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O mercado editorial brasileiro quanto a produção

e comercialização de livros aplicativos infantis.1

OLIVEIRA, Danusa Almeida (Mestre) 2


Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Do Sul / PUCRS
FRANCO, Francielle (Graduanda) 3
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Do Sul / PUCRS

Resumo: O presente artigo busca identificar as principais empresas e editoras brasileiras que estão
apostando em projetos digitais voltados para as crianças a fim de discutir sobre o atual cenário editorial
brasileiro quanto a produção e comercialização de livros aplicativos direcionados para o público infantil.
Para isso, é realizado um cruzamento entre as percepção de profissionais de renome do mercado editorial
brasileiro, além da comparação dos recursos interativos dos livros aplicativos desenvolvidos pelas
empresas identificadas que estão apostando nesse contexto digital. Como resultado, é possível apontar as
principais vantagens e dificuldades na produção dos livros interativos infantis para o mercado editorial no
Brasil.
Palavras-chave: Livro digital, livro aplicativo, livro infantil, mercado editorial.

Introdução
O investimento em redes de conexão digital é efetivamente um fator relevante
para o atual cenário de transformação no Brasil, que vem propiciando um maior acesso
a pacotes promocionais para o uso de banda larga, assim como de suportes técnicos. Ou
seja, os brasileiros estão conseguindo, cada vez mais facilmente, adquirir computadores,
apesar do barateamento de aparelhos não se restringir unicamente a PCs (computadores
de mesa) ou notebooks (computadores portáteis). A queda de valores já tem ocorrido em
outros suportes com os smartphones (telefone celular com funcionalidades avançadas),
os tablets (dispositivos portáteis com multitarefas) e até mesmo os e-readers (aparelhos
dedicados a leitura de livros digitais no formato e-Pub). E tal fato torna-se importante

1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Digital, integrante do 10º Encontro Nacional de


História da Mídia, 2015.
2 Graduada em Comunicação Social - Publicidade e Propaganda pela Universidade Federal do Rio
Grande do Sul (UFRGS). Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Comunicação e Informação pela
UFRGS. Professora de Comunicação Social na Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul
(PUCRS). Colaboradora do grupo de pesquisa Laboratório de Edição, Cultura & Design(LEAD)/UFRGS.
E-mail: danusa.oliveira@pucrs.br
3 Graduanda em Comunicação Social – Publicidade e Propaganda na Faculdade de Comunicação Social
da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul. E-mail: francielle.franco@acad.pucrs.br
não apenas para o consumidor, mas também para os profissionais que são influenciados
pela inserção desses aparelhos no mercado, como é o caso da área editorial, em especial
a cadeia do livro. Observando, mais especificamente, os tablets e
e-readers, percebe-se que junto com sua venda surgiu a necessidade de uma produção de
conteúdo digital que tem gerado dúvidas e incertezas entre editoras e empresas ligadas a
comercialização de livros, pois passa a ser instigante transferir o conteúdo impresso
existente, e de posse das editoras, para o meio digital.
Assim, as escolhas mostram-se um desafio para as editoras não apenas pelo
diferentes formatos existentes, mas também por outros fatores influenciadores como o
custo dos aparelhos, o custo dos próprios livros digitais a serem lançados, a necessidade
de uma equipe capacitada para a produção do conteúdo e novas formas de distribuição e
comercialização. Todavia, mesmo diante desse quadro, é possível observar algumas
iniciativas de editoras e empresas brasileiras apostando na produção de livros digitais
interativos (nos formatos ePub3 e app, principalmente). Há editoras que estão
explorando a interação em segmentos onde esse mecanismo possa servir de
complemento ao conteúdo para atrair o leitor, como os livros direcionados ao público
infantil.
Frente a isso, o presente artigo busca apontar as empresas e editoras que estão
desenvolvendo projetos dentro desse contexto digital com o intuito de discutir o atual
cenário editorial brasileiro quanto a produção e comercialização de livros digitais
interativos direcionados para o público infantil. Portanto, tem-se como base a análise de
oito histórias na forma de livros aplicativos de editoras e empresas brasileiras que
ganharam espaço em dois importantes sites dedicados ao mercado editorial
(Publishnews4 e Ipadfamília5), possibilitando uma comparação de tais trabalhos. As
reflexões também partem de entrevistas concedidas exclusivamente para esse estudo,
sendo as falas de especialistas em produção de livros digitais: 1) José Fernando Tavares
- Representante e professor da Booknando Cursos, como também diretor técnico e de
produção da Simplissimo Livros, 2) Ednei Procópio - Consultor em assuntos
relacionados ao livro digital, sendo escritor de três obras ligadas ao mesmo assunto,
além de ser o responsável pela empresa Livrus Negócios Editoriais. Como resultado,

