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Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia-Pncsa/

Ppgas-Ufam

Projeto Novas Cartografias Antropológicas da


Amazônia-Pncaa/Cestu-UEA

Laboratório Nova Cartografia Social: Processos de


Terriorialização, Identidades Coletivas e Movimentos
Sociais - Uea/Cnpq

Projeto: PROCESSOS DIFERENCIADOS DE TERRITORIALIZAÇÃO


E AÇÃO PEDAGÓGICA JUNTO A POVOS E COMUNIDADES
TRADICIONAIS - PNUD/FUNDAÇÃO FORD

Conselho Editorial
Otávio Velho - PPGAS-MN/UFRJ, Brasil
Dina Picotti - Universidad Nacional de General Sarmiento, Argentina
Henri Acselrad - IPPUR-UFRJ, Brasil
Charles Hale - University of Texas at Austin, Estados Unidos
João Pacheco de Oliveira - PPGAS-MN/UFRJ, Brasil
Rosa Elizabeth Acevedo Marin - naea/ufpa, Brasil
José Sérgio Leite Lopes - PPGAS-MN/UFRJ, Brasil
Aurélio Viana - Fundação Ford, Brasil
Sérgio Costa - LAI FU - Berlim, Alemanha
Alfredo Wagner Berno de Almeida - CESTU/UEA, Brasil
Consulta e
participação:
A crítica à metáfora da
teia de aranha
Alfredo Wagner Berno de Almeida
Sheilla Borges Dourado (organizadores)
Danilo da Conceição Serejo Lopes
Eduardo Faria Silva

UEA edições
Manaus-2013

Coleção DOCUMENTOS DE BOLSO no5


PNCSA | PPGSCA e PPGAS/UFAM
Copyright © Alfredo Wagner Berno de Almeida, Sheilla Borges Dourado (orgs.), 2013

Coordenação editorial e direção da coleção


Alfredo Wagner Berno de Almeida

Capa e projeto gráfico


Sabrina Araújo de Almeida

Revisão
Sheilla Borges Dourado
Foto da capa
Sheilla Borges Dourado

Ficha Catalográfica
...........................................................................
DC758 Consulta e participação : a crítica à metáfora da teia de aranha / orga-
nizadores, Alfredo Wagner Berno de Almeida, Sheilla Borges Doura-
do; Danilo da Conceição Serejo Lopes, Eduardo Faria Silva – Manaus :
UEA Edições ; PPGSA/PPGAS -UFAM, 2013.
214 p. ; 16 cm. – (Coleção Documentos de Bolso ; n. 5)
ISBN 978-85-7883-258-2
1. Direito – Povos e comunidades tradicionais. 2. Participação. 3.
Identidade cultural. I. Almeida, Alfredo Wagner Berno de. II. Dourado,
Sheilla Borges. III. Lopes, Danilo da Conceição Serejo. IV. Silva, Eduardo
Faria. V. Série.
CDU 342.726
...........................................................................
Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia (PNCSA)
UEA - Edifício Professor Samuel Benchimol. Rua Leonardo Malcher,
1728 - Centro. Cep.: 69.010-170 - Manaus, AM
UFAM - Rua José Paranaguá, 200, Centro.
Cep.: 69.005-130 - Manaus, AM
Fone: (92) 3232-8423 | www.novacartografiasocial.com
E-mails: pncaa.uea@gmail.com pncsa.ufam@yahoo.com.br
Sumário
11 Apresentação
Alfredo Wagner Berno de Almeida
Sheilla Borges Dourado

35 Anexo: Julgamento da Petição 3388/RR pelo STF. Caso Raposa


Serra do Sol (trecho do Acórdão)

39 Direito à participação e direito de consulta


Sheilla Borges Dourado

63 A Convenção nº. 169 da Organização Internacional do Trabalho


– OIT sobre Povos Indígenas e Tribais: a experiência das
comunidades quilombolas de Alcântara – MA
Danilo da Conceição Serejo Lopes

77 Anexo: Sentença n. 027/2007/JCM/JF/MA do Mandado


de Segurança (Processo no 2006.37.00.005222-7) impetrado
por Joisael Alves e outros contra Diretor Geral do Centro de
Lançamento de Alcântara/MA
81 Audiência Pública e Participação Social na Efetivação do Estado
Democrático
Eduardo Faria Silva

97 Distinguir e Mobilizar: duplo desafio face às políticas governamentais


Alfredo Wagner Berno de Almeida

Documentos oficiais
105 Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004 (Brasil). promulga a
Convenção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho
sobre Povos Indígenas e Tribais no Brasil

127 Portaria n. 35, de 27 de janeiro de 2012 (Brasil). Institui Grupo


de Trabalho Interministerial com a finalidade de estudar, avaliar
e apresentar proposta de regulamentação da Convenção n. 169
da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos
Indígenas e Tribais, no que tange aos procedimentos de consulta
prévia dos povos indígenas e tribais

133 Portaria n. 303, de 16 de julho de 2012. Dispõe sobre as


salvaguardas institucionais às terras indígenas conforme
entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição
3.388 RR.

137 Portaria n. 308, de 25 de julho de 2012. Altera o disposto no art.


6o da Portaria n. 303, de 16 de julho de 2012.

139 Portaria n. 415, de 17 de setembro e 2012. Altera o disposto


no art. 6o da Portaria n. 303, de 16 de julho de 2012 e revoga a
Portaria n. 308, de 25 de julho de 2012.

141 Ley n. 29.785, de 31 de agosto de 2011 (Peru). Ley de Derecho


a la Consulta Previa a los Pueblos Indígenas u Originários,
reconocido en el Convenio 169 de la Organización Internacional
del Trabajo (OIT)

153 Decreto Supremo n. 001-2012 MC, de 2 de abril de 2012 (Peru)


Reglamento de la Ley n. 29.785/2001

185 Ley n. 222, de 10 de febrero de 2012 (Bolivia). Ley de Consulta


a los Pueblos Indígenas del Território Indígena y Parque Nacional
Isiboro Sécure – TIPNIS

Documentos dos movimentos sociais, entidades de apoio,


ONGs e entidades científicas brasileiros
193 Circular APIB/ 005/2012, elaborada e divulgada pela Articulação dos
Povos Indígenas do Brasil;

196 Proposta de Diretrizes para a Regulamentação dos Procedimentos


de consulta Livre, Prévia e Informada aos Povos indígenas do Brasil,
subscrito pela Rede de Cooperação Alternativa (RACA);

200 Manifesto da Bancada Indígena da CNPI pela revogação integral da


Portaria 303 da AGU, divulgado pela Comissão Nacional de Política
Indigenista (CNPI);

204 Nota pública: Regulamentação do Direito a Consulta Prévia


Preocupa, subscrita pela Malungu (Coordenação das Associações das
Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará)

205 Nota Técnica sobre a regulamentação da Convenção 169 da OIT,


divulgada pela Coordenação Nacional das Comunidades Negras
Rurais Quilombolas (CONAQ)

213 Manifesto dos Povos indígenas de Roraima contra a posição do


Governo Dilma, elaborado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR)
lista de siglas e abreviaturas
apl – Anteprojeto de lei
Art – Artigo
cf – Constituição Federal
cdb – Conveção sobre Diversidade Biológica
cgen – Conselho de Gestão do Patrimônio Genético
cnpq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico
fao – Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura
fucapi – Fundação de Análise, Pesquisa e Inovação Tecnológica
inpi – Instituto Nacional de Propriedade Industria
mp – Medida Provisória
onu – Organização das Nações Unidas
pncsa – Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia
ppgda – Programa de Pós-graduação em Direito Ambiental / uea
pgsca – Programa de Pós-graduação Sociedade e Cultura na Amazô-
nia / ufam
Unesco – Organização das Nações Unidas para Educação, a Ciência e a
Cultura
coleção
Documentos de Bolso
Uma das atividades que tem exigido considerável esforço intelectu-
al nos trabalhos de pesquisa concernentes ao Projeto Nova Cartografia
Social da Amazônia e aos outros projetosi que lhe são coextensivos,
diz respeito às iniciativas pedagógicas que visam discutir dispositivos
jurídicos relativos aos direitos de povos e comunidades tradicionais.
Elas abrangem diferentes cursos, ministrados em até doze horas-aula,
para integrantes de associações, movimentos, sindicatos e demais en-
tidades de representação referidas a uma ação coletiva, mais ou menos
formalizada e institucionalizada, empreendida por agentes sociais que
visam alcançar um objetivo compartilhado em torno do uso comum
de recursos naturais imprescindíveis à sua reprodução física e social e
em torno de uma identidade coletiva construída consoante uma pauta
........
I
Projeto Nova Cartografia Social dos Povos e Comunidades Tradicionais do
Brasil (ufam/f. ford/mma) e Projeto Processos de Territorialização, Confli-
tos e Movimentos Sociais na Amazônia (fapeam-cnpq).

9
de reivindicações face ao Estado. Destaca-se nesta pauta o reconheci-
mento de seus direitos territoriais.
O pncsa, a partir da discussão destas práticas de pretensão di-
dática, inicia a coleção denominada Documentos de Bolso, que con-
siste numa atividade auxiliar aos mencionados cursos de formação,
visando suprir lacunas bibliográficas e propiciar a um público amplo
e difuso um acesso mais direto a documentos jurídicos que reforçam
os direitos de povos indígenas, quilombolas, ribeirinhos, quebradeiras
de coco babaçu, seringueiros, faxinalenses, comunidades de fundos
de pasto, pomeranos, ciganos, geraizeiros, vazanteiros, piaçabeiros,
pescadores artesanais, pantaneiros, afro-religiosos e demais sujeitos
sociais emergentes, cujas identidades coletivas se fundamentam em
direitos territoriais e numa auto-consciência cultural.
O trabalho de direção da coleção ficou a cargo do Coordenador
do pncsa, Alfredo Wagner Berno de Almeida. Em discussão com
advogados e advogadas, procuradora do MPF e antropólogos e an-
tropólogas, organizadores de cada volume, foram fixados os critérios
de seleção e agrupamento dos documentos. A responsabilidade prin-
cipal da seleção, entrementes, ficou sob a responsabilidade daqueles
especialistas mencionados diretamente referidos aos temas em ques-
tão, concernentes respectivamente a direitos étnicos, culturais e ter-
ritoriais. Os gêneros dos documentos em jogo foram criteriosamente
considerados. Nesta coleção foram classificadas: convenções interna-
cionais (oit, unesco, onu) e protocolos adicionais, declarações
aprovadas em assembléia geral (onu, unesco) e respectivas por-
tarias e decretos ratificadores ou que orientam a sua implementação.
No segundo volume, excepcionalmente, foram agrupados sobretudo
pareceres jurídicos de circulação restrita (mpf, agu, incra). No
terceiro volume foram selecionados documentos relativos a direitos
dos trabalhadores migrantes. No quarto volume documentos sobre
conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.

10
Apresentação
Alfredo Wagner e Sheilla Dourado

Uma distinção prévia e necessária


As modalidades de participação de que trata este livro tem uma
finalidade precípua, cingindo-se a formas de ação direta, sem inter-
mediações e tutelas, referidas particularmente a povos e comunidades
tradicionais, e seus respectivos dispositivos jurídicos. Este recorte im-
põe uma distinção inicial já que as discussões sobre as formas gerais
de participação política e de consulta encontram-se na ordem do dia
da vida social brasileira, neste final de junho de 2013, após semanas
de intensas mobilizações populares em ruas e praças de centenas de ci-
dades. Embora difusas, e não colocando imediatamente em questão o
poder do Estado, tais mobilizações, em virtude de sua autonomia, da
heterogeneidade de sua composição e da dispersão de suas reivindica-
ções, apontam não somente para novos significados de “política”, mas
principalmente para novos padrões de relação política. Elas conjugam
reivindicações econômicas com afirmações identitárias e princípios
éticos, sinalizando para a incorporação de ações diretas e práticas cole-
tivas não previstas nos dispositivos eleitorais e partidários, bem como
para formas de representatividade diferenciadas e colegiadas igual-
mente não previstas. Em resposta a estas reivindicações colocadas cada
vez com maior vigor, pela força, pela persistência e pela intensidade
das mobilizações, o principal ponto da agenda elaborada pelos pode-
res, executivo e legislativo, passou a ser a chamada “reforma política”.

11
As primeiras iniciativas, consoante os preceitos constitucionais, concer-
nem às propostas acerca do formato de uma consulta popular: plebis-
cito ou referendo? No plebiscito o eleitor votaria em uma proposição,
enquanto no referendo ele votaria numa medida já elaborada e pronta,
que lhe é apresentada para aprovação ou rejeição. O resultado da vota-
ção no plebiscito apenas estabelece diretrizes para a elaboração, num
momento posterior, de uma lei ou medida do poder estatal. Ambos os
procedimentos de participação são executados por meio do voto, isto é,
do voto individual envolvendo a ação da justiça eleitoral.
Importa reiterar que as manifestações populares com intensa
mobilização política tem colocado sempre em pauta questões que
impelem os poderes democraticamente instituídos a recorrer a
dispositivos de maior participação. Em 1963, um ano antes do golpe
militar, cuja ditatura perdurou até março de 1985, foi realizado um
referendo em que o povo foi consultado se apoiava o Ato que instituía
o parlamentarismo. O resultado confirmou a continuidade do regime
presidencial. A redemocratização consolidada com a Constituição
Federal outorgada em outubro de 1988 recolou a relevância da
soberania popular exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e
secreto, com valor igual para todos. As consultas populares, consoante
a Constituição, são feitas através de referendos, plebiscitos e iniciativa
popular, previstos no Art.14 da CF e regulamentados pela Lei 9.709
de 1998. Como já foi sublinhado no plebiscito, o povo vota a respeito
de uma questão e, a partir do resultado, é elaborada uma lei, de acordo,
com os anseios populares. No referendo, os governantes perguntam à
população se ela referenda uma lei aprovada pelo Congresso para que
ela possa entrar em vigor. Em 1993, por exemplo, ocorreu um plebiscito
em que o povo se manifestou entre Monarquia e República e entre
Presidencialismo e Parlamentarismo. Dez anos depois, em 2003, foi
realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE), depois da aprovação
de alteração pelo Congresso Nacional do Artigo 35 do Estatuto do
Desarmamento, um referendo em que o povo se manifestou contra

12
alteração no dispositivo que proibia o comércio de armas e munições
no território nacional. Em 2011 ocorreu a mais recente consulta
popular, o TSE realizou um plebiscito para decidir sobre a divisão
do Estado do Pará e a criação dos Estados de Carajás e Tapajós. O
plebiscito consistiu na resposta a duas perguntas: “Você é a favor da
divisão do Estado do Pará para a criação do Estado do Tapajós?” e
“Você é a favor da divisão do Estado do Pará para a criação do Estado
de Carajás?”. Os eleitores rejeitaram a criação dos dois estados.
Em julho de 2013, a partir de um processo de intensa mobilização
popular, com grandes manifestações de rua em todo o país, por pelo
menos três semanas, a Presidência da República encaminhou ao
TSE uma solicitação de plebiscito referente à reforma política. O
Congresso foi contrário à proposta do executivo de ouvir o povo,
naquele momento, para decidir sobre mudanças na política nacional.
Atualmente, em decisões como o aborto ou a pena de morte cogita-se
também a utilização destes dispositivos de consulta popular.

A participação nos termos da Convenção 169/OIT


Feita esta distinção preliminar importa acrescentar que, para efeitos
deste livro, estaremos discutindo um significado específico de partici-
pação baseado, sobretudo, num dispositivo infraconstitucional, a Con-
venção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que não
se reduz a uma atuação político-partidária e nem de natureza individu-
al. Os agentes sociais referidos a este dispositivo concernem a povos e
comunidades tradicionais, dispostos historicamente à margem da cena
política oficial, mas que estão descrevendo, nestes primeiros anos do
século XXI, uma trajetória politicamente ascendente de conquista e de
consolidação de seus direitos à cidadania. No caso brasileiro compreen-
dem uma complexa diversidade e tanto se referem a povos indígenas e
quilombolas, quanto a comunidades de fundos de pasto, a ribeirinhos,
a quebradeiras de coco babaçu, a faxinalenses, a peconheiros, a piaça-
beiros, a seringueiros, a castanheiros, a pescadores artesanais, a caiçaras,

13
a povos de terreiro e demais unidades sociais que são classificadas e
se autorepresentam como povos e comunidades tradicionais. As ações
coletivas e reivindicatórias, que ora executam, evidenciam que suas
formas de participação têm sido politicamente construídas, através de
um diversificado repertório de práticas de mobilização. Elas descrevem
conquistas resultantes de um processo de lutas e de múltiplas estraté-
gias de resistência que são engendradas face às terras que tradicional-
mente ocupam. Em contrapartida, não obstante uma retórica oficiosa,
que frequentemente menciona “métodos de gestão com participação
social” ou sempre fala em “ampliar os mecanismos de participação”,
verifica-se a multiplicação de ocorrências de conflitos sociais e um abis-
mo crescente entre a implantação de megaprojetos e o reconhecimento
efetivo dos direitos destas mencionadas unidades sociais. Adotar efeti-
vamente a participação política e a consulta prévia e informada como
um direito fundamental destes povos, mediante quaisquer empreendi-
mentos econômicos que afetem sua existência coletiva, consiste num
impasse recorrente, que permeia as diferentes estruturas de poder. Eis
os pressupostos de nosso ponto de partida.
A Convenção 169 e o novo constitucionalismo sul-americano1
“A Convenção 169 (...) teve um impacto muito importante no
constitucionalismo latino-americano a partir da última década do
século XX, inaugurando todo um ciclo de reformas constitucionais.”
(Fajardo, 2009:p.11)
Nesta primeira década e meia do século XXI o continente sul-ame-
ricano e em especial os países que integram a Pan-Amazônia estão
........
1
Para consulta leia-se: Fajardo, Raquel Z. Yrigoyen- “Aos 20 anos da Convenção
169 da OIT: balanço e desafios da implementação dos direitos dos Povos Indígenas
na América Latina.” In Verdum, Ricardo (org.)- Povos Indígenas. Constituições e
Reformas Políticas na América Latina. Brasília, INESC. 2009 pp.09-62.

14
passando por profundas transformações sociais e descrevendo uma
ruptura radical face aos acontecimentos de décadas anteriores. Muitos
economistas tem destacado que, nos últimos dez anos, o crescimento
dos países do Mercosul e da Pan-Amazônia foi muito mais elevado
do que aquele ocorrido entre o Consenso de Washington, em 1989,
e o início do século XXI. Constatam, além disto, uma situação de
progresso social e econômico com governos democráticos eleitos, ao
contrário do cenário de recessão e desemprego de outras regiões do
globo e do autoritarismo de décadas anteriores. Um dos principais
fatores, responsáveis por estes resultados, pode ser atribuído ao mérito
das políticas governamentais estarem rompendo com os princípios ne-
oliberais e removendo os resquícios dos regimes ditatoriais e estarem
consolidando uma experiência democrática, subscrevendo inclusive
Declarações, tal como a Declaração das Nações Unidas sobre os Di-
reitos Humanos dos Povos Indígenas, de 2007, e ratificando Conven-
ções internacionais que asseguram o reconhecimento da diversidade
cultural, como a Convenção 169 da OIT, que data de 1989, mas que
só foi reconhecida pelo Brasil em 2002.
O historiador Hobsbawm2 nos convida a pensar que o centro de
gravidade do mundo estaria mudando. Com a depressão econômica
ele se move atualmente do Oeste (América do Norte e Europa) para o
Sul e para o Leste asiático (Hobsbawm, 2012). No bojo destas trans-
formações alguns autores chegam a falar, no plano jurídico, de um
“novo constitucionalismo sul americano”, ilustrando principalmente
com as experiências de Bolívia, Equador e Venezuela, que estão vi-
vendo e discutindo intensamente a aplicação e o aprimoramento de
instrumentos democráticos de participação.
Em termos da Convenção 169, cabe destacar que dos vinte e dois
países que a ratificaram até junho de 2013, quinze deles encontram-se
........
2
Vide Entrevista exclusiva à Revista Sem Terra, concedida por E.Hobsbawm à
jornalista Verena Glaas e publicada em 03 de outubro de 2012.

15
no continente americano, sendo oito na América do Sul e os demais na
América Central, à exceção do México. Apenas Noruega, Dinamarca e
Holanda, no continente europeu, a ratificaram. Na África o primeiro e
único país a reconhecê-la trata-se da República Centro-Africana e em
outros países (Quênia, Moçambique e Zâmbia) está-se iniciando uma
discussão em torno da defesa dos direitos territoriais dos povos tribais.
No caso da Pan-Amazônia apenas dois países não são signatários da Con-
venção 169, quais sejam: Suriname e República da Guiana. Pode-se afir-
mar que vinte e quatro anos depois de adotada pela OIT a Convenção
169 mantém-se como um instrumento atual nas pautas de reivindica-
ções relativas a direitos humanos de povos e comunidades tradicionais.
Mediante estes dados, apresentamos a seguir dois quadros compa-
rativos com os países que ratificaram a referida Convenção, a data da
ratificação e as datas da promulgação das Constituições vigentes ou de
suas respectivas reformas.

