu nunca falei isso
pra ninguém. Só da boca pra fora. Eu te amo. Acredita! Foge comigo! Vamos ter uma
vidinha de merda! A gente funda uma religião. Você será uma vênus às avessas. E eu
destruirei altares em teu louvor. Eu sofrerei por você. Vou sangrar.
Arícia (acariciando Hipólito no seu colo, acolhedora): Seu coração se tornou
orgulhoso por causa da sua beleza, e você se corrompeu, corrompeu a sua sabedoria
por causa do... seu esplendor. Muitos pecados, vida dupla, compulsão por
pornografia, desonestidade, deslealdade... você profanou seu corpo, seu santuário.
Por isso você está queimando, por isso sai de você este fogo, que o consumiu. Por
isso você se reduziu a cinzas, no chão, à vista de todos, que podem te observam a
olhos nus. Você se consumiu! Mas eu estou aqui! E eu te reerguerei! Acredite eu te
reerguerei mesmo que agora você não consiga sair do lugar. Mesmo que agora você
seja como um cachorro correndo atrás do próprio rabo. Mesmo que agora você
esteja sendo a sua própria destruição.

H: meu ódio não tem endereço fixo, é nômade. Cuidado comigo! Fica comigo e
vamos ver quem destrói o outro primeiro. Você não deve ser difícil de destruir. Isso
me excita muito. QUE tesão. Pra mim você é como se fosse da minha família. Um
irmão. Um pai. Não, uma mãe. Mas eu te amo, muito, muito, muito. Seu filha da
puta, eu vou estrangular você. Vai para o quarto, fica nu e me espera de costas,
olhando pra parede, ajoelhado e com as mãos para trás. Vai, pau mandado! Arícia,
mas você vai foder comigo? Mas você vai foder comigo? Fode comigo! Hipólito e
seus bate-papos impublicáveis. Será um best seller! Eu deveria ser contratado por
uma produtora pornô ou trancafiado num hospital psiquiátrico. Minha família vai
adorar me conhecer melhor! Lixo. Eu sou um lixo. Todos da minha família de merda
me odeiam, te odeiam. Principalmente aquela velha gorda que não gosta de sol.
hahahaha ela não é da minha família. Ela não existe. Ela eu já destruí. Ela me ama!
Ou diz que me ama, ou pensa que me ama, sei lá. Chata pra caralho. Você me ama,
Terâmeno? Eu só sei destruir! Não sei construir nada. Ah! Foda-se todo
mundo...menos eu.
A: Sim.eu também te amo, Hipólito!
H: A gente podia no futuro...
A: O Espírito do Soberano, o Senhor, está sobre mim, porque o Senhor ungiu-me
para levar boas notícias aos pobres. Enviou-me para cuidar dos que estão com o
coração quebrantado, anunciar liberdade aos cativos e libertação das trevas aos
prisioneiros, para proclamar o ano da bondade do Senhor e o dia da vingança do
nosso Deus; para consolar todos os que andam tristes e dar a todos os que choram
uma bela coroa em vez de cinzas, o óleo da alegria em vez de pranto e um manto de
louvor em vez de espírito deprimido. Descansa, agora! Eu estou aqui! Eu não te
abandonarei! Estarei aqui contigo, velando teu descanso. Pode dormir! As feras não
te atacarão. Comigo você será mais forte! Eu te reerguerei, meu monumento, e será
tão grandioso quanto a muralha da china, quanto a torre de babel! E quando voltar a
acordar, amanhã, depois de descansado, haverá a reconstrução do mundo, do teu
mundo, do nosso mundo! E seremos um só! Não haverá mais dor! Conhecerás o
verdadeiro amor, do ventre fértil, das tetas que se encherão de leite para alimentar
as tuas crias e seremos muitos! Agora dorme! Eu te protegerei!

