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Laura

 Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

DIREITO  CONSTITUCIONAL  II  


 
PARTE  I  
 
CONSTITUIÇÃO  E  ORGANIZAÇÃO:  ESTRUTURAS  INSTITUCIONAIS  
 
 
CAPÍTULO  I  –  DIREITO  CONSTITUCIONAL  ORGANIZACIONAL  –  INTRODUÇÃO  
 
Sentido  material  das  normas  organizatórias  
 
O  direito  constitucional  organizatório  define-­‐se  como  o  conjunto  de  regras  e  princípios  constitucionais  que  
regulam   a   formação   dos   órgãos   constitucionais   –   sobretudo   os   órgão   constitucionais   de   soberania   -­‐,   as   suas  
competências,  funções  e  actividade.  
Dá-­‐se   o   nome   de   direito   organizatório   formal   e   materialmente   constitucional   às   regras   e   princípios  
organizatórios  expressamente  consagrados  na  CRP;  e  direito  organizatório  materialmente  constitucional  ao  
complexo  normativo  relevante  fora  da  Constituição.    
 
Em  que  sentido  podemos  falar  numa  compreensão  material  do  direito  organizatório?  
Hoje   em   dia,   impõe-­‐se   uma   compreensão   material   do   direito   organizatório   no   âmbito   da   organização   do  
poder   político,   o   que   significa   (1)   o   abandono   do   positivismo   estadual   e   do   correspondente   modelo   de  
Estado;   (2)   a   atribuição   de   um   valor   normativo   específico   aos   preceitos   constitucionais   referentes   à  
organização;  e  (3)  a  superação  da  dicotomia  entre  “constituição  de  direitos  fundamentais”,  materialmente  
legitimada,  e  “constituição  organizatória”,  apenas  formalmente  justificada.    
Esta  compreensão  material  implica:  (1)  a  articulação  das  competências  e  funções  com  o  cumprimento  das  
tarefas;   (2)   a   consideração   das   normas   organizatórias   como   normas   de   acção,   e   não   meros   preceitos   de  
limites  materialmente  vazios;  (3)  a  articulação  das  normas  de  competência  com  a  ideia  de  responsabilidade  
constitucional;   e   (4)   uma   noção   de   controlo   constitucional   que   se   preocupe   também   com   as   sanções  
políticas  pelo  não-­‐cumprimento  de  tarefas  constitucionais.  
 
 
Os  conceitos  operatórios  
 
1.  Competência  
 
Por   competência   entende-­‐se   o   poder   de   acção   ou   actuação   atribuído   aos   vários   órgãos   e   agentes  
constitucionais  com  o  fim  de  prosseguirem  as  tarefas  de  que  são  constitucional  ou  legalmente  incumbidos.    
 
1.1.  Competências  legislativa,  executiva  e  judicial  
A   classificação   clássica   de   competências,   associada   ao   princípio   da   separação   dos   poderes,   estabelece-­‐se  
entre:  
• Competência  legislativa  –  tarefa  de  legislar  (emanar  actos  gerais  e  abstractos).  Atribuída,  na  CRP,  
às  Assembleias,  através  de  leis,  decretos-­‐lei  e  decretos  legislativos  regionais.    
• Competência   executiva   –   tarefa   de   governar/administrar.   Tem   a   montante   o   poder   político   e  
pensa-­‐se  num  plano  mais  concreto.  Atribuída,  na  CRP,  ao  Governo  e  ao  Presidente  da  República.    
• Competência   judicial   –   tarefa   de   julgar,   pressupondo   um   litígio   e   sua   resolução.   Atribuída   aos  
tribunais.    
 
1.2.  Competências  constitucionais  e  legais    
• Competências   constitucionais   –   são   aquelas   que   são   atribuídas   pela   CRP.   São   competências  
constitucionais  as  competências  do  PR,  do  Conselho  de  Estado,  da  AR,  do  Governo,  dos  tribunais  e,  
em   especial,   do   TC,   e   das   Regiões   Autónomas.   Um   dos   principais   princípios   que   vigoram   nesta  
matéria  é  o  princípio  da  indisponibilidade  de  competências,  ao  qual  está  associado  o  princípio  da  
tipicidade   de   competências.   De   acordo   com   o   primeiro,   as   competências   constitucionalmente  
fixadas   não   podem   ser   transferidas   para   órgãos   diferentes   daqueles   a   quem   a   Constituição   os  
atribuiu.   De   acordo   com   o   segundo,   as   competências   dos   órgãos   constitucionais   são   apenas   as  
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expressamente   enumeradas   na   Constituição.   Da   convergência   destes   dois   princípios   percebe-­‐se  


que  as  competências  legais  devem  ter  um  fundamento  constitucional  expresso.    
• Competências  legais  –  são  aquelas  que  são  atribuídas  pela  lei.    
 
1.3.  Competências  exclusivas,  competências  concorrentes  e  competências-­‐quadro  
• Competências  exclusivas  –  competências  atribuídas  a  um  só  órgão.  
• Competências  concorrentes  –  competências  atribuídas,  a  título  igual,  a  vários  órgãos.    
• Competências-­‐quadro  –  fala-­‐se  em  competência-­‐quadro  quando  existe  um  regime  de  exclusividade  
quanto   aos   princípios,   mas   não   quanto   aos   órgãos.   Assim,   esta   competência   é   atribuída   quanto   à  
definição  de  base  ou  princípios  a  um  órgão  e  quanto  à  densificação  particularizante  a  outro.    
Uma  nota  relativa  aos  arts.  164.º  e  165.º  -­‐  o  art.  165.º  continua  a  pertencer  à  competência  exclusiva  da  AR,  
sendo  que  o  Governo  apenas  poderá  legislar  mediante  a  concessão  de  uma  autorização  legislativa  da  AR  sob  
a  forma  de  lei  reforçada,  e  dentro  de  certos  limites,  sob  pena  de  inconstitucionalidade.   Não  confundir  com  a  
distinção  entre  competência  exclusiva  absoluta,  art.  164.º,  e  competência  exclusiva  relativa,  art.  165.º.  
 
1.4.  Competências  implícitas,  competências  explícitas  e  competências  não  escritas  
• Competências   constitucionais   explícitas   –   competências   expressamente   mencionadas   nos  
enunciados  linguísticos  das  normas  constitucionais.  
• Competências   constitucionais   implícitas   –   competências   não   individualizadas   ou   mencionadas   no  
texto   constitucional,   mas   que   se   podem   considerar   como   implicitamente   derivadas   das   normas  
constitucionais  escritas.    
• Competências   não   escritas   –   competências   que   não   têm   qualquer   suporte,   mesmo   implícito,   no  
texto  constitucional.  
É  aqui  particularmente  relevante  o  princípio  da  conformidade  funcional,  segundo  o  qual  os  órgãos  se  devem  
manter   no   quadro   de   competências   delimitado   pela   Constituição,   não   o   devendo   modificar   por   via  
interpretativa.    
A   doutrina   debate,   a   este   propósito,   a   admissibilidade   de   competências   não   escritas,   cuja   existência   é  
incompatível  com  a  própria  ideia  de  força  normativa  da  constituição  (salvo  nos  casos  nos  quais  a  própria  
constituição   autoriza   o   legislador   a   alargar   o   leque   de   competências).   Contudo,   é   admissível   uma  
complementação   de   competências   constitucionais   –   fala-­‐se   de   competências   implícitas   complementares,  
que   podem   ter   dois   fins   específicos,   o   de   (1)   aprofundar   competências   e   o   de   (2)   preencher   lacunas  
necessárias.  
 
2.  Poderes  
 
A  Constituição  de  1976,  para  além  de  falar  em  “poder  político”  (cfr.  art.  108.º),  utiliza  a  fórmula  “poderes”  
não  para  designar  os  poderes  do  Estado,  mas  sim  para  aludir  a  órgãos  de  soberania.  Assim,  os  poderes  serão  
sistemas  ou  complexos  de  órgãos  aos  quais  a  Constituição  atribui  certas  competências  para  o  exercício  de  
certas  funções.  
 
3.  Função  
 
O   conceito   de   função   é   mais   abrangente   que   o   de   competência,   e   o   seu   sentido   mais   corrente   é   o   de  
“actividade”   ou   “poder   do   Estado.   Pode   também   sugerir   uma   relação   referencial,   reportando-­‐se   a   uma  
relação  de  referência  entre  uma  norma  de  competência  e  os  fins  dessa  mesma  norma.  
 
O  ponto  de  partida  será  o  art.  111.º/2,  que  consagra  o  princípio  da  separação  e  interdependência  dos  órgãos  
de  soberania,  que  será  organicamente  referenciado  e  funcionalmente  orientado.  Assim,  quando  se  fala  em  
repartição  de  poderes,  o  que  se  recorta  é  a  actividade  do  Estado  e  não  o  poder  do  Estado,  resultando  desta  
divisão,  não  a  existência  de  vários  poderes,  mas  a  existência  de  funções  diferenciadas.  O  Estado  português  
concebe-­‐se,   pois,   como   a   ordenação   de   várias   funções   constitucionalmente   atribuídas   aos   vários   órgãos  
constitucionais.    
 
São  3  os  modelos  possíveis  numa  teoria  constitucionalmente  adequada  das  funções  do  Estado.  
 
3.1.  Modelo  dos  checks  and  balances    
Através  de  freios  e  contrapesos  recíprocos,  os  vários  poderes  operam,  eles  mesmos,  um  controlo  do  poder,  
correspondendo   à   tradicional   fórmula   “le   pouvoir   arrête   le   pouvoir”.   A   separação   e   interdepenência  
consagrada  no  art.  111.º  da  CRP  pressupõe  este  modelo.    
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3.2.  Modelo  do  núcleo  essencial    
Aos   órgãos   de   soberania   são   confiadas   funções   materialmente   diferentes,   ou   seja,   as   funções   terão   um  
núcleo  essencial  que  será  melhor  exercido  por  um  dado  órgão.  Assim,  este  núcleo  essencial  remete  para  um  
campo   de   tarefas   típico   que   não   pode   ser   deslocado   para   outro   órgão,   violando   o   próprio   princípio   da  
separação  de  poderes.    Este  modelo  explica  o  motivo  pelo  qual  se  fala  em  “reserva  de  lei”,  “reserva  de  juiz”.  
 
3.3.  Modelo  da  justeza  funcional    
Este   modelo   parte   do   princípio   que   a   separação   e   interdependência   de   poderes   exige   uma   estrutura  
orgânica   funcionalmente   adequada,   ou   seja,   a   cada   órgão   de   soberania   é   atribuída   a   função   que   ele   pode  
desempenhar  de  uma  forma  mais  adequada  –  ou  da  única  forma  adequada.  
É  exemplo  a  proibição  de  exercício  da  função  docente  pelo  juiz  com  remuneração,  para  evitar  que  este  seja  
sujeito  a  pressões  que  influenciem  o  exercício  da  sua  função  judicial.  
 
4.  Responsabilidade  
 
Para  se  poder  falar  em  responsabilidade  constitucional,  é  necessário  que  (1)  se  reconheça  ao  sujeito  dessa  
responsabilidade  uma  margem  de  actuação,  (2)  haja  um  vínculo  funcional  que  exija  a  observância,  por  parte  
desse  sujeito,  de  certos  deveres  jurídicos  ou  a  prossecução  de  certas  tarefas,  e  (3)  que  esta  responsabilidade  
se  articule  com  a  existência  de  sanções  jurídicas.    
 
Podemos   distinguir   3   tipos   de   responsabilidade,   embora   haja   zonas   isentas   de   responsabilidade,   ou   seja,  
actos  ilícitos  que  não  desencadeiam  qualquer  tipo  de  responsabilidade.  
 
4.1.  A  responsabilidade  civil    
A  responsabilidade  civil  das  entidades  públicas  gera  um  dever  de  indemnização  por  danos  patrimoniais  ou  
morais,  e  é  um  traço  cada  vez  maior  do  direito  público,  impondo  ao  Estado  um  dever  de  indemnização  do  
lesado.  Este  dever  cessa,  contudo,  quando  culmina  na  prática  de  um  crime.  
Esta  matéria  é  reserva  relativa  da  AR.  
 
4.2.  A  responsabilidade  político-­‐criminal  
Esta   responsabilidade   é   uma   responsabilidade   dos   titulares   do   poder   político   pela   prática   de   actos  
criminais,   tendo   em   conta   a   incidência   destes   comportamentos   no   exercício   do   poder   público.   O   Presidente  
da  República  pode  ser  responsabilizado  político-­‐criminalmente.    
 
4.3.  A  responsabilidade  política  em  sentido  amplo  
A   responsabilidade   política,   aqui   em   sentido   amplo,   é   um   mecanismo   jurídico-­‐constitucional   que   incide  
sobre  o  desvalor  jurídico  e  constitucional  dos  actos  dos  titulares  do  poder  político.  Assim,  responsabiliza  a  
actuação   geral   e   é,   por   isso,   difícil   de   estatuir.   Insere-­‐se   aqui   o   mecanismo   da   moção   de   censura   e   de  
confiança  –  se  o  Parlamento  aprovar  a  primeira  ou  recusar  a  segunda,  o  Governo  cai.  Quanto  à  destituição  
do  PR,  não  existe,  no  nosso  sistema,  um  mecanismo  de  destituição  (ao  contrário  de  outros  regimes,  como  é  
exemplo  a  Constituição  de  Weimar).  Assim,  o  PR  não  pode  ser  responsabilizado  politicamente.  
 
5.  Procedimento  
 
Apesar  de  não  existir  uma  definição  acabada,  pode-­‐se  definir  procedimento  como  a  prática  de  um  conjunto  
de  actos  que  culminarão  num  acto  final  de  grande  importância.  O  poder  só  será  exercido  de  forma  legítima  
se   o   procedimento   for   respeitado,   pois   este   será   juridicamente   adequado   à   garantia   dos   direitos  
fundamentais  e  á  defesa  dos  princípios  básicos  do  Estado  de  direito  democrático.  
 
6.  Tarefa  
 
A  atribuição  de  poderes  e  competências  é  feita  para  que  os  órgãos  constitucionais  de  soberania  cumpram  
certas  missões  –  as  tarefas  -­‐,  constitucionalmente  definidas.  
 
7.  Controlo  
 
O   controlo   é   um   correlato   da   responsabilidade,   partindo   da   ideia   de   competência   e   dos   mecanismos   de  
responsabilidade  e  sanção.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Deve   distinguir-­‐se   (1)   controlo   primário   ou   subjectivo,   feito   sobre   os   próprios   sujeitos   orgânicos,   e   (2)  
controlo  secundário  ou  objectivo,  que  incide  sobre  os  actos  dos  órgãos.  
 
8.  Órgão  
 
O   sentido,   aqui,   de   órgão   é   o   de   órgão   constitucional   em   sentido   amplo.   Importa   aqui   distinguir   entre   (1)  
órgãos   constitucionais   de   soberania,   cujas   competências   estão   reguladas   na   CRP,   e   (2)   órgãos  
constitucionais   e   autoridades   administrativas   independentes,   que   são   relativamente   recentes   e   existem  
para  a  defesa  dos  direitos  fundamentais  ou  para  dados  sectores  de  actividade,  como  é  exemplo  o  provedor  
de  justiça.  Desfrutam  de  independência  orgânica,  funcional  e  social.  
 
9.  Representação  
 
A  representação  política,  sob  o  ponto  de  vista  organizatório-­‐funcional,  traduz-­‐se  num  esuqema  de  selecção  
ancorado   na   eleição   dos   governantes,   através   do   qual   (1)   se   institui   o   exercício   do   poder   político   e   (2)   se  
institui   o   controlo   exercidos   pelos   representados.   Não   se   confunde   com   representatividade,   que   se   define  
como   a   correspondência,   real   ou   efectiva,   entre   a   composição   de   um   colégio   (órgão)   representativo   e   os  
indivíduos  ou  grupos  sociais  dos  quais  é  expressão.    
 
 
O  princípio  da  separação  e  interdependência  dos  órgãos  de  soberania  
 
1.  História  
 
1.1.  Montesquieu  e  Locke  
 
O   princípio   clássico   da   separação   de   poderes,   entendido   no   seu   sentido   estritamente   político,   teve   como  
grandes   mentores   Montesquieu   e   Locke.   Estes   autores   desenvolveram   uma   concepção   de   separação   de  
poderes   enquanto   “faculdade   de   impedir”,   visando   impedir   o   despotismo   e   assegurar,   através   de   um  
“pouvoir   moderé”,   a   possibilidade   concreta   da   liberdade.   Este   princípio   é,   pois,   concebido   no   seu   sentido  
negativo,   exprimindo   um   compromisso   pragmático,   constituindo   uma   directa   expressão   da   regra   de  
prudência  política  justificada  por  argumentos  de  responsabilização  e  eficácia.  
 
Montesquieu,   partindo   do   princípio   que     todo   o   homem   que   tem   poder   tem   inclinação   para   abusar   dele,  
indo   até   onde   encontra   limites   –   “c’est   une   expérience   éternelle   que   toute   homme   qui   a   du   pouvoir   est   porté   à  
en   abuser”   –   afirma   que   é   necessário   que,   para   que   não   se   abuse   do   poder,   “le   pouvoir   arrête   le   pouvoir”.  
Contudo,   considera   não   bastar   que   o   poder   fosse   apenas   limitado   por   leis,   pois   estas   podem   ser   abolidas,   e,  
assim,   visiona   um   sistema   de   pesos   e   contrapesos,   limitando   o   poder   no   interior   do   próprio   poder.   Assim,   o  
poder  executivo  deve  ser  confiado  ao  monarca;  o  poder  legislativo  deve  ser  partilhado  pelos  nobres  e  pelo  
povo;  e  o  poder  judicial  deve  ser  indivisível  e  nulo.    
 
Já  Locke,  partindo  da  ideia  do  estado  da  natureza,  na  qual  os  homens  possuíam  já  um  conjunto  de  direitos  
alienáveis,   como   a   propriedade   privada,   a   vida   e   a   segurança   social,   constrói   um   modelo   de   Estado   liberal   e  
eminentemente   limitado,   que   nasce   de   um   contrato   social   na   qual   os   homens   transferem   para   o   Estado  
certos   direitos   para   melhor   garantir   esse   outro   conjunto   de   direitos   naturais.   Assim,   é   necessário   que   os  
poderes   políticos   do   Estado   não   abusassem   da   sua   função,   atentando   contra   a   liberdade   dos   homens.   Locke  
recorre,  pois,  à  teoria  clássica  da  separação  de  poderes  –  os  poderes  deveriam  estar  confiados  a  diferentes  
mãos.   O   legislativo   deveria   estar   entregue   à   maioria   dos   representantes   do   povo;   distinguindo-­‐se   do  
executivo,  pertencente  ao  rei  e  abrangendo  a  administração  e  a  justiça;  e  do  federativo,  relativo  às  relações  
externas.  
 
1.2.  Rousseau  e  Kant  
 
Com   Rousseau   e   Kant,   o   princípio   da   separação   de   poderes   torna-­‐se   um   corolário   institucional,   livre   de  
qualquer   consideração   pragmática,   da   concepção   moderno-­‐iluminista   da   lei.   Enquanto   norma   geral   e  
abstracta,  a  lei  distingue-­‐se  logicamente  tanto  da  execução  concreta  como  da  aplicação  particular,  e  o  poder  
legislativo,   que   só   poderá   prescrever   normas   gerais   e   abstractas,   postula,   institucionalmente,   diferentes  
poderes  de  execução  e  aplicação  da  sua  lei  –  um  poder  executivo  pertencente  ao  governo  e  à  administração,  
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segundo  um  princípio  de  legalidade;  e  um  poder  judicial  com  a  função  exclusiva  de  aplicação  da  lei  aos  casos  
particulares  da  sua  previsão  abstracta.  
 
Em  Rousseau,  a  divisão  tripartida  de  poderes  é  um  corolário  político  da  supremacia  do  poder  legislativo  –  a  
lei,  enquanto  expressão  da  vontade  geral  e  instrumento  único  de  racionalidade  e  justiça,  deveria  determinar  
o  âmbito  de  actuação  dos  demais  poderes  do  Estado,  o  executivo  e  o  judicial.  Em  Kant,  esta  divisão  justifica-­‐
se   em   termos   puramente   racionais-­‐formais,   em   nome   do   imperativo   categórico   e   de   um   Estado   ideal   ou  
autónomo.  Define  Estado  como  “a  união  de  um  conjunto  de  pessoas  sob  leis  jurídicas”,  que  assume  a  forma  
do  “Estado  ideal”,  segundo  os  “puros  princípios  do  Direito”.    Qualquer  Estado  contém  em  si  três  poderes:  o  
poder   soberano,   na   pessoa   do   legislador;   o   poder   executivo,   na   pessoa   do   governante,   em   observância   à   lei;  
e  o  poder  judicial,  na  pessoa  de  um  juiz,  que  concebe  à  semelhança  de  um  silogismo.    
 
2.  Dimensões  materiais  do  princípio  
 
2.1.  Como  directiva  fundamental  
O   princípio   da   separação   constitui   uma   directiva   fundamental   da   organização   do   poder   político,   sendo  
possível   a   individualização   de   3   momentos   fundamentais,   (1)   a   separação   de   funções   e   atribuição   das  
mesmas  a  diferentes  titulares,  (2)  a  interdependência  de  funções  e  (3)  o  balanço  ou  controlo  das  funções,  
com  o  objectivo  de  impedir  o  abuso  do  poder.  
 
2.2.  Como  princípio  histórico  
Este  princípio  não  corresponde  a  um  esquema  constitucional  rígido,  mas  sim  a  um  princípio  organizatório  
fundamental.   Como   tal,   deve   ser   perspectivado   como   um   princípio   histórico   (K.   Hesse),   em   contacto   com  
uma  ordem  constitucional  concreta  e  em  articulação  com  os  princípios  positivos  nela  vigentes.    
 
2.3.  Orgânico-­‐institucionalmente  referenciado  
A  CRP  refere-­‐se  à  separação  e  interdependência  dos  órgãos  de  soberania.  
 
2.4.  Funcionalmente  orientado  
O   princípio   da   separação   e   interdependência   de   poderes   é   também   um   princípio   de   ordenação   de  
competências  funcionalmente  orientado.  Estas  funções  surgem  como  funções  fundamentais,  sem  qualquer  
“carácter  de  exclusividade”  (K.  Hesse),  pois  aos  órgãos  de  soberania  podem  também  caber  outras  funções  
constitucionais.    
 
2.5.  Adequação  entre  órgãos  e  funções  
Pode-­‐se  afirmar  que  a  CRP  adoptou  um  esquema  organizatório  funcionalmente  adequado,  pois,  embora  não  
se   exija   uma   equivalência   total   entre   actividade   orgânica   e   funcional,   a   um   órgão   deve   ser   atribuída  
principal  ou  prevalentemente  uma  determinada  função.  Fala-­‐se,  pois,  de  adequação  funcional,  quando  um  
órgão  de  soberania  é  estruturalmente  idóneo  e  adequado  para  o  exercício  de  funções.  Certos  autores  falam  
mesmo,  a  este  propósito,  de  “estrutura  orgânica  funcionalmente  justa”.  
 
 
2.6.  Separação  no  plano  pessoal  
Este   princípio   desenha-­‐se   também   no   plano   pessoal,   conformando,   neste   plano,   um   estatuto   jurídico-­‐
constitucional   específico   tendente   a   evitar   quaisquer   uniões   pessoais   dos   órgãos   de   soberania.   Aqui   as  
figuras  das  incompatibilidades  –  dos  deputados,  do  PR  e  do  juiz.  
 
2.7.  Freio,  balanço  e  controlo  
Esta   dimensão   corresponde   à   formulação   tradicional   do   princípio   de   separação   de   poderes   teorizado   por  
Montesquieu.   A   sua   ideia   de   um   governo   moderado   centrado   no   balanço   e   controlo   recíproco   de   poderes  
conhece   refracções   diferentes   em   vários   ordenamentos   constitucionais,   mas   os   seus   esquemas   principais  
são:  
• Sistema  de  corresponsabilidades  e  interdependências  –  o  exemplo,  no  nosso  constitucionalismo,  da  
função   legislativa   a   não   ser   exclusivamente   desempenhada   pela   AR   –   por   um   lado,   certos   actos  
normativos   carecem   de   assinatura   e   promulgação   do   PR,   e   de   referenda   ministerial;   e,   por   outro  
lado,  o  Governo  também  pode  exercer  a  função  legislativa  através  de  decretos-­‐leis.    
• Sistema   de   balanço   –   a   escolha,   nomeação   ou   manutenção   do   cargo   de   um   ou   vários   titulares   de  
órgãos   depende   da   manifestação   de   vontade   dos   outros   órgãos.   O   exemplo   do   Governo,   cuja  
nomeação  depende  da  AR  e  do  PR;  e  da  AR,  que  pode  ser  dissolvida  pelo  PR.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

• Divisão   de   poderes   dentro   do   mesmo   poder   –   o   exemplo   do   Governo   (Conselho   de   Ministros   e  


Primeiro  Ministro).  
 