4
Disponível em: <http://www.publishnews.com.br/> Acesso em: 30 jun 2014.
5
Disponível em: <http://ipadfamilia.com.br>. Acesso em: 30 jun 2014.
aponta-se as principais vantagens e dificuldades das editoras/empresas brasileiras na
produção dos livros interativos infantis.

A primeira impressão do mercado editorial frente aos livros interativos


Para se abordar o mercado editorial digital é necessário compreender o que são
os livros digitais. Para isso, cabe distinguir, brevemente, a diferença dos chamados e-
books e livros aplicativos. Para tanto, é válido recuperar as palavras de Chartier (2002)
cuja explicação para textos eletrônicos permite também uma associação aos livros
digitais, visto que esses apresentam, entre outros elementos, texto em tela, ou seja, um
texto que “ [...] tal qual o conhecemos, é um texto móvel, maleável, aberto. O leitor
pode intervir em seu próprio conteúdo e não somente nos espaços deixados em branco
pela composição tipográfica" (CHARTIER, 2002, p. 25). Assim, esse artigo parte do
princípio de que tanto os e-books quanto os livros aplicativos são considerados livros
digitais por apresentam, em maior ou menor grau, a possibilidade de interação do leitor
com o conteúdo. Os e-books tendem a ser comercializados no formato digital
denominado ePub (Eletronic Publication), sendo fundamental para o acesso do
conteúdo a escolha de um dispositivo de leitura (hardware), assim como a definição de
um aplicativo de leitura (software), possibilitando o armazenamento e a leitura do livro
que apresenta-se em forma de texto eletrônico (PROCÓPIO, Ednei; 2010).
Como o formato ePub oferece recursos interativos limitados – índice e notas de
rodapé com links, realce de palavras, páginas flipadas – tem-se aprimorado o chamado
ePub3 (EBooks Enhanced), uma versão de e-books que possibilita a inserção de mais
elementos interativos como som e vídeo. Há também livros interativos produzidos em
HTML5 ou em formato de aplicativo (app), sendo que ambos possibilitam recursos
interativos diferenciados suportando, além de vídeo e som, a ampliação e o
deslocamento de imagem (entre outras funções). E dentre as possibilidade de interação,
ainda é possível dizer que há diferença entre os livros aplicativos comercializados. Por
isso, é válido lembrar como as histórias interativas em forma de app ganharam destaque
na mídia, chamando a atenção do mercado editorial brasileiro e internacional.
Em 2010, nos EUA, dois amigos jornalistas com habilidades de designer e de
programador, sócios de uma empresa de pequeno porte (AtomicAntelope), chamaram a
atenção do mercado editorial ao gerarem recursos interativos e animados para o livro
Alice no País das Maravilhas por meio de uma linguagem de programação,
possibilitando movimentos de objetos e personagens ao longo do texto. Uma
interatividade não imaginada antes, mas que se tornou possível ao ser suportada pelo
aparelho iPad, da empresa Apple – que passou a comercializar em sua loja o livro
dinâmico de Alice, ou melhor, o aplicativo de Alice. Após a bem sucedida divulgação do
livro, editores e desenvolvedores de tablets e de e-readers perceberam que o livro em
formato digital era capaz de ir além de um mundo fixo e estático, iniciando um ciclo de
criação, de produção e de consumo de aplicativos (app), fossem eles elaborados com as
características de um livro, fosse criados para cumprir outras funcionalidades (como
entretenimento, produtividade, utilidades, etc.). Aplicativos, como de Alice no País das
Maravilhas passaram a ser referência do futuro do livro por grupos atuantes no meio
editorial em diferentes países além do Brasil, causando tensão devido à mudança
abrupta entre o meio impresso e o digital. Por isso, os aplicativos que se assemelham
aos livros impressos, porém acrescidos de diferentes recursos de interação e
personalização, passaram a ser chamados de livros aplicativos.
Como a interação pode se apresentar de forma distintas entres os livros em
forma de app, torna-se válido mencionar o designer e escritor Avi Itzkovitch (2012) que
tratou de livros digitais na revista norte-americana UX Magazineonde6 discute e
questiona o uso e a criação de efeitos interativos nos livros aplicativos, nos quais as
interações nem sempre agregam valor à narrativa. Para Avi Itzkovitch (2012) 7 há livros
aplicativos cuja interatividade e elementos dinâmicos poderiam ser dispensados ao
longo das histórias por não oferecerem um motivo específico ou por não melhorarem a
experiência de leitura, sendo considerados como apps que exibem alguns desenhos em
movimento apenas para serem considerados e classificados como interativos, buscando
a atenção do leitor. É o caso das animações que retratam parte do texto de forma simples
como nuvens que voam, peixes que nadam no rio, folhas que se locomovem com o
toque na tela. A curiosidade em descobrir o que movimenta na história pode desviar a
atenção da própria leitura.
Também há livros aplicativos cujas animações Avi Itzkovitch (2012) denomina

