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Universidade Federal do Paraná

Setor de Ciências Humanas


Curso: História – Bacharelado e Licenciatura
Disciplina: Antropologia Cultural
Professora: Maria Inês Smiljanic Borges
Graduandos: Lucas Salmoria; Nicolas Ramos; Rafaelle
Cristina; Elciane Rodrigues; Paulo Bayer
Data: 17/06/15

RESENHA DO LIVRO: O Messianismo Craô, de Julio Cezar Melatti

AUTOR:1

Nasceu em Petrópolis, Rio de Janeiro, 1938. Formado em bacharelado e


licenciatura em Geografia e História nas Faculdades Católicas Petropolitanas, cursou
“Especialização em Antropologia Cultural” na Universidade Federal do Rio de Janeiro e
doutorado em Antropologia na Universidade de São Paulo.

Algumas de suas obras são índios e Criadores e O Messianismo Craô, hoje não
mais à venda. Leciona atualmente na Universidade de Brasília e regularmente oferece
dois cursos de extensão: Áreas Etnográficas da América Indígena e Mitologia indígena.

RESUMO DA OBRA:2

O livro de Julio Cezar Melatti, O Messianismo Craô, foi publicado originalmente


em 1972 pela Editora Herder. Esta resenha utiliza o livro em pdf disponibilizado pelo
autor. O texto está dividido em sete capítulos: “O sistema sócio-cultural craô e suas
relações com a sociedade Nacional”; “O movimento messiânico craô”; “Caracterização
deste movimento como messiânico”; “Fatores condicionantes do movimento”; “Crenças
e recursos mágicos manipulados durante o movimento”; “Comparação entre os dois
movimentos messiânicos timbiras conhecidos: craô e ramcocamecrá”; “Conclusões”. O
texto ainda contém dois anexos, os quais estão disponibilizados os depoimentos e
transcrições dos mitos usados no trabalho do autor. Interessante ressaltar que os termos
utilizados por Melatti para indicar a sociedade ocidental como civilizada, e o grupo nativo
como tribo, são termos desatualizados pela Antropologia atual. Sendo essa nomenclatura

1
Informações disponíveis em: http://www.juliomelatti.pro.br/cv.pdf. Acessado em 15/06/15.
2
MELATTI, J. O Messianismo Crâo. São Paulo: Editora Herder, 1972. Disponível em: http://www.
Juliomelatti.pro.br/livros/livro72.pdf, acessado em 15/06/15.
utilizada na década de 60 e 70, período o qual o livro foi publicado. Contudo, optou-se
por utilizar essas nomeações na resenha para se manter fiel ao livro.

No primeiro capítulo, Melatti contextualiza a sociedade craô, definindo como se


organizam, seus modos de vida e a relação com os civilizados. Os índios Craôs constituem
um ramo dos timbiras orientais em Goiás (agora Tocantins), se localizam em pontos
esparsos de uma vasta região de aproximadamente 3200 quilômetros quadrados à margem
direita do rio Tocantins. Os apinajés, o grupo timbira ocidental, distinguem-se dos demais
timbiras por um maior afastamento linguístico e cultural, mas de qualquer modo possuem
tradições culturais extremamente próximas e línguas muito semelhantes. Os timbiras se
incluem na família linguística jê.

Melatti define uma agricultura subsistência para essa comunidade, baseada no


cultivo da mandioca e do arroz, tendo adquirido o conhecimento do cultivo do arroz com
civilizados, o que levou ao desaparecimento das roças de batata doce, milho e inhame. A
família é uma unidade econômica, e o resultado do trabalho coletivo é para sua
alimentação, sendo o homem solteiro responsável por levar alimentos a casa materna e,
quando casado, à casa de sua mulher. O homem sempre deve presentes aos parentes
consanguíneos de sua esposa, e as relações de parentescos possuem também um aspecto
econômico. O autor também aponta que o homem craô quando se casa vai morar na casa
da família da esposa, e a divisão do trabalho é coordenada pelo sogro, que constitui o
chefe do grupo. Essa coordenação se faz necessária para diversificar as atividades diárias.
O casamento é exogâmico, ou seja, não é permitido casamento entre membros da mesma
família. Os limites de parentesco de consanguíneo ou afins, podem ser modificados pelo
modo de comportamento.

Em seguida o texto aborda as unidades políticas. Os Craôs dividem-se em facções.


As divisões e limites de uma facção a outra são difíceis de serem traçadas. A aldeia
constitui uma unidade política mais bem definida possui um chefe ou “capitão”, o qual é
responsável pelas boas relações internas e com grupos externos. Essa posição de liderança
não é vitalícia ou hereditário, ela se mantém com o consentimento da maior parte dos
habitantes da aldeia. Há também os “prefeitos”, em números de dois, que coordenam as
atividades diárias, esta função altera os dois responsáveis a cada estação. A comunidade
também possui um padré, que se ocupa da direção dos ritos. Cada aldeia dispõe de um
conselho informal, e seus líderes são ativos, falam bem, conhecem as tradições tribais,
são generosos e pacíficos.
Tratando-se da mitologia Craô não faz referência a origem do mundo, segundo
Melatti. Sol e Lua, heróis criadores do homem e ambos do sexo masculino, é um mito
que sugere uma série de limitações e dificuldades que a natureza impõem aos homens.
Outros mitos narram como os craôs aprenderam a agricultura, obtiveram o fogo,
aprenderam os ritos e as cantigas. O mito de Auke – importante para compreensão do
movimento messiânico – conta que Auke foi gerado por relação entre uma índia e uma
serpente, e ainda no ventre tinha características sobrenaturais como de sair e voltar ao
ventre. Depois de nascido transformava-se em animais e ou adquiria a forma de outras
pessoas velhos ou jovens. Com medo dele os índios o afastaram de modo violento, e no
mundo externo à aldeia. Assim, Auke da origem aos civilizados. Importante apontar que
o autor trabalha com cinco variações deste mito para compreender como influência o
movimento messiânico. Na cultura craô está muito presente os dualismos em oposições
(estação seca e estação chuvosa; dia e noite) em metades, cada uma das metades tira-se
dois “prefeitos”, de modo que cada indivíduo quando nasce recebe o nome de uma das
metades. Deste modo, os meninos recebem um nome correspondente da metade da
família da mãe e as meninas um nome correspondente da parte familiar do pai. Essa
dualidade também está presente na relação com o mundo, existindo um interno e externo.
A relação com a figura dos heróis na mitologia também indica essa concepção dual do
mundo, pois o herói vem do mundo exterior e presenteia os craôs com alguém saber,
mundo interno. Esta relação é importante para compreender como se organiza o
movimento craô. No que tange a magia certos atos podem ser efetuados por qualquer
pessoa – como a caça e agricultura. Enquanto outros somente pelo xamã. Para se tornar
um xamã o indivíduo passa por uma experiência sobrenatural revivendo um mito, em
isolamento, fora da aldeia e deverá ter contato com um ser, animal, para receber poderes
deste.