2.8.  A  teoria  do  núcleo  essencial  
Apesar  de  se  defender  uma  inexistência  de  uma  separação  absoluta  de  funções,  afirmando-­‐se  apenas  que  a  
uma   função   corresponde   um   titular   principal,   coloca-­‐se   o   problema   de   saber   se   haverá   um   núcleo   essencial  
caracterizador   de   uma   função   e   absolutamente   protegido   pela   Constituição.   Com   efeito,   a   Constituição  
consagra   uma   estrutura   orgânica   funcionalmente   adequada,   de   que   é   legítimo   deduzir   que   os   órgãos  
especialmente  qualificados  para  o  exercício  de  certas  funções  não  podem  praticar  actos  que  materialmente  
se   aproximam   ou   são   mesmo   característicos   de   outras   funções   e   da   competência   de   outros   órgãos.   Ora,   a  
teoria  do  núcleo  essencial  defende  que  a  nenhum  órgão  podem  ser  atribuídas  funções  das  quais  resulte  o  
esvaziamento   das   funções   materiais   especialmente   atribuídas   a   outro,   ou   seja,   o   princípio   da   separação  
exigirá   a   correspondência   entre   órgão   e   função,   só   admitindo   excepções   quando   não   for   sacrificado   o   seu  
núcleo  essencial.  
Este   princípio   assume   manifesto   relevo   na   proibição   do   “monismo   de   poder”,   como   o   que   resultaria,   por  
exemplo,   numa   concentração   de   plenos   poderes   no   PR;   nas   relações   entre   Parlamento   e   Governo,   e   na  
função   judicial,   ao   exigir   que   esta   seja   confiada   a   órgãos   cujos   titulares   são   juízes   independentes,  
irresponsáveis  e  inamovíveis.  
 
3.  Manifestações  modernas  do  princípio  
 
3.1.  Repartição  vertical  de  funções  
A   repartição   vertical   de   funções   conexiona-­‐se   com   os   problemas   do   federalismo,   da   autonomia   geral   e   da  
autonomia  local.  Entre  nós,  assumem  importância  decisiva  as  estruturas  autónomas  locais  e  regionais,  que  
passaram   a   desfrutar   de   uma   legitimidade   pública   e   democrática   para   exercerem   funções   normativas,  
administrativas  e  até  legislativas,  de  forma  autónoma  dos  órgãos  centrais  de  soberania.  A  autonomia  local  e  
regional  é,  pois,  hoje,  uma  expressão  importante  do  princípio  de  separação  dos  poderes.  
 
3.2.  Repartição  social  
Ao   lado   da   repartição   horizontal   e   vertical   de   funções,   fala-­‐se,   por   vezes,   em   repartição   social   de   funções,  
para  se  aludir  à  distribuição  de  poderes  entre  o  Estado  e  outros  titulares  de  poderes  públicos  não-­‐estaduais  
como,  por  exemplo,  as  associações  sindicais  e  as  comissões  de  trabalhadores.  
 
3.3.  Separação  e  estrutura  partidária  
Uma   das   maiores   críticas   ao   princípio   clássico   da   separação   de   poderes   é   a   sua   desadequação   a   novas  
realidades  na  medida  em  que  desconhece  o  fenómeno  partidário  e  o  dualismo  moderno  maioria-­‐oposição.  
Com   efeito,   pode-­‐se   afirma   que,   hoje,   a   “verdade”   político-­‐constitucionl   não   é   o   dualismo   governo-­‐
parlamento,   mas   sim   a   relação   de   maioria-­‐oposição,   entre   os   partidos   e   coligações   maioritários   e   os  
partidos   e   coligações   minoritários.   Assim,   a   categoria   de   oposição   adquire   um   estatuto   jurídico-­‐
constitucional,  com  grande  relevância  para  o  problema  da  separação  de  poderes  e  o  problema  do  controlo  e  
equilíbrio  de  poderes.  Do  ponto  de  vista  político-­‐constitucional,  este  confronto  governo-­‐oposição  desdobra-­‐
se   numa   diferenciação   tendencial   entre   (1)   decisão   política,   a   cargo   do   governo   e   fracção   ou   fracções  
parlamentares  de  duporte,  e  (2)  responsabilidade  e  controlo  políticos,  fundamentalmente  dinamizados  pela  
oposição.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  II  –  FORMAS  DE  GOVERNO:  MEMÓRIAS  E  EXPERIÊNCIAS  


 
 
Noções  e  tipologias  
 
1.  Forma  de  governo  e  sistema  de  governo  
 
Pode-­‐se   definir   (1)   forma   de   governo   como   a   posição   jurídico-­‐constitucional   recíproca   dos   vários   órgãos   de  
soberania   e   respectivas   conexões   e   interdependências   políticas,   institucionais   e   funcionais.   Por   outras  
palavras,  diz  respeito  às  relações  que  se  estabelecem  entre  os  órgãos  com  competência  política,  retirando  
da   lógica   a   função   judicial   e   os   tribunais.   Já   o   (2)   sistema   de   político   define-­‐se   como   a   modalidade   do  
exercício  do  poder  a  partir  de  práticas  institucionais.  
Assim,   a   forma   de   governo   constitucional   forma   o   sistema,   não   é   o   sistema   que   faz   a   forma   do   governo.  
Contudo,   a   forma   de   governo   tem   de   articular-­‐se   com   variáveis   de   influência   sistémica,   como   o   sistema  
eleitoral  e  os  partidos  políticos,  o  que  implica  a  existência  de  uma  forma  de  gocerno  jurídico-­‐constitucional  
concretamente  modelada  pelo  sistema  político  
 
2.  Tipologias  
 
A  elaboração  de  uma  tipologia  das  formas  de  governo  pode  ser  feita  com  base  em  vários  critérios.    
 
O   (1)   primeiro   critério   é   o   da  separação   de   poderes,   com   base   no   qual   se   distingue   entre   formas   de   governo  
com  separação  rígida  de  poderes  (forma  monárquica  constitucional  e  presidencial)  e  forma  de  governo  com  
separação   flexível   (forma   parlamentar).   Este   critério   foi   já   abandonado,   por   exprimir   uma   concepção  
clássica   da   separação   de   poderes,   por   não   ter   potencialidades   diferenciadoras   diferentes   e   por   não  
corresponder  a  um  esquema  dinâmico  de  separação  e  interdependência  dos  órgãos  de  soberania.    
 
O   (2)   segundo   critério   é   o   da   forma   monística   ou   dualística   de   governo,   baseado   num   esquema   de  
supremacia  ou  de  equilíbrio  entre  os  órgãos  constitucionais  de  soberania  (principalmente  o  legislativo  e  o  
executivo).  A  supremacia  existiria  no  governo  parlamentar,  e  o  equilíbrio  no  presidencial.  Ora,  este  critério  
também  se  revela  obsoleto,  pois  o  código  binário  que  mobiliza  revela-­‐se  incapaz  de  responder  à  diversidade  
de  formas  de  governo  contemporâneo.    
 
O   (3)   terceiro   critério,   que   é   o   mais   frequentemente   utilizado,   do   vínculo   de   controlo   e   responsabilidade  
entre  os  órgãos  de  soberania,  com  maior  atenção  dispensada  à  relação  dispensada  entre  o  parlamento  e  o  
governo.  Este  critério  conduz  à  repartição  tradicional  entre  forma  de  governo  parlamentar,  onde  existe  uma  
relação   de   confiança;   e   forma   de   governo   presidencial,   onde   falta   essa   mesma   relação.   Este   é   um   critério  
insuficiente,   pois   a   relação   de   confiança   pode   ter   várias   formatações   e   o   binómio   da   sua   existência/não  
existência  esquece  outras  formas  de  governo.  
 
O   (4)   quarto   critério,   também   por   vezes   mobilizado,   é   o   critério   presidencial,   do   papel   do   presidente   da  
república,  o  seu  modo  de  eleição  e  papel  político.  Este  critério  deverá  ser  tomado  em  conta  com  o  anterior.  
 
 
Memória  dos  clássicos  
 
2.1.  John  Locke  e  a  separação  dos  poderes  
 
John   Locke,   autor   dos   célebres   Two   Treatises   of   Government   (1960),   foi   um   dos   principais   mentores,  
juntamente   com   Montesquieu,   do   princípio   da   separação   de   poderes,   traçando   algumas   premissas   do  
padrão  básico  referente  à  organização  do  poder  político  segundo  este  princípio.  
 
Ora,   a   nível   funcional,   Locke   desenha   quatro   poderes   –   o   poder   legislativo,   executivo,   federativo   e  
prerrogativo.    
1. Ao   poder   legislativo   cabe   a   função   de   criação   de   regras   jurídicas.   Este   poder   é   concebido   como  
supreme   power   e   é   detido   pelo   Parlamento,   constituído   pela   Câmara   Baixa   ou   dos   Comuns,   eleita  
pelo  povo;  pela  Câmara  Alta  ou  dos  Lordes,  à  qual  pertence  a  alta  nobreza  por  nascimento;  e  o  King  
in  Parliament,  herdeiro  da  Casa  Real.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

2. O  poder  executivo  detém  a  função  de  aplicação/execução  das  regras  no  espaço  nacional,  e  cabe  ao  
Rei.  
3. O   poder   federativo   desenvolve   as   relações   externas   e   de   direito   internacional   e   é   também   detido  
pela  Coroa.  
4. O  poder  prerrogativo,  também  pertencente  ao  Rei,  é  o  último  dos  poderes  e  consiste  na  tomada  de  
decisões  em  casos  de  excepção  constitucional  como  guerra  e  estados  de  emergência.    
 
2.2.  Montesquieu  e  a  separação  dos  poderes  
 
Montesquieu   propõe   uma   classificação   das   formas   de   governo   baseada   numa   trilogia,   de   inspiração  
marcadamente   clássica,   de   despotismo,   monarquia   e   república   (democracia   e   aristocracia),   às   quais   faz  
associar  um  princípio  ou  valor  próprio.  A  “natureza  do  governo”  seria  “aquilo  que  o  faz  ser  tal”,  enquanto  
que   o   “princípio”   é   “aquilo   que   o   faz   agir”.   Assim,   o   princípio   do   governo   monárquico   seria   a   honra;   o   da  
aristocracia  seria  a  moderação;  o  da  democracia,  a  virtude;  e  o  do  despotismo,  o  medo.  Contudo,  nenhuma  
forma   de   governo   é   assumida   na   sua   radicalidade,   todos   os   tipos   de   governo   albergam,   num   ou   noutro  
ponto,   características   ou   traços   provenientes   dos   restantes   tipos   –   o   que   permite   dizer   que,   para  
Montesquieu,  a  forma  política  ideal  é  a  politeia,  a  constituição  mista.  
• A  democracia  é  definida  como  a  forma  republicana  de  governo  em  que  “o  povo  em  corpo  detém  o  
soberano  poder”.  Porém,  em  vez  de  sustentar,  à  semelhança  de  Rousseau,  um  Estado  democrático  
baseado   na   igualdade   absoluta,   Montesquieu   defende   a   sua   divisão   em   classes,   advogando   que   o  
princípio   da   democracia   se   perde   quando   se   adopta   o   espírito   de   igualdade   extrema,   e   cada   um  
quer  ser  igual  àqueles  que  escolheu  para  o  comandarem.  
• A  aristocracia,  por  sua  vez,  é  definida  como  a  forma  republicana  de  governo  em  que  “somente  uma  
parte  do  povo  tem  o  soberano  poder”.    
• A   monarquia   é   a   forma   de   governo   preferida   por   Montesquieu,   na   sua   forma   mista   ou   moderada.  
Nela  um  só  governa,  segundo  leis  fundamentais,  e  a  sua  natureza  reside  nos  poderes  intermédios  
subordinados  e  dependentes.    
• O   despotismo   é   o   governo   em   que   “um   só,   sem   lei   e   sem   regra,   dirige   tudo   pela   sua   vontade   e   pelos  
seus  caprichos”.  Mesmo  aí,  há  um  poder  que  se  pode  opor  à  vontade  do  príncipe  –  a  religião.  
Na   descrição   de   todas   estas   formas   de   governo,   encontramos   uma   preocupação   com   o   equilíbrio   dos  
poderes   sociais,   ou   seja,   com   a   moderação   dos   poderes   políticos   da   constituição   pelo   reconhecimento   e  
intervenção   de   actores   sociais.   Mesmo   nas   formas   mais   igualitárias,   a   democracia   e   a   aristocracia,   existe  
diferenciação   social,   que   justificará   a   necessidade   de   se   encontrar   esse   equilíbrio.   Contudo,   é   no   quadro  
político  da  monarquia  moderada  que  o  ideal  da  constituição  mista  alcança  uma  realização  mais  conseguida.    
 
Apesar   do   que   é   não   escassas   vezes   defendido,   Montesquieu   não   concebeu   uma   rigorosa   e   rígida   separação  
dos  poderes,  no  sentido  de  uma  quase  total  independência  recíproca  –  este  advogava,  antes,  uma  necessária  
colaboração  dos  poderes,  que  arrumou  numa  trilogia  que  se  tornou  clássica:  
1. O   poder   legislativo   consiste   em   fazer   as   leis   e   corrigir   ou   abrogar   aquelas   que   estão   feitas.     Este  
pertence   ao   Parlamento,   que   é,   também   em   Montesquieu,   bicameral   –   constituído   pela   Câmara  
Baixa,  eleita  do  povo,  e  pela  Câmara  Alta,  nomeada  da  Nobreza  e  do  Clero.    
2. O   poder   executivo   engloba   as   funções   de   direcção   política   do   Estado,   incluindo   a   função   federativa,  
e  a  de  aplicação  da  lei.  Está  entregue  ao  Monarca,  escolhido  por  sucessão  da  Casa  Real,  e  ao  Governo  
e  Administração,  dos  quais  fazem  parte  membros  da  Nobreza  e  do  Clero.  
3. O  poder  de  julgar  consiste  na  actividade  de  punição  de  crimes  e  de  julgamento  dos  diferendos  dos  
particulares.  É  autonomizado  em  relação  à  teoria  lockiana,  e  confiado  a  tribunais  independentes.    
Os  poderes  legislativo  e  executivo  foram  arquitectados  em  profunda  interacção.  O  poder  legislativo  foi  
devolvido   a   duas   câmaras,   que   dispunham   da   faculté   de   statuer   e   da   faculté   d’empêcher,   controlando-­‐se  
mutuamente   pela   sua   recíproca   (1)   faculté   d’empêcher,   a   faculdade   de   veto   recíproco.   Tais   câmaras,  
para   além   de   produzirem   leis,   tinham   o   (2)   poder   de   controlar   a   execução   das   mesmas   e   o   poder   de  
julgar   os   crimes   políticos   dos   membros   do   Executivo.   Este   poder,   principalmente   a   Câmara   dos   Nobres,  
detinha  ainda  o  (3)  poder  moderador.    
O   poder   executivo,   interferindo   directamente   com   o   legislativo,   dispunha   do   (4)   poder   de   veto   sobre   as  
estatuições   legislativas,   a   par   do   qual   se   assinalava   o   (5)   poder   de   convocar   o   parlamento   e   de  
determinar  a  duração  das  suas  assembleias.  
 
Mas   mais   do   que   isto,   Montesquieu   procurou   organizar   um   equilíbrio   entre   potências   ou   corpos   sociais  
diversos  –  de  facto,  quando  se  fala  em  separação  de  poderes,  do  que  se  trata  é  repartir  esse  poder  pelos  
co-­‐titulares  de  soberania,  o  rei,  os  aristocratas  e  o  povo,  os  vários  estratos  sociais  titulares  da  soberania.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Assim,  quando  nos  fala  em  lei  como  “vontade  geral  do  Estado”,  esta  vontade  não  é  a   volonté  genérale  de  
Rousseau,   mas   sim   a   vontade   reunida   das   forças   sociais   que   compõem   o   Estado.  “Tudo   seria   perdido   se  
o   mesmo   homem,   ou   mesmo   corpo   dos   notáveis,   ou   dos   nobres,   ou   do   povo,   exercesse   estes   três  
poderes”,   ou   seja,   a   ideia   essencial   de   Montesquieu   não   era   a   de   uma   separação   no   plano   orgânico,  
funcional   e   jurídico,   mas   sim   no   plano   social,   pois   só   através   do   equilíbrio   das   forças   sociais   se  
garantiria  a  liberdade  política.  
 
Contudo,  o  poder  judicial  é  retirado  desta  lógica  de  equilíbrio  das  forças  sociais.  Este  está  cometido  a  
dois  complexos  orgânicos  diferentes:  aos  tribunais,  de  extracção  popular;  e  ao  Corpo  dos  Nobres;  pois  
os   nobres   devem   ser   julgados   pelos   nobres,   e   o   povo   pelo   povo   (já   o   Rei,   sagrado   e   inviolável,   não  
poderá  ser  julgado).  Assim,  os  juízes  têm  de  ser  da  condição  do  acusado  ou  seus  pares.  Pelo  que  se  pode  
concluir   que,   na   constituição   inglesa   de   Montesquieu,   coexistem   duas   ordens   de   jurisdição,   um   de  
inspiração  radicalmente  democrática  e  outro  de  feição  aristocrática  e  corporativa.  A  primeira  regula  a  
actividade   dos   tribunais   populares   e   distingue-­‐se   por   uma   vinculação   estrita   à   lei,   enquanto   que   a  
segunda  confere  ao  Corpo  dos  Nobres  de  proceder,  nas  matérias  jurisdicionais  que  lhe  estão  confiadas,  
segundo  critérios  de  equidade,  dispondo  da  autoridade  para  moderar  a  lei  em  favor  da  lei.    
 
 
Modelos  
 
3.1.  Dualismo  monárquico  
 
A   forma   de   governo   dualista   monárquica-­‐representativa   tem   hoje   valor   histórico,   pois   foi   corresponde   a  
uma   fase   transitória,   na   qual   ainda   não   se   tinha   abolido   a   monarquia,   mas   o   poder   executivo   era   já  
partilhado  entre  o  monarca  e  os  seus  ministros.    
Eram  três  as  suas  dimensões  fundamentais:  
1. Responsabilidade   do   primeiro-­‐ministro   perante   o   rei   e   irresponsabilidade   do   executivo   ou   do  
gabinete  em  face  do  parlamento.  
2. Controlo  primário  do  rei  sobre  a  câmara  alta,  nomeadamente  quando  esta  era  fundamentalmente  
constituída  por  membros  de  nomeação  régia.  
3. Irresponsabilidade  do  rei,  como  chefe  do  executivo,  perante  o  órgão  representativo-­‐parlamentar.  
Esta  forma  de  governo  está  na  origem  da  responsabilidade  dos  ministros  perante  o  parlamento,  pois  estes  
começaram  a  revoltar-­‐se  contra  o  facto  de  serem  responsabilizados  por  certos  actos  do  monarca.  Era  este  
quem   tinha   o   poder   de   dissolver   o   parlamento   –   a   dissolution   royale   –,   sendo   que   ainda   temos   alguns  
vestígios  desta  figura  na  nossa  forma  mista.  
 
3.2.  Parlamentarismo(s)  
 
O   parlamentarismo   tem   origem   no   Reino   Unido   e   nasce   com   a   monarquia   representativa,   que   é  
caracterizada  por  uma  dupla  responsabilidade  dos  ministros,  perante  o  parlamento  e  perante  o  rei,  e  pela  
irresponsabilidade   deste   último.   Caracteriza-­‐se   por   uma   relação   flexível   entre   os   poderes   e   pela  
dependência   do   poder   executivo   do   poder   legislativo,   visto   que   o   parlamento   é   indispensável   para   a  
subsistência  do  governo.  
 
A  forma  de  governo  parlamentar  assume  várias  expressões  concretas,  contudo  podemos  sistematizar  três  
traços  estruturantes:  
1. Responsabilidade  do  gabinete  perante  o  parlamento  (e  não  perante  o  chefe  de  estado)  –  o  gabinete  
ou   o   primeiro-­‐ministro   é   nomeado   pelo   chefe   de   estado,   mas   deve,   antes,   obter   a   confiança   do  
parlamento,   havendo   a   obrigação   de   se   demitir   caso   seja   aprovada   uma   moção   de   censura   ou  
rejeitada  uma  moção  de  confiança.  
2. Dissolução   do   parlamento   pelo   chefe   de   estado,   sob   proposta   do   gabinete   (primeiro-­‐ministro).   A  
dissolução   é   feita   por   um   decreto   presidencial   ou   real,   mas   trata-­‐se   de   um   acto   de   iniciativa   do  
gabinete,  que  assume  a  responsabilidade  política  do  mesmo  através  de  referenda.  
3. Eleição,   no   caso   de   se   tratar   de   um   regime   republicano,   do   presidente   da   república   pelo  
parlamento,   um   chefe   de   estado   com   fracos   poderes   mas   com   um   estatuto   de   irresponsabilidade  
política  perante  o  mesmo.  
Este  esquema  é  aplicável  aos  regimes  parlamentares  monárquicos  e  republicanos,  com  a  diferença  de  nos  
primeiros   não   haver   um   chefe   de   estado   eleito   pelo   parlamento.   Modernamente,   o   regime   parlamentar  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

passou  a  articular-­‐se  com  a  lógica  maioritária  –  regime  parlamentar  maioritário  –,  falando-­‐se  de  governo  de  
legislatura  quando  um  partido  ou  uma  coligação  consegue  uma  maioria  absoluta.  
 
3.3.  Presidencialismo(s)  
 
Ora,   nos   Estados   Unidos,   tal   regime   era   inconcebível,   como   tal   os   Founding   Fathers   adoptaram,   após   a  
Declaração  de  Independência,  uma  forma  de  governo  diferente  do  da  sua  potência  colonizadora.    
Assim,   estes   conceberam   uma   forma   de   governo   presidencial,   cujos   traços   estruturantes   de   podem  
sintetizar  nos  seguintes  termos:  
 
-­‐  Separação  de  poderes  
O  poder  legislativo,  o  poder  executivo  e  o  poder  judiciário  são  constitucionalmente  consagrados  como  três  
poderes  independentes,  uma  independência  que  é,  desde  logo,  uma  independência  orgânica  dos  três  poderes:  
• Poder   executivo   –   Presidente   dos   Estados   Unidos,   eleito   por   um   colégio   de   eleitores   para   um  
mandato  de  4  anos.  
• Poder  legislativo  –  Congresso  dos  Estados  Unidos,  formado  por  um  Senado  e  por  uma  Câmara  dos  
Representantes.  
• Poder  judiciário  –  Tribunal  Supremo  e  tribunais  inferiores  criados  pelo  Congresso.  
 
-­‐  Legitimação  
O  Presidente  da  República  goza  de  uma  legitimidade  quase  directa,  pois  é  eleito  por  um  colégio  formado  por  
grandes   eleitores   em   número   igual   ao   de   senadores   e   representantes,   logo,   geralmente,   há   coincidência  
entre   os   votos   dos   populares   e   os   votos   dos   eleitores   (por   este   motivo   se   afirma   que   o   Presidente   tem  
legitimidade  directa).  
 
-­‐  Governo  
O  Presidente  é,  simultaneamente,  o  chefe  do  estado  e  o  chefe  do  governo,  daí  a  ausência  de  gabinete  como  
órgão   autónomo   e   a   existência   de   simples   secretários   de   Estado.   Assim,   as   funções   desempenhadas   pelo   rei  
e  seus  ministros  na  monarquia  representativa  inglesa  são  concentradas  no  Presidente,  falando-­‐se,  assim,  no  
monopolismo  do  executivo.    
 
-­‐  Poder  judiciário  
Como   Supremo   Tribunal   e   o   instituto   da   judicial   review,   o   poder   judiciário   adquire   grande   importância,  
funcionando  como  um  contra-­‐poder.  
 
-­‐  Controlos  
Não   existem   controlos   primários   entre   o   Presidente   e   o   Congresso   –   o   Presidente   não   tem   poderes   de  
dissolução   das   câmaras   e   estas   não   têm   a   possibilidade   de   aprovar   menções   de   censura   contra   aquele.   O  
Governo  é  “irresponsável”  e  o  Parlamento  “indissolúvel”.  
Assim,   não   existe   uma   relação   de   confiança   entre   os   poderes   como   no   parlamentarismo,   mas   sim   uma  
separação  de  poderes  entre  dois  pólos,  o  Presidente  e  o  Congresso.  Contudo,  existem  três  casos  nos  quais  a  
sua  relação  é  de  interdependência:  
1. A   figura   do   impeachment   –   é   uma   figura   mista   de   responsabilidade   político-­‐criminal,   que,   se   for  
aprovada,  leva  à  queda  do  Presidente.  Contudo,  é  uma  figura  controversa  pois  nunca  saiu  do  papel.  
2. Direito  de  veto  do  Presidente  de  actos  legislativos  do  Parlamento,  que  pode,  porém,  ser  superado  
por  uma  maioria  de  2/3  de  cada  uma  das  câmaras.  
3. O  Senado  tem  de  dar  o  seu  assentimento  à  nomeação  dos  secretários  de  estado  e  altos  funcionários  
do  executivo.  
Além   destes   esquemas   relacionais,   deve   ter-­‐se   em   conta   o  federalismo,   considerado   um   elemento   central   do  
esquema  constitucional  de  separação  de  poderes,  pois  determina  uma  separação  vertical  na  qual  cada  um  
dos  estados  dispõe  de  um  governo  eleito,  de  um  órgão  político-­‐legislativo  e  de  uma  constituição  estadual.  
Com   efeito,   na   discussão   entre   os   “federalistas”   e   os   “anti-­‐federalistas”,   aquando   da   elaboração   da  
Constituição   americana   de   1787,   a   existência   de   estados   dotados   de   poderes   autónomos   (momento   anti-­‐
federalista)  determinou  a  consagração  de  um  executivo  forte  (momento  federalista).  
 