Países que ratificaram a Convenção n. 169 da Organização Internacio−


nal do Trabalho (OIT) em ordem cronológica
País Data
1 Noruega 19.06.1990
2 México 05.09.1990
3 Colômbia 07.08.1991
4 Bolívia 11.12.1991
5 Costa Rica 02.04.1993
6 Paraguai 10.08.1993
7 Peru 02.02.1994
8 Honduras 28.03.1995
9 Dinamarca 22.02.1996
10 Guatemala 05.06.1996
11 Holanda 02.02.1998
12 Fiji 03.03.1998

16
13 Equador 15.05.1998
14 Argentina 03.07.2000
15 Venezuela 22.05.2002
16 Dominica 25.06.2002
17 Brasil 25.07.2002
18 Espanha 15.02.2007
19 Nepal 14.09.2007
20 Chile 15.09.2008
21 Nicarágua 25.08.2010
22 República da África Central 30.08.2010
Conforme dados oficiais da OIT: www.ilo.org Consulta em 06.07.2013

Países do continente americano que ratificaram a Convenção n. 169 da OIT


País Data de ratificação Constituição vigente (ano)
1 México 05.09.1990 1917, com reformas em 2001
2 Colômbia 07.08.1991 1991
3 Bolívia 11.12.1991 2009
4 Costa Rica 02.04.1993 1949
5 Paraguai 10.08.1993 1992
6 Peru 02.02.1994 1993
7 Honduras 28.03.1995 1982, com reformas
8 Guatemala 05.06.1996 1985, com reformas em 1993
9 Equador 15.05.1998 2008
10 Argentina 03.07.2000 1994
11 Venezuela 22.05.2002 1999
12 Dominica 25.06.2002 1978 com reformas em 1984
13 Brasil 25.07.2002 1988
14 Chile 15.09.2008 1980 com reformas em 2005
1987 com reformas em 1995,
15 Nicarágua 25.08.2010
2000 e 2005
Conforme dados oficiais da OIT: www.ilo.org Consulta em 06.07.2013

17
No caso brasileiro a ratificação por si só não tem servido de garan-
tia para a efetivação dos direitos territoriais de povos e comunidades
tradicionais. Tão pouco tem assegurado a participação de povos e co-
munidades e o direito de consulta prévia face a empreendimentos que
os atinjam. Haja vista que sucessivos governos têm privilegiado um
modelo de desenvolvimento apoiado na economia agro-exportadora
de commodities, sacrificando a economia camponesa de base familiar
e os territórios de uso comum de povos e comunidade tradicionais. A
flexibilização dos direitos territoriais tem sido recorrente na implan-
tação de grandes projetos, o que tem resultado em situações de graves
conflitos sociais. Verifica-se o negligenciamento dos mecanismos de
participação direta de povos e comunidades atingidos pela implanta-
ção de megaprojetos de infraestrutura (rodovias, portos, aeroportos,
hidrovias, barragens), de grandes plantações homogêneas com fins
industriais (soja, dendê, cana-de-açúcar, pinus, eucalipto e acácia), de
pastagens artificiais de grandes empreendimentos agropecuários e de
extração madeireira, mineral, petrolífera e de gás. As estratégias em-
presariais objetivam fragilizar o instituto das terras tradicionalmente
ocupadas e os direitos que lhes são coextensivos. As terras tradicio-
nalmente ocupadas pelas comunidades tradicionais (cf. Art.14 da
Convenção 169), ao serem mantidas sob regime de uso comum dos
recursos naturais, contrariam a regra básica do mercado de terras, por-
quanto não são passíveis de atos de compra e venda e não fazem parte
dos diferentes circuitos mercantis de troca. O usufruto exclusivo, caso
dos povos indígenas, e o título definitivo da terra, caso das comuni-
dades remanescentes de quilombos, são detidos pelas formas organi-
zativas comunitárias e não pelos indivíduos, condicionando seu uso
aos interesses comuns das unidades familiares e impedindo sua “livre”
aquisição ou venda. Para as estratégias empresariais constituiriam obs-
táculos à estruturação e expansão do mercado de terras.
O enaltecimento desmesurado dos resultados estatísticos de ex-
portação de produtos primários tem levado a um triunfalismo dos

18
agronegócios e a uma retórica ufanista com críticas duras e conde-
nações à demarcação das terras indígenas, à titulação dos territórios
quilombolas e às formas de extrativismo que envolvam seringueiros,
castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, piaçabeiros, peconheiros,
cipozeiros e artesãos. A chamada bancada ruralista, artífice principal
deste tipo de retórica hiperbolizante, faz o registro encomiástico deste
pretenso sucesso, bem como um pseudo-elogio fúnebre da “economia
primitiva” e do extrativismo de povos e comunidades tradicionais.
Apoiados num evolucionismo vulgar portam-se como arautos do “fim
dos indígenas”, do “fim do campesinato” e do “fim do extrativismo”.
Divulgam uma linguagem redentorista que louva os grandes empre-
endimentos dos agronegócios e, implicitamente, a concentração fun-
diária. Uma pergunta recorrente no âmbito dos movimentos sociais é
em que medida esta retórica tem se tornado realidade no cômputo das
ações governamentais?
“Economicismo” e despolitização?
A violação de dispositivos de participação previstos pela Conven-
ção 169 tem sido registrada em diversas situações sociais como no caso
da implantação da hidrelétrica de Belo Monte e no caso da implemen-
tação da base de lançamento de foguetes de Alcântara, colocando pu-
blicamente uma série de indagações. A Corte Interamericana, na Cos-
ta Rica, e as instancias de monitoramento da aplicação da Convenção
169, em Genebra, tem registrado situações de conflito desta ordem.
As principais contradições, verificadas hoje, entre as políticas de
reforço da chamada infraestrutura e de expansão dos agronegócios e
a trajetória ascendente de povos e comunidades tradicionais e outros
grupos sociais, que se encontram fora da cena política e dos quadros
partidários, convergem para outras indagações, como as que se seguem:
i) os objetivos econômicos imediatos das ações governamentais es-
tariam contraditando mecanismos de participação direta e de consulta
prévia de diferentes povos e comunidades? Por que?

19
ii) A construção de uma sociedade democrática, que diz pretender
retirar milhões de famílias da “pobreza extrema”, trazendo-as para os
diferentes circuitos de mercado, ao negligenciar os mecanismos de
participação e de consulta e privilegiar uma intervenção burocrática e
economicista, corre o risco de enfraquecer a experiência democrática,
debilitando as instituições públicas e criando condições para fragilizar
os direitos territoriais de povos e comunidades tradicionais?
iii) O aprimoramento democrático, através do uso da Convenção
169, com maior participação direta e mais decisiva de grupos, co-
munidades e povos tradicionais, que tem sido mantidos à margem
da cena política e que não tem sido “defendidos” pelos programas
partidários e nem contemplados pela efetivação de políticas governa-
mentais, é um fator imprescindível para atenuar a tensão social e as
ocorrências de conflito no campo?
iv) A ênfase na transformação econômica “profunda” teria incorri-
do num “economicismo primário”, vulgar e objetivista que se “esque-
ceu” da importância da ação política ou da participação dos agentes
sociais atingidos pelas decisões políticas a eles concernentes?
v) Um dos efeitos mais sensíveis da perda da inspiração mobili-
zadora aponta para a burocratização extremada dos chamados “me-
canismos de participação”, que gera confusões grosseiras, tais como:
entre oitiva e consulta, entre audiência pública e consulta, entre con-
senso e consentimento; e nutre situações de conflito, criminalizando
lideranças e comunidades inteiras, que resistem à implantação autori-
tária de grandes empreendimentos. Estas confusões tem sido aponta-
das pelo Ministério Público Federal notadamente no que concerne às
hidrelétricas em curso nos vales do Tapajós, do Xingu e do Madeira.
Como superar estes efeitos?
Nos meandros deste pensamento burocrático oficialista, se os
projetos estão sendo implementados “eficazmente”, não há porque
se importar em não prestar contas de sua ação à população afetada.
Neste contexto é que as audiências públicas, enquanto mecanismo

20
burocrático, tem se convertido numa frequente “ilusão de participa-
ção” e os conflitos sociais e tensões tem se agravado.

A Comissão Nacional de Desenvolvimento Sustentável de


Povos e Comunidades Tradicionais (CNDSPCT) e os critérios
de mobilização
O reconhecimento da sociodiversidade pelo Decreto n. 6040 foi
consolidado a partir do funcionamento efetivo da Comissão Nacio-
nal (CNDSPCT). Nas reuniões desta Comissão paritária, entre 2008
e 2013, os representantes, titulares e suplentes, de trinta diferentes
movimentos sociais, estreitaram seus laços, firmando pactos tácitos
de solidariedade. Embora ainda não tenham acionado todo o poten-
cial político desta Comissão de maneira apropriada, pode-se dizer que
tem apoiado a criação de Comissões Estaduais e as Câmaras Técnicas,
bem como buscado ampliar a representação da Comissão em diversos
Conselhos, além de pretender articular as representações nacionais e
inter-estaduais com as entidades locais de representação. A questão da
representatividade diferenciada e suas implicações encontra nesta Co-
missão, composta de seringueiros, ciganos, quilombolas, indígenas,
pomeranos, povos de terreiros, quebradeiras de coco babaçu, panta-
neiros, pescadores e caiçaras, uma experiência de heterogeneidade a
ser levada em consideração. Contrapondo-se às explicações metafóri-
cas pode-se asseverar que a complexa diversidade permite-nos adver-
tir que não seriam fios de uma mesma teia, compondo uma rede de
tecido e textura uniformes. As metáforas, que insistem em figuras de
aproximação, configurando geometricamente limites relativamente
precisos, esbarram no infinito desta diversidade complexa, que parece
driblar as delimitações usuais apoiadas numa noção estritamente for-
mal de participação política.
Transcendendo às demandas de reconhecimento a Comis-
são Nacional tem contribuído na articulação de estratégias

21
localizadas de resistência e de reivindicações de apropriação de ter-
ritórios tradicionalmente ocupados, como no caso do recente apoio
à participação das comunidades caiçaras da Juréia 3 em audiência
pública na Assembleia Legislativa de São Paulo. Ao fazê-lo, reconhe-
ce que cada associação comunitária delineia uma forma peculiar de
luta, consoante suas condições intrínsecas de organização política e
as particularidades de sua territorialidade específica.
As lutas por direitos territoriais, no presente, balizam os laços de
solidariedade numa quadra em que o governo praticamente não de-
marca terras indígenas e não titula territórios de comunidades qui-
lombolas, ribeirinhas e dos demais povos e comunidades tradicionais.
Justificar pela “ausência de regulamentação” contraria o que já está ple-
namente ratificado. No âmbito estrito da Convenção 169 há disposi-
tivos operacionais reconhecidos e consolidados de maneira explícita
para povos indígenas e quilombolas. Mesmo que não haja dispositivos
específicos direcionados para todos os demais povos e comunidades
tradicionais, eles encontram-se implicitamente contemplados pela
ratificação. Esta distinção operacional não teria significação maior.
........
3
Num processo de lutas contra tentativas de deslocamento compulsório de
famílias de moradores a União dos Moradores da Juréia apresentou em audiência
pública na Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo uma proposta, funda-
mentada na Convenção 169, para recategorização do chamado “Mosaico da Ju-
réia”, propondo a criação de quatro reservas de desenvolvimento sustentável (RDS)
nas terras tradicionalmente ocupadas pelos moradores, além da criação de dois
parques estaduais. No dia 06 de março de 2013 foi votado, entretanto, em sentido
contrário, um Projeto de Lei de n.60-12 que prevê a reclassificação da Estação
Ecológica para um Mosaico de Unidades de Conservação, prevendo a criação de
apenas duas RDS o que acarretará na expulsão de grande parte dos moradores que
tradicionalmente ocupam a região da Juréia.
Vide União dos Moradores da Juréia - PNCSA – “Comunidades tradicionais
caiçaras da Jureia, Iguape-Peruibe”. Nova Cartografia Social dos Povos e Comuni-
dades Tradicionais do Brasil - São Paulo. Fascículo n.1, junho de 2013.

22
Prova disto é que não dividiu a Comissão Nacional e, ao contrário,
tem facilitado os laços de solidariedade entre os representantes dos
diferentes povos e comunidades tradicionais em suas reivindicações
pelos territórios ocupados4. Deste modo, na percepção dos membros
da Comissão parece prevalecer um princípio operativo: mais que as
lutas pelo reconhecimento de identidades são as reivindicações de
posse de um território, reforçadas coletivamente, que constituiriam
um fator de mobilização política para legitimar as lideranças e os
próprios representantes na Comissão Nacional. A participação dire-
ta nas medidas de implementação dos direitos territoriais torna-se,
portanto um elemento central na estratégia destes movimentos sociais
articulados com as reivindicações de comunidades locais5. A força
política construída pelas mobilizações em torno do território insti-
tui uma dinâmica que emancipa, portanto, estas comunidades locais
das amarras burocráticas, que visam emparedar definitivamente suas
fronteiras. A luta pelos direitos territoriais e as práticas de delimitação
das territorialidades específicas, fundamentais à reprodução social de
cada comunidade, evidenciam uma forma de autoconsciência cultural
coextensiva à capacidade de ampliar suas relações, consolidando de
maneira dinâmica o território.
........
4
Conforme pronunciamento da representante das comunidades pantaneiras
na Comissão Nacional, Claudia de Pinho, em reunião promovida pelo Ministério
do Meio Ambiente (MMA) para avaliação da Política Nacional de Desenvolvi-
mento Sustentável de Povos e Comunidades Tradicionais, realizada no Cenaflor-
-Ibama, em Brasilia , no dia 03 de dezembro de 2012.
5
T. Paoliello estuda a relação entre a luta pelo território e a consolidação de
uma identidade coletiva em sua dissertação defendida, em 2012, junto ao Pós-
-Graduação em Geografia da Universidade Federal do Rio de Janeiro. De acordo
com a abordagem do autor, em sua pesquisa sobre os Atikum e Pankará, no sertão
pernambucano, não seriam necessariamente as demandas pelo reconhecimento,
mas as reivindicações de posse de um território, feitas de maneira coletiva no tempo
presente, que constituiriam “o gatilho que dispara o processo de etnogênese.”

23
Ao cotejar diversas possibilidades, sob o critério da divisão em bio-
mas e ecossistemas, verifica-se que no sertão nordestino, na floresta
amazônica ou na floresta atlântica não há uma identidade unitária e
de mesmas práticas que nivele as comunidades tradicionais. Os agru-
pamentos mostram-se heterogêneos e expressos por diferentes formas
organizativas, que enfatizam relações associativas diversas e processos
diferenciados de territorialização.
As interpretações antropológicas, a partir do trabalho etnográfico,
produzem uma leitura crítica de noções frigorificadas de território,
obtidas através de mapas e de documentos do passado colonial, que
instituem territorialidades que são rigidamente delimitadas consoante
preceitos do “Estado dinástico”. Reapropriando-se de elementos des-
te modelo de dominação o Estado de inspiração republicana, através
de órgãos indigenistas oficiais, seja o Serviço de Proteção aos Indios
(SPI), seja a FUNAI, submete os povos indígenas a um rígido pro-
cesso de etnicização, ou seja: tem que ser “etnificados”, cada um no
seu lugar definido com limites pétreos, como se a cada etnia corres-
pondesse univocamente um determinado território. A “etnificação”
salienta uma característica imutável de confinamento, quando não de
“espaço vital”, que pode ser lida como “guetificação”. Este argumento
axiomático de poder menospreza a dinâmica dos processos diferen-
ciados de territorialização, bem como a dinâmica dos processos reais,
que assinalam deslocamentos nas estratégias de resistência e na cons-
trução social seja de cosmologias6 (Barth,1995), seja das relações com
as cidades, seja de novas territorialidades específicas. Alterações nas
regras matrimoniais e nas relações entre diferentes etnias, configuram
formas singulares de mobilização política em torno da percepção de
direitos territoriais e das reivindicações de demarcação das terras in-
dígenas. As mobilizações conjuntas de agentes sociais de diferentes
........
6
Cf. Barth, Fredrik. Cosmologies in the making. A generative approach to
cultural variation in innner NEW GUINEA. Cambridge University Press, 1995.

24
etnias, tem levado à ruptura com a camisa de fôrça do modelo de “et-
nificação” imposto pela sociedade colonial, reivindicando o reconhe-
cimento de territórios pluriétnicos. Em situações sociais de usurpação
e perda consecutiva de seus territórios várias etnias se entrelaçam pelo
sistema de aliança e pela mobilização política. Elas reivindicam novas
identidades coletivas ou redefinem “antigas” identidades, conjugadas
com reivindicações territoriais. Os objetivos das formas organizativas
erigidas com base nesta dinâmica variam conforme as transformações
vividas pelos grupos. Agrupados em torno de uma identidade coleti-
va, objetivada numa forma organizativa determinada, e de uma pauta
reivindicatória pelo mesmo território estes agentes sociais desencadeiam
uma mobilização política que tanto pode levar à relativização de fatores
identitários do passado histórico, quanto à adoção de uma “novíssima”
identidade. As suas mobilizações face aos aparatos de poder, ao Estado,
mostram-se de tal modo transformadoras que não apenas não permi-
tem qualquer glaciação de fatores étnicos, como não se restringem a
uma única e apenas uma estratégia. A experiência mobilizatória propi-
cia o desencadeamento de elementos que compõem dinamicamente a
construção social de novas identidades coletivas e territórios. Traduzem
com rigor este processo os mapas situacionais produzidos pelos próprios
indígenas, em ações coletivas articuladas através de complexas e conso-
lidadas “redes” de relações sociais, que não tem a fragilidade “aracnídea”
de que nos fala Deleuze7 (Lyotard, 2000: 65).
A diversidade das unidades sociais consiste numa difícil articulação
de diferenças, que se apóiam em relações quase institucionais e em modus
operandi que aparentemente se contraditam uns aos outros, desdizen-
do a metáfora da teia de aranha e chamando a atenção para vínculos
........
7
Leia-se Lyotard, Jean-François - Peregrinações. Lei, forma, acontecimento.
São Paulo. Estação Liberdade. 2000 pp. 65, 66. A metáfora da “teia de aranha”
fundada em Max Weber, tem sido utilizada de maneira recorrente por cientistas
políticos e antropólogos para traduzir o funcionamento de redes de relações sociais.

25
hierarquizados, distintos e complexos que não formam necessariamen-
te laços geometrizados, característicos de figuras zoologicamente com-
postas. A fronteira identitária não passa necessariamente, portanto, por
condicionantes do quadro natural, pela documentação e pressupostos da
sociedade colonial e nem por características físicas, raciais ou de origem.
Ela rompre com as essencializações e se mostra balizada por dispo-
sitivos jurídicos, que acentuam seu caráter dinâmico, e é devido a isto
que decidimos por apresentar aqui, para efeitos de discussão detida,
um repertório de instrumentos elementares para a consecução efetiva
das formas de participação e consulta.

Convenção 169 da OIT: cumprimento e regulamentação no


Brasil, Peru e Bolívia
A Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e Tribais é consi-
derada o principal instrumento internacional de natureza vinculante
sobre direitos humanos de povos indígenas e tribais8. O documento
........
8
Segundo o “Guia para aplicação da Convenção n. 169 da OIT” elaborado
por Manuela Tomei e Lee Swepston, do Secretariado Internacional do Trabalho,
Genebra tem-se a seguinte pergunta inicial: “Por que a Convenção fala de povos
indígenas e tribais?”. A resposta a essa pergunta é a seguinte: “O termo “indígena”
refere-se aos povos que conservam total ou parcialmente suas tradições, instituições
ou estilos de vida, que as distinguem da sociedade dominante e que habitavam
uma área especifica antes da chegada de outros grupos. Essa descrição é válida nas
Américas do Norte, Central e do Sul e em algumas regiões do Pacífico. Todavia,
em grande parte do mundo não se faz distinção entre a época em que os povos
tribais ou outros grupos. Por exemplo, na África não há prova de que os maasais, os
pigmeis ou os sans, povos que apresentam aspectos sociais econômicos e culturais
próprios, tenham chegada aa região que hoje ocupam antes que outras popula-
ções africanas ali aportassem. O mesmo acontece em algumas regiões da Ásia. Por
conseguinte, quando a OIT começou a se ocupar com esses temas, logo depois da
II Guerra Mundial, resolveu utilizar os termos povos indígenas e tribais. A inten-
ção era abranger uma situação social e não estabelecer prioridades baseadas nos

26
reconhece que a diversidade cultural enseja tratamento também diver-
sificado a sujeitos de direitos específicos, direitos estes denominados
culturais, e vinculados: i) à afirmação de uma identidade étnica ou
cultural; ii) à autodeterminação enquanto povo ou comunidade; iii) à
participação e à consulta, na medida da sua distinção cultural; e iv) ao
território ocupado tradicionalmente.
Reconhecendo a diversidade de culturas e de modos de vida que
caracteriza a realidade social, a Convenção 169 instituiu um novo
olhar sobre os povos indígenas e tribais, encarando-os não mais como
povos transitórios, passíveis de uma integração e assimilação inevitá-
veis à sociedade majoritária, mas como grupos sociais cujas formas de
vida, culturalmente distintas, devem ser respeitadas porque são pe-
renes, ainda que passíveis de mudanças provocadas pelas dinâmicas
sociais9.
Não é sem razão que a Convenção 169 tem sido apropriada pelos
movimentos sociais representantes de povos e comunidades tradicio-
nais como o principal fundamento legal para as suas demandas, hoje
incorporada às legislações nacionais, especialmente nos países do con-
tinente americano10. O Brasil ratificou a Convenção 169 em 2002 e
promulgou o texto respectivo no Decreto n. 5.051, em 19 de abril
........
(cont. nota 8) antepassados que houvessem ocupado primeiro uma área territorial.
Por outro lado, o uso do termo descritivo tribal, referente a certos povos, tem me-
lhor aceitação por parte dos governos que a descrição desses mesmos povos como
indígenas. A Convenção não faz nenhuma distinção no tratamento dos povos
indígenas e dos povos tribais. Ambos tem os mesmos direitos na Convenção n. 169
da OIT (TOMEI & SWEEPSTON, 1996, p. 25).
9
Em 1989, a Convenção n. 169 sobre Povos Indígenas e Tribais da Organi-
zação Internacional do Trabalho substituiu a Convenção n. 107, que havia sido
adotada em 1957 e que tratava da “proteção e integração das populações indígenas,
tribais e semitribais de países independentes”.
10
Dos 22 Estados que ratificaram a Convenção 169 da OIT até a presente
data, 15 estão no continente americano, conforme informações do site oficial da
OIT: www.ilo.rg.

