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MEMORIAIS FISCO

A principal questão em debate neste problema é a extensão da


imunidade para o contribuinte de fato. A Constituição Federal prevê imunidade
no art. 150, VI, c, para instituições ou fundações sem fins lucrativos que
beneficiem a população, atuando conforme os valores propagados pelo texto
constitucional. Contudo, embora sejam imunes de pagar tributos como IPI ou
ICMS, elas pagam de forma indireta no preço embutido dos produtos e serviços
que adquirem para seu funcionamento. Assim, acabam sendo tributadas
independente da sua isenção. Portanto, está em debate a imunidade para o ente
de fato, comerciante ou importador dessas instituições que repassa o valor de
tributo nas vendas, como extensão da imunidade de direito, as fundações
filantrópicas que detêm o direito de imunidade propriamente.
Estes memoriais visam defender a tributação incidente aos
comerciantes por não terem direito a esta isenção, portanto defender o direito de
tributação do Estado. Antes de apresentar argumentos sobre o conflito, deve-se
apontar que o STF já se pronunciou sobre o assunto em diversos momentos. Um
dos últimos foi no Recurso Extraordinário 608.872/MG de 2017, repercussão
geral tema 342, no qual os ministros decidiram em unanimidade na manutenção
do entendimento jurisprudencial de manter a tributação de ICMS para a venda
de produtos médicos às instituições hospitalares filantrópicas:

EMENTA Tributário – Imunidade – Entidades de assistência social –


ICMS – Aquisição no mercado interno – Contribuinte de fato. 1. A
controvérsia relativa à abrangência da imunidade prevista no art. 150,
inciso VI, “c”, da Constituição Federal a instituição de assistência social,
quando da aquisição de bens no mercado interno, na qualidade de
contribuinte de fato, ultrapassa os limites subjetivos das partes. 2.
Repercussão geral reconhecida.1

Alguns exemplos da discussão dessa questão são os recursos RE


55.574/CE, relator Pedro Chaves, data 20/8/64, e o RE 54.190/CE, relator

1
RE 608872 RG, Relator(a): Min. DIAS TOFFOLI, julgado em 02/12/2010, PROCESSO ELETRÔNICO
DJe-146 DIVULG 29-07-2011 PUBLIC 01-08-2011.
Evandro Lins, de 24/09/64, os quais também decidiram em manter os tributos.
Também se deve apontar a súmula 591 que expressamente define: “A imunidade
ou a isenção tributária do comprador não se estende ao produtor, contribuinte do
imposto sobre produtos industrializados”, portanto importadores ou industriais de
maquinas hospitalares ou medicamentos não recebem isenção, mesmo
comerciando para entes beneficentes. Este entendimento não foi construído no
momento atual, mas desde a década de 60, assim quando se busca altera-lo
deverá analisar o quesito de Segurança Jurídica, pois claramente já existe um
posicionamento consolidado sobre o tema a mais de 50 anos. Posicionamento
que também foi aderido pela Constituição de 88, como se perceberá adiante.
O primeiro ponto que deve ser levantado é o próprio texto
constitucional, o qual não estabelece esse tipo de proteção para o comerciante.
O texto deixa claro que a imunidade somente se aplica para fundações
beneficentes, sem fins lucrativos. Trata-se, portanto, de uma imunidade subjetiva,
exclusiva do ente. O doutrinador Luís Silveira Difine define estas imunidades da
seguinte forma:
Imunidades subjetivas são aquelas para cuja identificação releva o
objeto, que por qualquer especificidade refogue à regra de tributação.
Objetiva é a imunidade de livros, jornais e periódicos, por exemplo.
Define-se pelo seu objeto, não por qualidades pessoais do potencial
sujeito passivo. Subjetivas são as que dizem respeito a condições
pessoais do sujeito, concedidas em razão de determinadas pessoas. A
imunidade dos partidos políticos ou entidades sindicais de trabalha-
dores é subjetiva, pois concedida em função dessas pessoas.2
Ademais, não se pode buscar inverter a Carta Magna para
beneficiar aqueles que não foram apontados previamente no texto. Correndo-se
o perigo de diminuir a importância atribuída ao texto, algo que o judiciário não
pode permitir. As isenções dessas instituições visam atender os serviços e
produtos fornecidos por elas. Caso elas produzam algum produto e
comercializem, esta venda terá isenção de ICMS. Contudo, todo lucro deve
retornar para ser reinvestimento na própria entidade, não se pode gerar um lucro.
Poderá alegar que uma interpretação teleológica da Constituição
possibilita essa extensão da imunidade sem desrespeitar as normas