3.4.  Directório  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

O   directório   é   uma   forma   de   governo   muito   específica   cujo   modelo   paradigmático   é   o   modelo   da   Federação  
Suíça.  Assenta  numa  lógica  de  anulação  do  poder  unipessoal,  atribuindo  as  funções  unipessoais  a  um  órgão  
colegial,  o  directório.  Os  traços  estruturais  deste  modelo  podem  sintetizar-­‐se  da  seguinte  forma:  
1. Existência   de   um   directório,   ou   seja,   de   um   executivo   colegial   eleito   pelo   parlamento   por   um  
período  de  quatro  anos.  
2. Inexistência  de  um  chefe  de  estado  autónomo,  pois  as  funções  deste  são  exercidas  pelo  directório,  
limitando-­‐se  o  chamado  “Presidente  da  Confederação”  a  presidir  às  sessões  daquele  órgão.  
3. O  Directório  é  irrevogável,  pois  não  pode  ser  demitido  através  de  votos  ou  moções  de  censura  do  
parlamento  federal.  Por  sua  vez,  o  Directório  não  pode  dissolver  o  Parlamento  (bicameral).  
 
3.5.  Regime  misto  parlamentar-­‐presidencial  
 
É   um   regime   de   base   parlamentar,   que   vai   buscar   algumas   características   do   regime   presidencial,   e   que  
encontramos  em  Portugal.  Eis  os  traços  estruturais  das  formas  de  governo  parlamentares-­‐presidenciais:  
1. Existência  de  dois  órgãos  eleitos  por  sufrágio  directo,  o  presidente  da  república  e  o  parlamento.  
2. Dupla  responsabilidade  do  governo,  perante  o  presidente  da  república  e  perante  o  governo.  
3. Dissolução  do  parlamento  por  decisão  e  iniciativa  autónomas  do  presidente  da  república.  
4. Configuração  do  gabinete  como  órgão  constitucional  autónomo.  
5. Presidente  da  república  com  poderes  de  direcção  política  próprios.  
 
A   fórmula   “semi-­‐presidencialismo”,   utilizada   frequentemente   para   designar   o   regime   misto   parlamentar-­‐
presidencial,  é,  porém,  na  sua  designação  pura,  um  modelo  francês.  Este  nasceu  com  a  Constituição  francesa  
de   1958   e   foi   teorizado   por   Maurisse   Duverger.   Contudo,   a   sua   origem   remonta   à   Constituição   de   Weimar   e  
à   proclamação   da   forma   republicana   na   Alemanha,   que   veio   consagrar   o   sufrágio   directo   do   Presidente.  
Contudo,   como   este   regime   possibilitou   a   ascensão   de   Hitler   ao   poder,   alguns   autores   mostram-­‐se  
relutantes  em  afirmar  esta  origem  do  semi-­‐presidencialismo.    
 
 
CAPÍTULO  III  –  O  CASO  PORTUGUÊS:  REGIME  MISTO  PARLAMENTAR-­PRESIDENCIAL  
 
 
As  raízes  do  sistema  
 
1.  Traços  de  memória  interna  
 
A   forma   de   governo   da   CRP   obedece   a   duas   preocupações   essenciais   da   revolução   do   25   de   Abril   nesta  
matéria,  a  de  (1)  restaurar  a  posição  preeminente  da  assembleia  representativa  e  a  dimensão  parlamentar  
da  responsabilidade  do  governo  perante  a  assembleia,  sem  todavia  reeditar  a  versão  dogmática  de  1911,  e  
(2)   restabelecer   a   eleição   directa   do   Presidente   da   República,   consagrada   na   Constituição   de   1933   e  
eliminada   na   revisão   de   1959,   sem,   porém,   lhe   atribuir   os   poderes   exorbitantes   que   lhe   eram   conferidos  
nessa  constituição.  Assim,  a  forma  de  governo  a  definir  haveria,  pois,  de  mover-­‐se  entre  esses  dois  limites:  
por   um   lado,   um   governo   politicamente   responsável   perante   a   assembleia,   sem   todavia   ficar   à   mercê   de  
fáceis  derrotas  parlamentares;  e,  por  outro,  um  Presidente  da  República  eleito  por  sufrágio  directo,  dotado  
de  poderes  próprios,  embora  sem  ser  chefe  do  executivo.  A  principal  alteração  estrutural  introduzida  pela  
CRP  foi,  pois,  tornar  o  Governo  dependente  também  da  Assembleia,  devolvendo  ao  sistema  a  componente  
parlamentar  que  tinha  sido  suprimida  em  1933.  
 
2.  Traços  de  memória  externa  
 
Estas   preocupações   iam   ao   encontro   de   ideias   e   experiências   de   outros   países   europeus,   que   se  
cristalizaram   em   duas   versões   moderadas   distintas,   (1)   o   parlamentarismo   racionalizado   segundo   o  
esquema   alemão   da   Constituição   de   Weimar   de   1919,   e   (2)   o   semipresidencialismo   da   Constituição   francesa  
de  1959.    Verifica-­‐se  a  presença  de  elementos  oriundos  do  parlamentarismo  racionalizado  no  esquema  das  
relações   entre   o   Governo   e   a   Assembleia   nomeadamente   quanto   ao   regime   de   responsabilidade   daquele  
perante   esta;   e   a   influência   do   semipresidencialismo,   consubstanciada   na   existência   de   um   Presidente   da  
República   directamente   eleito,   perante   quem   o   Governo   é   igualmente   responsável,   e   que   tem   o   poder   de  
dissolução  da  Assembleia.  
 
3.  Racionalização  da  forma  de  governo  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
Os   traços   da   memória   converteram-­‐se   em   parâmetros   de   racionalização,   que   incidiram   em   duas   áreas  
distintas   –   no   campo   da   relação   de   dependência   do   Governo   face   à   Assembleia,   e   na   criação   de   um   segundo  
pólo  autónomo  de  poder  ao  lado  do  Parlamento,  o  Presidente  da  República,  igualmente  eleito  por  sufrágio  
directo   e   por   forma   a   contrabalançar   a   dependência   parlamentar   do   Governo.   Assim,   podemos   identificar  
vários  momentos  de  racionalização  do  sistema  de  governo  parlamentar:  
1. A   reformulação   da   posição   do   Governo   face   à   Assembleia,   através   de   instrumentos   práticos   que  
reforcem   a   posição   daquele,   através   (1)   do   regime   de   formação   do   Governo,   (2)   do   seu   processo   de  
formação  e  (3)  da  disciplina  do  voto  de  desconfiança.  
2. A  autonomização  do  Presidente  da  República  como  órgão  constitucional  autónomo  de  poder,  eleito  
por  sufrágio  directo  e  com  poderes  próprios   –  (1)  poder  de  dissolução  da  Assembleia  da  República,  
(2)   direito   de   veto,   (3)   poder   de   nomeação   do   Governo   e   do   Primeiro-­‐Ministro   e   (4)   poder   de  
exoneração  do  Governo.  
 
 
Elementos  caracterizadores  
 
1.  Traços  do  regime  parlamentar  
 
1.1.  Autonomia  do  Governo  
Tal  como  no  regime  parlamentar,  e  ao  contrário  do  regime  presidencialista  puro,  em  que  os  secretários  de  
Estado  não  formam  um  corpo  autónomo  e  são  meros  executantes  das  políticas  do  Presidente  da  República,  
a  CRP  estabelece  a  existência  de  um  Governo  dirigido  por  um  Primeiro-­‐Ministro  como  órgão  de  soberania  
institucionalmente  autónomo.    
 
1.2.  Responsabilidade  ministerial  
A   responsabilidade   política   do   governo   perante   o   parlamento   é   outro   dos   elementos   caracterizadores   do  
regime   parlamentar.   No   nosso   sistema,   esta   responsabilidade   não   se   afasta   do   modelo   clássico:   (1)   ou   se  
trata   de   uma   iniciativa   da   AR   através   de   uma   moção   de   censura,   ou   (2)   se   verifica   uma   iniciativa   do   próprio  
Governo  através  de  uma  moção  de  confiança.  
 
1.3.  Referenda  ministerial  
O  Presidente  da  República  e  o  Governo  partilham  certas  tarefas,  cabendo  a  este  último,  através  do  instituto  
da   referenda,   comprometer-­‐se   politicamente   quanto  a   certos   actos.   Ao   contrário,   porém,   do   regime   puro   de  
gabinete,  o  Governo  não  possui,  entre  nós,  o  direito  de  iniciativa  de  dissolução  do  parlamento.  
 
2.  Traços  do  regime  presidencial  
 
2.1.  Instituição  de  um  Presidente  da  República  eleito  por  sufrágio  directo  
Tal   como   acontece   nos   sistemas   presidenciais,   o   PR   é   eleito   através   de   sufrágio   directo,   não   se  
estabelecendo,   pois,   uma   legitimidade   indirecta   do   PR   derivada   da   sua   eleição   pelas   câmaras  
representativas  como  acontece  nos  regimes  parlamentares  republicanos.  
 
2.2.  Direito  de  veto  político  e  legislativo  
Embora   o   PR   não   disponha   de   iniciativa   legislativa,   pode   opor-­‐se   através   do   veto   político,   como   acontece  
nos  regimes  presidenciais,  às  leis  votadas  pela  AR.    
 
2.3.  Existência  de  poderes  de  direcção  política  
O  regime  presidencial  caracteriza-­‐se  pela  existência  de  poderes  de  direcção  política  por  parte  do  presidente  
da  república.  Em  Portugal,  os  poderes  mais  relevantes  do  PR  são  os  seguintes:  
• Decisão  quanto  à  marcação  das  eleições;  
• Poder  de  dissolução  da  AR;  
• Poder  de  nomeação  do  PM;  
• Submissão  de  certas  questões  a  referendo;  
• Submissão  à  apreciação  do  TC  actos  legislativos.  
 
3.  Traços  de  racionalização  parlamentar-­‐presidencialista  
 
3.1.  Dupla  responsabilidade  do  Governo  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Este   traço   é   reminiscente   do   dualismo   monárquico   pois,   como   as   relações   entre   o   rei   e   o   parlamento   se  
estabeleciam   através   do   gabinete   que   partilhava   com   o   rei   o   poder   executivo,   este   era   duplamente  
responsável:   diante   do   parlamento   e   perante   o   chefe   do   Estado.   A   dupla   responsabilidade   caracteriza  
também  o  nosso  regime  misto  parlamentar-­‐presidencial.  
 
3.2.  Direito  de  dissolução  da  AR  
Outra  das  características  do  regime  parlamentar  dualista  reside  no  direito  de  dissolução  pertencente  ao  PR.  
Trata-­‐se   de   um   poder   na   linha   da   dissolution   royale   das   monarquias   dualistas   –   contudo,   diferentemente   do  
que   acontecia   nesta   figura,   o   poder   de   dissolução   presidencial   consagrado   na   AR     não   é   totalmente  
discricionário  e  comporta  limites  temporais  importantes.  
 
 
Interdependência  institucional  
 
1.  Presidente  da  República  e  Primeiro-­‐Ministro  
O  PR  detém  um  poder  executivo  inicial,  pois  é  a  ele  que  compete  nomear  o  PM;  e  um  poder  final,  dado  lhe  
ser  reconhecida  a  faculdade  de  demitir  o  Governo.  Isto  implica  a  existência  de  uma  responsabilidade  política  
do  Governo  e  do  PM  perante  o  PR.  Contudo,  é  o  PM,  e  não  o  PR,  o  chefe  do  Governo,  sendo  definidor  de  uma  
política   governamental   autónoma.   Por   isso   se   fala   numa   interdependência   institucional   entre   PR   e   PM   com  
autonomia  governamental.  
 
2.  Presidente  da  República  e  Assembleia  da  República  
A  interdependência  institucional  entre  o  PR  e  a  AR  manifesta-­‐se  nos  seguintes  termos:  
• A   dupla   responsabilidade   governamental   implica   que,   embora   pertença   ao   PR   escolher   o   PM,   ele  
tem  de  ter  em  conta  os  resultados  eleitorais,  o  que  indica  que  o  PM  deve  ser  escolhido  de  acordo  
com  o  partido  ou  partidos  capazes  de  obter  confiança  na  AR.  
• O   PR   dispõe   do   direito   de   veto   que,   em   relação   a   algumas   matérias,   só   pode   ser   superado   pela  
maioria  de  2/3  dos  deputados  presentes.  
• O  PR  tem  o  direito  de  dissolução  da  AR.  
 
3.  Assembleia  da  República  e  Governo  
A   interdependência   institucional   entre   os   órgãos   de   soberania   é   claramente   visível   nas   relações   entre   o  
Governo  e  a  AR:  
• O  desencadeamento  da  responsabilidade  política  do  Governo  pode  ter  como  base  (1)  uma  questão  
de  confiança,  traduzida  na  iniciativa  do  Governo  em  sujeitar  a  sua  permanência  em  funções  a  um  
voto  da  AR,  ou  (2)  uma  iniciativa  dos  deputados,  através  de  moções  de  censura.  
• Existe  colaboração  legislativa  do  Governo  e  da  AR,  não  obstante  a  manutenção  da  função  legislativa  
como   uma   função   privilegiada   do   parlamento   para   certos   assuntos   e   o   instituto   do   controlo   dos  
decretos-­‐lei.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

PARTE  II  
 
CONSTITUIÇÃO  E  NORMAÇÃO:  FONTES  DE  DIREITO  
 
CAPÍTULO  I  –  CONSTITUIÇÃO  E  FONTES  DE  DIREITO:  INTRODUÇÃO  
 
 
A  constituição  como  norma  primária  sobre  a  produção  jurídica  
 
A  Constituição,  enquanto  norma  primária  sobre  a  produção  jurídica,  tem  três  importantes  funções,  a  de  (1)  
identificar   as   fontes   de   direito,   (2)   estabelecer   os   critérios   de   validade   e   eficácia,   e   (3)   determinar   as  
competências  das  entidades.  
 
1.  Identificação  das  fontes  
 
Esta  função  encontra  refracção  em  vários  momentos  da  CRP:  
• Art  8.º  –  direito  internacional  e  direito  comunitário;  
• Art.  56.º  –  convenções  colectivas  de  trabalho;  
• Art.  112.º  –  actos  normativos;  
• Arts.  161.º,  164.º  e  165.º  -­‐  leis  da  AR;  
• Art.  198.º  –  decretos-­‐leis  do  Governo;  
• Art.  226.º  –  estatutos  das  regiões  autónomas;  
• Art.  227.º  –  actos  normativos  das  regiões  autónomas;  
• Art.  241.º  –  regulamentos  das  autarquias  locais.  
 
2.  Determinação  dos  critérios  de  validade,  eficácia  e  hierarquia  
 
A  CRP  responde  também  aos  problemas  distintos  da  validade,  eficácia  e  hierarquia  das  normas  produzidas  
pelas  fontes  de  direito:  
• Igual  valor  entre  leis  e  decretos-­‐leis;  
• Valor  reforçado  de  certas  leis;  
• Relações  entre  o  direito  geral  da  República  e  o  direito  autonómico;  
• Relações  entre  actos  normativos  legislativos  e  actos  normativos  da  administração;  
• Forma  e  valor  das  directivas  comunitárias  transpostas  para  a  ordem  jurídica  interna.  
 
3.  Individualização  das  competências  normativas  
 
Esta  função  está  associada  ao  importante  princípio  da  tipicidade  das  competências  normativas.    
 
 
Do  monismo  ao  pluralismo  de  ordenamentos  
 
1.  A  inadequação  relativa  da  representação  piramidal  
   
Em   geral,   defendia-­‐se   e   ensinava-­‐se   que   a   Constituição   representava   o   vértice   de   um   sistema   de   normas  
que,   na   sua   globalidade,   formava   a   ordem   jurídica.   Num   estrato   imediatamente   inferior   situar-­‐se-­‐iam   as  
convenções   internacionais   e,   na   base   da   pirâmide,   a   lei.   Ora,   este   modelo   não   tem   hoje   virtualidades  
suficientes   para   captar   o   relevo   jurídico   do   direito   internacional   e   do   direito   comunitário,   devido   à  
existência  de  um  pluralismo  de  ordenamentos  superiores  –  o  ordenamento  constitucional,  internacional  e  
comunitário.   Contudo,   esta   inadequação   é   relativa   porque,   apesar   de   não   reflectir   toda   a   realidade,   não   está  
completamente  desadequada  –  tome-­‐se  o  exemplo  da  superioridade  da  lei  em  relação  ao  regulamento.  
 
Assim,  propõe-­‐se  a  alternativa  de  uma  representação  de  uma  rede  inter-­‐normativa,  determinada  por  uma  
pluralidade  de  ordenamentos  superiores.  
 
-­‐  Relações  entre  normas  de  direito  interno  e  de  direito  internacional  
• As   normas   de   direito   internacional   têm   valor   infraconstitucional   e   supralegal.   Contudo,   este  
esquema   deverá   ser,   hoje,   temperado   pela   radicação   de   um   jus   cogens   internacional   cuja  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

observância   se   impõe   como   dever   imperativo   dos   Estados,   adquirindo,   por   isso,   um   valor  
supraconstitucional  e  impondo-­‐se  ao  poder  constituinte  originário.    
• O   valor   do   direito   comunitário   perante   o   direito   interno   continua   um   problema   em   aberto.  
Contudo,  o  princípio  de  integração  e  o  princípio  da  capacidade  funcional  da  Comunidade  apontam  
para  a  preferência  da  aplicação  do  direito  europeu  em  relação  ao  direito  interno,  aplicação  esta  que  
tem   limites   relacionados   com   o   respeito   do   núcleo   constitucional   dos   princípios   do   Estado   de  
direito.  
 
2.  Princípios  da  articulação  entre  fontes  de  direito  
 
-­‐  Princípio  da  hierarquia  
O   princípio   da   hierarquia   articula-­‐se   com   a   ideia   de   que   os   actos   normativos   não   têm   todos   a   mesma  
hierarquia,  situando-­‐se  num  plano  de  verticalidade,  à  semelhança  de  uma  pirâmide  jurídica.  Este  princípio  
desdobra-­‐se  em  vários  subprincípios:  
• Princípio  da  superioridade  dos  actos  legislativos  relativamente  aos  actos  regulamentares;  
• Princípio  da  tendencial  paridade  entre  as  leis  e  os  decretos-­‐leis;  
• Princípio   da   prevalência   dos   princípios   fundamentais   das   leis   gerais   da   República   sobre   os   actos  
legislativos  regionais;  
• Princípio  da  superioridade  das  leis  de  autorização  e  das  leis  de  base;  
• Princípio  da  aplicação  preferente  das  normas  europeias  em  relação  às  normas  internas;  
• Princípio  da  inderrogabilidade  de  norma  de  grau  superior  por  norma  hierarquicamente  inferior.  
A   norma   hierárquica   superior   reúne,   geralmente,   duas   modalidades   de   preferência,   a   (1)   preferência   de  
validade,   tornando   nulas   as   normas   anteriores   contrárias   e   servindo   de   limite   jurídico   às   normas  
posteriores   também   em   contradição   com   elas,   e   (2)   preferência   de   aplicação,   porque   mesmo   não  
aniquilando  a  validade  da  norma  contrária,  ela  deverá  ser  aplicada  preferentemente  nos  casos  concretos.  
 
-­‐  Princípio  da  competência  
O   princípio   da   competência   assenta   numa   divisão   de   competências,   por   vezes   espacial,   pressupondo   uma  
limitação   positiva,   incluindo-­‐se   na   competência   de   certas   entidades   a   regulamentação   de   certas   matérias.  
Também   é   este   princípio   que   justifica   a   regulamentação   de   certas   matérias   por   determinados   órgãos,  
formando-­‐se,  assim,  blocos  de  competências  reservadas  de  determinadas  matérias.  
 
-­‐  Princípio  básico  sobre  a  produção  jurídica  
O   princípio   básico   sobre   a   produção   jurídica   está   expressamente   consagrado   na   CRP,   art.   112.º/5,   e   pode  
formular-­‐se   da   seguinte   forma:   (1)   nenhuma   fonte   pode   atribuir   a   outra   um   valor   de   que   ela   própria   não  
dispõe,  (2)  nenhuma  fonte  pode  atribuir  a  outra  um  valor  inferior  ao  seu,  (3)  nenhuma  fonte  pode  dispor  do  
seu   valor   jurídico,   acrescentando-­‐o   ou   diminuindo-­‐o,   e   (4)   nenhuma   fonte   pode   transferir   para   actos   de  
outra  natureza  o  seu  próprio  valor  jurídico.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
CAPÍTULO  II  –  CATEGORIAS  DE  LEIS  PREVISTAS  NA  CRP  
 
 
1.  Leis  constitucionais  ou  leis  de  revisão  constitucional    
 
A   CRP   faz   expressa   alusão   a   leis   constitucionais,   prescrevendo   esta   forma   para   as   alterações   à   Constituição.  
Assim,   o   sentido   de   leis   constitucionais   deve   ser   interpretado  em  sentido  restrito,  como  leis  de  revisão.   A  
reserva  de  lei  constitucional  pertence  ao  poder  constituinte  ou  poder  de  revisão.    
 
 
2.  Leis  orgânicas  
 
2.1.  Sentido  jurídico  e  político-­‐constitucional  
 
A  categoria  de  leis  orgânicas  foi  inserida  na  CRP  com  a  1ª  Revisão,  e  o  seu  sentido  jurídico  deduz-­‐se  a  partir  
dos   arts.   112.º/3   e   166.º/2,   o   primeiro   a   dotar   estas   leis   de   valor   reforçado   e   o   segundo   a   fazer   revestir  
forma   de   lei   orgânica   alguns   dos   actos   de   reserva   absoluta   da   AR   e   a   lei   criadora   de   uma   região  
administrativa.  Contudo,  não  é  claro  o  sentido  jurídico  e  político-­‐constitucional  desta  nova  figura.    
 
A  CRP  reservou  para  as  leis  orgânicas  as  seguintes  matérias:  
• Regime  eleitoral  dos  órgãos  de  soberania;  
• Regime  dos  referendos;  
• Organização  do  Tribunal  Constitucional;  
• Disciplina  de  situações  de  necessidade  constitucional;  
• Aquisição,  perda  e  reaquisição  da  cidadania  portuguesa;  
• Disciplina  das  associações  e  partidos  políticos;  
• Regime  das  eleições  dos  deputados  às  assembleias  legislativas  regionais;  
• Regime  do  sistema  de  informações  da  República  e  do  segredo  de  Estado;  
• Regime  de  finanças  das  regiões  autónomas;  
• Criação  das  regiões  administrativas.  
 
Assim,   podemos   deduzir   o   sentido   político-­‐constitucional   das   leis   orgânicas   a   partir   desta   reserva   de  
competências,  atribuindo  a  esta  categoria  de  leis  as  seguintes  funções:  
• Subtrair  as  regras  eleitorais  às  maiorias  parlamentares,  protegendo,  simultaneamente,  o  direito  das  
minorias;  
• Exigir  um  consenso  alargado  para  a  disciplina  do  direito  processual;  
• Impor   uma   maioria   qualificada   na   definição   e   organização   da   defesa   nacional   e   disciplina   das  
Forças  Armadas;  
• Proteger  a  constituição  e  os  direitos  fundamentais  nos  casos  do  estado  de  sítio  e  de  emergência;  
• Controlar  o  regime  do  sistema  de  informações  da  República  e  do  segredo  de  Estado;  
• Assegurar  o  estatuto  constitucional  dos  partidos  e  associações  políticas;  
• Dar  transparência  e  reforçar  a  legalidade  orçamental  do  regime  de  finanças  regionais  e  locais;  
• Garantir  apoio  parlamentar  qualificado  à  criação  de  regiões  administrativas.  
 
2.1.  Características  jurídico-­‐constitucionais  
 
São  vários  os  traços  jurídico-­‐constitucionais  caracterizadores  das  leis  orgânicas:  
1. São  leis  ordinárias  da  AR:  
2. São  leis  dotadas  de  valor  reforçado;  
3. Estão   vinculadas   ao   princípio   da   tipicidade,   pois   só   são   leis   orgânicas   aquelas   que   a   Constituição  
considera  como  tais;  
4. Observa-­‐se   também   o   princípio   de   exclusividade   ratione   materiae,   consequentemente   serão  
inconstitucionais   leis   orgânicas   de   autorização,   de   bases   ou   limitadas   ao   regime   geral   de   certas  
matérias.   Também   se   verificam   os   princípios   da   competência   e   da   reserva   total   ou   absoluta   (com   a  
excepção  do  art.  164.º/d,  lei  orgânica  sobre  as  bases  gerais).    
Para  além  destes  traços,  as  leis  orgânicas  apresentam  dimensões  orgânico-­‐procedimentais  específicas:  
1. A  votação  em  especialidade  das  leis  orgânicas  é  feita,  na  maior  parte  dos  casos,  no  Plenário  e  não  
em  comissões  (não  existe  coincidência  perfeita  entre  as  matérias  do  art.  168.º/4  e  166.º/2);  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

2. Exigência   de   maioria   absoluta   dos   deputados   em   efectividade   de   funções   para   a   sua   aprovação  
(168.º/5);  
3. Exigência   de   uma   maioria   de   dois   terços   dos   deputados   em   efectividade   de   funções   para   superação  
do  veto  político,  uma  maioria  mais  exigente  do  que  sucede  nas  outras  leis  (136.º/3);  
4. Regime  de  fiscalização  preventiva  específico,  visto  que  a  legitimidade  para  requerer  a  fiscalização  
destas   leis   é   maior,   sendo   alargada,   para   além   do   PR,   ao   PM   e   a   1/5   dos   deputados   em   efectividade  
de  funções  (278.º/4).  
Assim,   o   valor   reforçado   destas   leis   resulta   de   uma   especificidade   procedimental,   que   revela   a   grande  
importância  atribuída  a  estas  leis  pelo  legislador  constituinte.  
 