27
de 2004. Recentemente, intensificaram-se as discussões sobre a regu-
lamentação da Convenção n. 169 pelos Estados signatários em seus
territórios nacionais, especialmente o direito à consulta prévia a povos
indígenas e tribais.
Os documentos jurídicos aqui destacados apresentam a feição cole-
tiva do direito de participação a partir da adoção da Convenção 169 so-
bre Povos Indígenas e Tribais da Organização Internacional do Traba-
lho (OIT). Tratam-se das normas que tratam do direito de participação
de coletividades culturalmente diferenciadas, no Brasil denominadas
de povos e comunidades tradicionais.
O direito à participação (ou de participação), inicialmente de na-
tureza individual, praticamente restrito à participação representativa
pelo voto, hoje é delineado pelas normas nacionais e internacionais
como um direito cujo exercício é também coletivo, e cujos mecanis-
mos apresentam novas formas de interação com o poder estatal. Esse
exercício coletivo contempla grupos sociais e não apenas cidadãos,
como é o caso da consulta prévia prevista na Convenção 169 da OIT.
Tendo sido o primeiro Estado a ratificar a Convenção 169 no ano
de 1990, o México até 2012 não havia aprovado a Lei Geral de Con-
sulta a Povos e Comunidades Indígenas, que tramitava no Congresso
Nacional. O anteprojeto dessa lei foi igualmente submetido à consul-
ta, concluída em 2011.
Em agosto de 2011, o Peru editou a lei n. 29.785, denominada Lei
do Direito à Consulta Prévia aos Povos Indígenas ou Originários, e em
seguida o seu regulamento, o Decreto Supremo n. 001, de abril de 2012.
Esses dispositivos foram alvos de críticas do movimento indígena peru-
ano, que os consideram restritivos em relação à Convenção 169 e para
cuja redação não houve a participação das organizações representativas11.
........
11
Seis organizações indígenas começaram a discutir o regulamento da referida lei,
contudo, cinco se retiraram das discussões e apenas uma seguiu até o fim e, mesmo

28
Na Bolívia, os debates sobre a consulta prévia a povos indígenas
e tribais se acirraram quando o governo Morales não observou tal
direito, decidindo construir uma estrada cruzando o Território Indí-
gena e Parque Nacional Isiboro Sécure (TIPNIS) sem consultar as
comunidades Mojeño-Trinitarias, Chimanes e Yucarés que vivem na
região. Em decorrência de pressões e mobilizações dos movimentos
indígenas, a construção da estrada foi suspensa e a questão submetida
à consulta aos povos a serem atingidos. A Lei n. 222, promulgada em
10 de fevereiro de 2012, resulta, portanto, de uma tensão social nas
relações entre os povos indígenas e o governo boliviano.
No Brasil ainda não há lei regulamentando o direito de consulta
preconizado na Convenção 169 da OIT. Um grupo interministerial
foi criado em janeiro de 2012 com o objetivo de estudar, avaliar e
apresentar proposta de regulamentação da convenção quanto aos pro-
cedimentos de consulta prévia a povos indígenas e tribais12. Criticado
por não incluir nesse grupo representantes de povos e comunidades
tradicionais, o governo federal, em seguida, iniciou com eles as discus-
sões sobre a o processo de regulamentação.
Ainda que variados setores defendam a regulamentação do di-
reito de consulta previsto na Convenção 169, há perspectivas diver-
gentes sobre a necessidade dessa medida. Argumenta-se que tal re-
gulamentação se converteria num mecanismo de restringir direitos
desses povos e comunidades, sendo mesmo desnecessária, devido à
........
(cont. nota 11) assim, com tensões. Ressentiram-se de não terem sido con-
sultadas para a elaboração da lei. Cf. Palestra proferida por Hugo Che
Piu, presidente da associação peruana DAR (Derecho, Ambiente y Re-
cursos Naturales), na reunião da Comissão Nacional de Povos e Comuni-
dades Tradicionais (CNPCT), no Museu de Arte Moderna do Rio de Ja-
neiro (MAM), Cúpula dos Povos, em 19.06.2012, durante a Rio+20.
12
Por meio da Portaria Interministerial n. 35, de 27 de janeiro de 2012. Publi-
cada no DOU em 30.01.2012.

29
autoaplicabilidade da Convenção 169 no Brasil13 que, uma vez ra-
tificada, passaria imediatamente a produzir efeitos para os Estados
signatários14.
No momento em que esse processo de discussão se desenvolve,
prevalece nas mais altas instâncias de poder no Brasil uma corrente de
pensamento conservador a respeito dos direitos de povos indígenas e
demais povos e comunidades tradicionais, o que tende a restringir o seu
alcance, buscando flexibilizar os direitos territoriais. No Executivo, no
Legislativo e no Judiciário, as forças contrárias à efetivação desses direi-
tos são expressivamente maiores do que as forças aliadas a essa causa.
No Congresso Nacional, manobras políticas tem sido realizadas
no sentido de manter o controle da terra e dos recursos naturais sob o
jugo dos interesses do grande capital. Em 2012 presenciamos a vota-
ção do Novo Código Florestal (Lei n. 12.651/2012), flagrantemente
lesivo ao direito constitucional ao ambiente “sadio e equilibrado”, e
da Proposta de Emenda Constitucional n. 215, que pretende alterar
o procedimento de demarcação de terras indígenas, submetendo-o, à
apreciação do Congresso Nacional, onde se concentram e predomi-
nam os interesses ligados aos agronegócios sob a designação de “ban-
cada ruralista”.
As decisões do Supremo Tribunal Federal igualmente tem expres-
sado um recrudescimento do conservadorismo na interpretação dos
........
13
No sentido contrário à regulamentação, posicionam-se vários movimentos sociais,
bem como o Procurador da República no Estado do Pará, Felício Pontes, conforme maté-
ria: “Regulamentação da Convenção 169 da OIT pode restringir direitos de povos e comu-
nidades tradicionais”, Fórum Amazônia Sustentável, publicado em 26 de abril de 2012.
14
A Convenção n. 169 foi ratificada pelo Estado brasileiro em 25 de julho de
2002, por meio do depósito do instrumento de ratificação junto à OIT. Uma vez
ratificada, a Convenção 169 começou a produzir efeitos para o Estado brasileiro,
enquanto pessoa jurídica de direito internacional, mas não perante os particulares
no território nacional, o que só aconteceu após a promulgação via decreto presiden-
cial, o Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004.

30
direitos de povos e comunidades tradicionais. Dois casos são emble-
máticos: o julgamento da ação popular contra a demarcação da Terra
Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, no ano de 2009, e o jul-
gamento, ainda em curso, da Ação de Direta de Inconstitucionalidade
contra o Decreto n. 4.887/2003, norma que regulamenta o processo
de demarcação de terras quilombolas.
Em ambos os casos, os direitos humanos reconhecidos pela Con-
venção 169, cuja vigência – há de se lembrar - é plena no Brasil desde a
sua ratificação, foram negligenciados pela suprema corte do judiciário.
O direito à participação e à consulta, o direito de autodeterminação,
de manutenção dos modos de vida e dos territórios tradicionais foram
flagrantemente maculados no pronunciamento de alguns ministros in-
capazes de admitir a peculiaridade dos modos de vida, as necessidades
e demandas próprias desses grupos socialmente distintos, vinculados
necessariamente ao território para a sua reprodução material e cultural.
No caso Raposa Serra do Sol15, o conjunto de “condicionantes”
apresentado pelo ministro Carlos Menezes Direito16 constitui uma
afronta aos princípios da Convenção 169. Ele se pronuncia no sentido
de admitir a instalação de bases, unidades e postos militares, a atuação
das Forças Armadas e da Polícia Federal e a instalação de equipamen-
tos públicos e construções, inclusive de estradas, na terra indígena,
sem a necessidade de consulta às comunidades que ali vivem. Tam-
bém restringe o direito de autodeterminação e de uso dos territórios
tradicionais e seus recursos naturais na terra indígena Raposa Serra do
Sol quando atribui poderes ao órgão ambiental, em detrimento das
........
15
Acórdão do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) da ação popular
que questiona a demarcação contínua da Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em
Roraima (Petição 3.388 RR).
16
O trecho do referido Acórdão em que foram impostas as tais “condicionan-
tes” encontra-se disponibilizado no quadro ao final desta Apresentação.

31
decisões tomadas pelos próprios indígenas sobre o uso dos recursos
naturais e o trânsito de não índios naquele território17.
No julgamento sobre a constitucionalidade do Decreto n.
4.887/2003 o voto do Ministro Cezar Peluso expressa uma visão ar-
queológica do conceito de quilombo, cega para os estudos antropo-
lógicos e jurídicos atuais acerca da afirmação étnica dos quilombolas,
discussão essa que o ministro simplesmente considera como “metaju-
rídica”. O decreto é atacado de inconstitucionalidade formal e mate-
rial, e não é visto como um desdobramento da Convenção n. 169 da
OIT no Brasil. Aliás, por descuido, desprezo ou desconhecimento,
o cumprimento efetivo da Convenção 169 tem sido reiteradamente
protelado pelo poder judiciário, sendo a “falta de regulamentação” o
principal argumento que sustenta tais posicionamentos.
Porém, o golpe mais brutal ao direito de consulta foi dado recen-
temente pelo Poder executivo quando a Advocacia Geral da União
(AGU)18, sob o pretexto de dispor sobre as salvaguardas institucionais
às terras indígenas, publicou a Portaria n. 303 em 16 de julho de
2012. Por meio dessa Portaria, a AGU torna regra geral as “condi-
cionantes” do caso Raposa Serra do Sol apresentadas pelo Ministro
Menezes Direito e submete às mesmas todos os procedimentos de
demarcação de terras indígenas, tanto aqueles em curso quanto os
........
17
Não há dispositivo legal que ampare a dispensa de consulta às comunidades
indígenas e de participação da FUNAI na hipótese de construção de uma estrada
na terra indígena Raposa Serra do Sol. Ao contrário, essa previsão é uma verdadeira
violação ao direito de consulta reconhecido pela Convenção n. 169 da OIT
18
As competências da Advocacia Geral da União (AGU) estão definidas no
artigo 131 da Constituição Federal de 1988, segundo o qual: “a Advocacia Geral da
União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a
União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar
que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e
assessoramento jurídico do Poder Executivo”. A lei complementar n. 73, de 10 de
fevereiro de 1993, institui a Lei Orgânica da Advocacia Geral da União.

32
já finalizados. Essa portaria, ato normativo de inferior hierarquia no
sistema jurídico nacional, afronta normas de direitos humanos de hie-
rarquia superior, além de tomar como regra geral disposições definidas
para um caso específico, cuja decisão sequer transitou em julgado19.
Diante dos protestos contra a Portaria n. 303, especialmente de
movimentos representantes de povos indígenas e quilombolas, a AGU
editou a Portaria n. 30820, de 25 de julho de 2012, adiando a data da
entrada em vigor daquela Portaria. Essa alteração não foi suficiente
para acalmar os ânimos dos movimentos sociais e organizações da so-
ciedade civil envolvidas na discussão desse tema. Em 17 de setembro
de 2012 foi publicada nova Portaria pela AGU, a de n. 415, revogan-
do a Portaria n. 308 e protelando novamente a entrada em vigor da
Portaria n. 303.
Os textos acadêmicos e os documentos oficiais que fazem parte
deste livro, foram reunidos com o intuito de facilitar a compreensão
e contribuir para a discussão e para a operacionalização do direito de
participação de povos e comunidades tradicionais num momento de
reflexões críticas sobre a democracia e a participação popular no Brasil
e no mundo. A esse repertório de fontes documentais e científicas,
acrescentamos a seleção de alguns documentos produzidos e divul-
gados por movimentos sociais e por organização da sociedade civil
que expressam o descontentamento de agentes sociais representantes
de povos e comunidades tradicionais quanto ao turbulento processo
de discussão da regulamentação do direito de consulta da Convenção
169 da OIT no nosso país.

........
19
Contra a decisão dessa ação judicial, há o recurso denominado “embargos
declaratórios” ainda não julgado, o que significa que a interpretação desses termos
ainda está em discussão.
20
Por meio da Portaria n.308, de 25 de julho de 2012, ficaram suspensos os
efeitos da Portaria n.303, dando-se prazo de cerca de dois meses para a oitiva dos
povos indígenas sobre o tema nela tratado.

33
Apresentamos, portanto, a Circular APIB/ 005/2012, elaborada
e divulgada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil; o do-
cumento denominado Proposta de Diretrizes para a Regulamen-
tação dos Procedimentos de consulta Livre, Prévia e Informada
aos Povos indígenas do Brasil, subscrito pela Rede de Cooperação
Alternativa (RACA); o Manifesto da Bancada Indígena da CNPI
pela revogação integral da Portaria 303 da AGU, divulgado pela
Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI); a Nota pública:
Regulamentação do Direito a Consulta Prévia Preocupa, subscrita
pela Malungu (Coordenação das Associações das Comunidades Re-
manescentes de Quilombos do Pará, a Nota Técnica sobre a regula-
mentação da Convenção 169 da OIT, divulgada pela Coordenação
Nacional das Comunidades Quilombolas (CONAQ) e o Manifesto
dos Povos indígenas de Roraima contra a posição do Governo Dil-
ma, elaborado pelo Conselho Indígena de Roraima (CIR).

34
Anexo
Pet 3388 / RR - Roraima petição


Relator(a): Min. CARLOS BRITTO



Julgamento: 19/03/2009
Órgão Julgador: Tribunal Pleno
Decisão21:
Suscitada questão de ordem pelo patrono da Comunidade Indíge-
na Socó, no sentido de fazer nova sustentação oral, tendo em vista fa-
tos novos surgidos no julgamento, o Tribunal, por maioria, indeferiu
o pedido, vencido o Senhor Ministro Joaquim Barbosa. Prosseguindo
no julgamento, o Tribunal, vencidos os Senhores Ministros Joaquim
Barbosa, que julgava totalmente improcedente a ação, e Marco Au-
rélio, que suscitara preliminar de nulidade do processo e, no mérito,
declarava a ação popular inteiramente procedente, julgou-a o Tribunal
parcialmente procedente, nos termos do voto do Relator, reajustado
segundo as observações constantes do voto do Senhor Ministro Me-
nezes Direito, declarando constitucional a demarcação contínua da
Terra Indígena Raposa Serra do Sol e determinando que sejam ob-
servadas as seguintes condições: (i) o usufruto das riquezas do solo,
dos rios e dos lagos existentes nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da
Constituição Federal) pode ser relativizado sempre que houver, como

........
21
Trecho do Acórdão encontrado na íntegra em http://www.stf.jus.br/portal/
jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%283388%2ENUME%2E+OU+338
8%2EACMS%2E%29%28PLENO%2ESESS%2E%29%28raposa+%2EEMEN
%2E+OU+raposa+%2EIND%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.
com/k5a9qqg

35
dispõe o art. 231, § 6º, da Constituição, relevante interesse público da
União, na forma de lei complementar; (ii) o usufruto dos índios não
abrange o aproveitamento de recursos hídricos e potenciais energéti-
cos, que dependerá sempre de autorização do Congresso Nacional;
(iii) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das riquezas
minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso Na-
cional, assegurando-se-lhes a participação nos resultados da lavra, na
forma da lei; (iv) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem
nem a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra
garimpeira; (v) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da
política de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos
militares e demais intervenções militares, a expansão estratégica da
malha viária, a exploração de alternativas energéticas de cunho es-
tratégico e o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério
dos órgãos competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defe-
sa Nacional), serão implementados independentemente de consulta
às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI; (vi) a atuação
das Forças Armadas e da Polícia Federal na área indígena, no âmbi-
to de suas atribuições, fica assegurada e se dará independentemente
de consulta às comunidades indígenas envolvidas ou à FUNAI; (vii)
o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União Federal,
de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas e vias de
transporte, além das construções necessárias à prestação de serviços
públicos pela União, especialmente os de saúde e educação; (viii) o
usufruto dos índios na área afetada por unidades de conservação fica
sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade; (ix) o Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade responderá pela administração da área da unidade de
conservação também afetada pela terra indígena com a participação
das comunidades indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em
conta os usos, tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto

36
contar com a consultoria da FUNAI; (x) o trânsito de visitantes e pes-
quisadores não-índios deve ser admitido na área afetada à unidade de
conservação nos horários e condições estipulados pelo Instituto Chico
Mendes de Conservação da Biodiversidade; (xi) devem ser admitidos
o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios no restante da
área da terra indígena, observadas as condições estabelecidas pela FU-
NAI; (xii) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não
pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qual-
quer natureza por parte das comunidades indígenas; (xiii) a cobrança
de tarifas ou quantias de qualquer natureza também não poderá in-
cidir ou ser exigida em troca da utilização das estradas, equipamen-
tos públicos, linhas de transmissão de energia ou de quaisquer outros
equipamentos e instalações colocadas a serviço do público, tenham
sido excluídos expressamente da homologação, ou não; (xiv) as terras
indígenas não poderão ser objeto de arrendamento ou de qualquer
ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercício do usufruto e
da posse direta pela comunidade indígena ou pelos índios (art. 231, §
2º, Constituição Federal, c/c art. 18, caput, Lei nº 6.001/1973); (xv)
é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha aos grupos
tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca ou coleta
de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extrativa (art. 231,
§ 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º, Lei nº 6.001/1973);
(xvi) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comunidades
indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das utilidades
existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts. 49, XVI,
e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43 da Lei
nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não cabendo
a cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições sobre uns
ou outros; (xvii) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada;
(xviii) os direitos dos índios relacionados às suas terras são imprescri-
tíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis(art. 231, § 4º, CR/88); e

37
(xix) é assegurada a participação dos entes federados no procedimen-
to administrativo de demarcação das terras indígenas, encravadas em
seus territórios, observada a fase em que se encontrar o procedimento.
Vencidos, quanto ao item (xvii), a Senhora Ministra Carmen Lúcia e
os Senhores Ministros Eros Grau e Carlos Britto, Relator. Cassada a
liminar concedida na Ação Cautelar nº 2.009-3/RR. Quanto à exe-
cução da decisão, o Tribunal determinou seu imediato cumprimento,
independentemente da publicação, confiando sua supervisão ao emi-
nente Relator, em entendimento com o Tribunal Regional Federal da
1ª Região, especialmente com seu Presidente. Votou o Presidente, Mi-
nistro Gilmar Mendes. Ausentes, justificadamente, o Senhor Ministro
Celso de Mello e a Senhora Ministra Ellen Gracie, que proferiram
voto em assentada anterior. Plenário, 19.03.2009.

38
Direito à participação
e direito de consulta
Sheilla Borges Dourado 22

1. Introdução
Participação e consulta não se confundem, ainda que se pareçam.
Entendemos a consulta como uma forma de participação, contudo,
ela não é a única, de modo que o direito à participação não se resume
ao direito de consulta. Ambos os termos devem ser observados critica-
mente, pois fazem parte, cada vez mais, do léxico próprio da interlo-
cução dos povos e comunidades tradicionais com o Estado.
Quanto ao termo participação, primeiramente, consiste num jar-
gão que admite inúmeras construções de significados, especialmente
se adjetivado (RAHNEMA, 2005, p. 116), a exemplo das expressões
“participação política”, “participação social”, “participação ativa”, “par-
ticipação plena e efetiva”, “participação comunitária”, dentre outras.
Nesse sentido, adverte Almeida que termos como “participação” e
“participativo” têm sido largamente utilizados por políticas oficiais e
refletem as novas formas de que se reveste o discurso da dominação.
........
22
Mestre em Direito Ambiental (PPGDA/UEA). Doutoranda em Direitos Hu-
manos e Meio Ambiente (PPGD/UFPA). Bolsista Capes. Pesquisadora do Projeto
Nova Cartografia Social da Amazônia.

39
Essa é a razão pela qual devem ser repensados criticamente (ALMEI-
DA, 2004). Segundo o antropólogo,
A primeira impressão é que o discurso da dominação se apropriou
de categorias que até então eram de uso dos movimentos sociais,
das entidades sindicais e das associações voluntárias de oposição às
políticas governamentais. O léxico da interlocução dessas agências
da sociedade civil com os aparatos de poder teria sido formalmente
apropriado por estes últimos (ALMEIDA, 2004).
Existem variados tipos de participação, configurando diversos ní-
veis de uma participação escalonada. Segundo Rahnema, o exercício
dessa participação não é livre no campo político porquanto depende
de variadas condicionantes e está submetido a certos mecanismos de
monitoramento. Nas palavras daquele autor iraniano,
O ato de “participar” tende a ser percebido como um exercício de
liberdade. Muito frequentemente as pessoas têm sido demandadas a
participar de operações que não lhes são de nenhum interesse, dentro
da essência da participação. Isso leva a distinguir entre as formas ma-
nipuladas ou teleguiadas de participação e aquelas formas espontâne-
as. Na verdade, os participantes não sentem que estão sendo forçados
a fazer algo, mas são levados a tomar atitudes que são inspiradas ou
dirigidas por centros que estão fora de seu controle (RAHNEMA,
2005, p. 116).
É consenso entre os diversos atores sociais que não existe partici-
pação sem informação adequada. O direito à participação e o direito à
informação são direitos reconhecidos expressamente tanto em normas
nacionais quanto internacionais e, no caso dos povos e comunidades
tradicionais, a Convenção n. 169 da Organização Internacional do
Trabalho tem lugar de destaque como fundamento legal vinculante. A
convenção prevê tanto a participação23, em formas variadas, quanto o
mecanismo da consulta. Somente uma leitura conjunta desses artigos
pode propiciar uma interpretação adequada da Convenção n. 169.

40
O significado de consulta em jogo não é passivo e, por previsão le-
gal, preconiza a manifestação efetiva. A qualidade dessa manifestação
é, portanto, imprescindível, pois pode variar entre o consentimento
alienado e uma atuação realmente decisiva no processo de criação de
normas e na tomada de decisões em medidas que lhes digam respeito.
Cabe esclarecer, então, quem são os sujeitos dos direitos da Con-
venção n. 169, ou seja, quais grupos sociais são entendidos como “po-
vos indígenas e tribais”, conforme os critérios da OIT.