6
Disponível em: <http://uxmag.com/about>. Acesso em: 25 jun. 2014.
7
Disponível em: <http://uxmag.com/articles/interactive-ebook-apps-the-reinvention-of-reading-and-
interactivity>. Acesso em: 25 jun. 2014.
de interações por valor, referindo-se àquelas que oferecem uma experiência de leitura
que, dificilmente, seria viável pelo livro impresso. Uma interação não superficial que
oferece maior integração com a narrativa, sendo um recurso que auxilia na compreensão
do conteúdo, a exemplo dos livros aplicativos que permitem explorar as imagens citadas
na história, oferecendo mapas para que o leitor localize o que o texto descreve. Recursos
de busca por regiões ou instituições também mencionadas, assim como a possibilidade
de acessar outros elementos que complementem o que se está lendo, levam a outras
informações, mas sem interromper o fluxo de ideias que envolve a leitura em questão. A
interação do leitor não ocorre para somente deslocar os elementos, mas para agregar
valor ao conteúdo, fazendo da leitura uma experiência interessante e atraente
(ITZKOVITCH, 2012).
No caso de Alice no País das Maravilhas, a interação não se faz necessária para
ocorrer a narrativa, mas seus recursos inovadores o colocaram em evidência. Esse
aplicativo, no início da venda de iPads no Brasil, foi a demonstração mais marcante do
que seria possível realizar digitalmente na área editorial. No entanto, uma série de livros
aplicativos está sendo produzida de acordo com o modelo oferecido por Alice como se
fosse a única fórmula atraente de cativar o público. Tal fato pode ocorrer devido a uma
rigidez que norteia o negócio dos livros impressos, no modo como se dá o
entrelaçamento dos sujeitos envolvidos e as regras estabelecidas na relação entre
editores, autores, livreiros e leitores. Diante disso, os exemplos citados - mesmo
retratando uma produção internacional, cuja realidade diferencia-se da cultura brasileira
- mostram-se como casos importantes de se ter como ponto de partida e
contextualização, sendo pertinente observar como essas questões se desdobram no
Brasil. Portanto, os próximos tópicos versam sobre os livros aplicativos direcionados
para o público infantil que exploraram recursos de interação, seja a fim de agregar valor
a narrativa ou apenas tornar a interação um elemento atrativo para a comercialização.

O universo infantil e o conteúdo digital: breves considerações


A capacidade de se compreender os signos, os desenhos e as cores, denominada
inteligência pictória, desenvolve-se no público infantil antes mesmo que a linguagem
escrita lhe seja acessível, por isso os recursos pictórios tornam-se elementos
fundamentais na comunicação e na expressão (ANTUNES, 1998, p. 217). Os livros
infantis, sobretudo os livros em formato aplicativo, exploram esta capacidade humana
através de inúmeros estímulos visuais por meio de elementos interativos como jogos,
ilustrações que ofereçam a possibilidade de colorir, vídeo e áudio que servem de suporte
para a imaginação.
Já o caráter lúdico não é intrínseco à literatura infantil, pois ele depende do uso e
do sentido que o leitor lhe confere. A partir da decodificação das informações
disponíveis no livro a criança estabelece o processo de interação que proporciona um
maior envolvimento e uma relação de afetividade com o objeto. Dessa forma, os livros
aplicativos podem ser tomados com a mesma dimensão de um brinquedo, visto que “o
brinquedo é o suporte da brincadeira, quer seja concreto ou ideológico, concebido ou
simplesmente utilizado como tal ou mesmo puramente fortuito” (KISHIMOTO, 2003,
p.7). Quanto a ludicidade, é possível destacar ainda a fala de Bermudez (2005) devido a
relação que faz do ato da leitura com a de uma brincadeira:

A atividade lúdica deve ser entendida na infância dentro de sua


complexidade de realização psíquica, social e intelectual e afetiva.
Brincar propicia à criança um momento de análise, exploração,
experimentação, redescoberta e criação, logo, pode-se dizer que
brincar é uma atividade de aprendizagem, auxilia no processo de
alfabetização e na fase subsequente em que se estará desenvolvendo a
inteligência operatória e o pensamento lógico (2005, p.56).

Portanto, as possibilidades interativas oferecidas pelos livros dotados dessas


características ampliam as perspectivas do imaginário infantil. O uso de cores,
ilustrações, elementos interativos e flexíveis quanto a posição ao longo do texto
permitem à criança imergir em um mundo mágico a cada página. Nesse sentido é
possível que este pequeno leitor volte a abrir o livro por diversas vezes afim de explorar
novas aventuras e surpresas. Além disso, o lúdico faz parte dos processos de
desenvolvimento da aprendizagem e socialização. Segundo o estudo Retratos da Leitura
no Brasil 3 (2012)8 o número de leitores cresceu 5% entre os anos de 2007 e 2011,
contudo o número de não-leitores permanece alto, representando 45% do universo
pesquisado. Ainda de acordo com dados do referido estudo, o perfil do leitor brasileiro
de livros digitais é bastante heterogêneo no critério faixa etária, pois entre as faixas
etárias de 5 a 17 anos e 18 a 24 anos estão as maiores concentrações de leitores. Estes

8
Disponível em: <http://www.prolivro.org.br/ipl/publier4.0/texto.asp?id=4095>. Acesso em: 28 jun 2014.
números apontam não apenas um maior alcance do mercado de livro digital como
também uma oportunidade de negócio que pode tornar-se atraente a ponto de justificar
os investimentos em publicações digitais, principalmente nos formatos ePub3 e app.
Todavia, a produção, a venda e a distribuição de livros interativos para o público
infantil deve considerar não apenas a criança é um usuário em potencial, mas também
os pais que são os intermediários desse processo que perpassa pela escolha até o
consumo do livro. O poder de decisão na compra final tende a não ser da criança.
Portanto, também é preciso considerar que este público adulto faz parte do processo
(TAVARES, 2014). Ainda podemos identificar na figura do professor um incentivador
da leitura dentro ou fora da sala de aula. A pesquisa Retratos da Leitura também aponta
que de 2007 para 2011 a influência do professor(a) passou de 33 para 45%, superando a
figura da mãe (ou responsável do sexo feminino) que demonstrou uma queda de 6% em
seu poder de influência. Além disso, iniciativas do governo, como o Plano Nacional do
Livro Didático (PNDL) já consideram a inclusão dos livros digitais no orçamento para
aquisição do material didático escolar em escolas públicas.
Assim, lembrar que as crianças estão mais acostumadas ao digital que as
gerações anteriores é essencial na produção e comercialização do livros interativos.
Cabe, as empresas/editoras a escolha de arriscara-se no desenvolvimento de projetos
digitais, definindo como explorar recursos interativos que os livros aplicativos
permitem, potencializando o lúdico e o encantamento das histórias. E como há editoras
brasileiras que já estão mostrando iniciativas em relação a essa produção, é válido
compreender como esse processo tem ocorrido.