O autor encerra o primeiro capítulo fazendo um registro do contato entre os


civilizados e os craôs. O autor inicia no século XIX apontando as invasões que os
indígenas sofreram, assim tendo que migrar para outras regiões. A participação entre
craôs e os sertanejos nas expedições para escravizar outros grupos nativos. Contudo, o
contato entre os fazendeiros e os craôs foi mais violento do que de ajuda. O autor detalha
mais o século XX nessa relação entre os dois, devido a influência que hostilização dos
sertanejos aos índios influenciará o movimento messiânico.
O segundo capítulo do livro, nomeado de “O movimento messiânico craô”, aborda
o movimento e seus integrantes As informações que o autor acesso para esse trabalho nos
dão conta de que o movimento messiânico foi desencadeado por Rópkur Txortxó Kraté,
também conhecido por José Nogueira. Este estimulado pelo uso da maconha, uso livre e
cotidiano entre os craõs, começou ouvir vozes e a ter visões. Nogueira, teria entrado em
contato com Ta?ti ,ou seja com a personificação dos diversos aspectos desse fenômeno
meteorológico, como a queda da água, nuvens escuras, raios e trovões. As dádivas
oferecidas desse ser para Nogueira tinham os objetivos de disponibilizar poderes para
castigar os “cristãos” e transformar os índios em civilizados O autor aponta é difícil datar
quando exatamente ocorreu esse fenômeno social. Assim, Nogueira, por intermédio do
ser “Chuva” teria dado instruções que os índios estocassem mercadorias, para isso era
necessário construir um local que ficou sendo a casa de Nogueira, ordenou que
construíssem um curral, mandou que atirassem fora todo material de cestarias que
tivessem e ordenou o consumo de todas as sementes destinadas ao plantio, pois segundo
ele tudo seria reposto e multiplicado na ocasião em que chegaria uma grande lancha com
o que lhes era necessário para se tornarem “cristãos”. Nogueira contava com alguns
auxiliares que eram xamãs e mensageiros que levavam suas instruções à demais aldeias.
O vidente tinha previsto quais índios assumiriam determinadas funções, depois que se
transformassem em “cristãos”. De modo geral, parece que todos os jovens e a maioria dos
homens adultos aceitavam a ideia de se transformarem e esperavam ansiosos o momento
da metamorfose. Somente os velhos estavam desgostosos de abandonar os costumes de
seus antepassados. O próprio Jose Nogueira parecia intimidar aqueles que não
concordavam com a mudança, com armas. Chegou um momento, no entanto, que esgotou
a confiança e o acusaram de tê-los enganado, alguns exigiram dele trabalho para ressarcir
os prejuízos que lhes tinha causado com o consumo das sementes de plantio. O próprio
Jose Nogueira passou a sentir-se ameaçado e embora ninguém tiverá a inteção de lhe fazer
algum mal. Ele se afastou da aldeia, ainda chegou a tentar o suicídio.

O autor define outros momentos onde houve um discurso messiânico, como na


história de Wapo, a qual o autor também não tem informações confiáveis para data-la. O
índio Wapo estava caçando até encontrar um “cristão” que lhe oferecerá presentes a cada
semana. Contudo, pelo seu atraso no dia previsto, o indígena não receberá essas dádivas.
Se Wapo tivesse cumprido com o combinado teria se tornado “cristão”. Esse conto,
segundo o autor, define uma característica importante para o movimento messiânico, a
dádiva de presentes dos “cristãos” tornaria os indígenas neles. Contudo, não se pode
definir somente o domínio de bens o mudaria. A alteração dos costumes, imitando os
civilizados, principalmente os sertanejos que eram o modelo, acabaria transformando-os.
Os indígenas compreendem que as técnicas de realização de um objeto foram dadas por
uma entidade mitológica, retomando a relação com o mundo interno e externo. Uma das
versões do mito Auke aponta que este ser deu uma escolha aos indígenas entre o arco-e-
flecha e a espingarda, os índios escolheram o primeiro, assim detendo o conhecimento
dessa cultura material. O autor termina este capítulo apontando a influência dos ataques
dos fazendeiros sobre os craôs, e motivação de mudança para combater essa hostilização,
sobre o movimento.