 
3.  Leis  de  bases  
 
3.1.  História  e  noção  
 
As  leis  de  base  são  leis  que,  não  disciplinando  toda  a  matéria  jurídica  de  uma  dada  questão,  estabelecem  as  
bases  da  mesma,  deixando  a  cargo  do  executivo  o  desenvolvimento  dessas  bases  através  de  um  decreto  de  
desenvolvimento.  
 
Têm   origem   nas   lois   cadre   francesas,   permitindo   ao   parlamento   manter-­‐se   soberano   ao   traçar   a   moldura  
dentro  da  qual  se  deve  exercitar  a  actividade  do  governo,  e  indiciavam  já  o  propósito  impulsionador  das  leis  
de  plano  da  época  mais  recente.  
 
3.2.  Leis  de  base  na  Constituição  de  1976  
 
A   categoria   de   leis   de   base   foi   consagrada   na   CRP,   nomeadamente   no   art.   112.º/3,   no   qual   se   alude   a  
decretos-­‐leis  que  desenvolvem  “as  bases  gerais  dos  regimes  jurídicos”.    
 
O   sentido   da   reserva   das   bases   gerais   dos   regimes   jurídicos   deverá   ser,   não   o   de   uma   autolimitação   ou  
heterolimitação   da   AR,   mas   sim   o   de,   em   certos   assuntos   que   carecem   de   desenvolvimento,   limitar   a  
competência  legislativa  do  Governo  ao  desenvolvimento  de  um  parâmetro  normativo  fixado  por  lei  da  AR.  
Assim,   com   o   princípio   da   reserva   legislativa   de   bases   gerais   desejou-­‐se,   por   um   lado,   assegurar   a  
intervenção   legislativa   primária   da   AR   e,   por   outro,   permitir   ao   Governo,   mesmo   sem   autorização  
legislativa,   legislar   sobre   a   mesma   matéria.   Sob   um   ponto   de   vista   material,   as   leis   de   bases   constituem  
directivas  e  limites  dos  decretos-­‐lei  de  desenvolvimento.  
 
3.3.  Sentido  da  primariedade  material  das  leis  de  bases  relativamente  aos  decretos-­‐leis  de  desenvolvimento  
 
Embora  as  leis  e  os  decretos-­‐leis  sejam  actos  legislativos  de  igual  dignidade  hierárquica,  as  leis  adquirem,  na  
forma  de  leis  de  bases,  uma  primariedade  material  e  hierárquica,  com  a  correspondente  subordinação  dos  
decretos-­‐leis  de  desenvolvimento.  Surgem,  deste  modo,  dois  problemas,  o  de  (1)  saber  se  as  leis  de  bases  
constituem   sempre   um   parâmetro   material   superior   vinculativo   para   os   decretos-­‐leis,   ou   se   a  
parametrecidade  das  leis  de  base  se  impõe  apenas  nos  casos  de  reserva  de  competência  legislativa,  e  o  de  
(2)  qualificar  o  vício  resultante  da  desconformidade  dos  decretos-­‐leis  de  desenvolvimento  com  o  parâmetro  
superior  das  leis  de  base.  
 
Relativamente  ao  primeiro  problema,  são  duas  as  teses  defendidas:  
• Limitação   do   valor   paramétrico   e   superioridade   hierárquica   das   leis   de   bases   às   matérias   de  
reserva   absoluta   ou   relativa   da   AR,   uma   tese   sustentada   por   (1)   o   princípio   da   tipicidade   das  
competências  constitucionais  e  (2)  a  proibição  da  alteração  das  competências  constitucionais.  
• Superioridade   geral   das   leis   de   bases   perante   os   decretos-­‐leis,   cujos   argumentos   se   apoiam   na  
redacção   do   art.   112.º/2,   que   não   estabelece   qualquer   distinção   entre   leis   de   bases   em   matérias  
abertas  à  intervenção  legislativa  do  Governo  e  leis  de  bases  reservadas  à  AR;  e  entre  leis  de  bases  
tipificadamente  indicadas  na  Constituição  e  leis  de  base  fora  dela.    
Ora,   se   se   admitisse   a   primeira   teste,   tal   significaria   esvaziar   de   sentido   próprio   o   princípio   da  
superioridade   das   leis   de   bases,   pois   esta   resultaria   antes   do   princípio   da   reserva   de   competência,   não  
sendo,   pois,   necessário   acrescentar   um   princípio   de   hierarquia.   É   esta   parametrecidade   material   que  
confere  às  leis  orgânicas  o  valor  reforçado.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Relativamente  ao  problema  da  qualificação  do  vício,  impõe-­‐se  um  maior  controlo  nos  casos  de  decretos-­‐leis  
que  versem  matérias  da  competência  reservada  da  AR.  Se  o  Governo  invadir  o  domínio  de  competência  da  
AR,   legislando   sobre   as   matérias   reservadas,   o   diploma   legislativo   sofrerá   de   vício   de   incompetência,   dando  
origem   à   inconstitucionalidade   orgânica   e   forma.   Isto   acresce   à   ilegalidade,   decorrente   da   desconformidade  
dos  decretos-­‐leis  de  desenvolvimento  com  o  parâmetro  material  fixado  na  lei  de  bases.    
 
 
4.  Leis  de  autorização  
 
4.1.  Noção  
 
As   leis   de   autorização   são   leis   mediante   as   quais   o   órgão   legislativo   autoriza   o   órgão   executivo   a   emanar  
actos   normativos   com   força   de   lei.   Estas   leis   começaram   por   ser   leis   formais   sobre   a   produção   jurídica,  
contudo,  encontra-­‐se  ultrapassada  a  velha  doutrina  germânica  segundo  a  qual  estas  leis  têm  uma  natureza  
meramente  formal,  visto  considerar-­‐se  que  estas  leis  não  têm  uma  natureza  diversa  das  outras,  possuindo  
antes  um  carácter  normativo-­‐material.  
 
A  querela  mais  importante  suscitada  pelas  leis  de  autorização  reside  na  questão  de  se  saber  qual  a  natureza  
jurídica   da   autorização.   A   doutrina   menos   recente   considerava   a   delegação   legislativa   como   transferência  
temporária   do   poder   legislativo   e,   em   face   de   objecções   colocadas   a   esta   teoria,   tentou-­‐se   caracterizar   a  
delegação   como   uma   condição   de   substituição   no   exercício   de     determinado   poder.   No   entanto,   a   teoria   que  
mais   se   coaduna   com   a   nossa   arquitectura   constitucional   é   a   teoria   da   autorização.   No   direito   civil,   a  
autorização   é   a   manifestação   de   vontade   pelo   qual   uma   pessoa   permite   a   outra   a   realização,   em   nome  
próprio,  de  um  acto  material  ou  de  um  negócio,  que,  sem  a  referida  autorização,  seria  ilícito  por  significar  
uma   invasão   na   esfera   jurídica   alheia.   Também   na   delegação   legislativa   encontramos   notas   distintas   da  
autorização,  pois  esta  delegação  é  uma  delegação  de  matérias.  
 
4.2.  Objecto  
 
As  concessão  de  leis  de  autorização  integra-­‐se  na  competência  legislativa  da  AR,  e,  como  tal,  estas  leis  só  são  
possíveis  ao  abrigo  do  art.  165.º.  Assim,  também  as  autorizações  legislativas  devem,  em  princípio,  coincidir  
com  o  objecto  próprio  da  função  legislativa  do  Parlamente,  estando  dele  excluídas:  
• Funções  de  fiscalização  ou  controlo  (art.  162.º  e  163.º);  
• Matérias  de  competência  política  (art.  161.º);  
• Matérias  não  reservadas;  
• Leis  de  medida.  
 
4.3.  Destinatário  
 
O   destinatário   das   autorizações   legislativas   é   (1)   o   Governo.   Neste   sentido,   será   inconstitucional   qualquer  
autorização   legislativa   a   favor   do   Primeiro-­‐Ministro,   do   Conselho   de   Ministros   ou   de   qualquer   ministro  
considerado  isoladamente.  
 
Os  destinatários  das  autorizações  legislativas  podem  ser  ainda  as  (2)  assembleias  legislativas  regionais,  em  
matérias   de   interesse   específico   para   as   regiões   que   não   estejam   reservadas   à   competência   própria   dos  
órgãos  de  soberania.  
 
São   constitucionalmente   ilegítimas   subdelegações   legislativas,   visto   estas   violarem   o   princípio   fundamental  
da  indelegabilidade  de  poderes  delegados.  
 
4.4.  Limites  das  autorizações  legislativas  
 
-­‐  Limites  materiais  
Os  limites  materiais  impostos  às  leis  de  autorização  são  os  seguintes:  
• Exigência  de  definição  do  objecto,  pois  estas  leis   devem  indicar  as  matérias  que  irão  ser  objecto  de  
decretos-­‐leis  autorizados  (princípio  da  especialidade  das  autorizações  legislativas);  
• Exigência   de   definição   do   sentido,   ou   seja,   dos   princípios   orientadores   do   Governo   na   emanação   de  
decretos-­‐leis  autorizados;  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

• Proibição  de  incidência  sobre  matérias  necessariamente  reguladas  por  lei  formal,  ou  seja,  matérias  
enquadradas  na  reserva  de  lei  de  Assembleia  (arts.  161.º  e  164.º).  
 
-­‐  Limites  temporais  
A   extensão   e   duração   da   autorização   legislativa   deve   estar   determinada   na   lei   de   autorização.   Contudo,   é  
questionável  se  os  limites  temporais  indicados  na  lei  de  autorização  implicam  (1)  a  publicação  do  decreto-­‐
lei   no   Diário   da   República,   ou   se   basta   (2)   a   promulgação   pelo   PR   ou   até   a   simples   (3)   aprovação   pelo  
Conselho  de  Ministros.    
• A   tese   que   tem   sido   defendida   tem   sido   a   da   não   exigência   de   publicação   dentro   dos   limites  
temporais,  pois  a  publicação  é  um  acto  sucessivo  estranho  ao  exercício  da  autorização  legislativa,  
além  de  a  publicação  ser  hoje  uma  mera  condição  da  eficácia  da  lei  e  não  um  requisito  de  existência.    
• O   Tribunal   Constitucional   tem   vindo,   pois,   a   considerar   que,   para   que   “se   considere   respeitado   o  
prazo   de   autorização   legislativa   basta   que   ocorra   dentro   desse   prazo   a   aprovação   pelo   Conselho   de  
Ministros”.    
• Gomes   Canotilho   invoca,   a   favor   da   publicação   no   DR,   que   sem   ela   não   é   susceptível   de   controlo  
público   a   data   do   diploma,   permitindo   fraudes   de   antedatar   diplomas.   Assim   defende   que   se  
deveria  ter  em  conta,  pelo  menos,  o  momento  de  recepção  pelo  PR  para  efeitos  de  promulgação.  
 
São   inadmissíveis,   porém,   os   decretos-­‐leis   anteriores   à   publicação   da   lei   de   autorização   ou   posteriores   à  
cessação   da   sua   vigência.   No   (1)   primeiro   caso,   são   inconstitucionais   porque   não   podem   reclamar-­‐se   de  
uma  lei  de  autorização  com  eficácia  externa,  e  no  (2)  segundo  caso,  existe  claramente  falta  de  autorização,  
sendo  este  vício  insusceptível  de  sanação,  inclusive  por  lei  posterior.  
 
4.5.  Cessação  da  autorização  
 
A  lei  de  autorização  esgota  a  sua  relevância  jurídica  por:  
• Decurso  dos  limites  temporais;  
• Utilização  pelo  Governo  (165.º/3);  
• Revogação  pela  AR;  
• Caducidade  (165.º/4).  
 
Relativamente   à   autorização,   vigora   o   princípio   da   irrepetibilidade   –   o   Governo   não   pode   utilizar   a  
autorização   legislativa   mais   do   que   uma   vez,   estando-­‐lhe   igualmente   vedada   a   revogação,   alteração   ou  
substituição.  Contudo,  este  princípio  não  impede  (1)  que  o  Governo  edite  outro  decreto-­‐lei  de  autorização  
se   o   primeiro   não   tiver   chegado   a   entrar   em   vigor   (por   motivo   de   veto,   por   exempo),   e   (2)   a   autorização  
parcelar  da  autorização.  
 
Relativamente   à   revogação   da   autorização,   considera-­‐se   que   o   órgão   parlamentar   pode   revogar   a  
autorização   legislativa,   porém   esta   revogação   deverá   ser   expressa   e   mediante   um   acto   igual   ao   da  
autorização   (lei).   Assim,   se   a   AR   editar   leis   durante   o   período   de   autorização,   regulando   directamente   as  
matérias  objecto  de  autorização,  fica  o  Governo  impedido  de  fazer  uso  da  autorização.  
 
Finalmente,  a  caducidade  da  autorização  deriva  da  verificação  de  qualquer  dos  eventos  enunciados  no  art.  
165.º/4,  o  que  se  justifica  por  estas  leis  de  autorização  se  basearem  numa  relação  de  confiança  entre  a  AR  e  
o  Governo.  
 
4.6.  Relações  entre  as  leis  de  autorização  e  os  decretos-­‐leis  autorizados  
 
O   carácter   subordinado   dos   decretos-­‐leis   autorizados   às   leis   de   autorização   é   hoje   constitucionalmente  
indiscutível,  estando  consagrado  no  art.  112.º/2.  Para  além  desta  subordinação  hierárquica  e  paramétrica,  
os   decretos-­‐leis   autorizados   são   ainda   condicionados   noutro   sentido   –   estão   subtraídos   à   disposição   do  
poder  legislativo  do  Governo,  que  não  os  pode  alterar  ou  revogar  sem  uma  nova  autorização  legislativa.  
 
-­‐  Excesso  de  autorização  
O  excesso  de  autorização  ocorre  pela  não  observância  dos  limites  materiais  da  lei  de  autorização.  Levanta-­‐
se   aqui   a   questão   de   saber   se   o   excesso   de   autorização   origina   a   ilegalidade   ou   inconstitucionalidade   do  
diploma   do   Governo   –   embora   Gomes   Canotilho   defenda   a   primeira,   alguma   jurisprudência   recente   tem  
apontado  para  o  segundo.    
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

-­‐  Defeito  de  autorização  


O  defeito  de  autorização  pode  ocorrer  por:  
• Termo  do  prazo;  
• Falta  de  autorização;  
• Falta  de  menção  expressa  da  respectiva  lei  de  autorização.  
O   defeito   de   autorização   origina   o   vício   da   inconstitucionalidade,   visto   de   tratarem   de   situações   nas   quais   o  
Governo  extravasa  as  suas  competências.  
 
 
  LEIS  DE  BASE   LEIS  DE  AUTORIZAÇÃO  
1.  Não  esgotam  a  regulamentação  legislativa  da  matéria.  
 
2.  Exigem  uma  intervenção  legislativa  posterior  do  Governo.  
Semelhanças  
 
3.  Delimitam  e  condicionam  a  área  de  intervenção  legislativa  do  Governo  e  
a  sua  liberdade  de  conformação.  
1.   Alteram   a   ordem   jurídica,   1.   Intervêm   atenuadamente   no  
estabelecendo   as   bases   de   ordenamento   jurídico,   limitando-­‐se   a  
determinado  regime  jurídico.   autorizar  a  intervenção  do  Governo.  
   
2.  Não  existe  limite  temporal  para   2.   Caducam   se   não   forem   utilizadas  
a  legislação  do  Governo.   ou  esgotam-­‐se  nessa  utilização.  
   
Diferenças   3.   O   Governo   pode   modificar   3.   O   Governo   só   pode   legislar   uma  
livremente   o   desenvolvimento   vez,   sendo-­‐lhe   proibidas  
legislativo  que  deu  à  lei.   modificações,  salvo  nova  autorização.  
   
4.   Podem   surgir   em   qualquer   4.   Só   podem   surgir   em   matérias  
domínio,   salvo   matérias   cuja   pertencentes   ao   domínio  
competência   é   reservada   à   AR   em   relativamente  reservado  à  AR.  
toda  a  sua  extensão.  
 
 
5.  Leis  estatutárias  
 
As  leis  estatutárias  são  leis  da  AR  que  aprovam  estatutos  das  Regiões  Autónomas,  constituindo  a  dimensão  
normativa   de   um   processo   dinâmico   ancorado   num   princípio   aberto   –   o   princípio   da   autonomia   regional.  
Não   são   leis   meramente   formais   de   aprovação,   pois   a   AR   pode   rejeitar   o   projecto   e   introduzir-­‐lhe   emendas,  
exercendo   assim   uma   actividade   substancialmente   legislativa.   Embora   os   estatutos   não   tenham   valor  
constitucional,   eles   devem   considerar-­‐se   como   leis   reforçadas   com   valor   paramétrico   em   relação   aos  
diplomas  legislativos  regionais  e  às  restantes  leis  da  República.  
A   função   estatutária   tem   um   grande   importância   político-­‐constitucional,   pois   é   aos   estatutos   que   vai  
competir   (1)   a   definição   dos   esquemas   organizatórios   fundamentais   das   regiões   autónomas   e   (2)   a  
regulação  jurídica  do  exercício  dos  poderes  regionais.    
 
5.1.  Procedimento  estatutário  
 
O  procedimento  estatutário  apresenta  algumas  especificidades,  e  pode  dividir-­‐se  em  dois  momentos:  
1. Momento   impulsivo   –   o   impulso   normativo   dos   estatutos   pertence   às   assembleias   legislativas  
regionais,  como  dispõe  o  art.  226.º/1.  
2. Momento  deliberativo  –  o  momento  deliberativo  cabe  à  AR,  pois  pertence  a  este  órgão  de  soberania  
discutir   e   aprovar   os   projectos   de   estatutos   elaborados   pelas   assembleias   legislativas   regionais  
(226.º/2  e  3).  
 
Relativamente   ao   problema   dos   limites   ao   poder   estatutário   da   AR,   surgem   duas   correntes   teóricas,   a   da   (1)  
liberdade   de   conformação   dos   estatutos   por   parte   da   AR,   e   a   do   (2)   poder   estatutário   autonómico   das  
assembleias  legislativas  regionais.  A  última  posição  tem,  desde  logo,  contra  si  a  letra  da  Constituição,  pois  
cabe   à   AR   discutir   e   aprovar   o   projecto,   por   isso   não   se   pode   falar   numa   autonomia   estatutária   das   Regiões  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Autónomas.   Quanto   à   primeira   tese,   a   AR   não   pode   ter     uma   completa   liberdade   de   conformação,   por  
respeito  ao  princípio  da  autonomia  regional.  
 
5.2.  Reserva  de  estatuto  
 
Os  arts.  227.º  e  228.º  da  Constituição  contêm  um  extenso  leque  de  competências  cuja  definição  pertence  aos  
estatutos   das   regiões   autónomas,   Estas   matérias   aproximam-­‐nos,   de   forma   tendencial,   daquilo   a   que  
podemos  chamar  reserva  de  estatuto  regional,  que  aponta  para  duas  dimensões:  
1. Certas  matérias  devem  ser  exclusivamente  disciplinadas  por  lei  estatutária;  
2. Estas  matérias  não  podem  deixar  de  estar  reguladas  no  estatuto  sob  pena  de  se  verificar  aquilo  que  
a  doutrina  designa  por  “défice  de  estatuto”.  
 
 
6.  Leis  reforçadas  
 
As   leis   reforçadas,   ou   leis   com   valor   reforçado,   são   uma   categoria   com   carácter   heterogéneo,   estando,   no  
entanto,  individualizadas  no  art.  112.º/3.  Neste  preceito,  faz-­‐se  alusão  a  4  categorias  de  leis  reforçadas:  
1. Leis  orgânicas;  
2. Leis  que  carecem  de  aprovação  por  maioria  de  dois  terços;  
3. Leis  que  sejam  pressuposto  normativo  necessário  de  outras  leis;  
4. Leis  que  por  outras  devam  ser  respeitadas.  
 
Mediante   a   leitura   deste   artigo,   pode-­‐se   concluir   que   o   legislador   constituinte   articulou   critérios   de  
identificação  bastante  heterogéneos:  
1. Critério  da  forma  e  do  procedimento;  
2. Critério  da  maioria  reforçada  para  a  sua  aprovação;  
3. Critério  da  parametrecidade  específica;  
4. Critério  da  parametrecidade  geral.  
 
6.1.  Critério  da  parametrecidade  aferido  por  um  processo  judicial  de  fiscalização  
 
Este   critério   é   um   critério   extensivo   a   todas   as   leis   reforçadas,   visto   que   todas   beneficiam   de   uma  
fiscalização   judicial   tendente   a   assegurar   o   valor   paramétrico   ou   competencial   das   leis   reforçadas   e  
possibilitar  a  desaplicação  ou  eliminação  de  outras  leis  em  desconformidade  com  elas.  
Contudo,   este   critério   só   demonstra   que   as   leis   reforçadas   podem   gerar   relações   de   desvalor   jurídico-­‐
constitucional,  não  nos  permitindo  determinar  a  individualização  dessas  leis.  
 
6.2.  Critério  da  parametrecidade  específica  
 
Uma   lei   é   reforçada   relativamente   a   outra   quando   apresenta   um   conteúdo   de   natureza   paramétrica   que  
deve   servir   de   pressuposto   material   à   disciplina   normativa   estabelecida   por   esse   outro   acto   legislativo.  
Assim:  
1. As  leis  de  base  em  relação  aos  decretos-­‐leis  de  desenvolvimento;  
2. As  leis  de  autorização  em  relação  aos  decretos-­‐leis  ou  decretos  legislativos  regionais  autorizados;    
3. A   lei   de   enquadramento   do   orçamento   em   relação   à   lei   anual   dos   orçamentos   do   Estado   e   das  
Regiões  Autónomas.  
Do   valor   paramétrico   das   leis   reforçadas   conclui-­‐se   o   seu   carácter   derrogatório,   ou   seja,   uma   lei   é   reforçada  
relativamente  a  outra  quando  pode  derrogar  esta  sem  por  ela  ser  susceptível  de  ser  revogada.    
 
6.3.  Critério  da  forma  e  especificidade  procedimentais  
 
Este  critério  traduz  a  ideia  de  que  uma  lei  tem  valor  reforçado  porque  possui  uma  forma  e  procedimentos  
especiais  constitucionalmente  estabelecidos.  É  o  caso  de:  
1. As  leis  orgânicas,  que  são  leis  de  reserva  absoluta  num  duplo  sentido  –  constituem  reserva  absoluta  
de  lei  formal  da  AR  e  devem  regular  toda  a  disciplina  ou  matéria  sobre  que  incidem.    
 
6.4.  Critério  da  maioria  reforçada  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Algumas   leis   são   reforçadas   porque   a   maioria   requerida   para   a   sua   aprovação   é,   também   ela,   reforçada  
(dois   terços).   Em   certo   sentido,   são   também   leis   reforçadas   pelo   procedimento,   pois   a   maioria   é   uma  
dimensão  procedimental.  É  o  caso  de  algumas  leis  individualizadas  no  art.  168.º/6.  
 
6.5.  Critério  da  parametrecidade  geral  
 
Na  parte  final  do  art.  112.º/3  são  consideradas  reforçadas  as  leis  que  devem   ser  respeitadas  por  outras  leis.  
Este   é   o   critério   mais   vago   de   todos   e,   possivelmente,   foi   consagrado   como   um   critério   residual   para  
salientar  a  exigência  de  conformidade  ou  de  compatibilidade  apontada  por  outras  leis  relativamente  a  um  
conjunto  indeterminado  de  outros  actos  legislativos.  
 
 
7.  Leis  de  enquadramento  
 
A  última  categoria  de  leis  em  análise  é  a  das  leis  de  enquadramento  ou  leis  quadro,  com  preferência  para  a  
primeira  designação,  pois  ser  a  utilizada  para  a  mais  conhecida  lei  nesta  categoria   –  a  lei  de  enquadramento  
do  orçamento.    
 
