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Que emigrantes
brasileiros tenham fundado, em Portugal, no Porto, uma capela em
devoção à dimensão dos grandes perigos das grandes viagens e
que portugueses marítimos em Porto Alegre tenham se dedicado a
Nossa
Senhora
dos
Navegantes,
indica
mais
do
que
uma
coincidência, uma regularidade litoral: o modo como o atlântico se
expunha em suas dimensões simultaneamente cósmicas e políticas.
Evidentemente, o colonialismo abarcou dimensões cósmicas por
todo o perigoso litoral do atlântico sul. p. 13
A Santa passa a
percorrer não apenas os rizomas traçados por mares cada vez mais
europeus,
mas
se
oferece
também
às
possibilidades
de
calendarização de uma intensidade acoplada às memórias das
dores e sofrimentos vinculados à escravidão. Os vínculos entre as
perdas
e
dores
relacionados
às
possibilidades
dos
desaparecimentos nas atividades pesqueiras constituem o presente
da escravidão passada, a memória como recorrência da dor. A
Iemanjá, como deusa trazida pelos escravos e reencenada nas
águas salgadas dos mares brasileiros, oferece a intensidade para a
marcação temporal do calendário católico, como observa Armando
Vallado: p. 19
Todo o esforço para trazer uma nova imagem, que fosse igual
à primeira, a encomenda ao mesmo escultor, a atenção aos
detalhes, é bem de um regime de enunciação do sagrado que se
encarna nos ícones em translado. Lamenta-se, de início, que a
segunda imagem não seja numa cópia ou réplica fiel da primeira.
Mas
os
afetos
endereçados
à
nova
imagem
recompõem
o
encadeamento que tornam de novo sensível a presença. p. 24
Mesmo
católicas,
para
uma
as
boa
intenções
parte
de
que
seu
emergem
estritamente
agenciamento
foge
da
territorialidade instituída pelo catolicismo em direção a outros
agenciamentos, a outro lugar, a um território em que o sagrado se75
faz de intensidades pré-humanas. Mesmo quando não se nomina
Iemanjá, a intensidade do rio e das cores, a dimensão grandiosa de corpos humanos em procissão,
aponta para um outro território,
muito além do constituído pelo proselitismo sobre o modo como a
vida de Maria encarna o evangelho. p. 75
Discutiremos,
nesta segunda parte, a cosmopolítica 12 afro-brasileira implicada nos
seres que convocam à procissão, no modo como os encadeiam e
nas assembléias que acabam propondo para a composição de
mundos comuns. Iniciaremos esta parte reconstituindo o discurso
afro-brasileiro sobre o sincretismo com o catolicismo para, em
seguida, descortinarmos o lugar de Iemanjá nesse mundo comum
assim reconstituído. p. 78