O autor inicia o terceiro capítulo, intitulado de “Caracterização deste movimento


como messiânico”, apresentando três tópicos que definem o movimento craô de José
Nogueira na categoria de missionário: encaixa-se na definição de messianismo; apresenta
uma alteração de fases entre a espera e atividade; a organização do grupo assemelha-se
ao padrão de movimentos messiânicos. Em seguida, Melatti analisa detalhadamente ao
longo desta parte cada um desses três temas.

Tratando-se do primeiro ponto, o autor identifica como messianismo, utilizando


o conceito de Hans Konh, o culto da vinda de um ente que trará uma mudança na ordem
presente para instaurar uma nova fundada na justiça e felicidade. Esta alteração social
pode ser local ou universal. Nesse caso, a figura responsável pela mudança seria “Chuva”
– uma personificação do conjunto de elementos atribuídos a esse fenômeno
meteorológico: como as nuvens escuras, a água torrencial e os raios. Ele pode ser
considerado um messias. Contudo, essa personificação em um ente não existia nas
crenças craôs. Portanto, o ser “Chuva” acabou surgindo como algo novo para os craôs
por meio das visões de José Nogueira. Assim, este novo ser seria o responsável por
transformar os indígenas craôs em “cristãos” com a tecnologia que não se submeteriam
aos sertanejos. Segundo o autor, essa crença encaixa-se no conceito de messianismo,
sendo possível ser definido por esse termo.

A respeito dos períodos do movimento messiânico craô no segundo tema, o autor


classifica-o como cíclico, o qual também é entendido como um elemento de messianismo.
Esta caracterização ocorre por causa dos períodos de espera que antecede e sucede um
momento de grande atividade. Portanto, a formação do mito de Auke e de Wapo, o
sentimento de vingança das terras invadidas servem para instigar para a atividade de José
Nogueira, segundo o autor. Após o fim do culto do vidente inicia-se outro momento de
espera no qual os indígenas ainda tem esperança de punição aos civilizados. Melatti
termina esse segundo ponto de maneira bem cética quando as possibilidades de alteração
dos craôs, pois os motivos que levaram ao missionaríssimo, como a obtenção de objetos
tecnológicos, não podem ser resolvidos por outros meios, devido a limitação desses
artigos até mesmo para os ditos civilizados. Portanto, o autor afirma que não vê a
possibilidade de enceramento de medidas utópicas como o messianismo, pois este é o
único meio de tentar resolver esses problemas.

O terceiro ponto desse capítulo é a organização do movimento do vidente José


Nogueira. O autor também coloca a organização piramidal como uma característica
messiânica. Essa hierarquia consistia de uma figura líder, sendo o profeta ou vidente,
seguido de apóstolos ou discípulos, e por fim, adeptos ao culto. O autor coloca a figura
de liderança em José Nogueira. Logo a baixo dele estariam seus ajudantes: xamãs que o
auxiliavam, como Antoninho, Raimundo Pinto e Patrício Chiquinho. Este grupo também
contava com mensageiros que iriam até outras aldeias. Os adeptos do culto contavam
principalmente com jovens que obedeciam às ordens de José Nogueira.

O autor em seguida aborda a oposição feita ao grupo do vidente Nogueira. Os


velhos eram os principais opositores da transformação que o líder messiânico visava.
Melatti mostra a acusação de Nogueira de magia pelos opositores para atrapalharem seus
planos, todavia essa denúncia também poderia servir como uma justificativa para falha
do profeta. O autor ainda coloca que a oposição acreditava na possibilidade de
transformação dos craôs em civilizados, mas não desejavam hostilizar o líder e sim
impedir a mudança nas tradições. A relação com o chefe da aldeia, Marcão, e o líder do
movimento messiânico era dúbia. Julio Melatti aponta que o chefe não gostaria de se
transformar, contudo não fazia oposição ao vidente. Deste modo, Marcão colocava-se de
maneira indiferente publicamente aos planos de Nogueira.

Concluindo o capítulo, o autor retoma a hierarquia do movimento e a oposição


feita a ele, também apresentando como a comunidade craô se organizaria após a mudança
para “cristãos”. A função de cada integrante da aldeia passaria para um modelo similar
dos civilizados: as figuras importantes ocupariam cargos de presidente, secretário,
ajudante, motorista, entre outras nomeações, até funções comerciais seriam estabelecidas.
No texto também define que essa comunidade também previa uma camada social inferior,
como negros como trabalhadores. Portanto, a mudança para “cristãos” também traria os
preconceitos raciais e de classes dos civilizados para os craôs.

O quarto capítulo nomeado de “Fatores condicionantes do movimento” explora os


fatores para ocorrência do messianismo. O autor vincula três condicionantes, como o
capítulo anterior: uma relação com outro grupo étnico – no caso craô de conflito com este
grupo; mitos que servem para constituir o movimento messiânico; o carisma de um líder.
Contudo, Melatti define o primeiro com o mais importante.

A relação interétnica conflituosa é definida pelo autor pelo ataque em 1940 dos
sertanejos sobre os indígenas. Esse acontecimento é registrado com a contagem de 26
índios craôs mortos e nenhum sertanejo. Ele começou com uma armadilha, quando um
fazendeiro da região, José Santiago ofereceu uma rês aos índios. Estes concentraram-se
na aldeia para comerem a oferenda do fazendeiro. Enquanto estavam reunidos, os
indígenas foram massacrados pelo fazendeiro. O líder no momento da tribo propôs uma
conversa com o fazendeiro que comandava. Primeiramente recebeu uma garantia de vida,
mas ao se aproximar dele foi morto. Depois do evento, uma unidade governamental do
S.P.I. foi instalada na região para garantir a segurança dos craôs. Houvera uma punição
aos responsáveis pelo massacre, contudo somente nominalmente. A instauração da
unidade do órgão federal auxiliava os indígenas, todavia a rixa com os sertanejos
continuava. A visão dos craôs quanto aos civilizados dividia-se entre os distantes em
grandes cidades, pelo tratamento aos indígenas e presentes concedidos, enquanto os
próximos, sertanejos, eram alvo da vingança dos craôs pelos constantes ataques e
invasões a suas terras. Esta dualidade na visão estará incorporada na mensagem
messiânica, pois a figura o messias será do civilizado distante o qual distribui presentes,
uma figura paternalista que se associa com Wapo. O autor termina analise desse primeiro
ponto apresentando outros grupos em que viam um beneficiário no civilizado distante.