Cena 14:
(Velório. Teseu está deitado em cima da mesa, imóvel, de barriga para cima e mãos
sob o peito. Está todo enrolado em magic pack. Há flores ao redor de seu corpo e
velas acesas. Não há ninguém na sala. Uma mulher chega, Arícia, não está de luto,
fica parada na porta, trágica. Tira o celular de sua bolsa. Caminha como que está
indo para o seu sacrifício. Grava uma live).
Arícia: Hoje, queridos e queridas, hoje é um dia especial. Programa especial. Estou
aqui direto da sala da casa de Teseu. Estou aqui no velório de Teseu. Não tem
ninguém aqui, uma alma viva se quer. Um vazio, um silêncio sepulcral. Que cheiro
insuportável de defunto. Você já começou a feder, Teseu. Que cheiro de merda
você tem. Hoje vou de-sa-ba-far!!! Teseu... eu te odeio tanto, Teseu... Todo mundo
sabe que foi você que matou toda minha família, seu filho da puta...ninguém
conseguiu te condenar, te ver apodrecendo numa cadeia... mas todo mundo sabe
que foi você que matou minha família, seu lixo...sua máquina de
matar...carniceiro.... Como eu fico feliz em te ver aí morto...imóvel...seu corpo
impecavelmente imóvel....
(Arícia passa a mão pelo corpo dele)
Arícia: nossa, como você está gelado! Frio! Sua pele está dura! Você já deve estar
começando a putrefar! Você está sem cor! Não, sem cor não...você está meio
esverdeado, meio roxo...te ver assim me dá uma alegria inenarrável, mas me
embrulha o estômago...você está me embrulhando o estômago... que nojo!!!
(Arícia começa a vomitar. Faz um som forte e alto)
Arícia: Eu vou ter que embora daqui porque não estou aguentando esse cheiro e sua
aparência...eu vim aqui só para comemorar... Seu verme. Imundo. Seu assassino.
Olhem, todos vocês, ele é um assassino. Você é um serial killer. Como eu rezei para
chegar este dia, para que eu pudesse estar aqui e te ver jogado em cima de uma
mesa, sem ninguém pra te velar...e eu pudesse cuspir na tua cara. Ninguém veio no
teu velório, seu lixo, seu filho da puta. Nem sua esposa, aquela velha gorda que não
gosta de sol, nem seu filho, aquela bicha enrustida de vida dupla...Seu filho é viado,
Teseu...Essa é inédita, minha gente: Hipólito é viado e tem como namoradinho
Terâmeno, o rosca larga...Você tem um genro, velho corno...Hipólita e Terâmena,
casalzinha...Quem diria, hein? Você, o grande, o garanhão, teve um filho queima
rosca! Vou rir!!! Hahahahahaha Sempre quis jogar isso na tua cara: teu filho é
viado!! Viado e brocha! Mas só com mulher, com homem ele é pau pra toda obra!!!
(Joga todas as flores no chão, chora. Faz um buquê com as flores do chão)
Arícia: Todos sabem que eu amo Hipólito! Aquela bicha louca! Enrustido mas bicha
louca...E eu achava que a culpa era minha! QUE ele brochava porque eu não estava
excitando ele! Que eu estava gorda! Fora de forma! Com pelanca, sei lá! Não era
nada disso!!! Porque você me enganou, Hipólito? A gente ia casar, lembra? Eu te
amei, Hipólito! E hoje eu te odeio tanto, mas tanto...mas a gente vai se casar e ter
filhos. Só não te odeio mais do que este lixo que tá morto em cima da mesa...esse
merda, esse lixo, esse bosta!!! Família de merda! De degenerados! Vocês têm que
morrer! Todos vocês!!! Lixos!!!
(Arícia se levanta, apoiando-se nos pés de Teseu. Sussurra uma música. Olha bem no
rosto de Teseu. Segura-o em suas mãos)
Arícia: Você o macho dos machos...o macho alfa...e seu filho...um viadinho!!! Você
também não é viado, Teseu? Não teve uma vida dupla? Será que você também
gosta de dar ré no quibe? Tal pai, tal filho?
(Ela solta a cabeça de Teseu)
Arícia: Tenho uma surpresa pra você, Teseu!
(Ela tira as roupas. Caminha até Teseu e segura os órgãos genitais dele por cima da
roupa)
Arícia: Um pedaço de carne! Um pedaço de carne e quanta destruição! Chegou o dia
da desforra, velho filha da puta!!
(Ela rasga com as mãos o magic pack que envolve o corpo de Teseu)
Arícia: Eu vou te violentar, seu sujo.
(Arícia sobe na mesa e começa a se esfregar no corpo de Teseu, como num ato
sexual. Ela o manipula como um boneco)
Arícia: Hipólito, eu te amo!! Fode comigo, Hipólito!!! Eu sou tua!!! Fode comigo!!
(O corpo inerte de Teseu aos poucos começa a se movimentar; Arícia desce da mesa
rapidamente, Teseu, sedento, levanta e ameaça abrir as calças e realizar o ato de
fato).
Arícia: não!!! Continua morto!
Teseu: Eu não aguentei de tesão! Eu quebrei minha fantasia! Eu preciso te fuder!
Arícia: Segura teu tesão e não goza! Ainda não! Ainda existe ele! Ainda existe
Terâmeno! Você tem que aplicar nele a reprimenda necessária! Salva teu filho! "não
se deite com um homem como quem se deita com uma mulher; é repugnante’’.
Salva teu filho e você me terá! Serei tua! Realizarei tudo que você quiser. Suas
fantasias mais funestas! Mas aplica a reprimenda necessária! Terâmeno tem que ser
punido! O seu inimigo, anda ao redor como leão, rugindo e procurando a quem
possa devorar. Esteja alerta e vigie. Não goza!
(Teseu dá um murro na mesa).