A produção de livros interativos infantis no Brasil


Quando se trata do mercado editorial brasileiro, há uma série de blogs e sites que
abordam esse universo, gerando notícias e trazendo informações ligadas ao livro
impresso e, mais recentemente, aos livros digitais. Entre os sites brasileiros com maior
destaque está o portal Publishnews, fundado pelo editor Carlo Carrenho em 2001 no
formato de newslatter, tornando-se um portal, oito anos depois, com mais de 11 mil
assinantes. Ao disponibilizar colunas, entrevistas e notícias sobre o mundo editorial, o
Publishnews se apresenta como uma importante referência entre os principais
profissionais ligados as diferentes etapas da cadeia do livro. Mesmo aqueles que não
atuam nessa área podem acompanhar o portal pois as informações não contemplam
apenas a editores e escritores, uma vez que há divulgação de eventos dedicados ao
público em geral. Outro site que também se destaca ao tratar de livros digitais é o
Ipadfamília. O blog foi criado em 2012 por Maria Claudia Brigido e tem mais de 2.800
seguidores nas redes sociais. Contudo, seu conteúdo é pensado especialmente para
escolas e para leitores que convivem com crianças ou que já são pais. É possível
encontrar no Ipadfamília resenhas, informações e dicas sobre livros digitais e conteúdos
que possam se apresentar de forma lúdica para as crianças. A proposta do blog é ser um
espaço que filtra conteúdo voltado para o Ipad como jogos, livros e aplicativos para se
discutir sobre como usar o aparelho de forma educativa, divertida e saudável, fazendo
consultoria de conteúdo para escolas e criação de aplicativos.
Como o presente artigo tem o intuito de refletir e discutir sobre a produção e
comercialização dos livros aplicativos brasileiros pensados para crianças, tanto o portal
Publishnews quanto o blog Ipadfamília são utilizados para esse estudo, visto que o
primeiro tem seu reconhecimento junto aos profissionais da área editorial, enquanto o
segundo também apresenta reconhecimento por seu conteúdo, principalmente frente aos
pais e familiares que buscam compreender como explorar ludicamente os jogos e livros
digitais junto às crianças. Assim, em ambos os sites, foi realizada uma busca a partir das
palavras "livros digitais", "livros aplicativos infantis" e "livros interativos", a fim de se
identificar as empresas ou editoras unicamente brasileiras que estão tendo iniciativas de
projetos digitais voltados para o público infantil. Levou-se em conta postagens do
segundo semestre de 2011 até o segundo semestre de 2014, sendo que o site
Publishnews apresentou mais de 10 páginas de resultado para cada busca realizada,
enquanto o blog Ipadfamília apresentou uma a duas páginas (até mesmo por seu pouco
tempo de existência). A pesquisa limitou-se a conferir os resultados das 10 primeiras
páginas do Publishnews e todas as páginas oferecidas pelo Ipadfamília.
Como resultado, destacou-se oito editoras/empresas que estão apostando em
livros digitais em formato de aplicativo (Editora Globo, Editora Melhoramentos,
Companhia das Letras, Manati, Editora DCL, Estúdio Yellow+Blue, Editora Pipoca,
Editora E-stilingue) e que, por isso, são retratadas na tabela abaixo (tabela 1). De forma
simplificada, as informações encontradas foram organizadas para tornar claro em qual
endereço eletrônico a empresa ou editora foi citada, assim como o título do livro que a
fez ganhar destaque. Do mesmo modo, é apresentado os principais recursos do livro
aplicativo desenvolvido pela empresa, além do seu grau de interação, de acordo com a
visão do designer Avi Itzkovitch, citado anteriormente (tópico 2).

*Ano da última atualização do aplicativo.