Em seguida, Julio Melatti aborda sobre o mito de Auke que serviu para consolidar
o movimento messiânico. O texto mostra as variações sobre esse mito que passa por
vários grupos. Apresenta-se a versão craô, algumas versões não ficam claro quem foi o
pai de Auke, porém outras indicam que é Papam – sinônimo de Pït que significa Sol,
traduzindo como Deus. Alguns dos relatos apontam que esta entidade tomou formato de
uma serpente para seduzir a mulher que seria mãe de Auke pela relação com essa
divindade. Fruto dessa união, Auke tinha poderes de se transformar em animais,
principalmente aquáticos. Segundo o mito, ainda no útero a criança conseguia sair e se
transformar em outros seres. Os poderes desse ser assustavam os integrantes de sua tribo,
e temiam que algum mal pudesse vir dessa criança. Então, a comunidade decide mata-lo,
quem é o responsável pela decisão vária de versão, podendo ser o avô materno, o povo
ou até o tio materno. Depois de diversas tentativas, queimam o menino, o qual aparentava
estar morto. Contudo, no lugar de sua morte encontraram uma grande casa com diversas
mercadorias e instrumentos, cada versão vária o conteúdo da casa. Auke teria se
transformado em no primeiro “cristão”. O texto indica que os objetos da casa demonstram
o poder dos civilizados possuíam. O mito varia neste momento. Uma das versões aponta
que Auke faz com os índios escolham entre um arco-e-flecha e uma espingarda, como
escolheram o primeiro recebem a cultura material indígena em vez da tecnologia – os
negros escolheram a espingarda, segundo o texto, assim ficando com a tecnologia. Outra
versão do mito, Auke engana os jovens a entram na casa e tranca-os – tornando-se os
primeiros civilizados –, enquanto os mais velhos são espantados por tiros – permanecendo
indígenas. Os craôs acreditam que a figura de Auke não morreu, ele reside em algum
centro urbano segundo os relatos dos indígenas.

Este mito, segundo o autor, surgiu para explicar a diferença de tecnologia entre os
grupos. Porém, ele deve ter uma origem em outro mito. Com isso Melatti apresenta com
outros grupos com uma mitologia similar. Os caiápo também possuem um mito, o qual
uma jovem tem relações com um lagarto, gerando um filho com poderes de transformar
neste animal. A aldeia assustada decide queimar a árvore onde abitavam os lagartos com
fogo. Entretanto, alguns conseguem fugir e se refugiam em uma aldeia que se tornará a
“cristã”. A jovem grávida também escapa de sua comunidade para ir até este novo grupo.
Alguns pontos dessa estória são similares com o de Auke, como a relação sexual de uma
jovem com criatura gerando um filho com capacidade de transforma-se, e destruição pelo
fogo. O autor questiona-se qual grupo influenciara primeiro, craôs sofre os caiápo ou o
contrátio. Contudo, Melatti afirma possibilidade de uma terceira opção, considerando as
características desses mitos como uma matriz comum aos dois. Em seguida, apresenta-se
outro mito desta vez do grupo bororo, o qual tem uma mesma matriz com os craôs e
caiápo por pertencer ao mesmo tronco linguístico Jê. Similar aos outros dois, uma mulher
chamada Aturuaroddo ficou grávida devido ao contato com o sangue de uma sucuriju,
não houve nenhuma relação entre o animal e o humano neste caso. O filho antes de nascer
conseguia sair do útero em forma de sucuriju. Os irmãos da mãe matam o filho também
através do uso do fogo, contudo a suas cinzas transformam-se em plantas para uso dos
bororo, não em outro ser. Analisando esses três mitos, o autor afirma que Auke foi
constituído por meio dessa matriz comum após o contato com o civilizado. A presença
constante do fogo mostra também como este elemento simboliza o extermínio para esses
grupos. Contudo, Melatti a formação da estória de Auke não se deu somente pela alteração
da tradição, mas também do uso e mudança do mito de Adão e Eva que foi passado pelos
civilizados aos indígenas. A utilização desse conto pelas comunidades nativas ocorre para
entender também a diferença entre os “cristãos” e os indígenas. Novamente existe
diversas versões, algumas que se relacionam com a estrutura do mito de Auke, porém os
pontos interessantes dessa ressignificação de Adão e Eva seria a perda do paraíso para os
indígenas e não a toda a humanidade como no original, assim explicando a diferença na
relação interétnica.

O terceiro e último ponto do capítulo, o autor analisa o carisma do líder José


Nogueira para formação do movimento. Em seguida, o texto trata das relações de
parentesco do vidente craô, contudo essas relações não demonstram os motivos de
influência que fizera líder do movimento. Nogueira casará com uma mulher xerente e da
família do chefe da aldeia Serrinha. Está o ensinou a como se relacionar com os
civilizados. O nome do vidente Rópkur Txortxó Kraté também apresenta uma
característica importante sobre o profeta, ele tinha permissão de satirizar os ritos. Esta
função ligado à sua boa oratória demonstram que ele era pessoa integrada na comunicação
da aldeia. Na sua retirada da aldeia em 1966 e 1967, após o movimento, atraia para si
algumas casas na proximidade também, isso mostra a influência que ainda tinha embora
a organização de liderança já havia sido perdida.