A: Fiz minha parte! Agora faça a sua!


(Arícia vai embora).

Cena 15:
(Hipólito entra possesso. Arícia chega correndo, ofegante. Está respingada de
sangue. Ela fica parada, completamente estática, coloca as mãos no pescoço
olhando para cima. Sua respiração está forte. Ora fecha os olhos, ora os abre. Ouve-
se gritos vindo de fora da cena).

Hipólito: Cadê ele? O que vocês fizeram com ele? Cadê ele? (Sacode Arícia. Ela sai de
seu transe e consegue escapar de Hipólito. Na fuga ela pega uma garrafa, a quebra e
se protege apontando para Hipólito).

Arícia – Calma, Hipólito! Tudo vai acabar bem!? O homem deixará pai e mãe e se
unirá à sua mulher, e eles se tornarão uma só carne.

Hipólito – Cadê ele? O que vocês fizeram com ele? Fala! Senão eu vou enlouquecer!
Fala!

Arícia (aponta para baixo, fala lentamente, meio em transe, visivelmente


perturbada) Ele está lá! No subsolo! Preso! A gente está te salvando, Hipólito!

Hipólito – Vocês não tinham o direito. Vocês não tinham. Ele não vai...eu vou
arranca-lo de lá!

Arícia – Teseu! Teseu está lá! É inútil! Um cão feroz! É inútil! Teseu já começou seus
trabalhos! Um carniceiro. Nada o deterá!

Hipólito (desmorona): Teseu! Eu vou tirar ele de lá (sem se mexer exausto,


completamente impotente). Um cão!

Arícia: Não há o que fazer! Os ferrolhos da porta são de aço. E...Teseu é uma
máquina. Sanguinária. Eu...eu quero apagar...os meus olhos!!! Eu fecho os olhos e
não consigo...as imagens,,,as imagens não saem de dentro de mim. Os olhos dele.
Hipólito. Os olhos de Terâmeno. Teseu, arrastou pelos cabelos,
Terâmeno...impiedosamente, escada abaixo, uma caça...capturada pelo cão...Teseu
abriu a porta...nos seus olhos o ódio, a destruição...a morte...ele jogou, arremessou,
Terâmeno contra a parede...eu fiquei lá. Olhando, da porta. Esperando ver a
reprimenda necessária, mas...eu...meus olhos...Terâmeno como um bicho
acuado...tenta escapar...Teseu, implacável...eu não devia estar ali...estas
imagens...teseu pega um pedaço de ferro...uma barra...e...golpeia, golpeia o corpo
já frágil de Terâmeno...este cai, imediatamente...não antes de soltar um gemido de
dor inesquecível...meus olhos se esbugalham...sangue...eu grito: não, Teseu! Sê
moderado. Teseu se via pra mim, seu olhar. Teseu não existia mais, não existia mais
um homem...só o ódio...um bicho...uma fera carniceira...ele levanta seu braço
novamente...e...desfere...ouço os sons de ossos se quebrarem...e no rosto de
Terâmeno, no que sobrou do rosto de Terâmeno, a face do horror...seu corpo se
sacode como se tivesse levado um choque de alta tensão...seus gritos...eram
inumanos... de uma dor dilacerante...insuportáveis....pareciam latidos de animal
ferido...ele, no chão, transfigurado, frágil, quase imóvel, lutando pelo resto de vida
que o animava, apesar da dor, apesar de...seus olhos encontraram os meus, eles
imploravam...socorro!! socorro!! Socorro!!! Indefeso, completamente indefeso! Aos
poucos não existia mais Terâmeno, só uma massa, informe, diante dos infinitos
golpes de Teseu...só restou o vermelho...só uma carne...meus joelhos
travaram...petrificada...diante de tanto horror...porque eu tive que ver isso? Jamais
poderei dormir novamente...e aqueles olhos, e aqueles gritos...um pânico tomou
conta de mim, inesperadamente, e me fez correr desesperadamente, temendo ser a
próxima vítima de Teseu...porque eu tive que ver aquilo, meu Deus? Corri, corri,
corri, fugindo dali, do inferno...eu vi a morte! Eu via o mal! Eu estou podre! Meu
corpo secou. Estou seca.