2. Povos e comunidades tradicionais


Comentando o texto da convenção em edição da própria OIT, To-
mei e Sewpston esclarecem que a adoção do termo “povos”, se deveu
ao fato de que este “reconhece a existência de sociedades organizadas
com identidade própria, em vez de simples agrupamentos de indiví-
duos que compartilham algumas características raciais ou culturais”
(TOMEI & SEWPSTON , 1999, p. 28)24.
........
23
A palavra participação aparece no texto da Convenção n. 169 da OIT em di-
versos artigos (participação no desenvolvimento de ação para proteger seus direitos
e garantir respeito à sua integridade - art. 2o; participação em todos os programas
e políticas que lhes afetem, em todos os níveis decisórios - art. 6ob; participação e
cooperação nos planos gerais de desenvolvimento econômico elaborados para as
regiões onde vivem – art. 7o, 2; participação na utilização, administração e con-
servação dos recursos naturais existentes em suas terras e participação nos bene-
fícios proporcionados pela exploração e indenização justa – art. 15; participação
em atividade sindical lícita – art. 20 e, finalmente, a participação na formulação e
implementação de programas educacionais – art. 27) e a consulta é tratada especi-
ficamente no artigo 6o.
24
Os autores lembram, contudo, que não é atribuído ao termo “povos” o sen-
tido usualmente dado no direito internacional (TOMEI & SEWPSTON, 1999,
p. 28). No prefacio de “Quem é o povo?” de Friedrich Müller, Comparato lembra
que, na teoria politica e constitucional, povo não é um conceito descritivo, mas cla-
ramente operacional. Uma coisa é a totalidade do povo, como centro de imputação

41
O termo ‘indígena’, por sua vez, ainda conforme esses autores,
refere-se aos povos que conservam total ou parcialmente suas próprias
tradições, instituições ou estilos de vida que as distinguem da socieda-
de dominante e que habitavam uma área específica antes da chegada
de outros grupos. É válido para as Américas do Norte, Central e do
Sul e algumas regiões do Pacífico. Já com o uso do termo “tribal”, a
intenção era abranger uma situação social e não estabelecer priorida-
des baseadas nos antepassados que houvessem ocupado primeiro uma
área territorial (TOMEI & SEWPSTON, 1999, p. 25).
O significado de “tribal” da Convenção n. 169 deve ser considera-
do no seu sentido abrangente, envolvendo todos os grupos sociais que
se autoidentifiquem como distintos e que sejam reconhecidos como
tais, sem outros critérios de distinção. A “consciência de sua identida-
de” é o critério válido para determinar os grupos sociais considerados
detentores dos direitos humanos trazidos na Convenção n. 169. Isso
quer dizer que a identidade é definida pelo próprio sujeito, o que ele
diz de si mesmo, em relação ao grupo ao qual pertence (SHIRAISHI
NETO, 2007, p. 10-11). No Brasil, o termo “tribal” não é comu-
mente utilizado, mas corresponde aos povos e comunidades tradicio-
nais assim definidos no Decreto n. 6.040/2007. Assim, seringueiros,
castanheiros, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas, faxinalenses,
moradores de fundos de pastos e outros grupos são incluídos nessa
categoria (SHIRAISHI NETO, 2007, p. 45).
Aquele decreto publicou em 2007 a Política Nacional de De-
senvolvimento Sustentável dos Povos e Comunidades Tradicionais,
........
(cont. nota 24) das decisões coletivas. Outra coisa é a fração dominante do povo,
cuja vontade efetivamente predomina nas eleições, referendos e plebiscitos (MUL-
LER, 2003, p. 13). “Nação” e povo são categorias polêmicas pela sua polissemia.
Os indígenas costumam autodenominar-se povos ou nações para designar todos os
membros de uma etnia, confrontando com a ideia de nação defendida por militares
e pelo Estado.

42
definindo o termo “Povos e Comunidades Tradicionais” no seu ar-
tigo 3o:
os grupos culturalmente diferenciados e que se reconhecem como
tais, que possuem formas próprias de organização social, que ocu-
pam e usam territórios e recursos naturais como condição para sua
reprodução cultural, social, religiosa, ancestral e econômica, utili-
zando conhecimentos, inovações e práticas gerados e transmitidos
pela tradição (art. 3o, I).
Os territórios tradicionais são considerados os espaços necessários
a reprodução cultural, social e econômica dos povos e comunidades
tradicionais, sejam estes utilizados permanente ou temporariamente
(art. 3o, II). O Decreto n. 6.040/2007 faz referência expressa aos po-
vos indígenas e aos quilombolas (arts. 231 e 68 dos ADCT, da Cons-
tituição Federal de 1988).
Uma compreensão comum sobre o modo de vida de povos e co-
munidades tradicionais diz respeito ao seu especial vínculo com a ter-
ra e a elaboração de um sentido próprio de território. De volta aos
comentários a Convenção n. 169 da OIT:
À diferença de outras minorias, os povos indígenas e tribais possuem
frequentemente um vínculo com a terra que ocupam tradicional-
mente. Podem ter culturas muito diferentes da cultura predomi-
nante no país onde vivem. Em geral, tem suas próprias leis, religiões
e uma visão peculiar do mundo que os rodeia (TOMEI & SEWPS-
TON, 1999, p. 22).
O território é entendido como uma construção social (ALMEIDA,
2008, p. 94) que resulta de um processo de territorialização, consti-
tuindo territórios de pertencimento construídos politicamente através
de mobilizações por acesso livre aos recursos básicos em regiões dife-
rentes e tempos históricos distintos. Nas palavras de Almeida,

43
O processo de territorialização é resultante de uma conjunção de
fatores, que envolvem a capacidade mobilizatória, em torno de
uma política de identidade, e um certo jogo de forças em que os
agentes sociais, através de suas expressões organizadas, travam lutas
e reivindicam direitos face ao Estado (ALMEIDA, 2008, p. 118).
Dessa forma, sob diferentes processos de territorialização, baba-
çuais, castanhais e seringais não significam apenas incidência de uma
espécie vegetal numa área, mas tem uma expressão identitária tradu-
zida por extensões territoriais de pertencimento (ALMEIDA, 2008,
p. 118).
A noção de povos e comunidades tradicionais baseada no autor-
reconhecimento e na autoidentificação é coerente, portanto, com as
diretrizes da Convenção n. 169 da Organização Internacional do Tra-
balho (OIT), correspondendo aa noção de “povos tribais” no Brasil.
Desse modo, sob a designação “povos e comunidades tradicionais” do
decreto 6.040/007, há uma diversidade de identidades reconhecidas
como grupos culturais distintos.
Tratemos então, a seguir, do direito aa participação e do direito de
consulta, levando em conta, especificamente, como sujeitos de direi-
to, os povos e comunidades tradicionais.

3. Breve gênese social do direito à participação


A concepção da democracia como governo do povo, de acordo
com Rancière, remonta à Grécia de Clístenes25. Contudo, como ob-
serva Silva, a democracia da antiguidade grega não é a mesma dos
........
25
“Nessa época, um ateniense chamado Clístenes fez adotar por seus concida-
dãos uma estranha reforma. Até então, Atenas estava dividida em tribos dominadas
por chefias locais de aristocratas, que revestiam seu poder de proprietários fundi-
ários com a dignidade lendária de sua tradição. Clístenes substituiu essa partilha
natural por uma partilha artificial: dali em diante, cada tribo seria constituída,

44
tempos modernos; nem a democracia burguesa capitalista correspon-
de à atual democracia popular (SILVA, 2000, p. 130).
O direito à participação política compõe-se de sucessivas conquis-
tas. Nasceu nas lutas da burguesia - classe econômica em ascensão a
partir do século XVII - frente aos privilégios da nobreza. No século
XVIII, a burguesia conquistou para todos os seus membros o direi-
to de participação nas decisões governamentais. As decisões políticas,
até então, eram tomadas basicamente pelos reis, nobres e membros
da hierarquia da Igreja Católica. Com essa conquista, eliminou-se
a diferença entre nobres e plebeus, estes últimos entendidos como
os burgueses sem título. A partir de então, estenderam-se os direitos
políticos a todos os que tinham propriedade ou bons rendimentos
econômicos (DALLARI, 1994, p. 27). O direito à participação no
campo político era, portanto, condicionado à situação econômica do
sujeito. Eis o caráter burguês da ideia originária de participação no
Estado Moderno.
Nos séculos XIX e XX, como resultado de processos diversos de
lutas e reivindicações coletivas, o direito à participação política e de
tomadas de decisões pelo voto se estendeu ao proletariado urbano, às
mulheres e aos analfabetos (DALLARI, 1994, p. 27).
........
(cont. nota 25) por sorteio, de grupos territoriais separados: um da cidade, um da
costa e um do interior. Tais circunscrições territoriais chamavam-se em grego ‘de-
mos’, e Clístenes inventou assim a democracia. A democracia não é simplesmente
o ‘poder do povo’. É o poder de um certo tipo de povo: um povo ‘inventado’ com
o propósito de revogar ao mesmo tempo o velho poder de nascimento e o que
se oferece com toda naturalidade a sucedê-lo, o poder da riqueza, um povo que
afirma, aquém das diferenças de nascimento, a simples contingência do fato de ter
nascido em tal lugar e não em outro; um povo que opõe as demarcações abstratas
do território às duvidosas divisões da natureza. A democracia é antes de tudo isso:
a revogação da lei de nascimento e da riqueza; a afirmação da pura contingência
que faz com que indivíduos e populações se encontrem em tal lugar; a tentativa de
construir um mundo comum sobre a base dessa única contingência.” Cf. Ranciere,
J. Os ossuários da purificação étnica. Folha de São Paulo, 10 de março de 1997.

45
A democracia representativa passou a integrar as Constituições a
partir do século XIX, com a consagração do sufrágio universal nos
regimes democráticos. Em 1948, o direito à participação política foi
proclamado na Declaração Universal dos Direitos Humanos. O do-
cumento estabelece no seu art. 21 que “toda pessoa tem o direito de
tomar parte no governo de seu país, diretamente ou por intermédio
de representantes livremente escolhidos”. Além disso, “a vontade do
povo será a base da autoridade do governo e será expressa em eleições
periódicas e legítimas, por sufrágio universal, por voto secreto ou pro-
cesso equivalente que assegure a liberdade de voto”26.
Note-se que essa Declaração, elaborada na metade do século XX,
consagra a participação popular através do voto, enfatizando a prima-
zia da democracia representativa ou indireta e da atuação individual
dos sujeitos que votam. Numa breve síntese histórica, J. J. Gomes Ca-
notilho explica que a adoção de um sistema representativo moldado
pela doutrina liberal:
Não obstante a tendencial antidemocraticidade do liberalismo e
do parlamentarismo liberal, a teoria do governo e da democracia
representativa acabou por impor-se quando, nos finais do séc. XIX e
começos do séc. XX, o sufrágio passou a ser praticamente universal.
A teoria da soberania nacional ou popular não era totalmente pos-
tergada, mas impôs-se também, como padrão, o sistema representa-
tivo contra as teorias identitárias, e o mandato livre dos represen-
tantes contra o mandato imperativo dos comissários do povo. Este
é um dos elementos duradouros da doutrina liberal que se mantém
na atualidade. (CANOTILHO, 1993, p. 402)
Já no final do século XX, a democracia representativa, de acordo
com a análise de Silva, parece insuficiente diante de novos valores
........
26
Vide a Declaração Universal dos Direitos Humanos: http://www.mj.gov.br/
sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 06 de outubro de 2008.

46
e demandas do espírito humano. Para ele, a democracia não é um
mero conceito político abstrato e estático, mas consiste num processo
de afirmação do povo e de garantia dos direitos fundamentais por ele
conquistados ao longo da história (SILVA, 2000, p. 130).
Dessa forma, o significado de participação na democracia tem sido
construído no decorrer da história. Para Silva, a democracia nunca se
realiza inteiramente. Por ser um processo dialético, rompe antíteses
continuamente para incorporar conteúdo novo, enriquecido de novos
valores a cada etapa da evolução em que são abertas outras perspecti-
vas a partir de cada nova conquista (SILVA, 2000, p. 133).

4. Constituição Federal de 1988: participação, meio


ambiente e identidade cultural
A Constituição brasileira de 1988 declara, logo no seu primeiro
artigo, a opção política pelo Estado Democrático de Direito, no qual
“todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representan-
tes eleitos ou diretamente” (CF, 1988, art. 1º, par. único). A Cons-
tituição brasileira prevê assim, tanto a participação direta quanto a
indireta do povo no poder.
Nos termos da Constituição Federal, a soberania popular será exer-
cida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor
igual para todos. Além do voto individual, estão explicitamente re-
feridos no artigo 14 outros instrumentos jurídicos de participação do
povo, quais sejam o plebiscito, o referendo e a iniciativa popular27.
Nesse sentido, porém enfatizando a natureza coletiva da partici-
pação na democracia contemporânea, também se manifesta J.J. G.
Canotilho, para quem a ideia de democracia como poder do povo
........
27
Diz o artigo 14 da CF/88 que “a soberania popular será exercida pelo sufrá-
gio universal e pelo voto direito e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos
da lei, mediante: I – plebiscito; II – referendo; III – iniciativa popular”.

47
reúne todas as suas componentes, individuais e coletivas, especial-
mente nas formas de participação direta (CANOTILHO, 1993, p.
409). De acordo com a “teoria da democracia participativa” que esse
constitucionalista português esboça, não apenas o sujeito individual é
reconhecido como participante, mas também o sujeito coletivo.
A teoria da democracia participativa é tratada por Canotilho como
alternativa para o impasse do sistema representativo:
O seu ponto de partida fundamental é o interesse básico dos in-
divíduos na autodeterminação política e na abolição do domínio
dos homens sobre os homens. Contra uma teoria democrática re-
presentativa, totalmente absortiva (isto é, que exclui os direitos
e participação direta democrática) e contra um mandato livre,
totalmente desvinculado dos cidadãos, a teoria da participação
aspira à realização da ideia de democracia como poder do povo,
juntando todas as suas componentes: individuais, coletivas, ideal
radical democrático, autodeterminação individual e domínio do
povo. É uma longa tradição (desde a “Comuna de Paris” ao anar-
quismo, do sistema de conselhos à oposição extraparlamentar) e que
hoje defende a formação da vontade política de “baixo para cima”,
num processo de estrutura de decisões com a participação de todos os
cidadãos. (CANOTILHO, 1993, p. 409).
A construção doutrinária do direito ambiental em muito contri-
buiu para a consolidação do direito de participação de sujeitos coleti-
vos na gestão do ambiente que é de todos. São tomados como difusos
tanto os deveres quanto os direitos relativos ao meio ambiente. O
artigo 225 da Constituição Federal de 1988 atribuem a toda a coleti-
vidade, indistintamente, o direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem como impõem à mesma coletividade e ao Estado o
dever de cuidar desse ambiente.
A doutrina jurídica erigiu o princípio da participação como um dos
pilares do direito ambiental. Na década de 1990, após a promulgação
da Constituição Federal e, especialmente, após a Conferência da ONU

48
sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, a Rio-92, passou a ser sedi-
mentada nova feição da participação popular nas questões ambientais.
As questões ambientais não estão descoladas das demandas terri-
toriais, identitáriais e culturais de povos e comunidades tradicionais.
No que diz respeito especificamente aos povos indígenas, a Consti-
tuição Federal brasileira reconhece a sua organização social, bem como
sua existência coletiva na forma de comunidades e organizações para
a defesa de direitos e interesses próprios (CF, 1988, art. 231 e 232).
A Constituição Federal reconheceu os direitos culturais dos grupos
formadores da sociedade brasileira nos artigos 215 e 216. Tais direitos
foram consolidados por legislação posterior, como a Convenção n.
169 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil
em 2002 e o decreto n. 6.040, de 2007, já mencionado, que institui a
Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável de Povos e Comu-
nidades Tradicionais.

5. A Convenção n. 169 da OIT


Além da Constituição Federal de 1988, como foi dito, outros
dispositivos jurídicos, em documentos internacionais voltados para
a proteção de direitos humanos, enfatizam a dimensão coletiva de su-
jeitos de direitos (SHIRAISHI NETO, 2007, p. 35), prevendo pos-
sibilidades de participação de povos e comunidades tradicionais nas
tomadas de decisão governamental e nos projetos de desenvolvimento
que os afetem diretamente.
A Convenção n. 169, adotada em 1989 pela Organização Interna-
cional do Trabalho (OIT) e ratificada pelo Brasil em 200228, é o prin-
cipal desses documentos internacionais. Tal convenção substituiu, na
OIT, a Convenção n. 107 Concernente à Proteção e Integração das
Populações Indígenas e Outras Populações Tribais e Semitribais de
Países Independentes que, como está claro no próprio título, tinha
........
28
Por meio do Decreto Legislativo n. 143, de 20 de junho de 2002.

49
propósitos assimilacionistas, sob uma concepção equivocada que via
os povos indígenas e tribais como seres transitórios, passíveis de ser in-
tegrados à sociedade nacional majoritária (TOMEI & SEWPSTON,
1999, p. 19).
O respeito às culturas, às formas de vida e tradições de povos in-
dígenas e tribais é promovido pela Convenção n. 169, uma vez que
supõe que esses povos podem falar por si mesmos e tem o direito de
participar no processo de tomadas de decisões que lhes dizem respeito.
Nesse sentido, essa Convenção prevê que os governos deverão
consultar os povos indígenas e tribais “mediante procedimentos apro-
priados, principalmente por meio de suas instituições representativas,
toda vez que se considerem medidas administrativas suscetíveis de
afetá-los diretamente. Além disso, preconiza que as referidas consultas
deverão ser feitas de boa-fé e de acordo com as circunstâncias, com o
objetivo de se chegar a um acordo ou obter o consentimento sobre as
medidas propostas (art. 6º, “a” e “d”)29.
A OIT entende a consulta como o “processo mediante o qual os
governos consultam seus cidadãos sobre propostas políticas ou de ou-
tra natureza”. Entende ainda que apenas será considerado “o processo
que dê aos consultados a oportunidade de manifestar seus pontos de
vista e influir na tomada de decisão” (TOMEI & LEE, 1999, p. 7).
........
29
“Artigo 6o. I. Ao aplicarem as disposições da presente Convenção, os governos
deverão: a) consultar esses povos, mediante procedimentos apropriados, principal-
mente por meio de suas instituições representativas, toda vez que se considerem
medidas legislativas ou administrativas suscetíveis de afetá-los diretamente; b) esta-
belecer os meios pelos quais esses povos possam participar livremente, pelo menos
na mesma proporção e em todos os níveis, na adoção de decisões em instituições
eletivas e órgãos administrativos e de outra natureza, responsáveis por políticas e
programas que lhes digam respeito; c) criar os meios para o pleno desenvolvimento
das instituições e iniciativas desses povos e, nos devidos casos, proporcionar os ne-
cessários recursos para este fim; d) as consultas realizadas na aplicação desta conven-
ção deverão ser feitas de boa fé e de acordo com as circunstâncias, com o objetivo
de se chegar a um acordo ou obter o consentimento sobre as medidas propostas”.

50
Para relatar dificuldades de realização de uma consulta a povos e
comunidades indígenas, tomaremos como exemplo a Consulta n. 02
do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGEN), realizada
em 2007 em âmbito nacional e a experiência das oficinas de qualifi-
cação no estado do Amazonas em 2007, ensejadas por essa consulta.
Há que se esclarecer, contudo, que a Consulta Pública n. 02 não
foi planejada pelo governo ser uma consulta feita conforme a Con-
venção n. 169 da OIT, ainda que assim devesse ter sido. Trataremos
de diferenciar adiante o instrumento de participação popular denomi-
nado “consulta pública” do instrumento da “consulta” a povos e co-
munidades tradicionais, definido este nos termos daquela convenção.

6. Consulta pública n. 02 e oficinas de qualificação


no Amazonas
De 2006 a 2008 o poder executivo federal utilizou o instrumento
da consulta pública para coletar sugestões que subsidiassem as discus-
sões sobre o acesso e o uso de patrimônio genético e de conhecimentos
tradicionais associados à biodiversidade no Brasil.
Numa breve síntese, o debate sobre esse tema em escala mundial
foi iniciado com a adoção da Convenção sobre Diversidade Bioló-
gica (CDB) pela Organização das Nações Unidas em 1992, com a
proposta de uso sustentável da biodiversidade. Em poucas palavras, a
CDB atribuiu aos Estados a soberania sobre os seus recursos naturais
(leiam-se, inclusive, os recursos genéticos) e instituiu a regra da repar-
tição de benefícios econômicos decorrentes do acesso ao patrimônio
genético. Da mesma forma, a CDB atribuiu valor aos “conhecimen-
tos, inovações e práticas” de povos e comunidades tradicionais30 sobre
os recursos naturais e os ecossistemas, dando nova feição jurídica a
saberes até então menosprezados pela ciência oficial e atribuindo-lhes
........
30
Na CDB, os termos utilizados são “populações indígenas e comunidades
locais”, designando o mesmo que “povos e comunidades tradicionais”

51
valor econômico e equiparando-os à propriedade intelectual. O valor
atribuído na CDB é, portanto, principalmente o valor econômico,
e a utilização de conhecimentos tradicionais por pessoas alheias às
comunidades passou a ser submetida ao consentimento prévio dos
seus detentores e à repartição “justa e equitativa”, com os povos e
comunidades tradicionais, dos benefícios oriundos dessa utilização.
No Brasil, a CDB foi regulamentada por uma medida provisória, a
MP n. 2.186-16/2001 que, por sua vez, foi regulamentada por decre-
tos e outros atos administrativos de natureza normativa, especialmen-
te as Resoluções do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético, o
CGEN31. Esse conselho, órgão colegiado de composição governamen-
tal, foi criado pela medida provisória (art. 10) e está vinculado ao Mi-
nistério do Meio Ambiente, usufruindo de competências deliberativa
e normativa.
No mês de novembro de 2006, o CGEN convocou a Consulta
Pública n. 02, com o objetivo de coletar subsídios para a elaboração da
nova legislação sobre repartição de benefícios oriundos da utilização
comercial de conhecimentos tradicionais associados à biodiversidade.
A consulta pública foi realizada com base num questionário conten-
do perguntas e alternativas de respostas, disponibilizado na internet32. O
CGEN prorrogou duas vezes consecutivas o prazo da Consulta Pública
n. 02 por solicitação de povos e comunidades tradicionais, através de
seus representantes e organizações, em razão da necessidade de melhor
esclarecimento sobre a legislação em vigor e sobre o teor da consulta33.
........
31
Regulamentam a MP n. 2.186-16/2001 os decretos 3.945/2001, 5.459/2005
e 6.159/2007.
32
Nesse questionário, as perguntas são direcionadas ao indivíduo, não contem-
plando explicitamente a resposta por sujeitos coletivos.
33
Conforme informações contidas na página do Ministério do Meio Ambiente
(MMA): http://www.mma.gov.br/estruturas/ascom_boletins/_arquivos/consulta_
publica_n2.pdf. Acesso em 21.01.08.