O autor ainda aponta que José Nogueira visava uma transformação em “cristão”
não somente pela obtenção dos objetos, mas também no trabalho. Também, apresenta-se
o desejo de vingança que Nogueira alimentava pela morte de parentes seus no ataque de
1940. Melatti aponta José Nogueira tem um subconsciente que se relaciona com Auke, o
que levou a tomar certa posição do movimento. Por fim, o autor coloca que o vidente
organizou o movimento no momento propício para existir.

O capítulo cinco, “Crenças e recursos mágicos manipulados durante o


movimento”, aborda as crenças e os ritos mágicos que passam os costumes do processo
de messianismo dos craôs. Assim, os indígenas se utilizaram de recursos mágicos para
favorecer sua transformação em civilizados, negando suas tradições e adotando costumes
dos ditos civilizados, comportamento este modelado pelos próprios padrões culturais dos
craôs.

Segundo José Nogueira, chamado Rópkur Txortxó Kraté, “Chuva”, considerado


na sua relação com outros heróis como pai de Sol e de Lua, foi o ser que o contatou e
incentivou a iniciar o movimento messiânico. “Chuva” aparenta ser novo, civilizado, com
cabelos pretos, barba, sapatos, chapéu e porta um fuzil, e chama-se “Bandeirante”.
Segundo Melatti, esta construção imagética possivelmente foi retirada de algum livro
didático de Pedro Penõ, chamado Penõ Haragai’këre Kro’kroko Itót, auxiliar do vidente,
e que sabia ler, além de ter a confiança de José Nogueira. Para Penõ, José Nogueira
conversou com o “Inverno”. Patrício Chiquinho, chamado Põhïkhrat Katxëpei, outro
colaborador de Nogueira, afirma que “Chuva” tem aparência de um índio, mas de cor
preta. Outras pessoas mais distantes do profeta identificavam o ser como Auke ou o Diabo.
O porte do fuzil pode ser explicado pelo fato de "Chuva" matar as pessoas com o raio
(kutxe) e as coisas que ele traz são como o fogo. Há uma similaridade com a lenda de
Caramuru, ao identificar o raio com um homem branco armado. José Nogueira estava em
contato com os livros e valorizava a escrita naquele período, apesar de ser analfabeto (na
época havia apenas 4 alfabetizados nas aldeias craôs). Aprendeu a contar os anos,
chamava a calota craniana de "caco", o peito de "tronco", entre outros.

Para se entender esta reformulação mitológica, ao transformar "Chuva" em pai de


Sol e Lua, pode-se analisar três pontos: Chuva enquanto elemento não personificado, sua
relação com o herói Auke e o respeito dos civilizados pela chuva.

Primeiramente, o ciclo anual se divide em duas estações, uma seca (Wakemẽye,


relacionado com o dia, o ocidente, enfeites de folhas claras, o centro da aldeia, etc) e uma
chuvosa (Katamye, relacionado com a noite, o oriente, enfeites de folhas escuras, a
periferia da aldeia, etc). As almas dos mortos vivem fora da aldeia, entrando apenas à
noite ou em dias chuvosos, associando assim a chuva aos mortos. Muitos craôs afirmam
que animais caem do céu com chuva forte, enquanto outros explicam que a chuva apaga
os rastros mais antigos dos animais, logo, se há um rastro, significa que o animal está
próximo, facilitando a caça. Soma-se a isto o fato de muitos animais darem cria na estação
chuvosa, e a constatação de que a chuva é necessária para o crescimento vegetal. Durante
as pancadas de chuva, também são adiadas atividades recreativas, administrativas e
rituais, além de dificultar a caça. Ou seja, a chuva se associa à presença dos mortos, à
noite, à expansão da vida animal e vegetal, e à suspensão de atividades na aldeia.
Os craôs acreditam que em certas ocasiões o caçador mata a alma (karõ) de um
ser humano em forma de bicho. Também acreditam que a alma dos mortos vive em forma
humana, depois em animais, dos maiores aos menores, e finalmente assumem forma de
troncos, galhos que, quando consumidos pelo fogo, encerram a existência da alma em
questão. A água aparece na tradição craô como algo que faz o bem e ajuda no crescimento,
como no mito de Akrei e Kenkunã, no qual os dois heróis ficam no ribeirão, a fim de
crescerem mais depressa. José Nogueira, ao personificar a chuva, permitiu a geração e
desenvolvimento de outros elementos.

Em segundo lugar, a relação entre a chuva e o herói Auke envolve raio, relâmpago,
trovão e nuvens escuras. Auke é ligado à água e ao fogo, ao sair do ventre da mãe no
ribeirão e se transformar em animais, e se transforma em civilizado quando o atiram ao
fogo. Melatti aponta que Roberto DaMatta ao analisar a versão Canela do mito, compara
com o mito da origem do fogo, pois Auke vem da natureza, entra na sociedade e é expulso
pelo fogo, assim como a chuva é externa aos craôs, relacionada com animais, plantas,
mortos. Assim, José Nogueira aproveitou elementos que favoreceram a transformação de
Auke em civilizado ao personificar a chuva, o que também contribuiria com a
transformação dos índios em civilizados.

Finalmente, apesar de Auke ser conhecido apenas pelos índios, os civilizados da


região mostram respeito por chuvas fortes com relâmpagos, evitando deixar objetos
metálicos ao ar livre, virando os espelhos, etc. José Nogueira afirma que “Chuva” quer
ser respeitado, e que tem matado “cristãos” que o desobedecem, possivelmente numa
interpretação de que os sertanejos têm medo da chuva enquanto ser personificado. O raio
é comparado a tiros de espingarda. Assim, a chuva seria um civilizado capaz de transmitir
seus poderes aos índios, o que teria levado Nogueira a personificá-lo.