Tabela 1 – Editoras identificadas por destacarem-se na produção de livros aplicativos infantis
Fonte: Produzido pelos autores
Dessa forma, o primeiro aspecto a se refletir (a partir da tabela 1), são as
semelhanças e diferenças entre as editoras destacadas. Dentre as oito editoras/empresas,
as três últimas - Yellow+Blue, Editora Pipoca, Editora E-stilingue, trabalham somente
com a produção de livros digitais, sendo estúdios e editoras que optaram por aliar o
conhecimento editorial com a área de design e de programação, dedicando seu portfólio
a desenvolver projetos que sejam exclusivos para tablets. Já a Editora Globo, Editora
Melhoramentos, Companhia das Letras, Manati e Editora DCL, atuam no mercado
editorial há mais tempo, produzindo também livros impressos. São editoras que
buscaram acompanhar as mudanças digitais que modificaram o cenário da produção do
livro e que, por tal razão, tendem a ser lembradas ao mostrarem interesse e iniciativa na
produção de projetos que vão além do impresso. Em relação a isso, a tabela 1 mostra
que a Editora Globo, Editora Melhoramentos, Companhia das Letras e Manati são
mencionadas tanto no site Publishnews quanto Ipadfamília quando se trata da busca por
livro aplicativo e livro infantil. Isso mostra que essas editoras já conseguem ter o nome
da marca ou de seus títulos vinculados a uma produção digital.
Apesar da Editora DCL também ter sua marca solidificada no mercado, ela é
mencionada somente no site Publishnews. No entanto, tal menção, ao aparecer em um
espaço produzido e voltado principalmente para profissionais do mercado, tende a
representar uma oportunidade de divulgação do título da obra, servindo como vitrine
para exibir o potencial da editora, reafirmando, assim, sua trajetória na área editorial.
Também é válido notar que entre essas cinco editoras que trabalham com livros
impressos, somente a editora Manati não desenvolveu um livro aplicativo com base em
um projeto impresso já existente. Portanto, o fato das editoras estarem gerando uma
versão digital a partir de títulos impressos anteriormente, colabora para que o restante
do mercado deseje observar de perto os seus resultados, afinal há uma dificuldade por
em se desenvolver conteúdos digitais pensados exclusivamente para os tablets, pois isso
envolve uma série de custos (seja do consumo do aparelho/hardware; seja do valor final
do livro, além do valor da produção do mesmo).
Em relação a esse ponto, Tavares (2014) afirma que a falta de conteúdo digital,
principalmente para o público infantil, apresenta diferentes explicações, visto que as
editoras até desejam colocar o próprio conteúdo à venda mas há problemas enfrentados,
por exemplo, com as próprias lojas - de como distribuir esses livros. Além disso,
Tavares (2014) acredita que há uma falta de conhecimento geral de como funciona a
própria informática.
[...] uma das dificuldades é saber qual formato utilizar. Há também uma
briga do que é livro aplicativo e o que é livro digital. Mas os livros
infantis sempre tiveram um limite sutil entre o que é jogo e o que é livro.
Quanto a isso a própria Apple está atenta quando um livro é publicado em
sua loja na categoria de livro ou na categoria de jogos. Portanto quando
um e-book é publicado na categoria de jogos, ela automaticamente
transfere para a categoria de livros.

Mas ao se tratar da interação e dos recursos dos livros, há um segundo aspecto


que pode ser pensado a partir da tabela 1: desde 2011 até 2014, os recursos adicionados
nos projetos digitais identificados partem (1) da movimentação de alguns objetos a
partir do toque do leitor na tela; (2) da animação já existente em determinadas páginas
sem a necessidade da participação do leitor e (3) da possibilidade de uma voz narradora
que ajuda a acompanhar a história. Os recursos que variam, muitas vezes, é a introdução
da animação de alguns objetos devido ao movimento do próprio tablet, assim como a
inserção de trilha sonora, sons e ruídos ao longo da história. O que a tabela 1 mostra é
que nenhuma das editoras introduziu o vídeo como um recurso atrativo para o público, e
dentre as oito editoras, apenas três (Editora Melhoramentos, Manati e DCL)
adicionaram recursos extras, oferecendo alternativas de jogos e distrações além da
leitura da própria história (com sons e interações). A opção das outras editoras em não
apresentarem recursos extras pode estar envolvido com o desejo de manter o foco do
projeto na sua leitura ao invés de apostar em elementos que podem desviar a atenção do
leitor. No entanto, é muito possível que essa questão dos recursos esteja também ligada
aos custos que envolve a produção de um livro aplicativo.
Quanto a essa produção de livros aplicativos infantis, a fala de Procópio (2014)
mostra-se fundamental, pois sua empresa - a Livrus Negócios Editoriais - abriu espaço
para a produção de livros aplicativos visando uma variedade de projetos. Por também
oferecer em tais livros uma série de recursos interativos, Procópio (2014) explicou que a
empresa tem recebido projetos na área infantil, mas o foco não está nesse público, nesse
primeiro momento "[...] O nosso foco ainda não é o leitor. Nós estamos em um estágio
anterior que é o do entendimento do autor e de sua arte. O livro nasce com o autor e
estamos interessado em ouvi-lo". Mesmo assim, Procópio (2014) explica suas
percepções quanto ao mercado editorial brasileiro dizendo que esse "[...] é um mercado
essencialmente tradicionalista, de pouca ou nenhuma inovação. É um mercado velho,
lento, temeroso, aflito e reacionário." Talvez isso justifique o fato de poucas editoras
estarem explorando os livros digitais, principalmente os livros aplicativos. Tavares
(2014) complementa da seguinte forma:
O problema maior das produção de livros digitais interativos não é da
falta de profissionais ou da parte técnica, mas da falta de ideias e do
apego ao livro impresso. O livro impresso foi pensado de uma certa
maneira e quando passa para o digital precisa de mudanças, como poucas
animações, som. Mas o que acontece? Os editores não estão preparados
pra isso. A questão é de preparação, de projeto [...] o livro infantil precisa
de uma boa história e de um bom projeto para dar certo no digital. E isso
pode ser citados pelos exemplos de histórias como Quem soltou o Pum? e
Frankie, pois as histórias são fantásticas, animações simples em vista das
histórias e que talvez até desnecessárias.9