52
O prazo da Consulta Pública n. 02 do CGEN se encerrou, oficialmente,
em 16 de dezembro de 2007.
Ao longo de 2007, portanto, foram realizadas no Amazonas “ofi-
cinas de qualificação”, visando o esclarecimento de lideranças e mem-
bros de comunidades indígenas sobre o processo de consulta pública
e, ao final, o preenchimento do questionário proposto. A iniciativa
foi coordenada pela extinta Fundação Estadual dos Povos Indígenas
(FEPI)34, e contou com o apoio de diversas instituições, especialmente
aquelas membros da Rede Norte de Propriedade Intelectual, Biodiver-
sidade e Conhecimento Tradicional (Rede Norte PIBCT). A expecta-
tiva em 2007 era promover oficinas em onze regiões do Amazonas e
capacitar lideranças indígenas, representantes das diversas etnias que
existem no Estado, para que se transformassem em “multiplicadores”
do tema em suas comunidades.
Porém, apenas oito regiões contaram com oficinas. A principal ra-
zão alegada oficialmente para esse desempenho foi a falta de recursos
destinados às despesas com pessoal, material, equipamento e transpor-
te que as oficinas demandaram. O transporte terrestre para o interior
do estado, como se sabe, é praticamente inexistente. Para algumas
localidades, tampouco há transporte aéreo regular, razão pela qual a
única possibilidade costuma ser o transporte fluvial, com todas as suas
limitações de tempo e comodidade.
O relatório da FEPI sobre a oficina realizada em Eirunepé informa
que as aldeias indígenas naquela região “são extremamente isoladas,
em sua maioria, sendo preciso às vezes mais de cinco dias de viagem
por embarcação tipo ‘rabeta’ até Eirunepé”. De acordo com a ava-
liação da FEPI, no mesmo relatório, há nessa situação um paradoxo
constante, uma vez que
........
34
As atribuições da FEPI foram assumidas em 2009 pela secretaria estadual de
povos indígenas (SEIND).

53
os habitantes desta região de extrema biodiversidade, que contém
tanto espécies do leste amazônico como dos Andes, com conhecimen-
to ancestral profundo sobre o uso das espécies, vivem em situação
extrema, desconhecedores de seus direitos, e com poucos mecanismos
de proteção para seu território e seus saberes.
Outra limitação observada nos relatórios é a falta de acesso à in-
ternet, pressuposto básico de participação na referida consulta. De
acordo com o Ministério do Meio Ambiente, a Consulta Pública n.
2 do CGEN foi amplamente divulgada. Registre-se, porém, que a
divulgação maciça foi feita na mídia, especialmente no mundo virtual
da internet, como descreve o próprio Relatório Final do Ministério35:
A fim de garantir a mais ampla participação possível, a CP nº 02
foi divulgada em toda a mídia, incluindo jornais, rádio, televisão
e também em vários sítios da internet, tais como: Ambiente Brasil,
Instituto Socioambiental, Envolverde, Rádio Câmara, Radiobrás,
Rádio Amazonas, Agência Carta Maior, Rede Norte, além de sítios
institucionais de vários órgãos que compõem o Conselho, como por
exemplo: Instituto Nacional de Produção Industrial - INPI, Fun-
dação Palmares, Fundação Nacional do Índio - FUNAI e Instituto
Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
– IBAMA (Relatório Final sobre a Consulta Pública n. 02 do
CGEN, 2008, p. 5).
Contudo, parece ter escapado aos órgãos governamentais o fato
de que muitos povos indígenas e outros povos e comunidades tradi-
cionais na região amazônica vivem em lugares distantes dos centros
urbanos e sem a infraestrutura mínima que lhes permitiria o acesso a
informações sobre o tema via internet, bem como acompanhar a con-
sulta pública por esse meio. No interior do Amazonas, por exemplo,
........
35
Documento disponível na página do CGEN no site do Ministério do Meio
Ambiente: www.mma.gov.br/estruturas/sbf_dpg/_arquivos/relatorio_final_cp02.pdf

54
conforme os relatórios apresentados, em praticamente todas as co-
munidades onde se realizaram as oficinas em 2007 constataram-se
irregularidades ou inexistência de serviços de transmissão de energia
elétrica, o que inviabilizou, por algumas vezes, o uso de equipamentos
eletrônicos, como televisores, computadores e projetores de imagem
nas oficinas. Computador e internet, portanto, não faziam parte da
realidade dessas comunidades36.
Ainda segundo os relatórios da FEPI, para a maior parte dos “mul-
tiplicadores capacitados”, o tema da regulação jurídica dos conheci-
mentos tradicionais associados à biodiversidade e da repartição de
benefícios derivados de sua utilização por terceiros jamais havia sido
apresentada37. Aliás, para a maior parte deles, as oficinas serviram para
informar acerca do papel dos conhecimentos tradicionais associados
à biodiversidade no mundo pós-CDB e sobre a sua condição de titu-
lares de direitos sobre tais conhecimentos, mais do que propriamente
responder ao questionário do CGEN. Inclusive, na maioria das ofi-
cinas, o objetivo de responder ao questionário foi frustrado por duas
........
36
No plenário do CGEN, a FEPI, utilizando-se do espaço cedido pela COIAB,
apresentou todas essas dificuldades, conforme consta das atas da 48ª e 54ª reuniões
ordinárias deste Conselho. Nesta última, realizada no mês de novembro de 2007,
a representante da FEPI, na tentativa de obter o apoio das demais entidades repre-
sentadas no CGEN para a continuidade das oficinas, ressaltou que estes encontros
“representam a única forma de propiciar o acesso adequado às informações a fim
de garantir a participação de indígenas na discussão da lei brasileira sobre acesso e
repartição de benefícios”. (cf atas do CGEN de 2007).
37
Lê-se no relatório da FEPI sobre a oficina realizada em Eirunepé: “A com-
preensão sobre os direitos indígenas é confusa. Isto se dá em grande parte porque
a própria legislação é confusa, pois existem leis que afirmam ser os indígenas se-
micapazes e leis que afirmam que nenhum projeto de desenvolvimento pode ser
encaminhado sem o seu consentimento. Poderá ser preciso abordar nas oficinas o
Código Civil de 1916, o Código Civil de 2002, o Estatuto do Índio de 1973, a
Convenção n. 169 da OIT, a Constituição Brasileira de 1988, entre outros. Assim
sendo, a presença de um advogado nas oficinas é altamente recomendável.”

55
razões principais, apontadas pelos próprios indígenas: a falta de mais
informações que subsidiassem o preenchimento satisfatório e esclare-
cido do questionário e o excesso de palavras técnicas que não são do-
minadas pelos povos indígenas (Relatório, FEPI, 2007). Assim, foram
recorrentemente manifestadas as dificuldades dos sujeitos indígenas
em apropriar-se desse conteúdo.
Nas oficinas realizadas no Amazonas, os limites de participação são
ainda mais estreitos quando as línguas nativas são as faladas de forma
prioritária – ou mesmo exclusiva – nas comunidades indígenas. Um
exemplo foi dado no decorrer da oficina realizada em Tefé (AM), em
setembro de 2007, assim relatado pela FEPI:
“Os povos Madihá Kulina e Takanã Katukina falam prioritaria-
mente suas próprias línguas. A compreensão da língua portuguesa
é restrita a algumas palavras, com exceção de alguns indivíduos
que moram na cidade há algum tempo, mas em pequeno núme-
ro. Assim sendo, todas as informações da oficina tiveram que ser
periodicamente traduzidas para ambas as línguas. Os grupos não
aceitaram que as informações fossem traduzidas ao mesmo tempo
pelos tradutores. Foi necessário que primeiro se traduzisse para uma
língua e em seguida se traduzisse para a outra língua. Este processo
tornou o ritmo das apresentações mais lento. Ademais, conceitos
como ‘governo’ e ‘meio ambiente’ precisaram ser debatidos para o
prosseguimento da oficina. Os participantes também não tinham
conhecimento do Ministério do Meio Ambiente. Foi utilizada em
várias ocasiões o termo ‘natureza’, para o qual há tradução para
ambas as línguas. Assim BIODIVERSIDADE: NATUREZA: IT-
SONIN (TAKANÃ): ZAMA (“MATO” em MADIHÁ).”
Nesse caso, para a participação de indígenas que não falam o por-
tuguês ou entendem pouco da língua, fez-se necessária a presença de
tradutores das línguas indígenas e do nhengatú.
Para além do domínio da língua portuguesa, um fator determi-
nante para a compreensão das normas e, consequentemente, para a

56
possibilidade de participação das comunidades tradicionais e povos
indígenas na discussão sobre as mesmas é um certo domínio da lin-
guagem técnico jurídica dos textos em debate. Nessa situação, con-
vém lembrar Shiraishi & Dantas para quem o arsenal de conceitos
marcados pelo tecnicismo dificulta a própria compreensão dos con-
teúdos dos dispositivos legais. Segundo o pensamento dos professo-
res, a necessidade de explicitar e de comentar os dispositivos jurídicos
de forma exaustiva representa uma possibilidade de apropriação e
de compreensão dos referidos dispositivos (SHIRAISHI NETO &
DANTAS, 2007, pp. 57-83).
Como foi dito antes, ainda que a Consulta Pública n. 02 do
CGEN não tenha sido idealizada para ser uma consulta nos moldes
da Convenção n. 169 da OIT, as experiências das “oficinas de quali-
ficação” oferecem subsídios para refletir acerca das dificuldades que
envolvem processos de consulta a povos indígenas. A partir da experi-
ência no Amazonas, foi possível constatar os problemas relacionados
ao isolamento geográfico, à falta de serviços de eletricidade e internet
e à falta de informações dos sujeitos de direitos sobre o objeto da con-
sulta. De igual modo, a abordagem tecnicista dos assuntos tratados
na consulta, confrontados com o predomínio das línguas nativas em
muitas localidades, contribuíram para frustrar o objetivo da Consulta
Pública n. 02. Por fim, além de tudo isso, é preciso destacar o prazo
insuficiente imposto aos povos indígenas para manifestação sobre me-
didas legislativas que os afetariam diretamente, no caso, a definição
de critérios normativos para a repartição de benefícios decorrentes do
uso de recursos genéticos e de conhecimentos tradicionais associados
à biodiversidade.

7. “Consultas públicas” e “consultas” da C169


Depois do relato sobre a Consulta Pública n. 02 e suas respectivas
“oficinas de qualificação”, devemos esclarecer que estamos tratando

57
de duas modalidades jurídicas distintas de consulta que acabam se
confundindo na figura da referida Consulta Pública n. 02 do CGEN.
A consulta pública no direito brasileiro é um instituto do direito
administrativo que tem o propósito de viabilizar a participação dire-
ta da sociedade na tomada de decisões nas esferas governamentais.
Como mecanismo de participação previsto na Lei n. 9.784/99, tem
como destinatário o público geral, indistinto, interessado no tema
objeto da consulta. A consulta pública está prevista em processos ad-
ministrativos38, tais como o licenciamento ambiental39, a licitação e
contratação de parcerias público-privadas40 ou está ligada à proposi-
tura de normas41. Diferentemente da audiência pública, que se realiza
em eventos determinados, a consulta ocorre dentro de um prazo, por
período mais ou menos longo, dependendo do objeto a ser analisado
e da discricionariedade da Administração, nos casos em que tal prazo
não é previsto na legislação.
Conforme se depreende da leitura desses dispositivos legais, os in-
teressados devem manifestar-se necessariamente por escrito sobre o
objeto da consulta pública. Nela, a participação dos interessados, pode
ser direta, pessoal, ou feita por representação através de organizações
civis e de movimentos sociais.

........
38
A lei nº 9.784/99, que regula o processo administrativo no âmbito federal
prevê a consulta pública no art. 32 e audiência pública no art. 31.
39
Conforme o caput do artigo 11 da Resolução CONAMA n. 01/86. O Rela-
tório de Impacto Ambiental (RIMA) é aberto à discussão pública em duas ocasiões:
na consulta pública e na audiência pública (OLIVEIRA 1998, p. 230).
40
Conforme artigo 10 da lei n. 11.079/04, a qual institui normas gerais para
licitação e contratação de parceria público-privada no âmbito da administração
pública.
41
Tendo como objetos atos normativos da Administração, como os decretos,
e propostas de normas a serem encaminhadas ao Poder Legislativo, como antepro-
jetos de lei.

58
Dessa forma, a consulta pública, a exemplo da audiência pública,
consistiria num daqueles instrumentos de democracia participativa
mencionados pelos juristas. Ambas permitiriam uma participação
mais direta, tanto de indivíduos quanto de grupos sociais, na tomada
de decisões governamentais. Ao contrário do plebiscito e do referen-
do, a consulta pública, tanto quanto a audiência pública, admite for-
mas de manifestação mais livres e específicas, sem a solução binária do
“sim” ou “não”, característica daqueles outros institutos. Além disso,
diferentemente do plebiscito e do referendo, a consulta pública, bem
como a audiência pública, ocorrem sem o acionamento da Justiça
Eleitoral.
Já a consulta prevista na Convenção n. 169 da OIT está direcio-
nada a um público específico, qual seja, os “povos indígenas e tribais”
(ou, como aqui se denomina, os povos e comunidades tradicionais),
e diz respeito a medidas legislativas e administrativas que afetem esses
povos diretamente. Conforme disposto no artigo 7o da Convenção
n. 169, as consultas a povos indígenas e tribais devem ser conduzi-
das de boa fé e de maneira adequada às circunstâncias. Desse modo,
entendemos que as informações devem ser traduzidas para as línguas
indígenas, sempre que necessário, e, mesmo quando todos entendem
o português, a linguagem nesse idioma deve ser acessível para a plena
compreensão. Finalmente, espera-se que os prazos sejam suficientes
para a manifestação consciente e informada.
Esse segundo tipo de consulta ainda não está regulamentado pela
legislação brasileira. Em janeiro de 2012 um grupo interministerial
foi criado para discutir a regulamentação da Convenção n. 16942, es-
pecialmente no que diz respeito ao direito de consulta a tais sujeitos
de direitos.
........
42
Trata-se da Portaria Interministerial n. 35, de 27 de janeiro de 2012, publi-
cada no DOU em 30 de janeiro de 2012.

59
Referências
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partido. In Religião e Sociedade n. 9, Rio de Janeiro, junho de 1983,
p. 35-46.
_________ Alfredo Wagner B. de. Distinguir e Mobilizar: duplo desafio
face às políticas governamentais. Revista Tipiti, 2004.
_________ Alfredo W. Berno de. Terras Tradicionalmente ocupadas:
terras de quilombos, terras indígenas, “babaçuais livres”, “Castanhais
do Povo”, Faxinais e fundos de pasto. 2ª edição, Manaus: PGSA-
-UFAM, 2008.
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra:
Almedina, 1993.
DALLARI, Dalmo de Abreu. O que é participação política. 13ª ed. São
Paulo. Editora Brasiliense, 1994.
MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo? A questão fundamental da de-
mocracia. 3ª edição revista e ampliada. Prefácio de Fábio Konder
Comparato. Tradução Peter Naumann. Revisão Paulo Bonavides. São
Paulo: Max Limonad. 2003.
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RAHNEMA, Majid. Participation. In SACHS, Wolfgang (org.). The Devel-
opment Dictionary. 11ed. New York: Zed Books, 2005. pp. 116-131.
RANCIÈRE, J. Os ossuários da purificação étnica. Folha de São Paulo,
10 de março de 1997.
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dades Tradicionais no Brasil. Coleção Documentos de Bolso nº1.
PPGSA-UFAM/Fundação Ford. Manaus: UEA, 2007.
SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 18ª
ed. São Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2000.

60
TOMEI, Manuela, SEWPSTON, Lee. Povos indígenas e tribais: guia
para a aplicação da Convenção n. 169 da OIT. Brasília: OIT, 1999.

Documentos oficiais
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada
em 05 de outubro de 1988.
_______. Decreto n. 6.040, de 07 de fevereiro de 2007. Institui a Po-
lítica Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos Povos e Comu-
nidades Tradicionais. Publicado no Diário Oficial da União (DOU)
em 08.02.2007.
_______. Decreto n. 2.519, de 16 de março de 1998. Promulga a Con-
venção sobre Diversidade Biológica assinada no Rio de Janeiro, em 5
de junho de 1992. Publicado no Diário Oficial da União (DOU) em
17.03.1998.
_______. Decreto n. 5.051, de 19 de abril de 2004. Promulga a Con-
venção n. 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos
Indígenas e Tribais. Publicado no DOU de 20.04.2004.
_______. Lei Federal nº 9.784, de 29 de janeiro de 1999. Regula o pro-
cesso administrativo no âmbito federal. Publicada no Diário Oficial
da União (DOU) em 01.02.1999.
_______. Lei Federal n 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Institui
normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada
no âmbito da administração pública. Publicada no Diário Oficial da
União (DOU) em 31.12.2004.
_______. Portaria n. 35, de 27 de janeiro de 2012 (Brasil). Institui Gru-
po de Trabalho Interministerial com a finalidade de estudar, avaliar e
apresentar proposta de regulamentação da Convenção n. 169 da Or-
ganização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas e
Tribais, no que tange aos procedimentos de consulta prévia dos povos
indígenas e tribais. Publicada no Diário Oficial da União (DOU) em

61
CONSELHO DE GESTÃO DO PATRIMÔNIO GENÉTICO. Bra-
sília. Ata da 48ª Reunião Ordinária, pp-1-8, 2007. <http://www.
mma.gov.br/cgen>. Acesso em 01 de dezembro de 2008.
_______. Brasília. Ata da 54ª Reunião Ordinária, 2007. <http://www.
mma.gov.br/cgen>. Acesso em 01 de dezembro de 2008.
FUNDAÇÃO Estadual dos Povos Indígenas do Amazonas. Relatório da
Oficina de Eirunepé-AM. Manaus, 2007.
_______. Relatório da Oficina de Terra Preta-AM. Manaus, 2007.
_______ Relatório da Oficina de Barcelos-AM. Manaus, 2007.
MINISTéRIO DO MEIO AMBIENTE. Brasília. Resolução CONA-
MA n. 01, de 23 de janeiro de 2006. Dispõe sobre critérios básicos
e diretrizes gerais para o Relatório de Impacto Ambiental – RIMA.
Publicada no Diário Oficial da União em 17.02.1986.
_______. Relatório Final sobre a Consulta Pública n. 02 do CGEN.
Versão acessível em<www.mma.gov.br/cgen>. Acesso em 20 de julho
de 2008.
ORGANIZAÇãO DAS NAçõES UNIDAS. Declaração Universal
dos Direitos Humanos, de 10 de dezembro de 1948. Disponível em:
http://portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_univer-
sal.htm. Acesso em 12.07.2012.