Julio Melatti afirma alguns comportamentos incentivados por Nogueira eram


imitação de costumes civilizados, como abstinência de determinados alimentos, de forma
similar, mas não coincidente, aos católicos em relação à carne, aplicando aos sábados,
domingos e dias santos, mas somente à carne de mamíferos, enfatizando o consumo de
peixe nestes dias. Além disso, José Nogueira dizia que era proibido trabalhar nas roças
em respeito ao sábado e domingo, com castigos sobrenaturais caso ocorresse
desobediência. A casa grande e o curral levantados na aldeia também eram imitação dos
sertanejos, símbolos de riqueza. A casa grande era sede de fazenda/loja, tal qual com
Auke, enquanto o curral relacionava-se com o gado, medida de riqueza em regiões de
pecuária. O vidente também incentivou a dança em casais, ao contrário das tradições
craôs. Os bailes ocorriam na casa de Nogueira, que tocava pífaro. Também se instruiu a
erguer paredes de barro e cobrir com palha nova, no qual os índios levantavam apenas
alguns centímetros, numa imitação mais simbólica dos civilizados. José Nogueira
também imitava recursos dos civilizados no seu contato com o sobrenatural, de forma
similar a um telegrama, com recados vindos pelo vento. Em certa ocasião, pôs as mãos
no chão e levantou as nádegas, para passar telegrama.

Craôs imitavam os civilizados em certos atos, e repudiavam os costumes indígenas


em outros. O autor coloca que Nogueira ordenou que todos os cestos e esteiras fossem
jogados fora, substituídos por maletas. Alguns indivíduos obedeceram. Ordenou também
o fim do uso de urucu e pau-de-leite, proibindo assim a pintura corporal, a fim de
substituir magicamente pelas roupas dos civilizados. Em certos depoimentos, também se
nota uma sugestão de abandono do cozimento de bolos com ajuda de pedras. As corridas
de toras e os cânticos com o maracá foram proibidos também, o que significava um
distanciamento da essência do modo de viver indígena.

Um comportamento sem precedente entre indígenas nem civilizados foi a extinção


dos animais domésticos e o abandono do plantio, numa promessa de que obteriam mais
do que perderam após a transformação em “cristãos”, possivelmente com a finalidade de
aumentar a dedicação dos indígenas em construir a grande casa de José Nogueira e o
curral, segundo o autor. Os indígenas eram bem generosos no uso de sua reserva de
alimentos, emprestando quantidades de mandioca, na promessa de serem retribuídos após
a transformação em civilizados. Outra inovação de comportamento foi a associação da
chuva com o pífaro, no qual José Nogueira, ao tocar o instrumento, traria a chuva. Penõ
afirma ter ouvido o som do pífaro se aproximando com a chuva, e que chovia na medida
que o vidente tocava. Quando o líder quis fazer subir o nível de água, assoviou, então
tocou pífaro, e mandou tocar sanfona debaixo d’água.

Apesar de toda a readequação do comportamento craô, o esforço em se


transformar em civilizado afirmava, inconscientemente, as peculiaridades culturais.
Melatti coloca que “Chuva” consistia na personificação sincrética de elementos variados,
a ordem de José Nogueira, certa vez, de amarrar os focinhos dos cachorros para que ele
recebesse “Chuva” na aldeia relaciona-se com a crença que o latido afasta as almas dos
mortos, e o que é estranho à sociedade dos vivos. A oposição dos mais velhos ao
movimento messiânico é similar a um trecho do mito de Auke, quando o herói atrai os
jovens para sua casa, a fim de os transformar em “cristãos”, enquanto mandava afugentar
os velhos com tiros.

O repúdio aos costumes indígenas e imitação dos civilizados eram caricaturais, já


que os índios não conseguiam imitar efetivamente todos os costumes e técnicas. Nesta
procura, os craôs se utilizaram do recurso mágico de imitação caricatural do que se deseja
transformar. Julio Melatti aponta que o mito de Autxetpïruré, em que pessoas se
transformaram em cavalos sacudindo seu corpo, e um pai e seus filhos se transformaram
em veados campeiros, gritando como veado e correndo. Uma versão deste mito mostra
que a filha mais nova de uma família não conseguia se transformar em animais por ter
um enfeite, o que indica a necessidade de se despojar do que define a identidade indígena,
comportamento que se reflete no movimento, ao se jogar fora os objetos craôs para a
transformação em civilizados. A insistência dos crâos nesta imitação também remete a
um padrão da cultura indígena, de conseguir algo se o pedir com insistência. Em uma das
versões do mito de Auke, os moradores da aldeia convencem o pai da mãe dele a matar
seu estranho neto, e consente após muita insistência. Isto mostra que os craôs
permaneciam presos à sua cultura, manipulando-a quando queriam se afastar segundo o
autor.

Os craôs queriam atingir um modelo de sociedade civilizada que conheciam, em


que a maioria não tem acesso a toda tecnologia. Certos depoimentos que Melatti utiliza
deixavam claro que haveria ricos e pobres, brancos e pretos, sendo os últimos
trabalhadores. Os indígenas almejavam a camada superior, ocupando cargos que
consideravam importantes. Apesar da imagem de civilizado deles parecer realista, não o
era primeiramente pelo não conhecimento pleno da sociedade global. O modelo de
sociedade que era almejado estava relacionado ao segmento pastoril, ocupando os lugares
rurais dos civilizados, e “Chuva” seria o protetor relacionado à cidade grande. Em
segundo lugar, os craôs do movimento messiânico queriam ocupar a camada privilegiada
da sociedade. Índios e mestiços que viviam nas reservas, mas fora das comunidades,
adotaram costumes civilizados sem uso de recursos sobrenaturais, tornando-se, porém, a
camada mais pobre dos sertanejos. Os craôs utilizavam-se de mitos e magia exatamente
para não ocuparem esta camada mais obscura.