As   leis   de   enquadramento   não   se   confundem   com   as   leis   de   bases,   pois   fixam   mais   ou   menos  
pormenorizadamente  um  regime  jurídico  estruturante  –  os  seus  princípios,  regras  e  procedimentos  –    que  
deverá  ser  respeitado  por  actos  legislativos  concretizadores  desse  regime.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
CAPÍTULO  III    -­  O  DECRETO-­LEI  
 
 
1.  A  memória  constitucional  
 
1.1  Constitucionalismo  monárquico  
 
Nenhuma   das   constituições   políticas   que   vigoraram   durante   o   período   do   constitucionalismo   monárquico  
admitiu  a  emanação,  pelo  executivo,  de  actos  normativos  com  forma  de  lei.  Contudo,  nas  frequentes  crises  
do   parlamentarismo   monárquico,   o   Governo   legislava   através   de   decretos   ditatoriais,   uma   prática   contra  
constitutio  scripta.  
 
1.1.  Constitucionalismo  republicano  
 
• Constituição   de   1911   –   consagrou   a   possibilidade   de   criação   legislativa   do   Governo,   desde   que  
obtivesse   autorização   do   legislativo,   podendo   ser   invocada   a   inconstitucionalidade   formal   ou  
orgânica  dos  diplomas  legislativos  emanados  do  Executivo  sem  autorização  do  Poder  Legislativo.  
• Constituição   de   1933   –   continuou   a   prática   da   constituição   anterior,   contudo   consagrou   a  
possibilidade   de   emanar   decretos-­‐leis   sem   autorização   legislativa,   nos   casos   de   urgência   e  
necessidade.   Assim,   o   Governo   aproveitou   o   expediente   do   decretos-­‐leis   de   urgência   para   se  
transformar   em   legislador   normal,   e   a   lei   de   revisão   de   1945   veio   consagrar   a   sua   competência  
legislativa  normal.  
 
 
2.  A  figura  do  decreto-­lei  na  CRP  
 
O   legislador   constituinte,   não   obstante   a   prática   abusiva   dos   decretos-­‐leis   verificada   durante   o   regime   da  
Constituição  de  1933,  parece  ter  considerado  os  decretos-­‐leis  como  um  instrumento  ineliminável  do  Estado  
democrático,  consagrando  esta  categoria  com  uma  grande  autonomia  e  amplitude  e  afastando-­‐se  da  maioria  
das  constituições  democráticas  pós-­‐guerra.  
 
2.1.  Competência  legislativa  do  Governo  e  tipos  de  decretos-­‐leis  
 
O  Governo  tem  três  tipos  de  competências  legislativas,  originando  figuras  diferentes  de  decretos-­‐leis:  
1. Competência   legislativa   originária   ou   independente   –   no   caso   de   se   tratar   de   matérias   não  
reservadas   à   AR,   o   Governo   pode   editar   actos   legislativos   primários   reguladores   dessas   matérias,  
decretos-­leis  originários,  em  concorrência  com  a  AR.  
2. Competência   legislativa   dependente   –   relativamente   a   (1)   matérias   do   art.   165.º   mediante  
autorização  legislativa  ou  (2)  matérias  de  reserva  da  AR  em  que  esta  procedeu  à  fixação  das  bases  
gerais,  o  Governo  pode  editar  decretos-­leis  de  desenvolvimento.  
3. Competência   exclusiva   do   Governo   –   fala-­‐se   em   reserva   de   decreto-­lei   em   relação   a   matérias  
respeitantes  à  sua  própria  organização  e  funcionamento  (art.  198.º/2).  
 
 
3.  O  Governo  como  titular  de  competência  legislativa  
 
3.1.  Titularidade  
 
Pertence   ao   Governo   a   competência   para   a   emanação   de   decretos-­‐leis,   por   isso   não   são   admissíveis  
decretos-­‐leis  emanados  de  um  Primeiro-­‐Ministro  ou  de  um  ministro.  Exige-­‐se,  assim,  que  todos  os  decretos-­‐
leis  sejam  aprovados  em  Conselhos  de  Ministros.  
 
3.2.  Âmbito  material  
 
Os   decretos-­‐leis   podem   disciplinar   qualquer   matéria.   A   delimitação   extensional   deve   fazer-­‐se,   de   forma  
heterónoma,  a  partir  das  normas  constitucionais  que  estabelecem:  
• Reserva  político-­‐legislativa  do  Parlamento;  
• Reserva  absoluta  e  relativa  de  competência  legislativa  da  AR.  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Nas   restantes   matérias   existe   uma   concorrência   legislativa   do   Governo   e   da   AR,   podendo   os   decretos-­‐leis  
revogar,  alterar,  suspender  e  interpretar  leis  da  AR  (exceptuando-­‐se  leis  de  valor  reforçado)  e  vice-­‐versa.  
 
 
4.  Apreciação  parlamentar  dos  decretos-­leis  
 
4.1.  Objecto  de  apreciação  parlamentar  
 
Todos   os   decretos-­‐leis,   salvo   os   aprovados   na   competência   legislativa   exclusiva   do   Governo,   podem   ser  
submetidos  à  apreciação  da  AR,  para  efeitos  de  cessação  e  vigência.  A  apreciação  parlamentar  é,  assim,  um  
mecanismo  constitucional  de  controlo  da  AR  sobre  os  diplomas  legislativos  do  Governo.  
 
4.2.  Suspensão  dos  decretos-­‐leis  submetidos  a  apreciação  parlamentar  
 
No   art.   169.º/2,   consagra-­‐se   expressamente   a   possibilidade   de   suspensão   do   decreto-­‐lei   submetido   a  
apreciação  parlamentar.    
• Objecto   –   só   os   decretos-­‐leis   publicados   no   uso   da   autorização   legislativa   podem   ser   objecto   de  
suspensão.  
• Caducidade   da   suspensão   –   a   suspensão   caduca   se,   decorridas   10   reuniões   plenárias,   a   Ar   não   se  
tiver  pronunciado  sobre  as  propostas  de  alteração  apresentadas.    
• Forma  –  o  instrumento  para  a  suspensão  é  o  de  resolução  da  AR.  
 
4.3.  Aprovação  da  cessação  da  vigência  
 
Caso  se  verifique  a  aprovação  da  cessação  da  vigência  do  decreto-­‐lei,  este  deixará  de  vigorar  desde  o  dia  em  
que  a  resolução  da  aprovação  da  cessação  de  vigência  for  publicada  no  Diário  da  República.    
 
Efeitos  da  aprovação:  
• Efeitos   ex   nunc   –   devido   à   necessidade   de   evitar   situações   de   incerteza   e   sacrifício   de   direitos,  
embora,  nos  casos  de  cessação  por  inconstitucionalidade,  esta  solução  se  possa  revelar  pouco  eficaz  
no   combate   aos   abusos   do   Governo.   Por   isso,   a   AR   pode,   através   de   lei   autónoma,   depois   de  
publicada  a  resolução,  neutralizar  retroactivamente  os  efeitos  do  decreto-­‐lei.  
• Efeitos  repristinatórios  –  é  discutível  se  a  resolução  tem  efeitos  repristinatórios,  ou  seja,  se  origina  
a   reposição     em   vigor   das   leis   revogadas   pelo   decreto-­‐lei.   A   resposta   é   tendencialmente   positiva,  
com   base   na   ideia   da   não   primariedade  normativa  do  Governo  e  da  provisoriedade  dos  decretos-­‐
leis  até  à  verificação  da  condição  resolutiva  de  aprovação  da  cessação  da  vigência.  
 
4.4.  Aprovação  parlamentar  de  alterações  aos  decretos-­‐leis  
 
A  sujeição  de  um  decreto-­‐lei  à  AR  para  efeitos  de  alteração,  uma  possibilidade  consagrada  no  art.  169.º/2,  
pressupõe   um   procedimento   legislativo   específico,   iniciado   não   com   um   projecto   de   lei   mas   sim   com   as  
propostas  de  alteração  do  decreto-­‐lei.    
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
CAPÍTULO  IV  –  OS  REGULAMENTOS  
 
 
1.  Fundamento  constitucional  do  poder  regulamentar  
 
1.1.  Poder  regulamentar  e  princípio  da  legalidade  da  administração  
 
O  regulamento  é  uma  norma  emanada  pela  administração  no  exercício  da  sua  função  administrativa  e,  regra  
geral,  com  carácter  executivo  e/ou  complementar  da  lei.  É  um  acto  normativo  e  não  administrativo,  embora  
não  legislativo.  Devido  ao  seu  carácter  secundário,  o  regulamento,  está,  por  um  lado,  submetido  ao  princípio  
da  legalidade  da  administração  e,  por  outro,  deve  ter  um  fundamento  jurídico-­‐constitucional.  
 
O  princípio  da  legalidade  significa  que  o  regulamento  está  vinculado  à  lei,  não  apenas  num  sentido  negativo,  
mas  também  num  sentido  positivo,  pois  a  administração  só  pode  actuar  com  base  na  lei.    
 
1.2.  Fundamento  jurídico  do  poder  regulamentar  
 
O   poder   regulamentar   encontra   o   seu   fundamento   directo   e   imediato   na   própria   Constituição,  
apresentando-­‐se   como   um   poder   constitucionalmente   fundado   e   não   criado   por   lei.   Contudo,   este  
fundamento   não   deve   ser   entendido   em   termos   análogos   ao   fundamento   constitucional   dos   actos  
legislativos,  pois  este  apresenta-­‐se  como  um  sistema  fechado,  em  virtude  do  princípio  da  tipicidade.  O  poder  
regulamentar   é   antes   compatível   com   um   sistema   aberto,   em   que   o   legislador,   nos   quadros   da   Constituição,  
tem  a  possibilidade  de  atribuir  e  modelas  os  poderes  regulamentares.  
 
 
2.  Regime  constitucional  dos  regulamentos  
 
2.1.  Princípio  da  preferência  ou  preeminência  da  lei  (art.  112.º/5)  
 
Um   regulamento   não   pode   contrariar   um   acto   legislativo   ou   equiparado,   proibindo-­‐se   expressamente   os  
regulamentos   modificativos,   suspensivos   ou   revogatórios   das   leis.   Pode   questionar-­‐se   se   este   princípio  
abrange   também   a   preferência   de   decreto-­‐lei.   Ora,   o   sentido   original   deste   princípio,   o   de   apenas  
preferência  de  lei  do  Parlamento,  continua  a  ter  sentido  na  reserva  de  lei  da  AR  para  determinadas  matérias  
–  porém,  fora  destes  casos,  este  princípio  também  se  aplica  quando  existe  um  decreto-­‐lei  que,  em  virtude  da  
sua  dignidade  legislativa,  não  pode  deixar  de  se  impor  aos  actos  da  administração.  
 
2.2.  Princípio  da  precedência  da  lei  (art.  112.º/7)  
 
A  preferência  ou  primazia  da  lei  tornar-­‐se-­‐ia  um  princípio  puramente  formal  se,  em  matérias  importantes  
ainda   não   reguladas,   o   regulamento   pudesse   adiantar-­‐se   na   respectiva   disciplina   jurídica.   Este   princípio  
está  estabelecido  no  art.  112.º/7,  onde  se  estabelece:  
• A  precedência  da  lei  relativamente  a  toda  a  actividade  regulamentar;  
• A  exigência  de  citação  da  lei  habilitante  por  parte  dos  regulamentos.  
 
2.3.  Princípio  da  complementaridade  ou  acessoriedade  dos  regulamentos  
 
O   regulamento   é   um   acto   normativo   da   administração   sujeito   à   lei   e   complementar   desta.   O   sentido   da  
complementaridade   dos   regulamentos   não   é   o   de   a   CRP   legitimar   apenas   os   regulamentos   de   execução,  
abrangendo   também   os   regulamentos   complementares,   referidos   genericamente   a   uma   lei   cujos   fins   e  
sistema   normativo   vão   desenvolver.   A   lei   constitucional   autoriza   ainda   a   emanação   de   regulamentos  
independentes,   nos   quais   a   lei   se   limita   a   indicar   a   autoridade   que   poderá   ou   deverá   emanar   o   regulamento  
e  a  matéria  sobre  que  versa.    
 
 
 
2.4.  Princípio  do  congelamento  do  grau  hierárquico  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Os   princípios   da   tipicidade   e   da   preeminência   da   lei   justificam   o   princípio   do   congelamento   hierárquico,  


segundo   o   qual   uma   norma   legislativa   nova,   substitutiva,   modificatória   ou   revogatória   de   outra,   deve   ter  
uma   hierarquia   normativa   pelo   menos   igual   à   da   outra   norma.   Assim,   quando   uma   matéria   tiver   sido  
regulada   por   acto   legislativo,   o   grau   hierárquico   desta   regulamentação   fica   congelada   e   só   um   outro   acto  
legislativo  poderá  incidir  sobre  a  mesma  matéria.    
 
Este   princípio   não   impede,   rigorosamente,   a   possibilidade   de   deslegalização   ou   de   degradação   do   grau  
hierárquico.   Neste   caso,   uma   lei   rebaixa   formalmente   o   seu   grau   normativo,   permitindo   que   essa   matéria  
possa  vir  a  ser  modificada  por  regulamento.  Contudo,  a  deslegalização  encontra  limites  constitucionais  nas  
matérias  constitucionalmente  reservadas  à  lei.    
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
CAPÍTULO  V  –  O  PROCEDIMENTO  LEGISLATIVO  
 
 
1.  Conceito  
 
O   procedimento   legislativo   é   a   sucessão   de   uma   série   de   actos,   qualitativa   e   funcionalmente   heterogéneos   e  
autónomos,  praticados  por  sujeitos  diversos  e  necessários  para  a  produção  um  acto  legislativo,  sendo  a  lei  o  
acto  final  do  procedimento.  
 
 
2.  Fases  e  actos  do  procedimento  legislativo  
 
2.1.  Fase  de  iniciativa  
 
Na  fase  de  iniciativa  englobam-­‐se  os  actos  propulsivos  do  procedimento  legiferante.  O  direito  de  iniciativa  
legislativa  manifesta-­‐se  através  da  apresentação  à  AR  de:  
• Propostas,  quando  a  iniciativa  parte  do  Governo  ou  das  assembleias  legislativas  regionais:  
• Projectos,  quando  a  iniciativa  parte  da  AR  ou  de  um  grupo  de  cidadãos.    
Assim,  o  sistema  de  iniciativa  legislativa  português  configura-­‐se  como  um  sistema  de  iniciativa  pluralística,  
dado   que   o   poder   de   iniciativa   pertence   a   (1)   vários   órgãos   e   (2)   a   grupos   de   cidadãos,   um   direito   de  
participação   política   de   exercício   colectivo.   O   fundamento   para   o   exercício   deste   direito   é,   muitas   vezes   o  
dever   concretamente   imposto   pela   Constituição   no   sentido   de   as   entidades   legiferantes   adoptarem  
determinadas  medidas  legislativas  concretizadoras  das  normas  constitucionais.  
 
A   iniciativa   legislativa   não   se   restringe   à   iniciativa   legislativa   primária   ou   originária.   Existe   também   a  
iniciativa   legislativa   secundária   ou   derivada,   que   consiste   na   apresentação   de   propostas   de   alteração   a  
projectos  ou  propostas  de  lei  ou  em  textos  de  substituição.  
 
2.2  Fase  instrutória  
 
A   fase   instrutória   é   um   fase   facultativa   que,   por   força   de   uma   maior   complexidade   da   legiferação   de   do  
princípio   do   Estado   de   Direito,   se   costuma   realizar.   Tem   por   finalidade   recolher   e   elaborar   os   dados   e  
elementos   que   permitam   analisar   a   oportunidade   do   procedimento   legislativo   bem   como   o   respectivo  
conteúdo.  A  aquisição  de  dados  efectua-­‐se  quer  aproveitando  os  materiais  fornecidos  pelas  entidades  que  
tiveram  a  iniciativa  de  lei,  quer  através  de  recolha  autónoma  efectuada  pela  comissão  da  AR  competente.  
 
Entre  nós,  esta  tarefa  cabe  geralmente  às  comissões  permanentes  especializadas,  competindo  a  elas  darem  
o  seu  parecer  devidamente  fundamentado,  podendo  também  sugerir  a  substituição  do  texto.  A  elas  compete  
a  votação  na  especialidade  e  a  votação  final  global  incide  sobre  o  texto  de  substituição  e  não  sobre  o  texto  
original.  
 
2.3.  Fase  constitutiva  
 
A   fase   constitutiva   é   a   fase   em   que   se   produz   o   acto   principal   e   à   qual   se   reportam   os   efeitos   jurídicos  
essenciais.  Inclui  vários  subprocedimentos:  
1. Discussão  ou  debate    
a. Discussão   na   generalidade   –   incide   sobre   os   princípios   e   o   sistema   de   cada   projecto   ou  
proposta  de  lei.  
b. Discussão  na  especialidade  –  versa  sobre  cada  artigo.  
2. Votação    
a. Votação   na   generalidade   –   realizada   no   Plenário,   incide   sobre   a   oportunidade   e   sentido  
global  do  projecto.  
b. Votação   na   especialidade   –   realizada   nas   comissões   especializadas,   incide   sobre   soluções  
concretas  a  aprovar  no  texto  da  norma.  
c. Votação  final  global  –  realizada  novamente  no  Plenário,  concentra-­‐se  no  texto  apurado  na  
especialidade  e  traduz-­‐se  num  juízo  definitivo  e  global.  
3. Redacção  –  geralmente  a  cabo  das  comissões  especializadas.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

A   inexistência   de   qualquer   das   votações,   nos   termos   constitucionalmente   exigidos,   implicará   um   vício   de  
procedimento   conducente   à   nulidade   da   lei.   Além   do   processo   legislativo   normal,   há   ainda   o   processo   de  
urgência  (art.  170.º).  
 
2.4.  Fase  de  controlo  
 
A   fase   de   controlo   destina-­‐se   a   permitir   a   avaliação   do   mérito   e   da   conformidade   constitucional   do   acto  
legislativo.  Os  projectos  ou  propostas  de  leis,  uma  vez  aprovados,  são  enviados  com  o  nome  de  decretos  da  
AR  ao  Presidente  da  República,  que  poderá  agir  de  três  maneiras  distintas:  
1. Promulgação;  
2. Veto  político;  
3. Fiscalização  preventiva  da  constitucionalidade.  
A   promulgação   carece,   de   seguida,   de   referenda   ministerial,   um   controlo   certificatório   exercido   pelo  
Governo.  Deve  mencionar-­‐se  ainda  a  assinatura  dos  diplomas  pelo  PR.  
 
2.5.  Fase  de  integração  de  eficácia  
 
A   fase   de   integração   de   eficácia   abrange   os   actos   destinados   a   tornarem   eficaz   o   acto   legislativo,  
designadamente   através   da   sua   publicidade.   Não   são   requisitos   de   perfeição   ou   validade,   visando   antes  
levar  os  actos  ao  conhecimento  dos  cidadãos,  através  da  publicação  no  Diário  da  República.  
 
-­‐  Princípio  da  publicidade  
O   princípio   da   publicidade   encontra   o   seu   fundamento   no   princípio   do   Estado   de   direito   democrático   e  
exige   o   conhecimento,   por   parte   dos   cidadãos,   dos   actos   normativos,   proibindo   os   actos   normativos  
secretos.  Este  princípio  está  consagrado  no  art.  119.º.  
 
-­‐  Princípio  da  publicação  
Deve   distinguir-­‐se   entre   publicidade   e   publicação   –   (1)   publicação   é   a   forma   de   publicidade   dos   actos  
normativos   feita   através   do   jornal   oficial,   Diário   da   República,   enquanto   que   (2)   publicidade   é   qualquer  
forma  de  comunicação  dos  actos  dos  poderes  públicos  dotados  de  eficácia  externa.  
 
-­‐  Caracterização  da  publicação  
A   publicação   é   o   acto   mediante   o   qual   os   actos   normativos   são   levados   ao   conhecimento   dos   seus  
destinatários,   constituindo   um   requisito   de   eficácia,   e   não   de   validade,   do   acto.   Ao   período   que   decorre  
entre  a  publicação  e  a  data  da  entrada  em  vigor  chama-­‐se  vacatio  legis.  De  acordo  com  o  art.  119.º/2,  a  falta  
de  publicidade  implica  a  ineficácia  jurídica  do  acto,  apesar  de,  na  versão  originária  do  texto  constituinte,  se  
determinar  a  inexistência  como  consequência  jurídica  da  falta  de  publicidade.  
 
-­‐  Rectificação  
Designa-­‐se  por  rectificação  o  acto  jurídico-­‐público  materialmente  administrativo  destinado  a  corrigir  erros  
de   execução   material   ocorridos   no   procedimento   de   publicação   de   uma   norma   jurídica.   Incluem-­‐se   nos  
erros   carecidos   de   posterior   rectificação   os   erros   materiais   –   faltas   ou   lapsos   na   impressão   gráfica   do  
diploma   legislativo   –,   mas   não   os   erros   relacionados   com   o   procedimento   de   formação   do   próprio   acto,   que  
só   podem   ser   sanados   através   de   outros   actos   com   igual   dignidade   normativa   e   segundo   o   iter  
procedimental   prescrito   na   Constituição   ou   na   lei.   Fala-­‐se   em   “declaração   de   rectificação”   para   actos   do  
Governo  e  em  “rectificação”  para  actos  da  AR.  
 
O   fundamento   constitucional   do   instituto   de   rectificação   não   é   isento   de   dificuldades,   apontando   alguma  
doutrina  para  a  existência  de  um  costume  constitucional  e  outra  para  um  simples  título  da  legalidade.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

PARTE  II  –  GARANTIA  E  CONTROLO  DA  CONSTITUIÇÃO  


 
 
INTRODUÇÃO  
 
1.  Modelos  de  justiça  constitucional  
 
1.1.  O  modelo  francês  tradicional  do  controlo  político    
 
O   modelo   de   “sistema   francês”   era   um   modelo   de   controlo   político,   ou   seja,   no   qual   o   controlo   da  
constitucionalidade   dos   actos   normativos   é   feito   pelos   órgãos   políticos.   A   inexistência   de   um   controlo  
jurisdicional   funda-­‐se   na   concepção   rousseauniana   da   lei   como   “vontade   geral”,   associada   ao   dogma   da  
soberania  da  lei  segundo  o  qual  apenas  as  assembleias  legislativas  poderiam  exercer  um  controlo  político.    
 
1.2.  O  modelo  americano  
 
Divergentemente   da   doutrina   britânica   da   soberania   do   Parlamento,   o   constitucionalismo   americano  
desenvolveu   a   ideia   de   Constituição   como   higher   law,   culminando   com   a   consagração   do   modelo   da   judicial  
review  com  a  sentença  do  juiz  Marshall  no  caso  Marbury  vs.  Madison.    
 
• Sujeitos  de  controlo  –  no  modelo  americano,  a  tarefa  da  fiscalização  da  constitucionalidade  está  a  
cargo   de   todos   os   juízes   e   de   todos   os   tribunais,   designando-­‐se   este   controlo,   por   isso,   controlo  
difuso.  
 
• Modo   de   controlo   –   este   modelo   consagra   um   controlo   por   via   incidental,   ou   seja,   a   questão  
principal  é  um  litígio,  sendo  a  inconstitucionalidade  da  norma  invocada  apenas  no  decurso  de  uma  
acção  submetida  à  apreciação  dos  tribunais  sob  a  forma  de  excepção,  paralela  à  questão  principal.  
Este  controlo  é  um  controlo  concreto,  porque  pretende  apurar  se  as  normas  jurídicas  aplicáveis  ao  
caso   são   ou   não   inconstitucionais.   O   controlo   por   via   incidental   não   se   confunde   com   o   controlo  
difuso.  
 
• Efeitos  declarativos  –    considera-­‐se  que  a  sentença  proferida  pelo  Tribunal  tem  efeitos  declarativos,  
pois  limita-­‐se  a  reconhecer  uma  inconstitucionalidade  prévia.  
 
• Efeitos  inter  partes  e  ex  tunc  –  a  sentença  do  tribunal  tem  efeitos  inter  partes,  limitando-­‐se  à  relação  
litigiosa  inicial,  apesar  de  no  modelo  norte-­‐americano  valer  a  regra  do  stare  decisis,  ou  seja,  do  valor  
de  precedente  das  decisões  do  Supreme  Court.  Os  efeitos  são  também  ex  tunc,  pois  a  norma  era  já  
numa  e  o  tribunal  limita-­‐se  a  reconhecê-­‐lo.  
 
1.3.  O  modelo  austríaco-­kelseniano  
 
Este   modelo   foi   teorizado   por   Hans   Kelsen   e   foi   consagrado   na   constituição   austríaca   de   1920.   A   concepção  
kelseniana   diverge   substancialmente   da   judicial   review   americana,   pois   o   controlo   constitucional   é   uma  
função   constitucional   autónoma   que   tendencialmente   se   pode   caracterizar   como   função   de   legislação  
negativa.   Assim,   não   se   discutiria   nenhum   caso   concreto   nem   se   desenvolveria   uma   actividade   judicial   na  
apreciação  da  constitucionalidade.  Este  modelo  teve  uma  grande  recepção  no  pós-­‐Guerra.  
 
• Sujeitos   de   controlo   –   a   competência   para   julgar   é   reservada   a   um   único   órgão,   que   pode   ser   um  
órgão  de  jurisdição  ordinária  ou  um  órgão  especialmente  criado  para  o  efeito.  Este  modelo  designa-­‐
se  de  controlo  concentrado.  
 