62
A Convenção no 169 da Organização
Internacional do Trabalho - OIT sobre
Povos Indígenas e Tribais: a experiência
das comunidades quilombolas de
Alcântara - MA
Danilo da Conceição Serejo Lopes43

A ratificação pelo Estado brasileiro em 2002 da Convenção 169 da


Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre Povos Indígenas
e Tribais trouxe à mesa dos órgãos estatais um debate do qual não se
pode mais protelar. Trata-se do respeito aos direitos das minorias étni-
cas, especialmente no que respeita ao direito de pleno uso e ocupação
de seus territórios.
Mais que pautar nas agencias estatais este debate, a Convenção
169 norteia, desde então, as ações dos movimentos sociais, ou seja,
determina, em certa medida “a atuação dos movimentos sociais orien-
tados por fatores étnicos e pelo advento de novas identidades coletivas”
(SHIRAISHI NETO 2010, p. 14).
........
43
Quilombola de Alcântara - MA, graduado em Direito pela Universidade
Federal de Goiás – UFG e pesquisador do Projeto Nova Cartografia Social da Ama-
zônia – PNCSA.
63
A Convenção 169 traz elementos importantíssimos que buscam
a proteção de povos e comunidades tradicionais que tem por escopo
maior assegurar o acesso destes povos a seus territórios. Entre os di-
reitos reconhecidos, destacamos o direito à consulta; o direito de per-
manecer em seus territórios e o direito de retorno a esses territórios.
Não por outra razão tem ocupado nos últimos anos lugar de destaque
nas pautas dos movimentos sociais representativos dos povos e comu-
nidades tradicionais.
Ocorre que, aplicar uma norma internacional que visa garantir a
propriedade comum destes povos em sua plenitude não é tarefa das
mais fáceis para o governo brasileiro. Vários fatores se colocam como
impeditivos à aplicação da Convenção 169, dentre os quais: a ruptura
com o direito positivo hegemônico que não considera, na maioria
das vezes, a forma de uso e ocupação das terras pertencentes a estes
povos; a conciliação do progresso econômico, do desenvolvimento do
país com a realidade destas comunidades, considerando que em mui-
tos casos verifica-se a existência de megaprojetos incidentes nas áreas
secularmente habitadas por estes povos. Ao nosso sentir, contudo, o
maior dos obstáculos são as forças políticas incidentes nas áreas tradi-
cionalmente ocupadas que na maioria dos casos litigam com os inte-
resses dos grandes ruralistas que, pari passu, estão aboletados também
no Congresso Nacional.
É exatamente neste certame político que se insere a aplicabilidade
da Convenção 169 no Brasil. No caso presente, analisaremos a luta
das comunidades quilombolas de Alcântara, no Estado do Maranhão,
pelo seu território. Esta luta ganhou maior força política depois da
ratificação da Convenção 169 pelo Brasil.
Na década de 1980 o município de Alcântara, foi escolhido pelo
governo militar para sediar uma Base Espacial que serviria para o de-
senvolvimento do programa aeroespacial brasileiro. Um projeto ousa-
do, promissor e de inspiração militar que teria tudo para ser o apogeu
tecnológico do governo brasileiro se não fosse a imediata revelação de

64
que este projeto se transformara, nos anos que se seguiram, em agente
violador de direitos fundamentais, desrespeitando frontalmente nor-
mas pátrias e internacionais de direitos fundamentais.
A começar, o governo do Estado do Maranhão, atendendo à soli-
citação de ministros militares desapropriou uma área 52.000ha44 de
terras para fins de utilidade pública, com vistas à instalação do Centro
de Lançamento de Alcântara (CLA). Com isso transferiu-se compul-
soriamente nos anos de 1986 e 1987, segundo dados da Sociedade
Maranhense de Direitos Humanos, 312 famílias de 23 comunidades
quilombolas, reassentando-as e em sete agrovilas, construídas para
recepcioná-las.
Não obstante tal decisão, o governo do presidente José Sarney, em
abril de 1986, publicou decreto45 reduzindo o módulo rural de Alcân-
tara de 35ha para 15ha na área relativa ao CLA. As famílias deslocadas
tiveram seu território reduzido e as terras que lhes foram destinadas
não são férteis, impactando negativamente a economia local. Além
disso, o módulo rural46 imposto às comunidades não condiz com a
apropriação coletiva das terras e dos recursos naturais das famílias
deslocadas conforme assevera o laudo antropológico elaborado por
Alfredo Wagner Berno de Almeida, por solicitação da Procuradoria
Geral da República:
“A área decretada, reforçada pelos deslocamentos compulsórios e
pela divisão de lotes das agrovilas, instaura uma certa dissociação,
........
44
Em 1991 o então presidente da República, Fernando Collor de Melo, au-
mentou essa área em mais 10.000ha, perfazendo um total de 62.000ha.
45
Decreto nº 92.571, de 18 de abril de 1986 que “Dispõe sobre o disciplinamen-
to de terras federais incluídos na área afetada no Centro de Lançamento de Alcântara
- CLA, e dá outras providências”.
46
As famílias deslocadas foram confinadas em lotes de 15ha contrariando o
Estatuto da Terra que determina como necessário para a subsistência familiar o
mínimo de 35 hectares.

65
que se manifesta através da colisão entre medidas que tornam a
terra individualizada e transferível versus o sistema de uso comum
que suporta as territorialidades específicas, com seus princípios de
indivisibilidade das terras e da manutenção de limites fixos e in-
transferíveis” (ALMEIDA 2006, p. 54)
Este cenário de desestruturação socioeconômica, além dos con-
flitos sociais, gerou também uma insegurança alimentar decorrente,
principalmente, da falta de acesso às terras férteis e aos recursos na-
turais. O conflito fundiário iniciado na década de 1980 vem se ar-
rastando até os dias atuais sem que nenhuma solução plausível tenha
sido apresentada pelo Estado brasileiro para a resolução dos conflitos.
Concomitantemente à omissão do Estado, tem-se a efetiva mobili-
zação das comunidades quilombolas de Alcântara que tem alcançado
níveis satisfatórios de resistência e, na medida do possível, neutraliza-
do os efeitos autoritários da ação oficial.
Neste sentido, destacamos a realização nos anos de 2005, 2006 e
2008 das Oficinas de capacitação das comunidades quilombolas de
Alcântara, com a parceria fundamental da Rede Social de Justiça e Di-
reitos Humanos, cujo enfoque maior foi o de proporcionar às comu-
nidades o conhecimento das normas, leis e outros dispositivos legais
que tratam dos direitos dos povos quilombolas, inclusive, a Conven-
ção 169. Reuniram-se, nestas atividades aproximadamente 150 lide-
ranças quilombolas, debatendo o cumprimento da Convenção 169
pelo governo brasileiro.
Estas oficinas foram fundamentais para alterar a conjuntura em
torno da (in)aplicabilidade da Convenção 169 no Brasil. Embora
tenha sido incorporada ao ordenamento pátrio em 2002, esta Con-
venção restou por largos dez (10) anos sem registrar, em termos insti-
tucionais, nenhuma situação de sua aplicação47 pelo Poder Executivo.
........
47
Devia-se sublinhar como consulta, o evento dirigido pela Advocacia Geral da
União em abril de 2008, na cidade Luziânia-GO, entretanto, a CONAQ e demais

66
Em 2006, enquanto uma equipe composta por advogados da Rede
Social de Justiça e Direitos Humanos e militantes do Movimento dos
Atingidos pela Base Espacial, MABE, percorria os quilombos de Al-
cântara oferecendo as tais oficinas referidas anteriormente, outra equi-
pe, também composta pelo MABE e pela Rede Social, reunia-se com
trabalhadores rurais vitimados pela ação do Comando da Aeronáu-
tica48 que havia proibido os quilombolas de realizarem suas práticas
agrícolas na dita área de segurança próxima ao CLA.
Aliás, as medidas adotadas pela Direção do CLA, não se limitaram
apenas em proibir a feitura das roças, mas, registra-se ainda, medidas
mais constrangedoras, como a submissão a cenários de guerra, reme-
morando aqui o episódio em que os militares pousaram de helicóp-
tero na roça49 de um quilombola com o objetivo de demonstrar força
e amedrontá-lo.
O desenrolar desta situação resultou na impetração de Mandando
de Segurança50 na Justiça Federal do MA, subseção de São Luis com
........
(cont. nota 47) entidades representativas das comunidades quilombolas, bem
como, entidades de assessorias acusam, com larga dose de razão, a AGU de não
seguir os procedimentos exigidos pela CONVENÇÃO 169, portanto, como tal,
não deve ser considerada, por que: “não foram garantidas as condições para que os
quilombolas se inteirassem do conteúdo da nova norma; a deliberação ocorreu apressa-
damente, e sob pressão, no mesmo evento em que a minuta foi apresentada aos interes-
sados; o Estado brasileiro não demonstrou disposição em acordar uma proposta comum,
restringindo o debate unicamente a sua minuta, sem dar oportunidade para alterações
mais relevantes” (CONAQ 2008 p. 05)
48
A Aeronáutica é o órgão das Forças Armadas responsável pela administração
do Centro de Lançamento de Alcântara.
49
O termo roça que mencionamos aqui refere-se ao local onde o quilombolas
realizam suas práticas agrícolas.
50
Mandado de Segurando nº. 2006.37.00.0052222-7 impetrado por Joisael
Alves e outros em face do Diretor Geral do CLA, em parceria com a Rede Social
de Justiça e Direitos Humanos de São Paulo. Disponível em: http://cpisp.org.
br/acoes/html/jurisprudencia.aspx?LinkID=62 acessado em 15/04/2012 as 21:04.

67
vistas a garantir o direito líquido e certo de os quilombolas continua-
rem a fazer suas roças em seus antigos territórios.
Outra não foi a decisão da Justiça Federal, senão a de dizer que os
quilombolas de Alcântara tem o direito de fazer suas roças na área ora
questionada, vejamos
“(…) De efeito, não pode o Estado negligenciar a proteção cons-
titucionalmente eleita como um dos objetivos fundamentais da
República Federativa do Brasil, qual seja, “promover o bem de
todos, sem preconceitos de origem,raça, sexo, idade e quaisquer
formas de discriminação” (CF/88, art. 3º, IV), incluindo, assim,
as comunidades remanescentes de quilombos, máxime quando,
conforme destacado pelo ilustre Representante Ministerial em seu
Parecer, pelo Estado Brasileiro estou confirmado seu entendimento
em estabelecer políticas públicas voltadas ao combate à dis-
criminação dos modos de vida tradicionais dos povos indí-
genas e tribais, quando da edição do Decreto Legislativo nº
143/2002, ratificando a Convenção nº 169 da OIT, que dis-
pões em seu art. 14 que “deverão ser reconhecidos os direitos
de propriedade e posse dos povos em questão sobre as terras
que tradicionalmente ocupam51” (grifos nossos).
Esta sentença, em sede de medida liminar, se constitui no primeiro
julgado da justiça brasileira que trata do direito de propriedade das
comunidades remanescentes de quilombo (CF/88, ADCT art. 68)52,
cuja sustentação fundamenta-se na Convenção 169, inaugurando
aqui um valioso precedente jurisprudencial.
........
51
Disponível em: http://cpisp.org.br/acoes/html/jurisprudencia.aspx?LinkID=62
acessado em 15/04/2012 as 21:04.
52
O artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Cons-
tituição Federal de 1988 assim normatiza: “Aos remanescentes das comunidades dos
quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva,
devendo o Estado emitir-lhes os respectivos títulos”.

68
Se a Justiça Federal no MA inova ao reconhecer o direito de pro-
priedade das comunidades quilombolas de Alcântara com base nos
ditames da Convenção 169, os planejadores do programa aeroespacial
brasileiro, no caso, a Agencia Espacial Brasileira (AEB), a Aeronáutica
e o governo federal como um todo, parecem desconhecê-lo, máxi-
me quando são firmados acordos internacionais com vistas ao uso do
CLA sem que os quilombos de Alcântara tenham participado de qual-
quer decisão neste processo. Neste contexto é que se insere o Acordo
de Cooperação Tecnológica celebrado entre os governos do Brasil e da
Ucrânia em 21 de outubro de 2003.
Este acordo prevê a utilização e o lançamento do Veículo de Lan-
çamentos Cyclone-4 a partir do CLA. Isto demandaria a construção
de mais três plataformas de lançamento, afetando aproximadamente
23 comunidades quilombolas do litoral alcantarense e, possivelmente,
remanejando-as.
No que toca à Convenção 169, destaca-se o direito à consulta trazi-
do por esta norma internacional no seu artigo 6, § 1, alínea “a”
1. Na aplicação das disposições da presente Convenção, os governos
deverão:
a) consultar os povos interessados, por meio de procedimentos
adequados e, em particular, de suas instituições representati-
vas, sempre que sejam previstas medidas legislativas ou admi-
nistrativas suscetíveis de afetá-los diretamente. (grifos nossos)
É exatamente nesta situação de inobservância do direito à consulta
que se insere a Comunicação feita em 2008 para a OIT de autoria das
organizações representativas dos quilombolas de Alcântara.
Ressalte-se, antes de tudo, que o direito à consulta que se refere a
Convenção 169 não deve ser interpretado pura e simplesmente como
apenas “ouvir” os povos interessados. A consulta prevista no artigo
6º “requer que os governos criem meios que permitam aos povos interes-
sados participar da tomada de decisões em todos os níveis no âmbito das

69
instituições legislativas de órgãos administrativos” (TOMEI; SWEPS-
TON 1996, p. 29).
Para tanto, o mesmo artigo 6º estabelece dois pressupostos que
devem nortear a consulta, quais sejam: os procedimentos adequados e
a boa-fé como forma de se assegurar que acordos ou consentimentos
possam ser alcançados frente ao projeto proposto e que esse acordo
possa ser efetivado de maneira límpida. Mesmo porque os povos in-
teressados tem o direito de escolher suas prioridades no processo de
desenvolvimento (Convenção 169 art. 7).
É de se destacar que o artigo 7 da Convenção 169, coloca os po-
vos indígenas e tribais na condição de agentes ativos no processo de
consulta, quer dizer, não se trata de uma relação vertical em que o
Estado apresente sua proposta sem garantir aos povos interessados o
direito de participar ativamente da decisão do programa ou projeto
em debate. Ao contrário, a Convenção 169 determina que os povos
interessados possam participar da tomada de decisão, como forma de
garantir suas prioridades no processo de desenvolvimento. A palavra
“participar” aqui deve ser entendida como construir em conjunto
com o Estado, e em iguais condições, uma solução razoável ao conflito
em tela53.
No caso de Alcântara, o Estado brasileiro tem reiteradamente vio-
lado o direito de consulta dos quilombolas, em nome de desenvolver
o programa aeroespacial. Desse modo, além da parceria firmada com a
Ucrânia, que a nosso ver, incorre em violação à consulta, registram-se
os seguintes fatos:
a) Medida proibitiva de acesso aos recursos naturais: em toda e
qualquer operação ou campanha de lançamento de foguetes ocorrida
........
53
Pese a consulta, deve-se frisar: realizar a consulta é atribuição exclusiva do
Estado, não podendo este, delegar a entes privados. Ainda que o projeto em de-
bate seja integralmente privado, descabe, a nosso ver, renúncia do Estado desta
obrigação.

70
no CLA, os militares proíbem os quilombolas de acessarem as praias
e igarapés que são as principais fontes de alimentação das famílias.
Frise-se que as praias e os igarapés, diferentemente, de outros grupos
da sociedade, para os quilombolas de Alcântara não são vistos como
objeto ou lugar de lazer, ao contrário, como já dissemos, são responsá-
veis pela subsistência de comunidades inteiras.
Ao adotar esta medida, os militares incorrem em outra violação,
trata-se do dever de reparação (Convenção 169 art. 15 § 2). A inob-
servância do dever de consultar povos interessados, acarreta em pre-
juízos ainda maiores para os quilombolas de Alcântara, a exemplo
da violação do direito básico à alimentação (CF/88 art. 6º, caput),
pressuposto fundamental para o direito à vida (CF/88 art. 5º, caput).
Isso nos leva a afirmar, já daqui, que os artigos da Convenção 169
não podem ser interpretados, tampouco, aplicados de forma isolada e
mesmo de forma a desprezar Constituição Federal de 1988, visto que
a citada Convenção harmoniza-se, em vários aspectos, com a ordem
constitucional de 1988.
b) A publicação do Relatório Técnico de Identificação e Deli-
mitação (RTID): em que pese o processo de titulação do Território
Quilombola de Alcântara, cabe dizer, depois de cumpridas todas as
etapas exigidas pelo Decreto 4887/200354, foi publicado no Diário
Oficial da União55 do dia 04 de novembro de 2008 o RTID em que
se destina uma área de 78.105,3466ha para as comunidades de Alcân-
tara. Entretanto, passados quase quatro anos da publicação do RTID
no Diário Oficial da União o Território de Alcântara continua sem a
devida titulação efetivada.
........
54
Na data de confecção deste trabalho, os efeitos do Decreto 4.887/2003
estavam suspensos devido à declaração de inconstitucionalidade prolatada pelo Mi-
nistro do STF Cesar Peluso em sede de julgamento da ADI 3239/2004 proposta
pelo Partido Democratas contra o referido Decreto.
55
DOU p. 110, 111 e 112, seção 3 de 4 de novembro de 2008.

71
A Advocacia Geral da União (AGU) pressionada pelo Gabinete de
Segurança Institucional - GSI, instalou procedimento de conciliação
no âmbito da Câmara Federal de Conciliação e Arbitragem para resol-
ver o conflito de interesse. Aqui também não se verificou observância
ao direito de consulta. Em verdade, neste caso não se sabe oficialmen-
te nada sobre o procedimento de conciliação, pois, as comunidades de
Alcântara e suas entidades representativas sequer foram informadas do
andamento deste procedimento conciliatório.
c) A apresentação do Projeto Alcântara Cidade Sustentável: a
AEB juntamente com a Fundação Cultural Palmares (FCP) e a Secre-
taria Extraordinária de Igualdade Racial do Estado Maranhão apre-
sentaram no dia 01 de fevereiro do corrente ano, o Projeto Alcântara
Sustentável para lideranças quilombolas de Alcântara. O projeto, se-
gundo técnicos da AEB, visa “o desenvolvimento do município de Al-
cântara, formado por aproximadamente 3500 famílias quilombolas. A
proposta é atender às comunidades da região com geração de trabalho e
renda, por meio de ações de reaproveitamento de resíduos, uso racional
da floresta, habitação, saneamento, agricultura de alimentos e energia56”.
O projeto prevê ainda: a criação de um espaço multifuncional para
atendimento de saúde, cozinha comunitária, realização de oficinas comu-
nitárias e atividades culturais; uma estação de triagem, para separação
do lixo; além da cidade digital, cooperativas, escolas e hotéis. Um novo
atracadouro de cargas deve ser construído, ainda este ano, próximo às
agrovilas Espera e Cajueiro.
Embora a chamada da notícia publicada no sítio eletrônico da FCP
não tenha dado importância nenhuma ao projeto de construção de
um atracadouro de cargas no município, chama-se a atenção para o
fato de esta ser a maior preocupação dos quilombolas de Alcântara e
........
56
Cf. “Projeto Alcântara – Cidade Sustentável é apresentado à comunida-
de”, disponível em http://www.palmares.gov.br/?p=17605 acessado em 07.05.12
às 15h.55min.

72
de suas entidades representativas (como MABE e STTR). Preocupam
especialmente os impactos diretos que esta grande obra irá trazer para
as comunidades quilombolas de Espera e Cajueiro, tendo vista, que
a estrada de acesso ao atracadouro de cargas será construída entre as
duas comunidades, atingindo-as novamente, já que as mesmas já so-
freram o primeiro deslocamento na década de 1980 e, agora, correm
o risco de serem novamente afetadas pelo mesmo projeto.
Parecendo prever a morosidade no processo de titulação do Ter-
ritório Quilombola de Alcântara, resultante da pressão exercida pelo
GSI sobre a AGU, o Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Ru-
rais de Alcântara (STTR), o Sindicato de Trabalhadores e Trabalhado-
ras na Agricultura Familiar do Município de Alcântara (SINTRAF) e
a Associação Beneficente Nova Galileia dos Moradores do Povoado de
Mamuna, apresentaram, ainda em agosto de 2008, Comunicação à la
Comisión de Expertos en Aplicación de Convenios y Recomendaciones da
OIT denunciando àquela Comissão de Especialista da OIT
“a las violaciones de derechos humanos de los remanecientes de las
comunidades de quilombos del municipio de Alcantara, Estado
de Maranhao (MA), Brasil, perpetradas por el Estado Brasileño,
la Agencia Espacial Brasileña1 y La empresa binacional Brasil-
-Ucrania, denominada Alcantara Cyclone Space (ACS), en La
implantación y expansión del Centro de Lanzamientos de Alcanta-
ra (CLA) y del Centro Espacial de Alcantara (CEA), en flagrante
incumplimiento a los dispositivos del Convenio 169 de la OIT” (
SINDICATO; [et all], 2008, p. 01)57
........
57
Tradução: “violações de direitos humanos dos remanescentes das comunidades de
quilombos do município de Alcântara, Estado do Maranhão (MA), Brasil, efetivadas
pelo Estado Brasileiro em decorrência da implantação e expansão do Centro de Lan-
çamentos de Alcântara (CLA) e Centro Espacial de Alcântara (CEA) e em flagrante
descumprimento dos dispositivos da Convenção 169 da OIT sobre Povos Indígenas e
Tribais, da qual é signatário”.

73
Nesta mesma esteira, a Central Única dos Trabalhadores – CUT
também apresentou, em agosto 2008, Comunicação à Comissão de
Especialistas da OIT denunciando a violação da Convenção 169 pelo
governo brasileiro58.
Várias organizações de defesa de direitos humanos, paralelamente
a isso enviaram Comunicação com o “objetivo apresentar uma avalia-
ção independente sobre a aplicação da referida convenção com relação às
comunidades quilombolas59” (CONAQ 2008, p. 01).
Esta fotografia de reclamação dos povos quilombolas, perante os
mecanismos internacionais de proteção de direitos humanos pela efe-
tivação de seus direitos, tem forçado a comunidade internacional a
cobrar do Estado brasileiro o devido respeito aos direitos humanos das
minorias étnicas e aos compromissos assumidos frente à comunidade
internacional.

Conclusão
Da breve exposição que fizemos, três aprendizados básicos podem
ser mencionados:
Os cursos de capacitação em direitos quilombolas realizados em
Alcântara pelo MABE e demais entidades de representação, com ên-
fase da Convenção 169, foram essenciais para qualificar o processo
reivindicatório de direitos face ao Estado brasileiro e aos mecanismos
internacionais de proteção de direitos humanos;
A Comunicação do STTR e do SINTRAF, seguidos pela CUT,
foi determinante para a atual iniciativa de regulamentação do direito
........
58
Cf. “Comentários sobre a aplicação da Convenção nº 169” disponível em: http://
ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de-trabalho/quilombos-1/documentos/
Comunicacao_CUT_Quilombola.pdf, acessado em 11/05/12 as 09h.12min.
59
Disponível em: http://ccr6.pgr.mpf.gov.br/institucional/grupos-de-trabalho/qui-
lombos-1/documentos/Comunicacao_Quilombola.pdf, acessado em 11/05/2012 as
09h.07min.

74
à consulta do governo federal. Isso revela, que direitos se conquistam
com luta, mobilização e, sobretudo, formação e capacitação;
Vimos também, no desenrolar da presente narrativa, que o Estado
em nome de um suposto “desenvolvimento”, não costuma observar os
direitos fundamentais das pessoas afetadas por tal “desenvolvimento”.
Isto nos permite resumir que o trabalho de formação e informação,
mobilização e luta deve ser constante, pois capacita as famílias atingi-
das a empreenderem uma resistência mais eficaz.
Com isto, espera-se que o presente trabalho possa servir de instru-
mento para o fortalecimento da luta dos povos e comunidades tradi-
cionais no Brasil em busca da efetivação de seus direitos, em especial,
a plena aplicação da Convenção 169 da OIT.