(Teseu aparece com um pedaço de ferro na mão e um pedaço de carne com osso.
Parado, sério). Está feito!

Cena 16:
(Hipólito está jogado no chão. Arícia está jogada num banco com a cabeça encostada
na parede e as pernas e braços largados em direção ao chão. Está nitidamente
perturbada e cansada. Ouvem-se sons guturais profundos. É Phedra, que aparece
completamente transtornada).

Phedra (indo em direção a ele) – Hipólito!

(Arícia abre os olhos, os arregala e se lança para cima de Phedra arrastando-a para
dentro do quarto de onde tinha saído. Hipólito fica caído no chão, mas de barriga
para cima, com uma mão na testa, virada com a palma para o alto.)

Arícia (gritando de dentro): Segura, Teseu! Teseu te controla! Saia da escuridão,


Teseu! Ela tá sufocando! Segura!

(Sons guturais altos. Silêncio. Teseu sai do quarto, um tanto em transe, e assume a
posição inicial de Arícia. Silêncio).

Arícia (Parada na porta do quarto): Phedra resolveu ir embora! Foi embora! Ela não
aguentou. Ela me olhou com o olhar estatelado e implorou: ‘’acaba com isso de uma
vez! Acaba com isso! Phedra não existe mais, só um grande corpo em chamas,
devorado’’. Um corpo retorcido, uma voz grave, gutural... maldizia seu nascimento e
a dor no mundo. Dizia que preferia nunca ter existido a ter que sentir tão implacável
dor. Quando virei para ajudá-la, eu vi, uma metamorfose: Phedra, filha do Sol, se
transformou em uma bola de fogo, se consumiu por inteira, pouco a pouco não
existia mais um corpo, o corpo ardeu e só ficou uma labareda, uma grandiosa
labareda, e o corpo de Phedra foi embora. Ela, Phedra, se tornou uma força da
natureza! Eu vi, um clarão, um cheiro de carne queimando e sumiu. Foi-se! Phedra
não existe mais! (encosta no batente da porta)

(Teseu levanta com dificuldade. Fica em pé e caminha para dentro do quarto e traz o
corpo de Phedra, embrulhado em um pano branco ensanguentado. Coloca em cima
da mesa, sob o lustre preto).

Teseu: Leal, dedicada, sempre disposta a construir tudo junto, ela, Phedra. Por que
as coisas têm que terminar assim? Por que sempre assim? Mal. Eu gostaria que as
coisas acabassem bem! Não é sem dor que eu, Teseu, falo diante deste corpo agora
inerte, antes o corpo da minha Phedra. Eu, um homem, que após tanto tempo
passei por tantas aventuras amorosas, vítimas, de amores irrefreáveis,
inconsequentes, irresponsáveis, imaturos, não amores, vítima de vênus, a deusa,
que amava me ver nu, entregue, sempre para uma próxima, sem raízes. Fui
subjugado pelo amor de Phedra e a ele me rendi. Esposo leal, incorruptível, sóbrio e
detentor de um único amor, Phedra. Eis que tudo tem um fim, você dizia Phedra.
Nada é para sempre, você dizia Phedra. Phedra você me dizia (pausa) Phedra você
me dizia que (pausa) as coisas mudam. As coisas mudam. A natureza muda, todas as
coisas mudam. Um corno.