• Modo   de   controlo   –   a   questão   da   constitucionalidade   é   suscitada   a   título   principal,   isto   é,   não   como  
questão  paralela,  mas  sim  como  objecto  principal  e  autónomo  de  um  processo  junto  de  um  Tribunal  
–   controlo   por   via   principal.   O   controlo   por   via   principal   é,   portanto   um   controlo   abstracto,   em   que  
a  apreciação  da  constitucionalidade  é  feita  independentemente  de  qualquer  litígio  em  concreto.  No  
modelo   austríaco,   encontramos   a   figura   do   reenvio,   ou   seja,   a   questão   da   constitucionalidade  
suscitada  num  tribunal  inferior  é  reenviada  para  o  tribunal  superior  e  aquele  decide  no  sentido  da  
decisão  deste.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

• Efeitos   constitutivos   do   controlo   –   o   acto   é   considerado   válido   até   à   decisão   do   tribunal,   portanto   a  
sua  sentença  tem  efeitos  constitutivos.  
 
• Efeitos   erga   omnes   e   ex   nunc   –   os   efeitos   da   decisão   da   constitucionalidade   têm   força   obrigatória  
geral  e  são  prospectivos,  vinculando  para  o  futuro.  
 
 
2.  O  sistema  de  controlo  na  constitucionalidade  na  Constituição  de  1976  
 
2.1.  Memória  e  história  
 
• Constituição   de   1911   –   o   sistema   de   controlo   constitucional   surgiu   apenas   com   a   Constituição   de  
1911,  que  consagrou  formalmente  o  princípio  da  judicial  review  dos  actos  legislativos  desconformes  
com   a   constituição,   por   influência   directa   da   Constituição   brasileira   de   1881,   influenciada  
especialmente  pelo  jurista  Rui  Barbosa.  
 
• Constituição   de   1933   –   o   sistema   de   fiscalização   difuso   transitou   para   a   Constituição   de   1933,  
porém   mitigado,   pois   dele   era   excluído   o   controlo   de   inconstitucionalidades   formais   e   orgânicas   de  
diplomas  carecidos  de  promulgação  do  Chefe  de  Estado.  A  Revisão  de  1971  abriu  a  possibilidade  da  
fiscalização  abstracta  concentrada,  confiando-­‐a  à  Assembleia  Nacional.  
 
• Constituição   de   1976   –   o   texto   originário   da   Constituição   de   1976   manteve   o   sistema   misto   de  
controlo   judicial   difuso   e   controlo   concentrado   delineado   na   Constituição   de   1933,   atribuindo   ao  
Conselho  de  Estado  competências  para  declarar  com  força  obrigatória  geral  a  inconstitucionalidade  
de   quaisquer   normas,   competência   que   depois   passou   para   o   Conselho   de   Revolução.   Para   além  
desta   alteração,   o   texto   primitivo   desta   constituição   (1)   criou   dois   novos   tipos   de   fiscalização,   a  
fiscalização   abstracta   preventiva   e   a   fiscalização   por   omissão,   e   (2)   criou   a   Comissão   Constitucional  
como  órgão  de  controlo.  
 
- Revisão   de   1982   –   com   esta   revisão   ficou   praticamente   definido   o   actual   sistema   de  
fiscalização.   Em   substituição   da   Comissão   Constitucional,   criou-­‐se   um   Tribunal  
Constitucional,  um  (1)  órgão  de  controlo  a  título  principal  e  (2)  órgão  jurisdicional  para  via  
de  recurso.  
 
- Revisão  de  1989  –  as  principais  alterações  introduzidas  por  esta  revisão  foram  a  criação  de  
um  sistema  específico  para  as  leis  orgânicas  e  para  os  referendos.  
 
2.2.  Caracterização  global  
 
O  sistema  português  vigente  é  caracterizado  por  Gomes  Canotilho  e  Vital  Moreira  como  sendo  um  sistema  
misto  complexo.  
 
• Sistema   de   controlo   integralmente   judicial   –   a   fiscalização   da   constitucionalidade   é   uma   tarefa  
exclusivamente  jurisdicional,  não  havendo  controlo  político  da  inconstitucionalidade  das  normas.  
 
• Controlo   difuso,   concreto   e   incidental   –   este   controlo   é   difuso,   pois   todos   os   tribunais   têm  
competência  para  fiscalizar  a  constitucionalidade  das  normas  (art.  204.º);  e  concreto  e  incidental,  
pois   a   questão   da   constitucionalidade   é   suscitada   como   uma   questão   paralela   ao   litígio   principal.  
Contudo,  o  modelo  português  apresenta  duas  especificidades:  
 
- Não   se   consagra   o   modelo   puro   de   judicial   review,   pois   existe,   entre   nós,   também   um  
modelo  concentrado.  
- Não  se  consagra  um  sistema  puro  de  mero  incidente,  porque  os  tribunais  têm  competência  
plena  para  decidir.  
 
• Controlo  abstracto  –  ao  lado  do  controlo  concreto,  também  vale  entre  nós  um  controlo  concentrado  
e   abstracto   de   normas,   no   qual   o   TC   declara   ou   pronuncia-­‐se,   com   força   obrigatória   geral   e   sem   ter  
subjacente   um   qualquer   caso   concreto,   sobre   a   conformidade   de   certas   normas   com   o   parâmetro  
jurídico-­‐constitucional.  Este  controlo  pode  ser:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
Preventivo  –  realiza-­‐se  sobre  normas  imperfeitas,  ou  seja,  antes  das  normas  entrarem  em  
-
vigor  e  segue  a  tradição  francesa  da  Constituição  de  1958.  
 
- Sucessivo  –  realiza-­‐se  sobre  normas  perfeitas  e  situa-­‐se  na  linha  do  modelo  austríaco.  
 
• Fiscalização  da  inconstitucionalidade  por  omissão  –  ao  lado  da  fiscalização  da  inconstitucionalidade  
por   acção,   consagra-­‐se   também   a   fiscalização   da   inconstitucionalidade   por   omissão,   não   muito  
frequente   no   plano   comparativo-­‐constitucional.   Revela-­‐se,   neste   domínio,   uma   influência   dos  
antigos  países  socialistas.  
 
 
3.  O  parâmetro  de  controlo  
 
Uma   norma   diz-­‐se   inconstitucional   quando   viola   o   parâmetro   normativo-­‐constitucional,   ou   seja,   o   padrão  
ou  medida  de  controlo  da  constitucionalidade.  O  que  integra  o  bloco  de  constitucionalidade?  
 
• Uma   primeira   questão   passa   por   saber   se   as   normas   de   referência   do   controlo   são   (1)   apenas   as  
normas   e   princípio   constitucionais   escritos   ou   a   ordem   constitucional   global,   isto   é,   os   princípios  
constitucionais   escritos   ou   (2)   a   ordem   constitucional   global,   isto   é,   os   princípios   e   normas   não  
escritos   que,   não   tendo   materialização   expressa   no   texto   constitucional,   são   reclamados   pelo  
constitucionalismo  global.  Gomes  Canotilho  adopta  uma  posição  intermédia,  integrando  no  padrão  
de   controlo   princípios   e   valores   não   escritos,   porém   que   ainda   possam   reconduzir-­‐se   a  
densificações,  desenvolvimentos  ou  especificações  de  princípios  constitucionais  escritos.  
 
• Fazem   parte   do   parâmetro   constitucional   também   as   normas   consagradoras   de   direitos  
fundamentais,  bem  como  outras  normas  consagradoras  de  direitos  só  materialmente  fundamentais.    
 
 
4.  Objecto  de  controlo    
 
4.1.  O  que  se  controla?  
 
• No   direito   constitucional   português,   o   objecto   de   controlo   não   são   apenas   os   chamados   actos  
normativos  primários,  ou  seja,  as  leis  e  os  tratados  internacionais,  mas  também  os  actos  normativos  
secundários  e  terciários.  Portanto,  o  objecto  de  controlo  são  todas  as  normas.  
 
• O  conceito  de  norma  mobilizado  é  um  conceito  funcional  de  norma  para  efeitos  de  controlo.  Para  
recortar  este  conceito,  são  avançados,  num  primeiro  plano,  dois  requisitos:  
 
1. Requisito   material   –   este   requisito   ou   qualidade   jurídico-­‐material   reconduz-­‐se   à   ideia   de  
norma  como  normação  geral  e  abstracta,  ou  seja,  como  (1)  padrão  de  comportamento  e  (2)  
acto  criador  de  regras  jurídicas  para  a  decisão  de  conflitos.    
2. Requisito  orgânico  –  a  norma  tem  de  ser  criada  por  um  poder  normativo  legitimado  para  
tal,  estando  assim  excluída,  à  partida,  a  normação  privada.  
 
Num  segundo  plano,  a  doutrina  avança  quatro  critérios  de  densificação:  
 
1. Normatividade   –   são   actos   normativos   para   efeitos   de   controlo   os   actos   de   criação  
normativa,  por  oposição  aos  actos  de  aplicação  normativa.  
2. Imediação   -­‐   são   actos   normativos   para   efeitos   de   controlo   os   actos   que   violam  
directamente   a   constituição,   estando   excluídos   aqueles   que   só   violam   indirectamente   as  
normas  constitucionais.  
3. Heteronomia   normativa   -­‐   são   actos   normativos   para   efeitos   de   controlo   os   actos   que  
estabelecem  um  padrão  de  comportamento  não  dependente  da  vontade  dos  destinatários.  
4. Reconhecimento   normativo   jurídico-­‐político   -­‐   são   actos   normativos   para   efeitos   de  
controlo   os   actos   normativos   privados   com   efeitos   ultra   vires,   ou   seja,   aqueles   que   são  
reconhecidos  pelos  poderes  públicos  como  heteronomamente  vinculantes.    
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

4.2.  Catálogo  de  actos  normativos  sujeitos  a  controlo  


 
• Leis  de  revisão  constitucional;  
• Instrumentos   de   direito   internacional   e   normas   emitidas   por   organização   internacionais   de   que  
Portugal  faça  parte;  
• Actos  legislativos;  
• Resoluções  normativas  da  AR  e  das  Assembleias  Legislativas  Regionais;  
• Regimentos  das  Assembleias;  
• Actos  normativos  da  Administração;  
• Actos  normativos  do  PR;  
• Convenções  colectivas  de  trabalho;  
• Assentos  dos  tribunais  superiores;  
• Estatutos  de  associações  públicas  e  de  algumas  associações  privadas,  como  os  partidos  políticos;  
• Cláusulas  compromissórias  ou  compromissos  arbitrais.  
 
4.3.  Catálogo  de  actos  jurídicos  não  sujeitos  a  controlo  de  constitucionalidade  
 
• Actos  administrativos;  
• Decisões  judiciais;  
• Actos  de  natureza  política;  
• Normas  e  actos  de  natureza  privada.  
 
 
5.  Os  vícios  de  inconstitucionalidade  
 
1. Vícios   formais   –   ocorre   quando   a   forma   constitucionalmente   prescrita   para   a   emanação   de  
determinado  acto  não  foi  cumprida.  
 
2. Vícios  procedimentais   –  normalmente  englobados  na  categoria  dos  vícios  formais,  ocorrem  quando  
a   tramitação   processual   constitucionalmente   prevista   para   a   emanação   de   um   determinado   acto  
não  é  cumprida.    
 
3. Vícios  materiais  –  ocorre  quando  o  conteúdo  de  certas  disposições  ou  preceitos  viola  os  princípios  e  
normas   da   Constituição.   Enquanto   que   os   vícios   formais   e   procedimentais   são   vícios   que   afectam   o  
acto   na   sua   totalidade,   os   vícios   materiais   respeitam   a   determinados   preceitos   e   não   se   estendem   a  
todo  o  diploma.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

CAPÍTULO  III  –  PROCESSOS  DE  FISCALIZAÇÃO  DA  INCONSTITUCIONALIDADE  E  DA  ILEGALIDADE  


 
 
I  –  PROCESSO  DE  FISCALIZAÇÃO  CONCRETA  
 
1.  Sentido  geral  
 
Características  gerais  do  processo:  
1. Difuso   –   o   processo   de   fiscalização   concreta   traduz   a   consagração   do   poder-­‐dever   de   fiscalização  
dos   juízes   de   todos   os   tribunais,   judicial   review,   relativamente   a   normas   a   aplicar   a   um   caso  
concreto;  ou  seja,  o  seu  acesso  directo  à  Constituição.    
2. Por  via  incidental  –  a  questão  da  constitucionalidade  de  uma  norma  pode  apenas  surgir  a  título  de  
incidente,  no  decurso  do  julgamento  de  uma  questão  principal.  
3. Concreto  –  quer  a  decisão  do  juiz  a  quo,  quer,  eventualmente,  a  que  o  TC  venha  a  proferir,  apenas  
produz  efeitos  no  caso  concreto.  
4. Oficioso   –   o   controlo   é   oficioso   porque   todo   e   qualquer   tribunal   deve   conhecer   da  
inconstitucionalidade   das   normas   a   aplicar   à   questão   principal,   não   se   encontrando   sujeito   à  
invocação  da  questão  pelas  partes.  
 
O   nosso   modelo   de   fiscalização   concreta   é   ainda   um   modelo   misto,   pois   não   se   identifica   com   qualquer  
paradigma  específico  de  direito  comparado.  
• Modelo  da  judicial  review  –  identifica-­‐se  com  este  modelo  pois  assenta  na  ideia  de  que  todos  os  
juízes   devem   examinar   a   constitucionalidade   das   normas   que   aplicam;   afasta-­‐se   porque   a   decisão  
que  proferem  não  é  definitiva,  cabendo  a  última  palavra  sobre  esta  matéria,  através  da  figura  do  
recurso  de  constitucionalidade,  ao  TC.  
• Modelo   austríaco-­‐kelseniano   –   existe,   no   modelo   português,   um   elemento   de   concentração   do  
sistema,  o  recurso  de  constitucionalidade  para  o  TC;  contudo,  os  tribunais  comuns  não  se  limitam  
a  conhecer  da  questão  suscitada  e  a  suspender  o  processo,  também  o  decidem.  
Assim   se   conclui   que   o   nosso   modelo   é   difuso   na   base   e   concentrado   no   topo,   pois   a   tarefa   de   exame   da  
constitucionalidade  é  competência  oficiosa  de  todos  os  tribunais  mas  o  TC  actua  como  última  instância  de  
recurso.  
 
2.  Fases  do  processo  
 
2.1.  Fase  necessária:  os  tribunais  ordinários  
 
Qualquer  processo  de  fiscalização  concreta  pressupõe  a  figura  do  incidente  de  constitucionalidade,  ou  seja,  
que   (1)   no   decurso   do   processo,   (2)   as   partes,   o   juiz   ou   o   Ministério   Público,   (3)   suscitem   perante   um  
tribunal  (4)  uma  questão  de  inconstitucionalidade  (5)  relevante  para  a  decisão  da  questão  de  fundo.  
 
Requisitos  processuais  subjectivos  
 
1. Tribunais  –  por  tribunais,  devem  considerar-­‐se  todos  os  órgãos  jurisdicionais  aos  quais  é  atribuída,  
como   função   principal,   a   actividade   jurisdicional.   Contudo,   não   é   necessária   a   existência   de   um  
litígio,  bastando  a  existência  de  um  caso  ou  interesse  juridicamente  tutelado  a  resolver  pelo  juiz;  e  a  
decisão  do  tribunal  deve  consistir  num  acto  judicial  autónomo.    
 
2. Sujeitos   –   a   questão   da   inconstitucionalidade   pode   ser   levantada   pelas   partes,   ex   officio   pelo   juiz   ou  
pelo   Ministério   Público   quando   este   seja   parte   no   processo.   O   reconhecimento   às   partes   de  
legitimidade  activa  justifica-­‐se  pelo  facto  de  este  ser  um  meio  idóneo  de  elas  defenderem  interesses  
subjectivos;   enquanto   que   a   legitimidade   do   juiz   a   quo   ou   do   Ministério   Público   se   explica   pela  
vinculação  dos  órgãos  jurisdicionais  aos  princípios  da  constitucionalidade  e  da  unidade  da  ordem  
jurídica.    
 
Requisitos  processuais  objectivos  
 
1. Questão   de   inconstitucionalidade   –   por   questão   de   inconstitucionalidade   deve   entender-­‐se   o  
problema   da   conformidade   ou   desconformidade   de   uma   norma,   a   aplicar   num   caso   submetido   a  
julgamento,  com  a  Constituição  ou  com  leis  de  valor  reforçado.  Esta  é  uma  questão  (1)  concreta,  (2)  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

objectiva,   (3)   de   inconstitucionalidade   e   (4)   suscitada   durante   o   processo.   Relativamente   a   este  


último   requisito,   o   TC   tem   adoptado   uma   perspectiva   funcional,   ou   seja,   suscitar   a   questão   da  
inconstitucionalidade   durante   o   processo   significa   que   essa   invocação   deve   ser   feita   num   momento  
em   que   o   Tribunal   a   quo   ainda   possa   conhecer   da   questão   –   em   geral,   antes   da   prolação   da  
sentença.  
 
2. Relevância  da  questão  da  inconstitucionalidade  –  a  questão  de  inconstitucionalidade  deve  manter  
uma  relação  de  necessidade  lógica  ou  de  instrumentalidade  com  a  questão  principal,  ou  seja,  deve  
ser   relevante   para   o   julgamento   dessa   mesma   questão.   Uma   questão   é   relevante   quando   (1)   é  
decisiva   ou   indispensável   para   a   decisão   do   Tribunal,   ou   (2)   quando   a   aplicação   da   norma   cuja  
constitucionalidade   é   posta   em   causa   parece   ser   necessária   aos   olhos   do   juiz   a   quo,   ou   quando   este  
admite  como  possível  vir  essa  norma  a  ser  aplicável.  
 
3. Inconstitucionalidade   de   normas   –   a   questão   de   inconstitucionalidade   deve   ter   por   objecto   normas  
que  tenham  de  ser  aplicadas  na  causa,  sendo  que  são  impensáveis  hipóteses  de  actos  privados.  
 
4. Procedência  da  questão  –  cabe  ao  juiz  da  causa  pronunciar-­‐se  sobre  a  procedência  da  questão,  ou  
seja,  sobre  o  fundamento  ou  justeza  do  incidente,  podendo  este  apreciar  se  se  trata  ou  não  de  uma  
questão  inexistente  ou  improcedente.  
 
2.2.  Fase  eventual:  o  recurso  de  inconstitucionalidade  
 
 Objecto  normativo  do  recurso  
 
O   objecto   do   recurso   de   constitucionalidade   não   é   a   própria   decisão   judicial,   mas   apenas   a   parte   dela   em  
que   se   considerou   inconstitucional   ou   não   uma   determinada   norma   aplicável   à   causa   em   apreciação   no  
tribunal.   Daqui   decorre   que   inexiste,   entre   nós,   a   figura   da   acção   de   defesa   da   constitucionalidade   ou   da  
queixa   constitucional,   seja   na   versão   espanhola   do   recurso   de   amparo,   seja   na   versão   alemã   da  
Verfassungsbechwerde.    
Contudo,  trata-­‐se  sempre  de  uma  norma  interpretativamente  mediatizada  pela  decisão  recorrida,  porque  a  
norma  deve  ser  apreciada  no  recurso  segundo  a  interpretação  que  lhe  foi  dada  nessa  decisão.  
 
Carácter  instrumental  do  recurso  
 
O   recurso   de   constitucionalidade   assume   natureza   instrumental   relativamente   ao   processo-­‐base,   de   tal  
forma   que   só   há   interesse   em   apreciar   a   questão   de   constitucionalidade   suscitada   quando   o   eventual  
julgamento   de   inconstitucionalidade   for   susceptível   de   se   poder   projectar   ou   repercutir,   de   forma   útil   e  
eficaz,   na   decisão   recorrida,   de   modo   a   alterar   ou   modificar   a   solução   jurídica   que   se   obteve   no   caso  
concreto.  
 
Prazo  do  recurso  
 
O   prazo   para   interposição   de   recurso   é   de   10   dias,   contados   a   partir   da   data   da   notificação   da   decisão  
recorrida  ao    interessado.  Também  aplicável  ao  MP  quando  este  recorre  obrigatoriamente.  
 
Tipos  de  recursos  
 
Quanto  ao  objecto:  
1. Recursos   de   decisões   positivas   de   inconstitucionalidade   ou   de   decisões   de   acolhimento   de  
inconstitucionalidade.  
2. Recursos   de   decisões   negativas   de   inconstitucionalidade   ou   decisões   de   rejeição   de  
inconstitucionalidade.  
3. Recursos  de  decisões  aplicadoras  de  normas  já  anteriormente  julgadas  inconstitucionais  pelo  TC  
4. Recurso   de   decisões   judiciais,   restritos   a   questões   de   natureza   jurídico-­‐constitucional   e   jurídico-­‐
internacional,   que   apliquem   normas   constantes   de   acto   legislativo   com   fundamento   na   sua  
contrariedade   com   uma   convenção   internacional   ou   a   apliquem   em   desconformidade   com   o  
anteriormente  decidido  pelo  TC.  
 
Quanto  à  qualidade  dos  recorrentes:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

1. Recursos  de  parte  –  recursos  interpostos  pelas  partes.  


2. Recursos   oficiosos   –   recursos   interpostos   pelo   Ministério   Público   quando   este   seja   parte   no  
processo.   O   Ministério   Público   é   parte   no   processo   quando   (1)   intervém   a   título   principal   no  
exercício   de   uma   função   de   representação   do   Estado   ou   de   entidades   a   quem   o   Estado   deve  
protecção;  (2)  no  desempenho  de  processos  que  envolvam  interesses  públicos;  ou  (3)  em  função  de  
fiscalização,  se  for  parte  nos  termos  gerais  e  tiver  arguido  a  inconstitucionalidade.  
 
Quanto  ao  carácter  obrigatório  ou  facultativo:  
1. Recursos  facultativos  –  recursos  de  parte  e  recursos  do  Ministério  Público,  sempre  que  seja  parte  
no  processo  e  não  esteja  obrigado  a  recorrer  por  dever  de  ofício.  
2. Recursos   obrigatórios   –   recursos   interpostos   pelo   MP   em   cumprimento   de   expressa   imposição  
constitucional:   (1)   recurso   de   decisões   positivas   de   inconstitucionalidade,   em   que   se   recusou   a  
aplicação   de   normas   constantes   de   actos   legislativos   ou   equiparados;   (2)   recurso   de   decisões  
negativas   de   inconstitucionalidade,   aplicadoras   de   normas   já   anteriormente   julgadas  
inconstitucionais  pelo  TC.  
 
Recurso   de   decisões   positivas   de   inconstitucionalidade   ou   decisões   de   acolhimento   de  
inconstitucionalidade  
 
Uma   decisão   positiva   de   inconstitucionalidade   é   a   decisão   proferida   pelo   tribunal   a   quo   na   qual   este,   por  
considerar   que   existe   desconformidade   entre   o   acto   normativo   a   aplicar   ao   processo   e   a   Constituição   ou  
certas  leis  de  valor  reforçado,  desaplica  tal  norma.  
 
Pressupostos  processuais  
 
1. Legitimidade  para  recorrer  –  o  recurso  das  partes  assume  natureza  facultativa  e  destinam-­‐se,  via  de  
regra,  à  defesa  dos  interesses  subjectivos  do  recorrente.  Já  para  o  MP,  o  recurso  é  obrigatório,  que  
se  justifica  em  nome  do  princípio  da  favor  legis,  ou  princípio  da  presunção  da  constitucionalidade  
dos  actos  legislativos,  independentemente  da  circunstância  de  ser  ou  não  parte  na  causa.  Quando  
haja   desaplicação   de   outras   normas   que   não   as   integrantes   na   categorias   do   art.   280.º/3,  o  recurso  
do  MP  será  facultativo.  
 
2. Recurso   directo   para   o   TC   –   havendo   decisão   positiva   de   inconstitucionalidade,   as   partes   e   o   MP  
recorrem  directamente  para  o  TC,  a  contrario  senso    do  art.  70.º/2  LTC.  Contudo,  quanto  esteja  em  
causa  um  recurso  obrigatório  do  MP,  este  é  obrigado  a  recorrer  directamente  para  o  TC;  enquanto  
que  as  partes,  ou  o  MP  quando  se  trata  de  recurso  facultativo,  podem  optar  por  esgotar  os  recursos  
ordinários.  
 
3. É   necessário   que   a   decisão   jurisdicional   tenha   efectivamente   recusado   a   aplicação   explícita   ou  
implícita  a  um  caso  concreto.  
 
4. É   necessário   que   essa   recusa   se   fundamente   na   inconstitucionalidade   do   acto   normativo  
desaplicado,  ou  na  sua  ilegalidade.  
 
Recursos   de   decisões   negativas   de   inconstitucionalidade   ou   decisões   de   rejeição   de  
inconstitucionalidade  
 
Numa   decisão   deste   tipo,   o   tribunal   a   quo   aplica   ao   processo   uma   norma   cuja   inconstitucionalidade   foi  
suscitada  durante  o  processo.  Este  tipo  de  recurso  é  indubitavelmente  o  meio  processual  de  maior  relevo  
garantístico  dos  direitos  e  interesses  das  pessoas  individuais  e  colectivas.  
Pressupostos  processuais  
 
1. Princípio   da   legitimidade   restrita   à   parte   que   suscitou   o   incidente   –   têm   legitimidade   para   recorrer  
as   pessoas   que   hajam   suscitado   a   questão   de   constitucionalidade   junto   do   tribunal  a   quo.   Aqui,   o  
MP   não   tem   legitimidade   específica   para   recorrer,   só   o   podendo   fazer   quando   seja   parte   e   tenha  
sido  ele  a  arguir  a  inconstitucionalidade.    
 