Por último, há um terceiro aspecto que pode ser observado na tabela 1: a


interação utilizada para venda comercial do livro, mas que nem sempre agrega valor a
história, sendo dispensável para a compreensão dos personagens e fatos. Apenas duas
editoras (Companhia das Lestras e E-stilingue) apresentam títulos cuja interatividade
entre a história e o leitor precisa ocorrer, pois o movimento dos objetos ou do tablet
pode oferecer um significado ou rumo diferente aos personagens. O projeto das editoras
restantes apostam em interações e animações que atraem a atenção do leitor,
resignificando a própria forma de se ler. No entanto, caso tais interações fossem
retiradas, não prejudicariam a compreensão do texto. Isso nos mostra que o livro
impresso apresenta um modelo e um padrão quando criado, mas que para o digital a
mesma lógica não procede. Tavares (2014) reforça a dificuldade de se elaborar livros
interativos está na capacidade de projetar, de decidir quais animações são essenciais
para ajudar a criança a compreender a história sem distrair do conteúdo. Essa
dificuldade de entender que o suporte e o modo de leitura é diferente, faz com que o
editor tenha "[...] dificuldade em se desapegar, pois não basta o projeto gráfico. Tem que
pensar antes no livro digital e depois no livro impresso" (TAVARES, 2014). Mantendo a

9
Os livros citados por Tavares (2014) e identificados também na tabela 1, receberam prêmios e destaque também em
outros portais de notícia especializados. Frankie para crianças ganhou 1º lugar na categoria Arte Digital do Prêmio
Hipertexto 2013 e 2º lugar na categoria Digital Interativa do ComKids Prix Jeunesse Iberoamericano 2013, sendo um
reconto literário audiovisual interativo e bilíngue. É composto por animações simples e que agregam valor a história.
Nessa mesma linha, destaca-se ainda a produção da Companhia das Letras, Quem soltou o Pum?, que não apresenta
interações arrojadas e inovadoras, mas a integração entre uma história bem escrita e interações adequadas, que
complementam a narrativa e não causam distrações par o leitor, deram destaque e relevância também para esta obra.
mesma linha de raciocínio, mas de forma mais ampla, Procópio (2014) aponta as
vantagens e desvantagens do mercado editorial brasileiro diante dessa produção:
As desvantagens que nós temos percebido é que o livro digital é um
produto que se afasta cada vez mais de seu mercado predecessor. E este
novo mercado não consegue fazer uso da experiência do que veio antes.
Deste modo, temos percebido alguns livros digitais sem qualidade sendo
lançados como se fossem novidades. A desvantagem é que a gente não
consegue usar os nossos livros para manter o público já anteriormente
conquistado. [...] Se pudéssemos manter a experiência do mercado
tradicional, com a inovação do novo mercado seria mais interessante para
todos. Já a vantagem deste novo mercado editorial é que o público
também é novo, no sentido em que ele começou a se conectar apenas na
última década, exatamente no período em que o livro digital começou a se
popularizar. Neste cenário, podemos "testar-aprendendo-enquanto-
fazemos". Vamos errando e acertando. Aprendendo e ensinando. As
antigas empresas do antigo mercado editorial, de tão grandes, enraigadas,
velhas e cansadas, não tem tempo para isto. Nós aqui temos. Temos
tempo para errar. Podemos errar. E erramos com satisfação. Os novos
tempos nos permite errar enquanto acertamos. O velho mercado editorial,
por sua vez, não assume seus próprios erros.