(parte pra cima de Hipólito, que tenta escapar no chão. Prende Hipóliro pelos
colarinhos, prendendo-o entre suas pernas, sentando em cima de sua pélvis.
Hipólito está imobilizado, não há como fugir).

Teseu (possesso de ódio): As coisas mudam. Teseu, o corno, traído por Phedra e
Hipólito. Eu vou a desforra, cães, cão e cadela. Cães, vocês nunca deixaram vestígios
de tudo que se passava pelo seus sórdidos inconscientes. Vocês, jogados na lama,
mergulhados na mais profunda podridão, e eu, cego, Teseu cego, sem enxergar um
palmo adiante do nariz...Hipólita, é tua maldição, Hipólita...você que jogou sua praga
em mim, minha destruição...você não vai ver a minha ruína! Eu vou conseguir me
reerguer, eu vou sair do chão, eu vou sair daqui do fundo, desta escuridão...eu já fui
aos infernos e voltei, eu já matei monstros maiores que estes, Hipólita...Você tão
parecido com ela, a cara dela, o cheiro dela, a mudez e nudez dela...Corno!!!! Eu
enxergo o medo nos teus olhos, eu enxergo neles o pedido de clemência, de
salvação...Você não tem para onde escapar. Eu o tenho em minhas mãos, cão
sarnento, traidor. Eu vejo em teus olhos o de Phedra, eu vejo em teus olhos, nestes
teus últimos momentos o mesmo que vi nos dela enquanto eles ainda viam alguma
coisa aqui nesta terra, antes de eu fazê-los fechar definitivamente, se apagarem, e
eles diziam “não fui eu, foi meu instinto, foi minha natureza”. Phedra, sua cadela, eu
tive que me render ao controle de tudo aquilo que vinha dos meus instinto, da
minha natureza, em nome de um amor que existia em mim mas não existia em
Phedra (chora compulsivamente). Eu vou te deixar escapar! Minhas mãos se
abriram!!! Foge!!! Foge!!! Mas que você morra! não pelas minhas mãos, mas muito
pior, muito pior, que você tenha seu corpo completamente devastado pela peste,
que ele seja irreconhecível, que se transforme numa massa informe, malcheirosa e
pustulenta! Foge! (Teseu grita completamente odioso, em ataque de fúria). Que sua
vida seja desgraçada! Infeliz! Desditosa! Amaldiçoada! Jamais a felicidade se abaterá
sobre você! Todos seus atos serão fadados ao fracasso, cão, cão traidor, cão dos
dentes afiados. Foge! Foge de meu ódio! Fogem cão!

(Arícia levanta Hipólito e o leva para fora, carregado)

Teseu (exausto): Você parte, as memórias ficam. Somente fica aquilo que jamais
poderá se apagar, as memórias, esta ficarão. Estas flores tão bonitas, Phedra,
pareciam você. “Foi Vênus, a culpa é dela, corno!” É, Phedra, as coisas, de fato,
mudam. As coisas mudaram em mim, Phedra. (num surto. Começa a ouvir som de
desastres, de incêndio) boa noite, solicitamos a todos que evacuem imediatamente
o espaço. As portas antipânico estão devidamente destravadas. Solicitamos que não
gritem, que mantenham a calma, que não fiquem nervosos, que não tenham
chiliques, mantenham a calma, tudo está ruindo, tudo está sendo destruído, tudo
está sendo demolido mas mantenham a calma. Boa noite. Teremos todos uma longa
longa longa noite, tudo está desmoronando, mas mantenham a calma. No término
de 10 segundo tudo que foi construído irá para os ares. Boa noite. Tudo foi para os
ares. (Teseu dá um tiro em sua cabeça).