2. Princípio  da  viabilidade  do  recurso  –  é  necessário  que  tenha  havido  a  aplicação  efectiva  da  norma  
cuja   inconstitucionalidade   ou   ilegalidade   tenha   sido   suscitada   adequadamente   no   decurso   de   um  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

processo   e   que   seja   ratio   decidendi   da   sentença   impugnada.   Este   recurso   pretende   impedir   a  
interposição  de  recursos  junto  do  TC  manifestamente  infundados.    
 
3. Princípio  da  tempestividade  processual  –  este  requisito  implica  a  existência  de  um  tempo  e  modo  
adequados  para  levantar  no  processo  base  a  questão  da  inconstitucionalidade.  A  doutrina  concorda  
que   se   trata   de   uma   exigência   formal   de   carácter   essencial   para   que   o   TC   conheça   do   recurso,   visto  
que  tal  exigência  impede  que  o  recorrente  convoque  o  instituto  do  recurso  da  inconstitucionalidade  
para  atrasar  a  execução  do  julgado  ou  como  expediente  último  de  recurso.  
 
4. Princípio   da   exaustão   de   recursos   –   inadmissibilidade   de   recorrer   para   o   TC   enquanto   couber  
recurso  ordinário  da  decisão.  Este  princípio  visa  limitar  o  acesso  ao  TC  às  pretensões  que  já  tenham  
sido   previamente   analisadas   pela   hierarquia   judicial   correspondente.   A   LTC   adopta   um   conceito  
amplo  de  “recurso  ordinário”.  
 
5. Princípio   da   individualização   das   normas   constitucionais   infringidas   e   das   normas  
infraconstitucionais   infringentes   –   traduz-­‐se   no   ónus   de   alegar   as   normas   jurídicas   violadas   e   as  
normas  que  no  entender  do  recorrente  violam  as  normas  constitucionais.  Assim,  exige-­‐se  a:  
a. Indicação  da  alínea  do  nº1  do  art.  70.º  ao  abrigo  do  qual  se  recorre;  
b. Indicação  da  norma  hipoteticamente  violadora;  
c. Indicação  da  norma  ou  princípio  constitucional  que  se  considera  violado;  
d. Indicação  da  peça  processual  em  que  o  recorrente  suscitou  a  inconstitucionalidade.  
A   falta   de   qualquer   destes   elementos   determina   a   prolação   de   despacho   de   aperfeiçoamento,  
através  do  qual  o  Tribunal  convida  o  recorrente  a  corrigir  o  requerimento  no  prazo  de  10  dias.  
 
Recursos  de  decisões  aplicadoras  de  normas  já  anteriormente  julgadas  inconstitucionais  pelo  TC  
 
Este   tipo   de   recurso   tem   lugar   quando   o   tribunal   a   quo   aplica   uma   norma   no   processo   já   anteriormente  
julgada  inconstitucional  pelo  TC.  Visa  garantir,  sobretudo,  a  autoridade  do  TC,  a  harmonia  de  julgados  e  a  
unidade  da  orientação  jurisprudencial,  assentando,  pois,  no  princípio  do  primado  da  competência  do  TC.    
 
Pressupostos  processuais  
 
1. Têm  legitimidade  para  recorrer:  
a. As   partes,   mesmo   que   não   tenham   tempestivamente   suscitado   a   questão   de  
constitucionalidade  no  processo,  assumindo  tal  recurso  natureza  facultativa.  
 
b. O  MP,  para  o  qual  o  recurso  é  obrigatório,  algo  que  se  justifica  em  razão  do  princípio  do  
primado   da   competência   do   TC,   da   uniformidade   ou   unidade   da   jurisprudência   e   ainda  
para  efeitos  do  funcionamento  do  instituto  da  repetição  do  julgado  (art.  281.º/3).  
 
2. Recurso   directo   para   o   TC   –   este   recurso   deve   ser   interposto   directamente   para   o   TC,   quando   a  
legitimidade  processual  activa  pertença  ao  MP;  quanto  às  partes,  à  semelhança  do  que  sucede  nos  
recursos   de   decisões   positivas   de   inconstitucionalidade,   podem   optar   por   esgotar   os   recursos  
ordinários.  
 
3. A   norma   cuja   inconstitucionalidade   ou   ilegalidade   se   invoca   deve   ter   sido   aplicada,   explícita   ou  
implicitamente,   pelo   tribunal   a   quo     como   ratio   decidendi   num   determinado   processo.   O   TC  
considera   que   está   igualmente   verificado   este   requisito   quando   tenha   proferido   anteriormente  
uma  decisão  interpretativa  conforme  à  Constituição.    
 
4. É  necessário  que  a  mesma  norma  –  e,  quando  seja  caso  disso,  a  mesma  interpretação  normativa  –  
tenha  sido  anteriormente  “julgada  inconstitucional”  pelo  TC,  em  processo  de  fiscalização  concreta,  
que   a   jurisprudência   alargou   para   os   casos   de   fiscalização   abstracta   sucessiva   e   fiscalização  
abstracta   preventiva,   tendo   não   obstante   entrado   em   vigor   por   recurso   ao   instituto   de  
confirmação.    
 
 
Os  efeitos  da  decisão  do  TC  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

1. Quanto  às  decisões  positivas  de  inconstitucionalidade:  


 
a. Eficácia   limitada   ao   caso   concreto   ou   inter   partes   –   as   normas   julgadas   inconstitucionais  
pelo   TC   podem   continuar   a   ser   aplicadas   no   futuro   pelos   tribunais.   Contudo,   a   doutrina  
enfatiza  que  este  juízo  produz  alguns  efeitos  infirectos:  
i. Passa  a  estar  preenchido  um  dos  requisitos  para  que  haja  recurso  de  aplicação  de  
normas   anteriormente   julgadas   inconstitucionais   pelo   TC,   uma   vez   que   a   norma  
julgada  inconstitucional  passa  a  gozar  de  uma  presunção  de  inconstitucionalidade.  
ii. De   acordo   com   o   instituto   da   repetição   do   julgado,   se   uma   norma   houver   sido  
julgada  inconstitucional  pelo  TC  em  três  casos  concretos,  podem  os  juízes  do  TC  ou  
mediante   solicitação   do   MP,   desencadear   um   processo   de   fiscalização   abstracta  
sucessiva.  
iii. Havendo   divergência   entre   juízos   proferidos   em   sede   de   fiscalização   concreta  
sobre   uma   mesma   norma   ou   interpretação   normativa,   cabe   recurso   para   o  
plenário  do  TC.  
 
b. Efeito  de  caso  julgado  no  processo   –  se  o  TC  julgar  a  norma  inconstitucional,  esta  não  pode  
ser   aplicada   no   processo   pelo   tribunal   recorrido   nem   por   qualquer   outro   tribunal   que  
venha  a  conhecer  dele  em  fase  de  recurso.  Neste  sentido,  a  decisão  do  TC  faz  caso  julgado  
(1)  formal  e  (2)  material.  
 
c. Efeitos   restritos   à   questão   da   inconstitucionalidade   –   a   decisão   do   recurso,   pelo   TC,   faz  
caso  julgado  apenas  no  que  respeita  à  questão  da  inconstitucionalidade  ou  da  ilegalidade,  
ou   seja,   o   TC   não   é   uma   super-­‐instância   de   recurso,   susceptível   de   se   substituir   ao   tribunal  
recorrido  no  julgamento  da  questão  de  fundo  do  processo-­‐base.    
 
d. Em   fiscalização   concreta,   não   está   prevista   a   possibilidade   de   limitar   os   efeitos   do  
julgamento  de  inconstitucionalidade.  
 
e. Julgada   a   norma   inconstitucional   pelo   TC,   deve   o   tribunal   a   quo   desaplicá-­‐la   ao   caso  
concreto,  aplicando,  em  vez  dela,  a  norma  revogada  pela  norma  julgada  inconstitucional,  de  
onde  resulta  a  produção  de  efeitos  repristinatórios.  
 
2. Quando   às   decisões   negativas   de   inconstitucionalidade   –   a   decisão   do   TC   vincula   o   tribunal  
recorrido,   o   que   significa   que   este   não   pode   desaplicar   a   norma   com   fundamento   na   respectiva  
inconstitucionalidade.  
 
As  sentenças  intermédias  do  TC  
 
1. Decisões   interpretativas   de   acolhimento   –   o   TC   julga   a   norma   aplicada   pelo   tribunal   a   quo  
inconstitucional   por   considerar   manifestamente   insustentável   a   interpretação   da   norma   no   sentido  
da  constitucionalidade  feita  pelo  tribunal,  ou  porque  entende  que  os  sentidos  razoáveis  da  norma  
são  inconstitucionais.  
 
2. Decisões   interpretativas   de   rejeição   –   o   TC   considera   a   norma   não   inconstitucional,   desde   que  
interpretada  em  sentido  conforme  com  a  CRP,  sentido  esse  que  é  diverso  do  adoptado  pelo  tribunal  
a  quo.  
 
O  incidente  de  ilegalidade  e  o  recurso  de  ilegalidade  
 
O   parâmetro   de   controlo   em   sede   de   fiscalização   concreta   é   também   um   controlo   da   legalidade.   Contudo,  
fora   dos   casos   previstos   no   artigo   70.º,   n.º1,   als.   c),   d),   e)   e   f),   a   fiscalização   da   legalidade   em   geral   é   da  
competência   dos   demais   tribunais,   sem   que   haja   possibilidade   de   recurso   para   o   TC.   Assim,   cabe   recurso  
para  o  TC  das  seguintes  decisões:  
 
1. Decisões  que  recusem  a  aplicação  da  norma  constante  de  acto  legislativo,  com  fundamento  na  sua  
ilegalidade  por  violação  de  lei  com  valor  reforçado;  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

2. Decisões   que   recusem   a   aplicação   de   norma   constante   de   diploma   regional   (decreto   legislativo  
regional   ou   regulamentos   administrativos),   com   fundamento   na   sua   ilegalidade   por   violação   o  
estatuto  da  região  autónoma;  
 
3. Decisões  que  recusem  a  aplicação  de  norma  emanada  de  um  órgão  de  soberania,  com  fundamento  
na  sua  ilegalidade  por  violação  do  estatuto  de  uma  região  autónoma;  
 
4. Decisões   que   apliquem   a   norma   cuja   ilegalidade   haja   sido   suscitada   durante   o   processo   com  
qualquer  dos  fundamentos  anteriores.  
 
Tramitação  processual  
 
1. O   tribunal   recorrido   aprecia,   a   título   preliminar,   a   admissibilidade   do   recurso   (art.   76.º/1   LTC),  
embora  esta  decisão  não  vincule  o  TC  (art.  76.º/3).  
 
2. No   caso   do   requerimento   de   interposição   do   recurso   não   indicar   algum   dos   elementos   previstos   no  
art.   75.º-­‐A,   deve   o   juiz   emitir   um   despacho   de   aperfeiçoamento   para   suprir   irregularidades   e  
deficiências  constantes  do  requerimento,  o  qual  deverá  ter  lugar  no  prazo  de  10  dias.  
 
3. Em   caso   de   não   aperfeiçoamento   da   petição   de   recurso   quando   solicitado   ou   em   caso   de   não  
preenchimento   dos   requisitos   processuais,   deve   o   juiz   relator   emitir   uma   decisão   sumária   (art.  
78.º-­‐A/1  e  2),  decidindo  o  não  conhecimento  do  objecto  do  recurso  com  fundamento  no  art.  76.º/2.  
Da   decisão   sumária   cabe   reclamação   para   a   conferência   de   juízes   da   Secção   do   Tribunal  
Constitucional  (78.º-­‐A/3).  
 
4. Quando  se  trate  de  uma  decisão  negativa  de  inconstitucionalidade,  pode  o  recurso  ser  indeferido  no  
caso  de  manifestamente  infundado  (art.  76.º/2).  
 
5. Quando   não   haja   decisão   sumária,   o   processo   segue   para   a   fase   das   alegações,   uma   peça   processual  
onde  o  recorrente  expõe,  no  prazo  de  30  dias,  os  motivos  da  sua  impugnação,  explicitando  as  razões  
por  que  a  decisão  recorrida  é  errada  ou  injusta  (art.  78.º-­‐A/5).  
 
6. Quando  a  questão  for  simples,  por  já  ter  sido  objecto  de  anterior  decisão  do  TC,  deve  o  juiz  relator  
proferir   uma   decisão   sumária   de   julgamento.   Desta   decisão   cabe   recurso   para   a   conferência   de  
juízes  da  secção.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

PROCESSO  DE  FISCALIZAÇÃO  ABSTRACTA    


 
O   processo   de   fiscalização   abstracta   inclui   o   (1)   processo   de   fiscalização   abstracta   sucessiva,   o   (2)   processo  
de  fiscalização  abstracta  preventiva  e  (3)  o  processo  de  verificação  da  inconstitucionalidade  por  omissão.    
 
Princípios:  
 
1. Princípio   do   pedido   –   a   instauração   do   processo   não   pode   ser   promovida   oficiosamente   pelo  
Tribunal,   dependendo   antes   do   requerimento   de   uma   entidade   com   legitimidade   para   tanto.   O  
pedido  deverá  ser  fundamentado  numa  inconstitucionalidade  ou  ilegalidade,  sendo  que,  no  caso  do  
controlo   preventivo,   o   Tribunal   entende   que   basta   invocar   a   existência   de   dúvidas   sobre   a  
constitucionalidade.   Este   princípio   é   decorrente   do   princípio   dispositivo   no   processo   civil.   Traduz-­‐
se  em:  
a. Necessidade  de  iniciativa  de  pedido  para  que  o  processo  seja  aberto.  
b. Fixação  o  objecto  do  processo  pelo  pedido.  
 
2. Princípio  da  indisponibilidade  da  instância,  salvo  no  caso  da  fiscalização  preventiva  (art.  53.º  LTC).  
 
3. Princípio  jura  novit  curia  –  no  que  toca  aos  concretos  preceitos  e  princípios  que  hão-­‐de  servir  de  
padrão   de   controlo   da   constitucionalidade   e   fundamentar   a   questão,   o   Tribunal   não   se   acha  
condicionado  pelas  alegações  do  requerente  (art.  51.º/5).  
 
4. Princípio  do  contraditório  –  embora  este  princípio  esteja  consagrado  no  art.  54.º  LTC,  o  processo  
de  fiscalização  abstracta  não  é  um  processo  contraditório,  na  qual  as  partes  litigam  pela  defesa  de  
direitos  subjectivos,  tratando-­‐se  fundamentalmente  de  um  processo  objectivo  sem  contraditores.  
 
5. Possibilidade   de   rejeição   liminar   do   pedido   .   apenas   por   inobservância   dos   pressupostos  
processuais  que  ele  deve  respeitar  (art.  52.º  LTC).  
 
 
A  tramitação  processual  compreende  as  seguintes  fases  (arts.  62.º  e  ss.):  
 
1. Recebimento  do  pedido;  
2. Audição  do  órgão  autor  da  norma;  
3. Elaboração  do  memorando;  
4. Julgamento.    
 
Diferenças  entre  a  fiscalização  abstracta  sucessiva  e  preventiva:  
 
• Na   fiscalização   sucessiva,   a   lei   concede   a   possibilidade   de   se   solicitar   a   “quaisquer   órgãos   ou  
entidades”  os  elementos  que  julgue  necessários  para  a  apreciação  do  pedido  e  para  a  decisão  (art.  
64.º-­‐A  LTC).  
• Na   fiscalização   sucessiva,   a   elaboração   cabe   ao   Presidente   do   Tribunal   e   não   a   um   relator,  
procedendo-­‐se  o  julgamento  em  duas  fases:  (1)  um  debate  preliminar,  na  base  do  memorando  da  
presidência,   que   se   encerra   com   a   fixação   da   orientação   do   Tribunal   e   distribuição   do   processo   a  
um  relator  para  a  (2)  elaboração  de  um  acórdão,  apreciação  e  assinatura  deste  último.  
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

II  –  PROCESSO  DE  FISCALIZAÇÃO  ABSTRACTA  SUCESSIVA  


 
1.  Sentido  geral  
 
Características  gerais  do  processo:  
1. Sucessivo  –  incide  sobre  normas  perfeitas,  ou  seja,  cujo  processo  de  formação  já  foi  concluído.  
2. Concentrado  –  o  órgão  com  competência  de  controlo  é  exclusivamente  o  TC.  
3. Por  via  principal  –  a  questão  da  inconstitucionalidade  é  a  questão  principal.  
4. Abstracto   –   a   declaração   de   inconstitucionalidade   tem   força   obrigatória   geral,   traduzida   na  
eliminação  da  norma  do  ordenamento  jurídico.  
 
2.  Requisitos  processuais  
 
2.1.  Requisitos  objectivos  (art.  281.º/1)  
 
• Objecto   de   controlo   –   o   objecto   de   controlo   é   “quaisquer   normas”,   ou   seja,   todos   os   actos  
normativos,   estando   aqui   incluídos   (1)   todos   os   actos   que   revistam   a   forma   de   acto   legislativo   ,   e  
ainda  (2)  todos  os  actos  normativos  em  sentido  material,  ou  seja,  que  contenham  disposições  gerais  
e  abstractas.  Ficam  excluídos  os  actos  administrativos.  
 
• Controlo   de   legalidade   –   o   controlo   abstracto   é   ainda   um   controlo   da   legalidade,   de   (1)   normas   que  
violem  leis  de  valor  reforçado,  (2)  diplomas  regionais  (decretos  legislativos  regionais  ou  decretos  
regulamentares   regionais)   que   ofendam   os   estatuto   político-­‐administrativo   da   Região   Autónoma  
em   causa,   e   ainda   (3)   normas   de   diplomas   emanados   pelos   órgãos   de   soberania   que   violem   os  
direitos  das  regiões  consagrados  no  seu  estatuto,  sejam  eles  legislativos  ou  regulamentares.  
 
• Requerimento  ao  TC  (arts,  51.º/1  e  75.º-­‐A/2  LTC)  –  do  requerimento  dirigido  ao  TC  deve  constar  
(1)  a  identificação  da  entidade  recorrente,  (2)  a  indicação  das  normas  cuja  apreciação  se  requer  e  
(3)   a   indicação   das   normas   e   princípios   constitucionais   violados.   Se,   num   dado   preceito,   são  
passíveis   de   emergir   soluções   ou   interpretações   normativas   distintas,   deve   ser   indicada   qual   a  
interpretação  se  entende  desconforme  à  Constituição.  
 
2.2.  Requisitos  processuais  subjectivos  
 
• Quem   tem   competência   para   apreciar   a   questão  –   o   Tribunal   Constitucional   (art.   223.º/1   e   281.º/1  
e  2).  
 
• Quem  tem  competência  para  requerer  a  apreciação  (legitimidade  processual  activa,  art.  281.º/2):  
 
-­‐ Presidente  da  República  
-­‐ Presidente  da  Assembleia  da  República  
-­‐ Primeiro-­‐Ministro  
-­‐ Provedor  de  Justiça  
-­‐ Procurador-­‐Geral  da  República  
-­‐ Um   décimo   dos   deputados   à   Assembleia   da   República   (legitimidade   justificada   pela  
necessidade   de   assegurar   a   tutela   dos   direitos   dos   representantes   das   forças   políticas  
minoritárias  –  princípio  da  protecção  das  minorias  e  do  direito  de  oposição)  
-­‐ Representantes   da   República,   Assembleias   Legislativas   Regionais,   Presidentes   dos  
Governos  Regionais  e  um  décimo  dos  deputados  à  respectiva  Assembleia  Legislativa.  
 
• O   elenco   de   entidades   mencionadas   pode   requerer   a   fiscalização   por   iniciativa   própria,   mas  
também   precedendo   de   petição   de   cidadãos,   grupos   de   cidadãos   ou   organizações   (direito   de  
petição,  art.  52.º).  Não  existe,  porém,  entre  nós  a  figura  do  direito  de  acção  popular  neste  domínio.  
 
• Legitimidade  processual  passiva  –  órgão  que  aprovou  o  acto  de  onde  constam  as  normas  sujeitas  a  
controlo,   e   que   deverá   ser   ouvido   e   tem   legitimidade   para   sustentar   a   regularidade   do   acto  
normativo  (art.  54.º  LTC).  
 
Requisitos  processuais  temporais:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
• O   pedido   de   fiscalização   abstracta   não   tem   prazo,   podendo   ser   requerida   “a   todo   o   tempo”   (art.  
62.º/1  LTC).  
 
 
3.  Efeitos  das  decisões  
 
3.1.  Sentenças  de  rejeição  da  inconstitucionalidade  ou  sentenças  negativas  
 
• Quanto  ao  conteúdo  –  numa  sentença  de  rejeição  da  inconstitucionalidade,  o  TC  julga  improcedente  
o   pedido   do   requerente,   seja   (1)   porque   discorda   da   cauda   de   pedir,   ou   (2)   porque   considera   que   a  
norma  pode  ainda  ser  válida  através  de  uma  interpretação  conforme  a  Constituição.  
 
• Quanto  aos  efeitos  –  uma  sentença  de  rejeição  não  beneficia  de  força  obrigatória  geral  e  do  efeito  do  
caso  julgado.  Se  uma  decisão  tivesse  força  de  caso  julgado,  significaria  que  se  estaria  a  consagrar,  
entre  nós,  a  regra  da  vinculação  a  precedentes  judiciais.  O  mesmo  é  dizer  que  tal  sentença  não  tem  
efeito  preclusivo,  não  impedindo  que  o  mesmo  ou  outro  requerente  venha  de  novo  solicitar  ao  TC  a  
apreciação   da   norma.   No   entanto,   a   norma   não   declarada   inconstitucional   beneficia   de   uma  
presunção  de  não  inconstitucionalidade.    
 
3.2.  Sentenças  declarativas  de  inconstitucionalidade  ou  sentenças  de  provimento  
 
Regime  geral  dos  efeitos  das  sentenças  declarativas  de  inconstitucionalidade  
 
Vinculatividade  das  decisões  
 
1. Força  de  caso  julgado  –  as  sentenças  do  TC  têm  força  de  caso  julgado  (1)  formal,  pois  são  decisões  
finais,   insusceptíveis   de   recurso   ordinário   no   processo,   e   (2)   material,   isto   é,   a   decisão   vale   para  
todos.  
 
2. Força   obrigatória   geral   (art.   282.º/1   CRP   e   art.   66.º   LTC)   –   a   força   obrigatória   geral   está   ligado,  
segundo  Gomes  Canotilho,  a  duas  notas  –  a  vinculação  geral  e  a  força  de  lei.  
 
a. Vinculação   geral   –   traduz-­‐se   na   vinculação   a   todos   os   órgãos   constitucionais,   todos   os  
tribunais  e  todas  as  autoridades    administrativas.  
 
b. Força  de  lei  –  as  sentenças  têm  valor  normativo  para  todas  as  pessoas  físicas  e  colectivas  
juridicamente  afectadas  pela  decisão,  e  não  apenas  para  os  poderes  públicos.  Porém,  esta  
alusão   ao   efeito   de   lei   não   pretende   equiparar   as   sentenças   declarativas   a   actos  
formalmente   legislativos,   mas   apenas   realçar   a   produção,   por   parte   destas,   de   alguns  
efeitos   ligados   aos   actos   legislativos   (por   exemplo,   a   publicação   em   jornal   oficial,   art.  
119.º/1/g  CRP).  
 
Em  termos  práticos,  a  força  de  lei  tem  várias  refracções:  
 
1. Vinculação  do  legislador  –  a  declaração  de  inconstitucionalidade  implica  para  o  legislador:  
 
a. Proibição   de   reprodução,   através   de   lei,   da   norma   declarada   inconstitucional.   Este   limite  
negativo   justifica-­‐se   pelos   princípios   da   constitucionalidade   e   da   confiança   entre   órgãos  
constitucionais.   A   proibição   abrange   os   casos   de   recuperação   da   lei   declarada   ilegal  
embora   com   uma   nova   reformulação.   Estes   limites   não   devem,   todavia,   ser   considerados  
“eternos”,   devendo   ter   em   conta   alterações   substanciais   da   consciência   jurídica   da  
comunidade.  
 
b. Proibição  de  convalidação  retroactiva  de  actos  administrativos  praticados  com  base  numa  
norma  declara  inconstitucional  sem  limitação  de  efeitos.  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

2. Vinculação   do   TC   –   o   TC   está   obrigado   a   aplicar   o   conteúdo   das   suas   decisões   de  


inconstitucionalidade   aos   processos   pendentes   nos   quais   a   norma   declarada   inconstitucional   tenha  
sido  objecto  de  um  requerimento  de  fiscalização  concreta.  
 
3. Vinculação   de   todos   os   tribunais   e   dos   operadores   administrativos   –   a   vinculação   de   todos   os  
tribunais   implica   a   obrigatoriedade   de   resolverem   os   processos   neles   pendentes   desaplicando   a  
norma   declarada   inconstitucional.   Já   a   Administração   está   vinculada   a   não   praticar   actos  
administrativos   com   base   em   norma   declarada   inconstitucional,   sob   pena   de   nulidade   ou  
anulabilidade  dos  mesmos.    
 