Neste capítulo intitulado “Comparação entre os dois movimentos messiânicos


timbiras conhecidos: craô e ramcocamecrá”, o autor busca explicitar a semelhança e as
diferenças entre os movimentos messiânicos que ocorreram nas tribos dos índios canelas
e os craô. Ambos pertencentes ao grupo Timbira, de mesma tradição cultural e
familiarizados com o mesmo segmento de sociedade, cuja principal atividade era a
criação de gado.

Como citado no segundo tópico deste mesmo capítulo, os movimentos


messiânicos dispunham de uma raiz em comum, e ambos possuíam uma ligação estreita
entre as ocupações messiânicas e o mito de Auke, porém os movimentos que surgiram a
partir disso não eram necessariamente idênticos, destoando principalmente no que diz
respeito às características dos líderes de cada movimento. Melatti coloca que a líder
canela era uma mulher grávida, fluente em português, que a princípio se casara com um
homem de 30 anos, mas que depois o trocara por um rapaz de 16 anos. O líder craô José
Nogueira não era o que melhor falava português, casado com uma mulher mais velha que
o ajudava na familiarização com os sertanejos, e já mãe de um garoto. Porém os dois
líderes tinham um discurso semelhante, defendendo a ideia de que seus fracassos eram
frutos de feitiços lançados por seus inimigos e buscando estabelecer certa conexão de suas
figuras com personagens do mito. Ademais, as relações dos índios com os sertanejos
também variavam de um grupo para o outro visto que os craôs, apesar de demonstrarem
certa hostilidade para com os civilizados que viviam aos arredores da tribo, não adotaram
nenhuma estratégia ofensiva contra eles, ao contrário dos ramcocamecrás, cuja investida
contra a cidadela foi o estopim de um conflito entre eles, resultando no fim do movimento.

Uma das descrições canelas da lenda de Auke é a história de uma mulher que,
caminhando pelo rio, encontrou uma cobra, uma encarnação de Deus, e copulou com ela,
ficando grávida de Auke. Durante a gestação, a criança saía do ventre da mãe e se
transformava nas mais diversas criaturas. Ao nascer, atingiu a idade adulta na mesma
tarde, voltando a transformar-se em criança assim que os demais índios se aproximavam
para visitá-lo. A criança causou medo em seus pais, que decidiram matá-lo antes que
oferecesse riscos para a tribo. Para isso, a índia chamou seu pai (chamado de “tio”, em
outras versões) para dar cabo ao menino. O avô tentou dar fim ao menino três vezes,
obtendo sucesso apenas na terceira vez, quando o atirou em uma fogueira. Mais tarde, os
pais da criança foram até a floresta revirar as cinzas do menino, mas no lugar dos restos
da fogueira encontraram uma casa de telhas, com criações de gado e galinhas. Auke havia
se transformado em homem cristão civilizado, e tentou oferecer aos demais índios a
mesma condição, dando a eles o poder de escolher entre armas de fogo ou arco e flecha,
porém estes ficaram com medo e optaram por permanecer com suas armas rudimentares,
permanecendo assim como selvagens.

Segundo autor o relato de William Crocker sobre o movimento messiânico


iniciado em 1963 na tribo dos índios ramcocamecrá, também conhecidos como índios
canelas, era liderado por uma vidente grávida que, de acordo com a análise feita pelo
autor, se identificava com a descrição da mãe de Auke. A índia e seu marido receberam a
visita de uma criança com cerca de 11 anos de idade, que se apresentava como irmã de
Auke e apareceu para prever o período de mudanças que o filho desencadearia após seu
nascimento. As previsões destacavam a mudança no padrão da sociedade tribal, uma
inversão dos princípios, pois os canelas passariam a viver como civilizados, em cidades
com casas de telhas, enquanto que os civilizados ocupariam a posição de caçadores e
viveriam como selvagens. Dançar tornou-se elemento substancial para se receber
recompensas e obter riquezas, sendo ordenado pela própria irmã de Auke.

Porém, como descrito no texto, a mulher deu à luz um natimorto, fato encarado
como um suposto resultado do encantamento lançado por um índio apaniecrá. A própria
líder do movimento esclarecia que, na verdade, seu filho havia deixado o útero para
encontrar Auke no céu, mas que dentro de alguns meses, caso as danças e rituais na casa
da líder os agradasse, tanto a irmã quanto Auke voltariam para dar início ao período de
transformações na aldeia.

Como já citado, o fim do movimento se deu quando a ousadia dos canelas ao


atacarem e matarem uma grande quantidade de cabeças de gado dos civilizados (fato
autorizado pela própria irmã de Auke, que alegava que os animais eram propriedade de
Auke) desencadeou uma investida por parte dos sertanejos, ocasionando a morte de
muitos ramcocamecrás, que passaram a ver a líder como uma farsante.

De acordo com o autor, uma possível causa das diferenças entre o movimento
messiânico ramcocamecrá e o craô se deve ao fato de que os craôs possuía redundâncias
em suas crenças. A ideia de que uma transformação de selvagens para civilizados
aconteceria repentinamente estava presente em ambas as crenças, entretanto a crença craô
carregava consigo a característica de “cargo cult”, ou seja, de que receberiam animais e
mercadorias, e acreditavam que a providência viria através da entidade “Chuva”, que seria
o redentor.
O autor finaliza o capítulo deixando em aberto o questionamento de por que as
tribos apaniecrás, crincatis e pucobiês, também de tradição timbira, em contato com o
mesmo segmento da sociedade brasileira e com os mesmso mitos não tiveram nenhum
movimento messiânico como os ocorridos entre os ramcocamecrás e craôs, ou se a
existência dos mesmos eram apenas desconhecidas. Questiona também quais seriam os
requisitos para assumir a liderança de um movimento dessa magnitude, visto que os já
conhecidos possuíram líderes tão diferentes, mas ao mesmo tempo tão semelhantes.