Cena 17:
(Escuridão Total. Dentro de casa, em cima de uma moto, como se tivesse fugindo.
Faz som onomatopaico de barulho de escapamento de moto) Bam-bam-bam!!
Agora eu já sou um homem! Agora eu já sei resolver as coisas sozinhos. não preciso
mais de ninguém. Estou indo embora de casa. Fui embora. Sozinho! Eu consegui! Em
alta velocidade! E a lua me acompanha na minha trajetória! Bam-bam-bam! Espera!
Estou cansado! Preciso descansar. É noite. O mar. Parece betume! Escuro, denso,
não há o que temer! não tenho mais medo do mar! não tenho medo de monstros!
Mãe é você? Mãe é você que está aí?

(Um vulto sai de dentro do mar. É Hipólita).

Hipólita: Eu trouxe alguém para você cuidar! Cuida dele pra mim!

(Um novo vulto sai do mar. É Terâmeno).

Hipólita: Seu amigo! Querido e amado, amigo!

Hipólito: Mãe, ele é só meu amigo! (mexendo no seu corpo) Encontrei uma cicatriz.
um vazio, no corpo.

(Hipólita se aproxima de Hipólito, o beija na testa e sai)


Hipólito: Terâmeno... aqui a gente... se separa! Definitivamente! Eu menos ele!

Terâmeno: Eu te amo, Hipólito!

Hipólito: Eu te amo...? não. Apaga, apaga não, arranca todas as raízes deixadas, uma
por uma, as mais grossas e as mais finas, nada deve permanecer neste solo, que já
foi fértil um dia...amor? (pausa) não. não. Amor não. não uma história de amor, mas
uma história mal contada, uma história desinteressante, insonsa, sem sal nem
açúcar, um nada, uma espera na sala de espera, um tempo de desligamento, de
precaução, de medo, de não ação, de não vibração, de negação do sentir. Falamos
tanto em sentir os corpos, mas... Uma experiência da pausa, do intervalo, do
silêncio, da pausa mais longa, da nova pausa, da pausa longa novamente.
Terâmeno: Aqui. Em todo nosso corpo. Há uma memória corporal que não sai no
banho, no vento, nem junto com a roupa suja lavada e esfregada no tanque.