Referencia Bibliográfica
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Os quilombolas de Alcântara e a
base de lançamento de foguetes de Alcântara: laudo antropológico. vol.
1 - Brasília MMA, 2006.
CENTRAL ÚNICA DOS TRABALHADORES. Comentários sobre a
aplicação da Convenção nº. 169. São Paulo, 2008.
CORDENAÇÃO NACIONAL DE ARTICULÇÃO DAS COMUNI-
DADES NEGRAS RURAIS QUILOMBOLAS, [et all]. Comunica-
ção sobre o cumprimento pelo Estado brasileiro da Convenção 169 sobre
Povos Indígenas e Tribais da OIT, 2008.
ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO. Convenção
nº. 169 sobre povos indígenas e Tribais e Resolução referente á ação da
Organização Internacional do Trabalho. Brasília: OIT, 2011.
SHIRAISHI NETO, Joaquim (Org.). Direito dos Povos e das Comuni-
dades Tradicionais no Brasil – 2ª. ed. UEA Edições – Manaus 2010.
SINDICATO DOS TRABALHADORES E TRABALHADORAS RU-
RAIS DE ALCÂNTARA, [et all]. Comunicação feita para Comissão de
Especialistas e Recomendação da OIT. Alcântara: 2008.

75
TOMEI, Manuela; SEWPSTON, Lee. Povos indígenas e tribais:
guia para aplicação da convenção nº. 169 da OIT. 1ª. ed. Brasília: Or-
ganização Internacional do Trabalho, 1999.

76
Anexo
Sentença n. 027/2007/JCM/JF MA do Mandado de Segurança (Pro-
cesso no 2006.37.00.005222-7) impetrado por Joisael Alves e outros
contra Diretor Geral do Centro de Lançamento de Alcântara/MA

77
78
79
Audiência Pública e Participação Social
na Efetivação do Estado Democrático

Eduardo Faria Silva60

1. Introdução
Um dos critérios para definição de um Estado com contornos de-
mocráticos está na capacidade de contestação pública facultada aos
cidadãos e no direito de participação da população no processo deci-
sório nacional61. Esta participação pode ser garantida e concretizada
por distintos mecanismos institucionais como os conselhos de polí-
ticas públicas, as conferências de políticas públicas, as ouvidorias, as
mesas de diálogos, os fóruns interconselhos, as consultas públicas, as
reuniões públicas e as audiências públicas.

........
60
Doutor em Direito pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Coorde-
nador do Curso de Pós-Graduação em Direito à Cidade e Gestão Urbana da Uni-
versidade Positivo. Professor Titular de Direito Constitucional da Universidade Po-
sitivo. Assessor Jurídico do SENGE/PR. Endereço: eduardo.faria.silva@up.com.br
61
Robert Dahl, no seu livro Poliarquia, trata de aspectos da democratização, em
especial, no “desenvolvimento de um sistema político que permite oposição, rivali-
dade ou competição entre um governo e seus oponentes”. Com as devidas media-
ções, a reflexão de Dahl foi utilizada como referência no presente ensaio. (DAHL,
Robert A. Poliarquia: participação e oposição. São Paulo: Edusp, s.d. p. 25.)

81
Dos mecanismos disponibilizados normativamente, merece aten-
ção a audiência como forma de participação social, pois é utilizada
nas três esferas da administração para o planejamento e a execução de
políticas públicas distintas, como a construção de hidrelétricas, fer-
rovias, rodovias, portos, aeroportos etc. A doutrina jurídica nacional
desenvolveu pouca reflexão sobre este mecanismo de participação e
ainda realizou abordagens difusas e pontuais. Celso Antônio Bandeira
de Mello62 e Odete Medauar63 abordam o tema na instrução do pro-
cesso administrativo. Sérgio Ferraz e Adilson Abreu Dallari64 destacam
o princípio da publicidade para as audiências públicas e Vera Cristina
Caspari Scarpinella Bueno65 ressalta o caráter de ampliação do traço
democrático e legitimador que assumem as respectivas decisões da
administração.
É importante, nos marcos do Estado Democrático e Constitucio-
nal brasileiro, ampliar os exercícios analíticos que potencializam as
várias formas de participação social nos distintos espaços coletivos,
que foram garantidos formalmente na Carta Cidadã de 1988 (artigos
10, 216 § 1º, 231 § 3º etc.) e que necessitam de medidas continuadas
para uma perene efetivação.
O presente ensaio pretende articular os sentidos normativos das
audiências públicas que visem garantir a efetiva participação social na
tomada de decisão da administração. Esta pretensão busca, de igual
........
62
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
São Paulo: Malheiros, 2012. p. 527.
63
MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT,
2002. p. 216.
64
FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo.
São Paulo: Malheiros, 2001. p. 142-145.
65
BUENO, Vera Cristina Caspari Monteiro Scarpinella. As Leis de Proce-
dimento Administrativo: uma leitura operacional do princípio constitucional da
eficiência. In: Revista de Direito Constitucional e Internacional. São Paulo: RT,
vol. 39. p. 267-288, abr/jun-2002.

82
forma, apresentar um sentido substantivo democrático ao processo
público e evitar que ele seja utilizado como um instrumento de mera
legitimação processual e decisória.
2. Audiências públicas e o caminho para a igualdade
No campo da política, um dos elementos centrais do Estado De-
mocrático está na permanente responsividade do governo em aten-
der às preferências dos cidadãos definidos constitucionalmente como
iguais66. A isonomia tem uma posição singular na política e deve ser
compreendida como um princípio do Estado Democrático e Consti-
tucional que exige um tratamento desigual para os que são desiguais,
na medida das suas desigualdades, a fim de se garantir uma posterior
igualdade67 68.
Esse entendimento solidifica uma leitura liberal da igualdade, nas
suas dimensões formal e material, e dá concretude para um ideal de
cidadania-democrática. Robert Dahl acrescenta na análise que estes
“cidadãos plenos” necessitam “oportunidades plenas” de: (a) “formu-
lar suas preferências; (b) de expressar suas preferências a seus concida-
dãos e ao governo através da ação individual e da coletiva; (c) de ter
suas preferências igualmente consideradas na conduta do governo, ou
seja, consideradas sem discriminação decorrentes do conteúdo ou da
fonte da preferência.”69
Tais oportunidades plenas – entendidas como o que eu posso fa-
zer plenamente –70 dão um significante e um significado às diversas
........
66
DAHL, Robert A. Poliarquia...p. 25.
67
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. São Paulo: Martins Fon-
tes, 2000. p. 283-285.
68
DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualdade.
São Paulo: Martins Fontes, 2005.
69
DAHL, Robert A. Poliarquia...p. 26.
70
ELSTER, Jon. Peças e engrenagens das ciências sociais. Rio de Janeiro:
Relume-Dumará, 1994. p. 29-37.

83
formas de participação social na condução dos processos decisórios
sobre políticas públicas nacionais. O espaço em análise no presente
ensaio é a audiência pública, que deve garantir condições para que
os cidadãos identificados com a temática a ser debatida tenham asse-
gurada a possibilidade de elaborar e de expressar as suas preferências
de forma livre e em igualdade de condições. Esta garantia está pre-
vista na Constituição Federal do Brasil (art. 5º) e reforça a ideia de
participação social na tomada de decisão sobre as políticas públicas
governamentais.
Elaborar e expressar as suas preferências exige: (a) que a participação
dos indivíduos e dos grupos interessados seja representativa; (b) que to-
dos tenham acesso prévio a todos os elementos que serão discutidos na
audiência pública; (c) que todos tenham garantido apoio técnico para
realizar a análise e a reflexão sobre o tema; (d) que todos tenham espaço
e tempo adequado para expressar a sua preferência; (e) que o conteúdo
dito seja considerado na ação das instituições políticas.
O governo que desconsiderar os cinco pontos mencionados estará
– consciente ou inconscientemente – restringindo a participação real
dos cidadãos e viciando o conteúdo da audiência pública. Em outras
palavras, o governo não estará sendo responsivo às preferências dos
cidadãos, as oportunidades não serão plenas e o ideal de democracia
estará maculado. A democracia exige participação substancial, e as au-
diências públicas têm um sentido de prescrição de ação que exige a
observância dessa orientação.
3. O desenho normativo difuso, pontual e frágil das audiências
públicas
As audiências públicas têm um sentido normativo ao prescrever
uma conduta ao governo relacionado à efetiva participação social. São
espaços que possibilitam a materialização da orientação constitucional
sobre democracia participativa e que constituem e fundamentam o
Brasil (art. 1º da CF).

84
No entanto, as regulações no país são difusas e pontuais, fato que
pode justificar a reduzida reflexão teórica sobre o assunto. Encontram-
-se disposições sobre o tema em distintas normas como na Lei n.º
9.784, de 29 de janeiro de 1999, que regula o processo administrativo
no âmbito da Administração Pública Federal, na Lei n.º 8.666, de 21
de junho de 1993, que institui normas para licitações, na Resolução
n.º 009, de 3 de dezembro de 1987, do Conselho Nacional do Meio
Ambiente, que dispõe sobre critérios básicos e diretrizes gerais para a
avaliação do impacto ambiental, na Lei n.º 8.987, de 13 de fevereiro
de 1995, que dispõe sobre a concessão e permissão de serviço públi-
co, na Lei n.º 9.427, de 26 de dezembro de 1996, que disciplina o
regime das concessões de serviços públicos de energia elétrica, na Lei
n.º 10.257, de 10 de julho de 2001, que define a política urbana, na
Lei n.º 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que institui a Lei Orgânica
do Ministério Público. Há ainda normas ou regulamentos esparsos
que visam definir procedimentos para a realização das audiências71 72.
A pulverização de normas que dispõem sobre audiências públicas
para temas diversos que passam por áreas do conhecimento jurídico
distintas (constitucional, administrativo, ambiental, energético etc.)
evidencia a ausência de uma regulação universal que, por um lado,
apresente parâmetros mínimos orientadores do conteúdo e dos pro-
cedimentos a serem adotados em todas as fases do evento; por outro,
vincule a ação do governo na realização da audiência e na garantia da
participação social. Paulo de Bessa Antunes analisa que
A tradição autoritária da sociedade brasileira faz com que a Au-
diência pública seja, de longe, o mais criticado dos institutos de
proteção ambiental. A mentalidade e a prática conservadora de
........
71
Decreto n.º 468, de 03 de maio de 2011, da prefeitura municipal de Linha-
res, Estado do Espírito Santo.
72
Roteiro de audiência pública elaborado pelo Centro de Apoio Operacional
Cível e de Defesa da Cidadania do Ministério Público do Estado do Espírito Santo.

85
nossas autoridades têm imensa dificuldade em assimilá-la como
um efetivo instrumento de participação popular na gestão am-
biental. Não poucas vezes as autoridades públicas manipulam
as audiências públicas, designam locais praticamente inacessíveis
para a sua realização, impedem o direito de livre manifestação dos
cidadãos, etc.73
A prática autoritária é utilizada de forma corrente para legitimar
procedimentos que fundamentam decisões governamentais pela apa-
rente publicização das informações. Todavia, os encontros carecem
de efetiva participação social, que é garantida e exigida constitucio-
nalmente. A construção da Usina de Belo Monte, no Estado do Pará,
foi judicializada pelo Ministério Público Federal – MPF74, pois, no
entendimento do órgão, na construção da megaobra de infraestrutura
energética nacional ocorreu o “cerceamento do direito de participação
da sociedade civil e da violação do direito à informação, bem como
cerceamento das prerrogativas institucionais do Ministério Público,
além das irregularidades decorrentes do Regimento Interno das audi-
ências públicas.”75
........
73
ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janeiro:
Lumen Jures, 2000. p. 110-111.
74
O Ministério Público Federal já ajuizou quinze ações contra a contrução
do Complexo de Belo Monte. Os objetos das demandas são variados e envolvem
a ausência de realização de audiências públicas, ausência de oitiva prévia dos povos
indígenas, impossibilidade de remoção dos povos indígenas Arara e Juruna para
assegurar o respeito ao direito da natureza e das gerações futuras, improbidade
administrativa, irregularidades no licenciamento ambiental, irregularidades que
ensejam a suspensão da licença de instalação concedida pelo Ibama sem que as
condicionantes impostas pelo próprio órgão tenham sido cumpridas.
75
Ação Civil Pública, Classe: 7100, Processo n.º 2009.39.03.000575-6. Au-
tores: Ministério Público Federal e Ministério Público do Estado do Pará. Réus:
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, Eletrobrás e Centrais Elétricas do Norte do
Brasil S.A – ELETRONORTE.

86
As restrições apontadas pelo MPF se deram pela inobservância do
governo de disponibilizar o estudo de impacto ambiental em prazo
hábil para análise – o documento foi publicizado apenas nove dias an-
tes da audiência – e o número de encontros realizados desconsiderou
todas as cidades e localidades76 a serem impactadas pela obra, ou seja,
inúmeros interessados não tiveram acesso às audiências para elaborar
e expressar suas preferências.
Os impactos que a obra irá produzir não podem ser desconsidera-
dos e os interessandos devem ter oportunidades plenas de participar
do processo decisório. As informações apresentadas pelo MPF na ação
apontam “que a obra afetará direta e indiretamente 66 municípios e
11 terras indígenas, atingindo, apenas na cidade de Altamira 20 mil
pessoas, que terão que sair de suas casas, e ao longo do curso, o rio
Xingu terá 100 quilômetros de extensão drasticamente alterados”.77
Os fatos apresentados pelo MPF na ação civil pública ensejaram o
deferimento de medida liminar em favor das comunidades interessa-
das. É relevante ler a reflexão do Juiz Federal da Subseção de Altamira,
Edison Moreira Grillo Júnior, que afirma que a
audiência pública é não apenas a concreção do princípio constitui-
cional da publicidade, do dever estatal de informar adequadamente

........
76
O MPF indica, no processo n.º 2009.39.03.000575-6, os municípios e as
localidades de Placas, Uruará, Medicilândia, Pacajá, Anapu, Senador José Porfírio,
Porto de Moz, Gurupá, localidades de Belo Monte, Santo Antonio e Travessões,
além da margem direita do Xingu e as localidades de Ressaca, Fazenda e Galo, no
município de Senador José Porfírio, Travessão Cenec, Travessão Km 45 Cobra-
-Choca (Volta Grande, Vitória do Xingu), Assurini (PA Assurini, PA Itapuama, PA
Arara, PA Ressaca), na Agrovila Sol Nascente, Travessão do Km 27, TI Arara da
Volta Grande do Xingu, TI Paquiçambá, MMCC-TA – Movimento de Mulheres,
Vitória do Xingu, Arroz Cru, São Pedro, Resex do Xingu – Comunidade Morro
Grande, Agrovila Leonardo da Vinci, Resex do Iriri e Riozinho do Anfrísio – Co-
munidade Morro (Riozinho do Anfrísio) e Terra Indígena Tukumã.
77
Ação Civil Pública, Classe: 7100, Ibid.

87
os seus atos aos administrados, mas, também, a afirmação do prin-
cípio constitucional da democracia participativa (art. 1º, pará-
grafo único da CRFB), em que o povo é convocado a participar
ativamente da discussão sobre questões determinantes para a vida
em coletividade. Assim, no caso vertente, a audiência pública não
pode ser considerada, como sustentam os requeridos, mero ato ri-
tualístico encartado no procedimento de licenciamento ambiental,
com o único propósito de cumprir etapa procedimental, sem maio-
res consequências para a formação do ato administrativo final que
decidirá sobre a vialibilização do projeto do AHE Belo Monte. A
audiência pública deve ostentar a seriedade necessária, a fim de que
possa fielmente servir à finalidade para a qual foi criada, que, no
caso presente, é informar custos, benefícios e riscos do empreendi-
mento, propiciando o debate franco e profundo com as populações
envolvidas, em que seja possível, não apenas ouvir, mas discordar
e contribuir com sugestões extraídas a partir de suas experiências
íntimas com o meio ambiente em que sobrevivem, já que a obra
lhes afetará substancialmente o modo de viver. A vantagem disso é
que o projeto se aperfeiçoa dentro do Estado de Direito e da consen-
sualidade democrática, o que é benéfico aos interesses nacionais.78 79
Garantir aos cidadãos que serão atingidos a possibilidade de elabo-
rar e de expressar suas preferências nas audiências públicas é primordial
e condição de efetivação dos princípios fundamentais do Estado De-
mocrático brasileiro (artigos 1º ao 4º da CF/1988). É uma condição
e uma relação de troca de conhecimento, experiências e sentimentos.
........
78
Liminar parcialmente deferida na Ação Civil Pública, Classe: 7100, Processo
n.º 2009.39.03.000575-6. Autores: Ministério Público Federal e Ministério Públi-
co do Estado do Pará. Réus: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente, Eletrobrás e
Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A – ELETRONORTE.
79
A decisão liminar foi parcialmente deferida em 10 de novembro de 2009.
Dois dias depois, em 12 de novembro de 2009, a medida foi suspensa por decisão
monocrática expedida pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região.

88
Não é uma ação unilateral de transferência informações por parte do
Estado com fins “ritualísticos”. Do contrário, esses encontros, ao invés
de audiências públicas, são, nos dizeres de Agustín Gordillo, pública
audiências ou sessões públicas. As diferenças são estruturantes e me-
recem a devida atenção para que se garantam a contestação pública e
a participação social.
1.3 Audiencia pública y pública audiencia o sesión pública. Town
Meetings
Cabe distingu ir la ‘pública audiencia’ o sesión pública para enfati-
zar que en la audiencia pública no se trata meramente de celebrar
una sesión administrativa con asistencia pasiva y muda del público,
radio, televisión, periodismo, etc., sino de realizar una audiencia
en la cual el público es parte interesada y activa, com derechos de
naturaleza procedimental a respetar dentro de la concepción ahora
expandida del debido proceso constitucional; con derecho de ofrecer,
producir prueba y controlar la que se produce, alegar, etc. El con-
cepto de participación pública es así esencial al de audiencia públi-
ca establecido por la ley, sin perjuicio de que además la audiencia
debe estar abierta al conocimiento del público, periodismo, etc. En
ocasiones la legislación hace referencia meramente a ‘audiencias’,
pero de su contexto cabe interpretar que se trata de las mismas au-
diencias públicas aquí mentadas.80
A definição do que é audiência pública comporta valores princi-
piológicos que evitam a realização de encontros pelo governo sem
a possibilidade de contestação pública e participação social, que te-
riam apenas o condão de legitimar ações que garantam, por exem-
plo, a construção de uma megaobra. As prescrições delineadas para
as audiências públicas por Gordillo dialogam com os princípios
........
80
GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. La defensa
del usuario y del administrado. 4.ed. Buenos Aires : Fundación de Derecho Admi-
nistrativo, 2000, t.2. p. XI8.

89
constitucionais da igualdade, legalidade e publicidade, fato que mere-
ce uma análise específica.
4. Audiências públicas, princípios constitucionais e participação social
Os princípios e as regras no Estado Democrático e Constitucional
contemporâneo são duas espécies de normas que têm aplicação ime-
diata e imperativa sobre fatos juridicamente regulados81. Os princí-
pios “são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base
ou constituem a ratio de regras jurídicas”.82
Essa construção teórica ganha especial relevância no presente en-
saio, pois as ações que visam concretizar o conteúdo das regras que re-
gulam as audiências públicas devem observar as disposições dos prin-
cípios constitucionais existentes, em especial, a igualdade, a legalidade
e a publicidade, que são destinados às instituições políticas (governo,
parlamento e tribunais). Nenhuma ação do governo pode ser concre-
tizada fora dos marcos principiológicos contidos na Constituição, que
tem uma força normativa que vincula o conceito do político.83
Estamos falando de um conteúdo jurídico e de um sentido positivo
dos princípios que se traduzem num agir do governo em relação às au-
diências públicas. Se a igualdade, na abordagem desenvolvida no pre-
sente trabalho, está relacionada aos “cidadãos plenos” e às “oportuni-
dades plenas”, a legalidade está ligada à garantia do cumprimento das
condições normativas que estão previstas no ordenamento jurídico.
O Estado Democrático e Constitucional detém o monopólio da
produção normativa e tem o Direito como a materialização dessa

........
81
ROTENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto Ale-
gre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999. p. 13-14.
82
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constitui-
ção. Coimbra: Almedina, 1998. p. 1035.
83
HESSE, Konrad. A Força Normativa da Constituição. Porto Alegre: Sergio
Antonio Fabris Editor, 1991.

90
construção84 85 86. A combinação Estado e Direito dá um status espe-
cial ao princípio da legalidade – que tem um alto grau de abstração
– e condiciona toda a ação do governo dentro do seu espectro, sob
pena de inconstitucionalidade. As audiências, assim, não são encon-
tros desprovidos de formalidades a serem seguidas pelos governos. Ao
contrário, são espaços de participação social que vinculam legalmente
o administrador no momento da preparação, da execução e da apre-
sentação dos resultados produzidos.
Todas as fases para a realização das audiências públicas devem ser pu-
blicizadas para os interessados. Dar amplo conhecimento do encontro e
acesso irrestrito, em tempo hábil, às informações que serão apresentadas
é uma ação fundamental no processo democrático, que permite a ela-
boração e a expressão das preferências de cada cidadão. Celso Antônio
Bandeira de Mello destaca que o princípio da publicidade consagra
(…) o dever administrativo de manter plena transparência em seus
comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de
Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único,
da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que
a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individu-
almente afetados por alguma medida.87
O princípio da publicidade está ligado diretamente à ideia de de-
mocracia e de participação popular e implicam, por sua vez, um agir
positivo do governo em relação ao povo, que é o detentor do poder
........
84
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de uma
nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Omega, 1994, p.56-57.
85
GROSSI, Paolo. Primeira lição sobre direito. Rio de Janeiro: Forense,
2006. p.28.
86
SANTOS, Boaventura de Sousa. Sociología jurídica crítica: para un nuevo
sentido común en el derecho. Madrid: Trotta; ILSA: Bogotá, 2009.
87
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo.
São Paulo: Malheiros Editores, 2012. p. 117.