Melatti finaliza seu texto no capítulo sete, nomeado de “Conclusões” e


comparação dos movimentos messiânicos ramcocamecrá e craô fazendo considerações
sobre esses movimentos, explicitando que o mito utilizado como base caracterizaria uma
“primeira fase” de transformação, visto que esse surgiu a partir de um contato interétnico
entre índios e civilizados. Destaca que nenhum dos movimentos apresentava uma
promessa de retorno do herói mítico como condição indispensável para sua origem, tendo
em vista que seus heróis míticos não são tomados como messias, pois para os craô, a
“Chuva” seria sua redenção, e para os ramcocamecrás, a irmã de Auke. Melatti assegura
que esse caráter dispensável atribuído ao retorno do herói não contestava o fato de que os
movimentos eram sim elaborados a partir de um mito. Em segundo lugar, o autor destaca
a presença do “cargo cult”, descrito por Vinhas de Queiroz, em tribos da Amazônia (no
caso, no movimento craô), pois o movimento liderado por José Nogueira também
defendia a vinda de mercadorias e gado como presente para os índios. Portanto, afirmaria
a presença de uma segunda tribo com a característica de “cargo cult”, sendo os ticunas,
estudado por Queiroz, a primeira conhecida.

O autor relata também que nesses movimentos, a ideia de se alcançar a civilidade


fazia com que esses buscassem imitar certas características dos sertanejos, usando seu
modelo de sociedade nacional como base. Melatti descreve essa sociedade indígena
coloca os civilizados de longe, como um o retrato de um redentor paternalista, cujas
dádivas viriam como recompensa para que estes alcançassem um padrão de vida melhor.
Contudo, a sociedade em que visavam transformar tinha um modelo muito similar dos
civilizados de perto, sertanejos. O autor coloca a importância de estudar essa dualidade
da visão dos craôs.

Por fim, ressalta a semelhança entre os movimentos craô, ramcocamecrá e ticunas,


o que abriria brecha para o surgimento de uma nova categoria que contemple as
características contidas neles. Por exemplo, é notável o interesse dos índios pelos
equipamentos de posse dos civilizados, que poderiam ser considerados dentro do
comportamento dos civilizados de longe, e outros fatores que diferem das características
da maioria dos movimentos que ocorreram em outras tribos indígenas. Porém, para se
alcançar a confirmação dessa hipótese, Melatti afirma a necessidade de se estudar os
demais movimentos messiânicos que já ocorreram no Brasil.

A última parte do texto são dois anexos, além da bibliografia utilizada. No


primeiro é apresentado as entrevistas transcritas dos indígenas que o autor utilizou para
estudar a sociedade craô e o movimento messiânico. O segundo anexo merece um
destaque, pois consta os diversos mitos que são referenciados ao longo do texto para
compreender como os craôs compreendiam os civilizados. Também consta os diversos
mitos de outras comunidades, as quais Melatti utiliza para realizar um panorama
comparando aos diferentes grupos para estabelecer como o messianismo passa todas essas
comunidades.

CONCLUSÃO

Três textos que podem ser relacionados com o livro de Julio Melatti, O
Messiânismo Craô, são o texto “A socialiação primária” no livro A Construção Social da
Realidade de Berger e Luckmann3; a “Introdução: Tema, método e objeto desta pesquisa”
do livro Os Argonautas do Pacífico Ocidental de Malinowski4; e por fim o livro
Metáforas históricas e realidades Míticas de Sahlins5.

A socialização primária pode ser abordada no livro de Melatti, por causa da


ruptura que o messianismo de Nogueira visa com os costumes indígenas. Contudo, a
mudança é realizada com os padrões de entendimento comum dos craôs, assim, a
socialização primária continua mesmo com tentativas de mudança.

Os métodos utilizados de pesquisa de campo de Malinowski são utilizados por


Melatti para analisar a sociedade craô. A convivência com os indígenas e recolha de
material de pesquisa possibilitou uma abordagem de estudo sobre o messianismo de
maneira mais completa. Portanto, compreendendo a sociedade como um todo. Várias
versões do mito de Auke não seriam possíveis sem a pesquisa de campo. Assim, a visão

3
BERGER, P. LUCKMANN, T. A Sociedade como Realidade Subjetiva. In.: A Construção da Realidade.
Petrópolis: Vozes, 1988, pp. 173-184.
4
MALINOWSKI, B. Introdução: Tema, método e objetivo desta pesquisa. In.: Os Argonautas do Pacífico
Ocidental. São Paulo: Abril Cultural, 1984, pp.17-34.
5
SAHLINS, M. Metáforas históricas e realidades Míticas. Rio de Janeiro: Jorge Jahar Editor, 2004.
integral da comunidade pelo convívio que Malinowski defende relaciona-se pela
abordagem que Melatti faz.

Por fim, a relação entre Sahlins com abordagens de mudança de uma estrutura
pela formação de uma conjuntura de mudança pode ser vista no movimento messiânico
craô. Contudo, o messianismo acaba se tornando em uma estrutura que se reproduz,
Melatti define esse movimento como cíclico entre um período de espera e atividade.
Portanto, o movimento se reproduz, assim fazendo parte de uma estrutura.

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