Hipólito: não é uma história de amor, Poucas ações. Uma peça, se fosse uma peça,
seria de não ação, de muitos e muitos e muitos ditos, palavras, palavras, palavras,
palavras... não houve arrebatamentos, não houve corpos ardentes, não houve
choros, lágrimas, corações pulsando, mãos suando, respirações ofegantes, olhos
incendiados. não houve paixões. não houve paixões? Houve medo, paralisia,
hibernação, covardia, ausências, vácuos, esfriamentos, desligamentos, pouca
emotividade, dificuldade de amar, de sentir, de demonstrar afetividade. Houve
acomodação. Houve negação do toque no corpo em espaços públicos e privados.
Houve fantasmas. Houve a dificuldade de entender que nada existiu. Que o que nos
aproximava e nos mantinha era não o desejo mas a falta de ousadia, de coragem.
Somos covardes, dois covardes. não houve fotos. não houve presentes, não houve
pertences repletos de memórias afetivas, não houve declarações de amor virtuais e
reais... tchau, foi assim, concordo, acabou, a gente pode conversar se for necessário,
se você quiser falar sobre isso estou aberto, continuaremos amigos. Temos que ter a
resignação de ver que não conseguimos construir nada, que construímos nada em
cima de nada, que não havia base senão numa areia fofa onde nada ficou de pé,
tudo desmoronou. Eu quero continuar de pé. Por favor, não me leve pra baixo de
novo. Você é um monstro! Você veio para me destruir! O que você chama de amor é
a minha destruição! Eu amo Arícia! Aquela que me reergueu! Um novo amor cura
um outro amor.
T: Mentira! não cura porra nenhuma. Ele fica latejando na gente pro resto da vida e
a gente tem que aparar como unhas encravadas, infeccionadas. Um amor não cura
um outro amor e o que você chama de amor por ela, que veio para continuar nesse
carrossel de tentativas malfadadas de curas de amor, foi um engodo que você
inventou, sua melhor, maior e mais duradoura representação, sua melhor
personagem. Finge que ama para não sofrer mais, pra me apagar da sua memória,
para acreditar nessa porra de ditado popular que é mentiroso pra caralho. Quer crer
com tanta força que ama Arícia que quase acaba acreditando que isso é de fato real,
mas agora eu apareço na sua frente e a representação acaba, desmorona, o figurino
se desmancha no ar. Vem, me abraça, e enfrenta o que teu corpo sente!
H (reagindo): Terâmeno... Um monstro, do mar, ele veio para me matar, meu corpo,
ele quer meu corpo destroçado. Eu vou lutar contra ele (invade o mar, lutando
contra nada) Terâmeno, avisa a todos que não haverá cerimônia nem de casamento
e nem de velório porque...não há a quem avisar. não há vestígios nossos. Temos que
ter um desapego pleno dos anos de convivência, não haverá preocupação alguma
com nossas memórias...apaga tudo, deleta, deleta, tudo não, tudo não... se agarra
no desconforto de saber, e teremos que lidar com isso, que não existiu tesão, muitas
vezes. Que houve a insatisfação. Houve ainda a falta, a escassez, a apatia, as
inúmeras e inúmeras malsucedidas investidas de excitação um do outro. Houve o
álcool para ajudar na foda, houve poucos beijos...O monstro, meu corpo, tá
dilacerado, quantas feridas, estou irreconhecível, estou morrendo, falta ar, falta ar,
tá tudo escuro...Eu não vou morrer porra nenhuma. Serei o último homem
sobrevivente na porra deste mundo. Serei o último animal. Psycho killer. Eu tenho
armas. Eu escondo armas debaixo do meu travesseiro. Eu vou metralhar todo
mundo, um por um. Pá-pá-pá-pá-pá-pá-pá foda-se cada um de vocês, não existe
essa porra de amor, eu não vou me render. Eu resistirei. não vai existir mais amor.
Vai tomar no cu, vênus cuzona. Filha da puta. Aqui pro cê. Chupa, vagabunda, vadia,
arrombada. Vai sacanear a vida de outro. Comigo não, violão. Foda-se todo mundo.
Eu não tô sozinho. Eu tenho mil amigos. 5 mil amigos e seguidores e likes e
instagram e Tumblr. Foda-se todo mundo. Eu vou morrer fudendo, vacilona.
Fudendo com a vida de todo mundo hahahaha tararárará eu me basto. Eu me basto.
Próximo, próximo, próximo. Descartado, descartado, descartado. Foda-se, match,
match, match. Foda-se, foda-se, fodam-se! Eu vou explodir essa porra toda! Pronto.
Morri. Tô morto. Assumo minha morte. não se é possível matar quem já está morto!
Hahahaha te peguei monstro filho da puta! Você não vai me exterminar! E é agora
que começa a chacina, o genocídio, o extermínio. Em alta velocidade. Em alta
velocidade. Atropelo todo mundo. Caralho, caralho, caralho. Vênus filha da puta.
Terâmeno, me tira daqui! Me leva pra longe! Pra outro lugar! Eu quero matar todo
mundo! Me tira daqui! Cadê você, seu filho da puta? (Terâmeno tenta tirar Hipólito
de dentro do mar). Sai daqui! não toca em mim! Eu te matei! Eu te matei! Eu te
matei! Eu consegui! Eu consegui! Eu consegui! Vai pras profundezas, alma revolta!
Abandona meu corpo! (silêncio. Terâmeno desaparece.) Estou só! Venci! Sou um
homem!