Efeitos  das  decisões  (regime-­regra)  
 
1. Efeito   invalidatório   ou   retroactivo   (art.   282.º/1)   –   uma   norma   declarada   inconstitucional   é   uma  
norma   inválida,   mais   concretamente,   uma   norma   nula,   o   que   significa   que   a   declaração   da  
inconstitucionalidade  da  norma  anda  associada  à  declaração  de  nulidade  “ipso  jure”.  A  nulidade,  a  
nível   constitucional,   está   associada   a   (1)   eliminação   da   norma   inconstitucional   do   ordenamento  
jurídico   e   (2)   eliminação   dos   efeitos   produzidos   por   ela   e   dos   actos   jurídicos   produzidos   ao   seu  
abrigo,  ou  efeitos  ex  tunc.    
 
A   retroactividade   da   declaração   de   inconstitucionalidade   justifica-­‐se   por   dois   motivos,   (1)   por   a  
Constituição,   como   fundamento   de   validade,   dever   prevalecer   sempre,   e   (2)   por   a   mera   eficácia  
futura  da  declaração  poder  acarretar  diferenças  de  tratamento  das  pessoas.  A  sentença  do  TC  tem  
carácter  declarativo,  ou  seja,  o  TC  vem  apenas  declarar  uma  realidade  já  existente.    
 
Regime  de  inconstitucionalidade  originária  e  de  inconstitucionalidade  superveniente:  
 
a. Inconstitucionalidade  originária  –  uma  norma  é  originariamente  inconstitucional  quando  a  
desconformidade   entre   ela   e   o   parâmetro   normativo-­‐constitucional   existe   desde   o  
momento  da  sua  criação.  Assim,  os  efeitos  retroagem  ao  momento  da  entrada  em  vigor  da  
norma,  ou  seja,  são  efeitos  ex  tunc.  
 
b. Inconstitucionalidade   superveniente   –   uma   norma   sofre   de   inconstitucionalidade  
superveniente   quando   a   desconformidade   entre   ela   e   o   parâmetro   normativo-­‐
constitucional  é  posterior  à  sua  entrada  em  vigor,  ou  seja,  quando  resulta  de  uma  alteração  
do  parâmetro  constitucional,  quer  por  nova  Constituição,  quer  por  revisão  constitucional.  
Para  estas  normas,  o  art.  282.º/2  estabelece  um  regime  específico,  um  regime  misto  entre  a  
eficácia   ex   tunc   absoluta   e   a   eficácia   ex   nunc,   na   medida   em   que   a   declaração   de  
inconstitucionalidade  retroage  apenas  ao  momento  em  que  se  deu  a  entrada  em  vigor  da  
norma   que   a   tornou   inconstitucional,   ou   seja,   o   momento   da   alteração   do   parâmetro  
jurídico-­‐constitucional.  
 
2. Efeito   repristinatório   (art.   282.º/1)   –   a   declaração   de   inconstitucionalidade   produz  
automaticamente   a   repristinação,   ou   seja,   a   reentrada   em   vigor   da   norma   ou   normas   revogadas  
pela  norma  declarada  inconstitucional.  Este  efeito  decorre  dos  efeitos  ex  tunc  atribuídos  à  sentença  
de   declaração   de   inconstitucionalidade   e   tem   como   objectivo   evitar   o   “vazio   jurídico”   provocado  
pela  eliminação  da  norma  inconstitucional.  
 
Hipóteses  nas  quais  não  existe  repristinação:  
 
a. Quando  a  norma  declarada  inconstitucional  não  tiver  revogado  qualquer  norma  ou  quando  
esta  houver  caducado;  
b. Quando  a  norma  anterior  é  também  ela  inconstitucional,  hipótese  que  levanta  o  problema  
de  saber  se  o  TC  pode  conhecer  desta  inconstitucionalidade  e  declará-­‐la;  
c. Quando  entre  nenhuma  norma  e  a  norma  repristinada,  seja  aquela  a  solução  mais  razoável:  
d. Quando   se   trate   de   inconstitucionalidade   superveniente,   embora   esta   seja   uma   solução  
controversa.  
 
Excepções  ao  regime-­regra  
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

1. Excepção  ao  efeito  retroactivo  ou  o  princípio  da  intangibilidade  do  caso  julgado  (art.  282.º/3)  –  a  
declaração  de  inconstitucionalidade  não  afecta  os  casos  julgados,  ou  seja,  não  perturba  as  sentenças  
já  transitadas  em  julgado  proferidas  ao  abrigo  da  norma  declarada  inconstitucional.  Portanto,  estas  
sentenças  não  são  nulas  nem  revisáveis.  Este  princípio  encontra  o  seu  fundamento  em  dois  outros,  
o  (1)  princípio  da  segurança  jurídica  e  (2)  princípio  da  protecção  da  confiança  dos  cidadãos.    
 
A   doutrina   entende   que   este   preceito   se   estende   a   quaisquer   outras   situações   juridicamente  
consolidadas,  por  cumprimento  de  obrigações,  transacção  ou  acto  de  natureza  análoga,  assim  como  
decisões   administrativas   de   carácter   definitivo.   Alega-­‐se,   para   este   efeito,   que   a   norma   declarada  
inconstitucional  não  era  já  materialmente  reguladora  de  tais  situações.  
 
2. Excepção  à  excepção  ou  excepção  ao  princípio  da  intangibilidade  do  caso  julgado  (art.  282.º/3)   –  a  
declaração   de   inconstitucionalidade   estende-­‐se   aos   casos   julgados   quando   se   verifiquem  
simultaneamente  três  requisitos:  
 
a. Decisão  expressa  do  TC,  embora  não  se  trate  de  uma  faculdade,  mas  sim  de  uma  obrigação;  
b. A  norma  declarada  inconstitucional  respeitar  a  matéria  penal,  disciplinar  ou  ilícito  de  mera  
ordenação  social;  
c. A  norma  for  de  conteúdo  menos  favorável  ao  arguido.  
 
Este  regime  justifica-­‐se  pelo  princípio  do  tratamento  mais  favorável  do  arguido,  que  resulta  do  art.  
29.º  CRP.  
 
Limitação  dos  efeitos  de  declaração  de  inconstitucionalidade  (art.  282.º/4)  
 
O   art.   282.º/4   consagra   a   possibilidade   de   o   TC   restringir   os   efeitos   da   declaração   de   inconstitucionalidade.  
Os   efeitos   de   alcance   mais   restrito   podem   respeitar   a   três   domínios,   (1)   aos   efeitos   retroactivos,   (2)     aos  
efeitos  repristinatórios  e  (3)  nulidade  parcial  em  vez  de  nulidade  total.  
 
1. Efeitos   retroactivos   –   a   sentença   declarativa   da   inconstitucionalidade   pode,   por   decisão   do  
Tribunal,  (1)  produzir  apenas  efeitos  ex  nunc,  começando  a  produzir  efeitos  a  partir  da  publicação  
da   mesma   no   DR   ou   (2)   produzir   efeitos   apenas   até   certa   data   ou   até   à   ocorrência   de   um   dado  
evento.  
 
2. Efeitos   repristinatórios   –   o   TC   pode   determinar   a   não   produção   de   efeitos   repristinatórios,   uma  
decisão   que   se   pode   fundamentar   em   vários   motivos,   (1)   a   norma   a   repristinar   pode   ser  
inconstitucional,   (2)   a   norma   declarada   inconstitucional   pode   ter   caducado   ou   esgotado   o   seu  
objecto,   ou   (3)   esta   pode   simplesmente   não   se   afigurar   uma   solução   razoável,   por   impor   sacrifícios  
excessivos   aos   destinatários.   A   doutrina   admite   ainda   a   repristinação   parcial,   situação   que   se  
justifica   quando   as   objecções   contra   a   repristinação   respeitarem   apenas   a   uma   parte   das   normas  
revogadas.  
 
3. Nulidade   parcial   –   a   regra   geral   é   a   de   que   a   declaração   de   inconstitucionalidade   de   uma   das  
normas   de   um   diploma   se   comunica   às   demais.   Contudo,   consagra-­‐se   a   hipótese   da   nulidade  
parcial,   na   qual   vale   a   incomunicação   da   nulidade.   Há   casos   em   que   a   nulidade   parcial   dos   actos  
normativos   origina   a   nulidade   total   –   (1)   quando   as   normas   restantes   deixarem   de   ter   qualquer  
significado   autónomo   (critério   da   dependência)   e   (2)   quando   o   preceito   fizer   parte   de   uma  
regulamentação  global  (critério  da  interdependência).    
É   igualmente   possível   fazer   incidir   a   inconstitucionalidade   somente   sobre   um   segmente   de   uma  
norma,   permitindo-­‐nos   distinguir   entre   (1)   inconstitucionalidade   horizontal   ou   quantitativa   e   (2)  
inconstitucionalidade  parcial  vertical  ou  qualitativa.  
 
A  restrição  dos  efeitos  deve  ainda  ser  devidamente  fundamentada.  
 
1. A   decisão   do   Tribunal   deve   sempre   ser   fundamentada,   podendo   fundar-­‐se   em   razões   ligadas   à  
segurança  jurídica,  equidade  ou  em  interesse  público  de  excepcional  relevo.    
 
a. Segurança   jurídica   –   o   TC   pode   restringir   os   efeitos   de   declaração   de   inconstitucionalidade  
quando   resulte   uma   destabilização   suficientemente   grave   das   expectativas   jurídicas   dos  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

indivíduos   na   estabilidade   a   previsibilidade   do   ordenamento   jurídico.   É   o   motivo   mais  


convocado.  
b. Equidade   –   é   um   modo   de   resolução   de   conflitos   que   consiste   na   postergação   da   solução  
formalmente  prevista  em  nome  de  razões  ou  intenções  de  justiça  material.  Assim  o  TC  deve  
ter  em  conta  ponderações  de  justiça  em  face  das  circunstâncias  mutáveis  da  vida  social.  
c. Interesse  público  de  excepcional  relevo  –  a  exigência  de  que  tenham  excepcional  relevo  é  
uma  medida  de  prudência  por  parte  do  legislador,  que  assim  impõe  um  ónus  acrescido  de  
fundamentação.  
 
2. Esta   decisão   está   sempre   condicionada   por   um   princípio   de   proporcionalidade,   na   sua   tríplice  
vertente  de  necessidade,  adequação  e  racionalidade.  
 
3. Existem,   finalmente,   limites   absolutos   à   limitação   de   efeitos,   por   virtude   de   princípios  
fundamentais,  como  o  princípio  da  igualdade.  
 
 
4.  A  repetição  do  julgado  (art.  281.º/3)  
 
O   art.   281.º/3   prevê   um   processo   de   fiscalização   abstracta   de   carácter   oficioso,   através   do   qual   é   possível   a  
declaração   de   inconstitucionalidade   com   força   obrigatória   geral   com   base   em,   pelo   menos,   três   juízos  
concretos  de  inconstitucionalidade  pelo  TC.  Este  é  um  processo:  
 
1. Oficioso  –  seu  desencadeamento  parte  dos  próprios  juízos  do  TC  e  dos  magistrados  do  MP  (art.  82.º  
LTC);  
2. Poder  facultativo  –  trata-­‐se  de  uma  faculdade  e  não  de  um  exercício  obrigatório;  
3. Poder   não   automático   –   é   necessário   o   desencadeamento   de   um   novo   processo   de   fiscalização  
abstracta  sucessiva.  
 
Este   instituto   não   carece,   para   operar,   de   uma   uniformidade   dos   fundamentos   do   juízo   de  
inconstitucionalidade,   valendo   aqui   o   princípio   jura   novit   curia.   Finalmente,   a   repetição   do   julgado   opera  
como   uma   ponte   entre   o   controlo   concreto   e   o   controlo   abstracto   sucessivo   e   destina-­‐se   a   garantir   os  
princípios  da  unidade  jurisprudencial  e  da  segurança  jurídica.    
   
 
 
 
   
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

III  –  PROCESSO  DE  FISCALIZAÇÃO  ABSTRACTA  PREVENTIVA  


 
1.  Sentido  geral  
 
Características  gerais  do  processo:  
1. A   fiscalização   abstracta   preventiva   é   um   processo   que   incide   sobre   normas   imperfeitas,   ou   seja,  
normas  que  ainda  não  concluíram  o  seu  processo  de  formação.  
2. É   o   processo   de   controlo   que   tem   um   carácter   mais   marcadamente   político,   constituindo   uma  
opção   típica   de   sistemas   semi-­‐presidencialistas.   É   um   instituto   que   valoriza   o   protagonismo  
moderador  ou  arbitral  do  PR,  que  pode  usar  este  processo  para  obstar  à  existência  jurídica  de  actos  
normativos  ou  dissipar  dúvidas  publicamente  expressas  sobre  a  sua  perfeição  jurídica.  
3. Dada   a   imediaticidade   entre   a   aprovação   dos   diplomas   e   a   sua   fiscalização   do   TC,   este   processo  
corre  o  risco  de  se  tornar  num  instrumento  de  obstrução  das  iniciativas  legislativas  do  governo  e  
do   parlamento.   A   sua   aceitação   fundamenta-­‐se   na   ideia   de   “mal   menor”,   pois   tenta-­‐se   evitar   a  
entrada  em  vigor  de  normas  de  cujo  mérito  constitucional  se  duvida.  
 
 
2.  Requisitos  processuais  
 
2.1.  Requisitos  subjectivos  
 
• Quem   tem   competência   para   fiscalizar   –   o   TC,   nos   termos   do   art.   223.º/2/f   e   278.º   CRP,  
funcionando  em  plenário  e  não  em  secção.  
 
• Quem   tem   competência   para   requerer   (legitimidade   processual   activa,   art.   278.º/1   e   2).   No   caso   de  
não   verificação   dos   pressupostos   subjectivos,   o   art.   52.º/1   LTC   determina   a   não   admissão   do  
pedido.  
 
-­‐ Presidente   da   República   –   o   PR   dispõe   de   competência   genérica   para   requerer   ao   TC   a  
fiscalização   preventiva   de   diplomas   para   ratificação   (tratados),   assinatura   (acordos)   ou  
promulgação  (actos  legislativos  dos  órgãos  de  soberania).  A  sua  decisão  é  (1)  um  acto  livre,  
exceptuando   o   caso   da   proposta   de   referendo   nacional   (art.   115.º/8)   e   (2)   basta   a  
existência  de  dúvidas  sobre  a  desconformidade  com  a  Constituição.  
-­‐ Representantes   da   República   nas   Regiões   Autónomas   –   estes   podem   requerer   ao   TC   a  
fiscalização   preventiva   de   diplomas   que   lhes   tenham   sido   enviados   para   assinatura   na  
qualidade  de  decretos  legislativos  regionais.    
-­‐ Primeiro-­‐Ministro   ou   1/5   dos   Deputados   da   AR   –   desde   a   2ª   revisão   constitucional   de  
1989,   estes   têm   competência   para   requerer   a   fiscalização   da   constitucionalidade   de  
normas  constantes  de  decretos  que  devam  ser  publicados  como  lei  orgânica.  
 
2.2.  Requisitos  objectivos  
 
• O  objecto  da  fiscalização  preventiva  é  mais  restrito  que  o  da  fiscalização  sucessiva,  pois  (1)  não  há  
fiscalização  preventiva  da  ilegalidade,  e  (2)  o  objecto  de  controlo  não  são  todas  as  normas  jurídicas,  
mas  apenas  as  normas  constantes  dos  actos  normativos  mais  importantes  do  ordenamento  jurídico,  
tipificadas  no  art.  278.º/1  e  2:  
 
-­‐ Tratados  internacionais  submetidos  ao  PR  para  ratificação;  
-­‐ Acordos  internacionais  submetidos  ao  PR  para  assinatura;  
-­‐ Leis  e  decretos-­‐leis  enviados  ao  PR  para  promulgação;  
-­‐ Decretos  legislativos  regionais  enviados  aos  RR  para  assinatura;  
-­‐ Propostas  de  referendo  a  nível  nacional,  regional  e  local.  
 
 
 
ÓRGÃO  COM  LEGITIMIDADE  PROCESSUAL  ACTIVA   OBJECTO  DE  FISCALIZAÇÃO  
Leis  e  decretos-­‐leis  
Presidente  da  República   Tratados  
Acordos  internacionais  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

Propostas  de  referendo  


Representantes  da  República  nas  RA   Decretos  legislativos  regionais  
Primeiro-­‐Ministro  ou  1/5  dos  deputados  da  AR   Leis  orgânicas  
 
2.3.  Requisitos  temporais  
 
• A  apreciação  preventiva  da  constitucionalidade  deve  ser  requerida  no  prazo  de  oito  dias  a  contar  da  
recepção  do  diploma  (art.  278.º/3).  
 
• O   TC   deve   pronunciar-­‐se   no   prazo   de   25   dias,   o   qual   pode   ser   encurtado   pelo   PR   por   motivo   de  
urgência  (art.  278.º/8).  O  encurtamento  do  prazo  obedece  ao  princípio  da  proporcionalidade.  
 
• Figura  da  promulgação  vendada  ou  temporariamente  condicionada  (art.  278.º/7)  –  o  PR  não  pode  
promulgar   os   decretos   sem   que   decorram   8   dias   após   a   respectiva   recepção   ou   antes   de   o   TC   sobre  
eles   se   ter   pronunciado,   quando   a   intervenção   deste   tiver   sido   requerida.   A   razão   de   ser   deste  
regime   é   a   de   respeitar   o   acautelamento   pela   decisão   do   TC   sempre   que   o   PM   ou   os   deputados  
tenham  exercido  a  faculdade  de  requerer  a  fiscalização  preventiva.    
 
 
3.  Efeitos  da  decisão  
 
Decisão  de  não  pronúncia  
 
1. Inexistência  de  efeito  preclusivo  –  a  decisão  de  não  pronúncia  não  faz  caso  julgado  material,  o  que  
significa  que  a  pronúncia  não  precludem  nem  vinculam  outros  processos  de  fiscalização  sucessiva  
da  inconstitucionalidade  que  no  futuro  possam  ter  por  objecto  a  norma  já  formada.    
2. Caso   julgado   formal   –   porém,   a   decisão   faz   caso   julgado   formal,   o   que   significa   que   a   questão   da  
inconstitucionalidade  fica  definitivamente  decidida  no  sentido  da  sentença.  
 
Decisão  de  pronúncia  
 
1. Veto   por   inconstitucionalidade   do   diploma   (279.º/1)   –   este   veto   é   aposto   pelo   PR   ou   pelo   RR,   e  
trata-­‐se  de  um  veto  expresso,  obrigatório  e  que  envolve  a  totalidade  do  diploma.  
 
2. Devolução  ou  reenvio  do  diploma  ao  órgão  que  aprovou  o  acto  (art.  279.º/1).  
 
3. Expurgação  ou  confirmação  (art.  279.º/2,  3  e  4)  –  para  além  da  hipótese  de  desistência  do  diploma;  
o  veto  do  PR  ou  dos  RR,  sendo  um  veto  suspensivo,  pode  ser  superado  por:  
a. Expurgação  da  norma  considerada  constitucional  –  eliminação  das  normas  que  sofrem  do  
vício   de   inconstitucionalidade.   Neste   caso,   considera-­‐se   que   ainda   se   trata   do   mesmo  
diploma,  razão  pela  qual  e  está  precludida  nova  intervenção  do  TC.  
b. Reformulação  –  introdução  de  alterações  substanciais  na  norma  ou  normas  implicadas  na  
pronúncia,  de  tal  forma  que  é  possível  sustentar  a  existência  de  um  novo  diploma,  distinto  
to  vetado.  Assim  sendo,  justifica-­‐se  que  o  PR  possa  requerer  novo  controlo  preventivo.  
c. Confirmação    
 
-­‐ Leis  da  AR  –  existe  a  possibilidade  de  confirmação  do  decreto  por  maioria  de  dois  
terços   dos   deputados   presentes.   Esta   solução   aparenta   semelhanças   com   o   art.  
136.º/2,   isto   é,   com   a   possibilidade   de   uma   maioria   parlamentar   qualificada  
superar   o   veto   político   do   PR.   No   entanto,   no   caso   do   veto   político,   o   PR   não  
poderá   recusar   a   promulgação   do   diploma   confirmado,   ao   passo   que,   no   caso   do  
veto   por   inconstitucionalidade,   o   PR   conserva   a   faculdade   de   promulgar,   ou   não,   o  
diploma,   sendo   que   a   sua   decisão   dependerá   da   natureza   e   extensão   das  
inconstitucionalidade,  da  maioria  da  confirmação,  etc.  
 
-­‐ Decretos-­‐leis  –  não  existe  possibilidade  de  confirmação.  
 
-­‐ Decretos   legislativos   regionais   e   decretos   regulamentares   de   leis   gerais   da  
República   –   a   doutrina   maioritária   considera   não   haver   possibilidade   de  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

confirmação   do   veto,   por   esta   ser   uma   faculdade   excepcional   e   só   admissível  


quando  expressamente  prevista  na  Constituição.    
 
 
4.  Efeitos  relativamente  ao  TC  
 
Não   obstante   a   pronúncia   do   TC   no   sentido   da   inconstitucionalidade,   o   decreto,   tratado   ou   acordo  
submetidos   à   sua   apreciação   podem   vir   a   ser   promulgados,   ratificados   ou   assinados.   Contudo,   o   TC   pode  
sempre   vir   a   considerar   de   novo   o   diploma   inconstitucional   em   sede   de   controlo   sucessivo,   e   a   sua  
pronúncia  produz  efeitos  de  relevância  jurídica.  
 
1. Presunção   de   inconstitucionalidade  –   estabelece-­‐se   uma   presunção   de   inconstitucionalidade   para   a  
norma  ou  normas  do  diploma,  muito  importante  em  sede  de  direitos,  liberdades  e  garantias.  
 
2. Obrigatoriedade   de   recurso   para   o   MP   quando   os   tribunais   apliquem   a   norma   sobre   a   qual   ela  
incidiu  (art.  280.º/5).  
 
 
IV  –  FISCALIZAÇÃO  DA  INCONSTITUCIONALIDADE  POR  OMISSÃO  
 
1.  Sentido  geral  
 
• A   inconstitucionalidade   por   omissão   é   um   instrumento   que   reflecte   as   insuficiências   resultantes   da  
redução  do  Estado  de  direito  democrático  aos  processos  e  instrumentos  típicos  dos  ordenamentos  
liberais.  Embora  haja  um  dever  jurídico-­‐constitucional  do  legislador  no  sentido  de  este  adoptar  as  
medidas  legislativas  necessárias  para  tornar  exequíveis  as  normas  da  Constituição,  a  esse  dever  não  
corresponde  um  direito  fundamental  à  legislação.    
 
• Contudo,  para  haver  omissão  constitucional,  não  basta  haver  um  qualquer  silêncio  do  legislador.  É  
necessário   que   este   silêncio   corresponda   a   uma   obrigação   constitucional   e   não   a   um   mero   dever  
geral  do  legislador.  
 
 
2.  Tipos  de  omissão  
 
• Omissão  absoluta  –  casos  de  inexistência  de  norma;  
 
• Omissão   relativa   –   casos   de   (1)   cumprimento   apenas   parcial   da   obrigação   constitucional,   e   (2)  
casos  em  que  o  legislador  favorece  certos  grupos  em  detrimento  de  outros.  
 
 
3.  Casos  de  obrigação  constitucional  de  agir  
 
1. Imposições   constitucionais   legiferantes   strictu   sensu   –   obrigações   legiferantes   permanentes   e  
concretas.   As   imposições   constitucionais   em   sentido   amplo   correspondem   a   obrigações  
constitucionais  permanentes  e  abstractas,  a  tarefas  do  Estado,  não  possuindo  grau  de  concretização  
suficiente  para  concluir  acerca  de  uma  omissão  constitucional.  
 
2. Ordens  de  legislar  –  ordens  únicas  e  concretas.  
 
3. Dever   de   melhoria   das   leis   na   “sociedade   de   risco”   –   o   dever   de   melhoria   das   leis   para   acompanhar  
as  melhorias  da  técnica  e  dar  resposta  a  novas  necessidades.  
 
 
4.  Requisitos  processuais  
 
4.1.  Requisitos  processuais  subjectivos  (art.  283.º/1)  
 
1. Legitimidade  processual  activa:  
Laura  Nunes  Vicente  –  Ano  lectivo  2011/2012  

 
- Presidente  da  República;  
- Provedor  de  Justiça;  
- Presidentes   das   Assembleias   Legislativas   Regionais   (com   fundamento   na   violação   de  
direitos  das  Regiões  Autónomas).  
 
2. Destinatários:  apenas  o  legislador.  
 
4.2.  Requisitos  objectivos  –  falta  de  medidas  legislativas.  
 
 
5.  Efeitos  (art.  282.º/2  CRP,  art.  68.º  LTC)  
 
• A   verificação   do   incumprimento   da   CRP   obriga   o   TC   a   dar   conhecimento   da  
inconstitucionalidade   ao   órgão   competente.   Contudo,   em   caso   algum   o   TC   emite   a   norma   em  
falta,  apenas  recomenda  ao  legislador  a  sua  emissão.  
 

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