2
DIFINI, Luis Silveira. Manual de Direito Tributário. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2008, p.105.
constitucionais. Como se trata de instituição de caridade que não objetiva
nenhum lucro nas suas atividades e visa atender a toda população necessitada,
segue-se valores impostos pela própria carta, assim é legitimo essa extensão.
Entretanto, essa linha interpretativa extensiva também pode ser perigosa não
somente por não considerar o texto expresso, mas por estender o benefício a
todos os entes que possuem imunidade. Diante disso, todos os comerciantes
relacionados as instituições apontadas pelo art. 150, VI, c, CF podem ter isenção
de ICMS na venda de seus produtos a estes entes. Assim, partidos políticos e
como uniões sindicais teriam estes benefícios? Afinal, há a benefício para
hospitais, por quais motivos outros beneficiados no mesmo artigo em questão
não poderiam se valer dessa possibilidade. Se defender a imunidade das
instituições filantrópicas pela importância de seus serviços, se compreenderia
que outros entes não prestam serviços ou atividades relevantes? Assim se
expande para uns e outros não, por mero entendimento jurisprudencial, sem
qualquer limitação expressa.
Também se deve considerar que judiciário não pode realizar uma
mudança dessa magnitude. O responsável por criação de normas, diretrizes e
tributos é o Poder Legislativo. O judiciário não deve intervir em uma questão que
não é de sua competência, pois não cabe a ele definir quem pode ou não ser
tributado por meio de uma interpretação extensiva da constituição. Não se
estaria seguindo princípios basilares como a Segurança Jurídica nesse quesito.
Outro ponto a ser tratado é o quesito de tributação indireta, pois se
compreende que o hospital embora seja imune ira arcar com as custas dessas
taxas que serão passadas pelo comerciante para seu comprador. Contudo no
próprio julgamento do RE 608.872/MG, o ministro relator Dias Toffoli apontou
que se trata de uma questão de preço, a retirada dos tributos iria
necessariamente tornar os valores dos produtos mais baratos para o ente
beneficente. Citando diversos doutrinadores como Hugo de Brito Machado
Segundo, Geraldo Ataliba, Luís Eduardo Schoueri, o ministro aponta a diversa
gama de fatores que definem os valores que serão cobrados:

Sobre a influência da tributação na formação de preços, Luís Eduardo


Schoueri, embasado especialmente nos ensinamentos de Cesare
Cosciani (Principios de ciencia de la hacienda. Madrid: Ed de Derecho
Financiero), indica, além do tempo (longo, curto ou curtíssimo), os mais
variados fatores de influxo: em relação ao tributo, o montante (grande
ou pequeno), o tipo (geral ou especial), a forma de cálculo (fixo,
segundo a quantidade produzida, sobre o valor das vendas, sobre a
renda marginal, sobre o capital investido) e o sistema geral de
arrecadação e lançamento (embutido ou não no preço); quanto ao bem
onerado, a curva de custos (custo fixo ou variável), a elasticidade da
demanda (alta, média, baixa ou nula), a elasticidade da oferta (alta,
média, baixa ou nula), a durabilidade (conservação ou deterioração) e
a existência de bens complementares, substitutivos ou de oferta rival;
a respeito do regime econômico, a existência de concorrência perfeita,
de monopólio (de oferta ou de demanda), e monopólio bilateral, de
duopólio (de oferta ou de demanda), de oligopólio perfeito (de oferta ou
de demanda) ou de concorrência monopolista; no tocante ao sujeito
passivo, a possibilidade de estoques (grande, média, pequena ou nula),
a necessidade de manutenção de níveis mínimos de trocas,
possibilidade de uso de linhas de crédito, possibilidade de abandonar
a produção do bem onerado pela de outro, motivação do pagamento
indevido do imposto; em relação à conjuntura econômica, a taxa de
juros (alta ou baixa), a taxa de remuneração do capital (alta ou baixa)
e a conjuntura (prosperidade, crise ou estagnação, inflação acentuada
ou não) [...].
p.11-12.
Há possibilidade desses preços, mesmo sem os tributos, não variarem em
benefício dos hospitais. Mas contribuírem para aumento da margem de lucro dos
vendedores. Como estas instituições iriam comprar pelo preço anteriormente
ajustado, não haveria motivo para estes comerciantes diminuírem o valor,
sabendo que os hospitais poderiam comprar pelo mesmo preço. Assim, haveria
um ganho para estas instituições.
Um dos últimos pontos que deve ser feito são as consequências que este
benefício pode gerar para economia. Se os comerciantes não necessitam pagar
ICMS na venda para organizações filantrópicas, grandes grupos médicos
poderiam utilizar desses entes beneficentes como fronte não pagar uma taxa de
tributos tão grande quanto nos seus equipamentos. Eles poderiam separar uma
parte do patrimônio transformando em uma fundação sem fins lucrativos,
estabelecendo hospitais ou pontos de atendimento, adquirindo grande volume
de medicamentos e equipamentos necessários para posteriormente serem
repassando para grandes hospitais sob preço reduzido. Assim possibilitando um
novo meio de elisão fiscal para estas empresas, se for usado em excesso se
tornando até mesmo uma sonegação fiscal propriamente.
Concluindo, pelos argumentos apresentados percebe-se que a imunidade
na tributação do ente de fato não pode ser aplicada, e não há nenhuma garantia
que ocorreria uma melhora substancial às próprias instituições que a reivindicam,
como neste caso. Além da própria instabilidade que este benefício poderia geral
a todo o país.

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