Cena 18:
Arícia: Boa noite! Eu sou a Arícia. E hoje estou aqui para agradecer uma graça, uma
graça que aconteceu pro meu amor, Hipólito. Hipólito ele foi tocado pelo nome de
Jesus, Hipólito não bebe mais! Largou o vício da bebida. Hipólito, ele se curou, em
nome de jesus, ele se curou. Hipólito não é mais homossexual. (ri feliz) Glória a deus.
Ele saiu da tentação do demônio. Hipólito ele agora que não é mais bêbado, agora
que ele não tem mais o demônio no corpo da homossexualidade, Hipólito,
encontrou o amor em mim, Arícia. Hipólito, é pra você que eu faço essa dança, meu
amor. Hipólito, a gente vai construir tantas coisas juntos, Hipólito, você se livrou do
álcool, (ri feliz) Hipólito, Jesus venceu. Hipólito você não é mais homossexual (ri feliz
grotesca).
Cena 19:
(Um carrinho de bebê, brinquedos de crianças. Hipólito está martelando,
construindo uma arca. Arícia entra, grávida, com as mãos sujas de cimento e uma
espátula de pedreiro).
Arícia: A casa já está toda lacrada. não há mais como sair ou entrar nela. Uma
fortificação. Os bárbaros do lado de fora, não poderão nos saquear. Estamos
completamente, profundamente protegidos. Emparedados. Podemos agora respirar
em paz, não precisamos silenciar nossa respiração. não há mais porque ter medo.
Vencemos. Fomos os vencedores. Agora sós, somos eu e você. E ele ou ela. Ninguém
mais. Estamos livres de todos, do mundo. O amor, nos amamos.
(Hipólito continua pregando o esquife até ele ficar pronto. Os dois se ajoelham cada
um de um lado do esquife)
Hipólito: Um dia você vai voltar. Eu tenho certeza! E quando você voltar tudo vai
acabar. Quanto ao dia e à hora ninguém sabe, nem os anjos dos céus, nem o Filho,
somente o Pai. Tudo isso vai cair. Como foi nos dias de Noé, assim também será a
sua vinda. Nos dias anteriores ao Dilúvio, o povo vivia comendo e bebendo, casando-
se e dando-se em casamento, até o dia em que Noé entrou na arca; e eles não
perceberam nada, até que veio o Dilúvio e os levou a todos. Assim acontecerá com a
sua vinda. E eu vou...embora...junto com você...pra longe...bem longe...de mim...Lá
eu serei outro. Nós, dois: eu e você. E não haverá famílias e não haverá passado,
memória...só presente e futuro e nós dois. Todas as mágoas, todo o ódio, o rancor, a
raiva, o medo, a solidão, desaparecerão. E seremos uma folha em branco. E
reescreveremos, do zero, nossa história, uma única história...e lá não haverá
sofrimento e nem dores e nem mortes. Volta! E me leva daqui! Pra lá! Me tira daqui.
Eu te espero! Eis que você está à porta, e bate; só eu e mais ninguém consegue ouvir
a sua voz, e abro a porta, e você entra na minha casa, não, na sua casa, não, na
nossa casa, e com você cearei, e você ceará comigo. Até lá eu...não sei oq fazer!
(respira, abre a bíblia): ‘’Para tudo há uma ocasião certa; há um tempo certo para
cada propósito debaixo do céu: Tempo de nascer e tempo de morrer, tempo de
plantar e tempo de arrancar o que se plantou, tempo de matar e tempo de curar,
tempo de derrubar e tempo de construir, tempo de chorar e tempo de rir, tempo de
prantear e tempo de dançar, tempo de espalhar pedras e tempo de ajuntá-las,
tempo de abraçar e tempo de se conter, tempo de procurar e tempo de desistir,
tempo de guardar e tempo de jogar fora, tempo de rasgar e tempo de costurar,
tempo de calar e tempo de falar, tempo de amar e tempo de odiar, tempo de lutar e
tempo de viver em paz’’. Tempo de amar e tempo de odiar. Eu te espero!
(Hipólito e Arícia se levantam. Encostam testa com testa e respiram,
profundamente. Ele tira do bolso um recipiente com muitas pílulas. Os dois tomam,
com água. Então, ela entra no esquife e se deita. Ele coloca a tampa, prega, coloca
uma flor sobre e senta em cima dele. Silêncio. Arícia começa a bater com força).
Arícia (desesperada) – Me deixa sair. Eu estou sufocando. Me deixa sair! Eu te amo!
Me deixa sair! Eu estou com medo! Eu estou sufocando! Como é que você vai se
relacionar com alguém depois disso? Você me ama! Eu estou com medo! Você me
ama?! Eu estou ficando sem ar! Me tirem daqui! Me deixa sair daqui! Eu não quero
ter nossos filhos aqui dentro! Me deixa sair! Eu quero respirar! Eu tô com muito
medo! Me tirem daqui!
(Luz vai diminuindo em fade out)

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