Além disso, na visão de Tavares (2014) os livros interativos são uma aposta
importante, assim como uma oportunidade para os editores, o reforça que as tentativas
realizadas pelas editoras vão ao encontro de uma demanda que realmente existe:
Eu acredito que seja uma aposta muito importante como negócio, mas não
somente para os que produzem os aplicativos, mas também para os
editores que trabalham com livros infantis mais simples, cuja
interatividade ajude no conteúdo e não atrapalhe, uma interatividade que
ajude na leitura e na promoção do conteúdo, pois há poucos assim. Então,
tem uma grande oportunidade de se publicar e a literatura infantil é a que
mais cresce e isso é significativo. O terceiro elemento é que as crianças e
os mais jovens são os mais abertos para o digital, eles são nativos do meio
digital. Ler no tablet e em tela não é problema para eles, é um problema
para as pessoas como nós, mais velhas. Além disso, é possível agregar
valor por meio do livro interativo, ou seja, ter um livro com interações
que completem o livro impresso na sua comercialização.

Diante disso, é viável dizer que o atual cenário brasileiro quanto a produção de
livros digitais, em especial os livros interativos, pode até sofrer com dificuldades de
padronização pelos diferentes suportes e formatos existentes. Da mesma maneira há
dificuldades quanto a capacitação do mercado para a produção dos livros digitais, mas
que a maior dificuldade parece estar enraizada na forma como as editoras veem os livros
digitais, ou seja, como um negócio ainda não seguro. São poucas as editoras brasileiras
que estão investindo em livros aplicativos para o público infantil, apesar do surgimento
de estúdios e empresas que oferecem especificamente o desenvolvimento desse
trabalho. Os projetos editoriais brasileiros apresentam recursos e animações semelhante
tornando o livro com o rótulo de interativo, imitando o que já existe e foi produzido por
empresas não brasileiras. Contudo, mesmo os projetos digitais cujos interações não
agregam valor, não retiram o mérito das editoras em planejarem quais formas interativas
são as mais adequadas para um livro aplicativo, visto que o atual momento é o de
experimentação (e não somente no Brasil), sendo preciso explorar o que se pode obter
das tecnologias que estão surgindo e transformando o modo como o leitor relaciona-se
com o livro. Desse modo, é válido pensar na principal questão apontada por Tavares
(2014) e Procópio (2014): a necessidade de uma mudança cultural no próprio meio
editorial brasileiro, a fim de contribuir para o desapego sem o receio de errar.

Conclusão
Ao longo do artigo, percebeu-se que, no Brasil, são bastante incipientes as
iniciativas quanto a projetos digitais, visto número reduzido de empresas que estão se
arriscando na produção de livros aplicativos, em especial para o público infantil, apesar
dos livros voltados para as crianças mostram-se excelentes para explorar recursos
interativos. Mesmo surgindo novas editoras dedicadas especialmente a criação de
projetos digitais, como os livros aplicativos infantis, o mercado ainda parece mais
interessado e curioso em observar o que as editoras, já solidificadas por uma trajetória
na produção impressa, estão desenvolvendo. Sinal de que as dúvidas no mercado
editorial são enormes, buscando andar lentamente sem muitos riscos. Isso é confirmado
pelo fato de que apenas oito editoras brasileiras foram encontradas nos resultados de
busca por livros digitais em dois sites que são constantemente acompanhados por um
público interessado na produção digital. Ou seja, um número pequeno se for lembrado o
nome de outras grandes editoras que trabalham com projetos para o público infantil.
Também é válido apontar que as oito editoras identificadas apresentam outros
projetos digitais além dos mencionados, mas nem todos os livros ganham menção ou
destacam-se, provavelmente por tais projetos apresentarem recursos interativos
semelhantes e serem a continuação de uma estratégia comercial que visa também a
experimentação. Isso mostra o quanto o mercado editorial brasileiro ainda está
explorando e tentando encontrar um caminho no universo digital.
Referências
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