91
soberano e constituinte. Nesse sentido, dentro do universo de pre-
visões esparsas e pontuais existentes, merecem atenção os termos da
minuta do Decreto que institui a Política Nacional de Participação
Social – PNPS. Este, que no presente momento está aberto para con-
sulta pública, define, no seu artigo 12, a audiência como um evento
de democracia participativa, aberto ao público, de caráter presencial
e consultivo, que presa pela oralidade e que se será realizado em mo-
mento específico de determinada política.
As diretrizes mínimas estabelecidas exigem a publicidade ampla da
audiência com a definição do objeto, objetivos, metodologia, local e
data, livre participação, fornecimento antecipado e em prazo hábil da
documentação relacionada ao caso, sistematização das contribuições
apresentadas, divulgação dos resultados e “compromisso de resposta
do órgão responsável às propostas da sociedade civil”88.
A definição e as diretrizes fixadas no Projeto de Decreto dialogam
com os princípios constitucionais e vinculam à proposta a ideia de
contestação pública e participação social. As condições para o exer-
cício da cidadania plena, que necessitam de “oportunidades plenas”,
estão contidas formalmente nas disposições do Projeto de Decreto.
A combinação – definição e diretrizes – oferece um novo direciona-
mento e sentido aos procedimentos institucionais adotados pela ad-
ministração nas audiências públicas e dá uma segurança jurídica aos
interessados. Estes podem exigir administrativa ou judicialmente o
cumprimento da norma, sob pena de vício insanável por parte do
governo e que pode anular todos os atos que estariam vinculados à
correta realização da audiência.
Os princípios são normas jurídicas abertas, são “comandos vazados
em linguagem deôntica (prescritiva)”89, que vinculam toda e qualquer
........
88
Artigo 12 e incisos do Projeto de Decreto Federal que institui a Política
Nacional de Participação Social – PNPS.
89
ROTENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais... p. 81.

92
interpretação jurídica. A construção estatal democrática e constitu-
cional contemporânea reconhece a força jurídica dos princípios e a
vinculação a que estão submetidas todas as regras do ordenamento.
Cumprir com os ideais de um Estado Democrático exige, dessa for-
ma, que se garantam a plena contestação pública e participação nas
audiências públicas.
5. Considerações finais
O Estado Democrático e Constitucional tem como fundamento
de legitimação a contestação pública e a participação social. A garantia
de ambos os processos pode ocorrer de distintas formas na sociedade,
que passam por mecanismos tradicionais e presenciais ou por espaços
virtualizados e em rede.
O Brasil constitucionalmente garante a participação social e esti-
mula a sua concretização por meio de audiências públicas. Participar
de forma democrática é um processo em permanente construção e
que necessita constantemente ser avaliado e reavaliado, para se per-
ceber se os “cidadãos plenos” estão tendo “oportunidades plenas” de
elaborar e de expressar as suas preferências.
O desafio do país é significativo por diferentes motivos políticos,
econômicos, sociais e culturais. Todavia, merece destaque aquele rela-
cionado aos interessados finais das audiências públicas, que serão di-
retamente afetados pelos resultados. Em geral, são cidadãos que estão
em situações adversas para participar plenamente dos processos deci-
sórios em igualdade de condições com os governos, pois, até aquele
momento, são “invisíveis sociais” 90 de toda e qualquer ação estatal.
Pensar num resultado de cidadania plena e com oportunidade ple-
na exige reconhecer essas situações adversas e, com base nos princí-
pios constitucionais, garantir participação real, acesso aos elementos
........
90
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova
cultura política. Porto: Afrontamento, 2006.

93
a serem discutidos em linguagem acessível, apoio técnico para inter-
pretar o conteúdo da discussão, elaborar formulações sobre o tema em
debate e espaço para reapresentar os anseios dos interessados e que o
conteúdo seja considerado, de forma substantiva, pelo governo, que
deve ser submisso ao poder do povo como declarado na Constituição
Federal de 1988.
A construção do complexo de Belo Monte é uma métrica im-
portante para se compreender que a democracia é um processo em
permanente construção, que depende diretamente dos cidadãos e dos
povos que habitam o espaço amazônico e que têm a natureza como
elemento definidor do “bem-viver”91. Os conflitos, as movimentações,
as mobilizações, as ações judiciais etc. relacionadas a Belo Monte e à
participação em outros espaços públicos demonstram que ainda esta-
mos no início da caminhada democrática. É o momento de aprofun-
dar e de sistematizar a reflexão jurídica sobre os espaços de contestação
pública e participação social para se verticalizar o processo e se efetivar
o conteúdo do Estado Democrático e Constitucional.
6. Referências
ANTUNES, Paulo de Bessa. Curso de Direito Ambiental. Rio de Janei-
ro: Lumen Jures, 2000.
BUENO, Vera Cristina Caspari Monteiro Scarpinella. As Leis de Pro-
cedimento Administrativo: uma leitura operacional do princípio
........
91
Eduardo Faria Silva sugere que o “bem-viver tem uma perspectiva coletiva
e um sentido normativo de completude atribuído à natureza. Dessa maneira, um
duplo movimento ocorre: o homem não está separado da natureza e a natureza não
é uma mercadoria passível de dominação, de exploração e esgotamento pelo homem.
A combinação de ambos movimentos, por consequência, cria as bases para a cons-
trução de um outro conhecimento e uma outra forma de se produzir, ‘em diversida-
de e harmonia com a natureza’". (SILVA, Eduardo Faria. Economia solidária e o
direito: da utopia à colonialidade. Tese (Doutorado em Direito) -Programa de Pós-
-Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011. p. 101).

94
constitucional da eficiência. In: Revista de Direito Constitucional
e Internacional. São Paulo: RT, vol. 39. p. 267-288, abr/jun-2002.
CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito constitucional e teoria da consti-
tuição. Coimbra: Almedina, 1998.
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DWORKIN, Ronald. A virtude soberana: a teoria e a prática da igualda-
de. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
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FERRAZ, Sérgio; DALLARI, Adilson Abreu. Processo Administrativo.
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MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. São Paulo: RT,
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95
ROTENBURG, Walter Claudius. Princípios Constitucionais. Porto
Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1999.
SANTOS, Boaventura de Sousa. A gramática do tempo: para uma nova
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SILVA, Eduardo Faria. Economia solidária e o direito: da utopia à colo-
nialidade. Tese (Doutorado em Direito) -Programa de Pós-Graduação
em Direito da Universidade Federal do Paraná, Curitiba, 2011.
WOLKMER, Antônio Carlos. Pluralismo jurídico: fundamentos de
uma nova cultura no Direito. São Paulo: Alfa Omega, 1994.

96
DISTINGUIR E MOBILIZAR:
duplo desafio face às políticas
governamentais

Alfredo Wagner Berno de Almeida92

Antes de mais nada importa fazer uma distinção elementar. Há


um conjunto de termos e expressões, designativos de medidas deri-
vadas de políticas oficiais de intervenção, que devem ser repensados
criticamente, porquanto refletem as novas formas de que se reveste
o discurso da dominação. Expressões como “participação comunitá-
ria”, “comunidade solidária”, “gestão participativa”, “ação solidária” e
“parceria” podem ser encontradas como pré-requesitos tanto nas ini-
ciativas de planejamento governamentais, quanto naquelas das agen-
cias multilaterais. De igual modo que “pobreza”, “exclusão social” e
“população carente” elas compõem um léxico próprio imposto pelos
aparatos de poder para explicitar o que classificam como medidas de
“desenvolvimento local” e “desenvolvimento auto-sustentável”. A im-
prescindibilidade da forma de atuação, classificada pelos administra-
dores oficiais como “gestão democrática”, não se dissocia do nome que
........
92
A primeira versão deste artigo foi publicada in Revista Tipiti. São Luís
(MA). ABONG. 2003. pp.6,7.

97
recebem os programas, projetos e planos. Todos eles apresentados sob
a égide do que denominam de “comunidade” e de “solidariedade”.
A primeira impressão é que o discurso da dominação se apropriou
de categorias que até então eram de uso de movimentos sociais, das
entidades sindicais de trabalhadores e das associações voluntárias da
sociedade civil que fazem oposição às políticas governamentais. O lé-
xico da interlocução dessas agencias da sociedade civil com os aparatos
de poder teria sido formalmente apropriado por estes últimos. Reforça
esse argumento o fato de que os projetos financiados pelo Banco Mun-
dial (BIRD) ou pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento(BID)
tem como exigência básica, para que as chamadas “comunidades” te-
nham acesso aos recursos, um “termo de adesão” no qual pelo menos
80% dos integrantes da referida “comunidade” apõem sua assinatura
manifestando concordância com os detalhes da ação planejada93.
Além disso, os “manuais operacionais” asseveram que “as entidades
representativas dos beneficiários” igualmente têm que ter definidas
suas formas de “participação”. Nesse contexto reforçam o princípio
operativo do que chamam de “desenvolvimento institucional” ou de
“fortalecimento institucional”94, objetivando instituir instancias me-
diadoras, capazes de propiciar uma interlocução mais direta com os
aparatos de poder. Trata-se de institucionalizar os mediadores num
campo construído pela ação oficial, mas diretamente referido a confli-
tos sociais, tensões e antagonismos diversos.
........
93
Para fins de ilustração leia-se: Presidência da República. Secretaria de Estado
de Desenvolvimento Urbano-Programa Habitar-Brasil/BID – Manual de orienta-
ções do Subprograma de urbanização de Assentamentos Subnormais. Brasilia.
Vol.II 2000
94
Os documentos do Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais
- PPG-7 registram o financiamento de projetos de “fortalecimento institucional”,
em 1991 e 1996, do Grupo de Trabalho Amazônico (GTA), que representaria a
“sociedade civil organizada” nas várias instancias de decisão do PPG- e em inúme-
ros assentos junto a ministérios, conselhos e autarquias.

98
Em outras ações governamentais tais como Reservas Extrativistas
– RESEX e Projetos de Assentamento do INCRA, a sua implantação
requer formas específicas de organização, que nem sempre coincidem
com as formas nativas ou formas intrínsecas, segundo as quais se
estruturam os agentes sociais atingidos. Exemplificando: para que
unidades de trabalho familiar tenham um financiamento têm de es-
tar organizadas em cooperativas, em associações ou em outras formas
organizativas ou mesmo possuir um CNPJ. Todo Projeto de Assenta-
mento (PA), qualquer que seja, e toda Reserva Extrativista (RESEX)
devem ter uma associação. Toda unidade social alcançada pela ação
governamental, designada usualmente como “comunidade”, para
usufruir de um projeto Demonstrativo (PDA-PPG-7), tem que ter
uma associação. Enfim, onde quer que o governo intervenha, tem de
ser constituída uma associação, necessariamente. A exigência de asso-
ciações formais, registradas em cartórios e reguladas por estatutos e
regimentos, contrasta com organizações informais e com mecanismos
de representação apoiados em mobilizações políticas ou ditados por
fatores mais permanentes (étnicos, de parentesco e de ancianidade
de ocupação) ou contingenciais (situacionalidade de conflitos sociais
localizados). Pode-se dizer, pois, que este associativismo é montado
de cima para baixo, como se fosse fortalecida a sociedade civil princi-
palmente a partir do momento em que há uma intervenção governa-
mental. A forma do indivíduo e da associação participarem é aquela
que os aparatos de poder definem como tal. A monotonia e a homo-
geneidade dos mesmos estatutos utilizados, seja no centro-sul ou na
Amazônia, bem revelam uma noção de “comunidade” que menospre-
za as especificidades.
Esse discurso, que enfatiza uma dimensão “comunitária” genérica
e os aspectos de “solidariedade” e de “institucionalização” das relações
entre os agentes sociais objeto da ação de planejamento oficial, vale
repetir, constitui hoje um discurso da dominação. A “institucionali-
zação” que apregoa é uma institucionalização absolutamente dirigida.

99
Os seus mecanismos de controle acham-se ancorados nos princípios
que norteiam o chamado neoliberalismo. E aqui se tem um aspec-
to paradoxal. P. Bourdieu assevera que o neoliberalismo não é uma
evolução “natural” da economia, nem uma simples engrenagem de
livre mercado, ao contrário, ele consiste numa política deliberada,
trata-se de um ato fabricado e, enquanto tal, ele ameaça as formas de
organização baseadas em antagonismos sociais e visa uma destruição
sistemática dos coletivos (Bourdieu,1998:137)95. As políticas de ins-
piração neoliberal debilitam as entidades sindicais e os movimentos
reivindicatórios ao privilegiarem uma dimensão individualizante, que
difere daquela noção de indivíduo-cidadão dos dispositivos da Re-
volução Francesa de 1789. Essa constatação ganha sentido quando
se reconhece que os princípios de ação, daqueles que hoje dominam
as relações econômicas transnacionalizadas, remetem à destruição do
poder de representação das entidades sindicais de trabalhadores e dos
movimentos sociais, privilegiando lidar apenas com indivíduos e or-
ganizações por eles reguladas, mesmo quando se trata de conflitos que
envolvem empresas, sindicatos, grupos étnicos ou famílias. Face a esta
escolha econômica, as formas de associação, no mundo do trabalho e
no campo político, tornam-se fragilizadas e perdem representativida-
de. As políticas étnicas são reorientadas para reconhecimento formal
de diferenças, que ameaçam os direitos republicanos e o princípio da
........
95
As políticas de orientação neoliberal objetivam uma desregulamentação fi-
nanceira através de uma ação destruidora, que coloca em risco as estruturas coletivas.
De acordo com a formulação de Bourdieu: “Em nome desse programa científico
de conhecimento convertido em programa político de ação, cumpre-se um imen-
so trabalho político (renegado, pois aparentemente puramente negativo) que visa
criar as condições de realização e de funcionamento da “teoria”; um programa de
destruição metódica dos coletivos (a economia neoclássica querendo lidar apenas com
indivíduos, mesmo quando se trata de empresas, sindicatos ou famílias).” (Bour-
dieu,1998:137). Cf. Bourdieu, P. – Contrafogos-táticas para enfrentar a invasão
neoliberal. Rio de Janeiro. Jorge Zahar Editor. 1998

100
igualdade conquistado em 1789. As greves nas fábricas tendem a re-
fluir e as instituições que administravam os antagonismos sociais per-
dem força juntamente com a redefinição da ação do Estado. A severi-
dade das políticas salariais, a redução dos direitos sociais e do trabalho,
os elevados índices de desemprego e a repressão dos movimentos de
contestação reforçariam tal tendência. Está-se diante de um paradoxo:
num tempo de “solidariedade ameaçadas”, como diria Bourdieu,
é quando mais se fala oficialmente em programas governamen-
tais “solidários”. A ênfase oficial nas “formas comunitárias” consiste
numa maneira invertida de reconhecer o quanto elas efetivamente se
encontram ameaçadas nesta quadra em que a ação governamental e
das agencias multilaterais é ditada pelo ideário neoliberal.
A pretensão de construir solidariedade aparece apoiada numa ex-
pressão individual, em que a organização é mera soma de indivíduos
sem uma ação coletiva própria. O indivíduo “parceiro” ou o indiví-
duoo “solidário” ou o indivíduo “participativo” encontra-se subjugado
e não tem condições de se apresentar nessas formas como autônomo,
como sujeito que faz refletir suas demandas sociais no âmbito das
políticas governamentais. E isso dificulta as interpretações que ora
falam em “cooptação”, ora em “conselhismo”96, quando analisam a
participação de entidades da sociedade civil em conselhos (de educa-
ção, de saúde, de meio ambiente, de transporte) e em instâncias de
decisão de programas (PPG-7). Há interpretações que também falam

........
96
Algumas intepretações superestimando fatos desta ordem, afirmam que a
criação obrigatória dos conselhos municipais, consoante a Constituição Federal de
1988, estaria consolidando um quarto poder ou um poder paralelo. O fascínio pela
quantidade nutriu uma ilusão democratista, na formulação do jornalista Lessa. Este
autor afirma que o IBGE produziu um censo mostrando que 99% dos Municípios
brasileiros tem conselhos com representação popular funcionando em várias áreas.
Cf. Lessa, Ricardo – “Conselhismo invade cidades” e “Perfil revela que Brasil foi
tomado pelos conselhos”. Gazeta Mercantil, 18 de maio de 2001.

101
em “colaboração”. E não é isso. Os mecanismos de dominação pare-
cem querer que as pessoas vivam como natural a subordinação e nada
mais concreto do que vive-la, imaginando naturalmente que se está
sendo “participativo”, que se está sendo “solidário” e que se está sendo
“comunitário”. Pertencer a uma associação engendrada de cima pelos
mecanismos de poder do Estado torna-se uma forma de viver em so-
ciedade. A recusa individual disso não é fácil nem simples ante o peso
dessa imposição nos problemas da vida cotidiana. A construção da
subordinação estaria ocorrendo pela ilusão de igualdade e pela ilusão
da participação democrática, refletindo numa certa despolitização das
iniciativas rotineiras de associativismo e das práticas dos mediadores
(sindicatos, partidos políticos e movimentos sociais).
Como romper com esse quadro de desmobilização, que confunde
e provoca dúvidas, temores e sentimentos controversos? A ruptura e
a autonomia pressupõem uma existência coletiva, apoiada numa
inspiração mobilizadora, capaz de neutralizar os mecanismos de
subordinação, cujo poder de persuasão mostra-se mais eficaz, na-
queles planos individualizantes. A necessidade de distinguir, atra-
vés da mobilização, se coloca, portanto, como tarefa essencial para as
ONGs, os movimentos sociais e as entidades sindicais de trabalha-
dores marcarem a diferença dos objetivos de sua ação, para além das
“nomenclaturas” e das unidades discursivas. Essa distinção tem maior
poder de ser explicitada quando sde empreende uma análise concreta
de situações localizadas a molde de um balanço crítico das experiên-
cias concretas dessas entidades e associações voluntárias da sociedade
civil. A transparência é forte aliada da distinção e pode se converter
num fator de mobilização política. Sim, esse é o objetivo maior dos
relatos de experiências que ora estão sendo dados a público.

102
documentos oficiais
Decreto no 5.051,
de 19 de abril de 2004
Promulga a Convenção no 169 da Organização Internacional
do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais.

O PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que


lhe confere o art. 84, inciso IV, da Constituição,
Considerando que o Congresso Nacional aprovou, por meio do
Decreto Legislativo no 143, de 20 de junho de 2002, o texto da Con-
venção no 169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre
Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra, em 27 de junho de
1989;
Considerando que o Governo brasileiro depositou o instrumento
de ratificação junto ao Diretor Executivo da OIT em 25 de julho de
2002;
Considerando que a Convenção entrou em vigor internacional,
em 5 de setembro de 1991, e, para o Brasil, em 25 de julho de 2003,
nos termos de seu art. 38;
DECRETA:
Art. 1o A Convenção no 169 da Organização Internacional do Tra-
balho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, adotada em Genebra,
em 27 de junho de 1989, apensa por cópia ao presente Decreto, será
executada e cumprida tão inteiramente como nela se contém.

105
Art. 2o São sujeitos à aprovação do Congresso Nacional quaisquer
atos que possam resultar em revisão da referida Convenção ou que
acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacio-
nal, nos termos do art. 49, inciso I, da Constituição Federal.
Art. 3o Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação

Brasília, 19 de abril de 2004; 183o da Independência e 116o da


República.

Luiz Inácio Lula da Silva


Celso Luiz Nunes Amorim

Este texto não substitui o publicado no D.O.U. de 20.4.2004

.........

CONVENÇÃO No 169 DA OIT SOBRE POVOS


INDÍGENAS E TRIBAIS
..........

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho,


Convocada em Genebra pelo Conselho Administrativo da
Repartição Internacional do Trabalho e tendo ali se reunido a 7 de
junho de 1989, em sua septuagésima sexta sessão;
Observando as normas internacionais enunciadas na Convenção e
na Recomendação sobre populações indígenas e tribais, 1957;
Lembrando os termos da Declaração Universal dos Direitos Hu-
manos, do Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e
Culturais, do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e

106
dos numerosos instrumentos internacionais sobre a prevenção da
discriminação;
Considerando que a evolução do direito internacional desde 1957
e as mudanças sobrevindas na situação dos povos indígenas e tribais
em todas as regiões do mundo fazem com que seja aconselhável ado-
tar novas normas internacionais nesse assunto, a fim de se eliminar a
orientação para a assimilação das normas anteriores;
Reconhecendo as aspirações desses povos a assumir o controle de
suas próprias instituições e formas de vida e seu desenvolvimento eco-
nômico, e manter e fortalecer suas identidades, línguas e religiões,
dentro do âmbito dos Estados onde moram;
Observando que em diversas partes do mundo esses povos não po-
dem gozar dos direitos humanos fundamentais no mesmo grau que o
restante da população dos Estados onde moram e que suas leis, valo-
res, costumes e perspectivas têm sofrido erosão freqüentemente;
Lembrando a particular contribuição dos povos indígenas e tribais
à diversidade cultural, à harmonia social e ecológica da humanidade e
à cooperação e compreensão internacionais;
Observando que as disposições a seguir foram estabelecidas com a
colaboração das Nações Unidas, da Organização das Nações Unidas
para a Agricultura e a Alimentação, da Organização das Nações Uni-
das para a Educação, a Ciência e a Cultura e da Organização Mundial
da Saúde, bem como do Instituto Indigenista Interamericano, nos
níveis apropriados e nas suas respectivas esferas, e que existe o pro-
pósito de continuar essa colaboração a fim de promover e assegurar a
aplicação destas disposições;
Após ter decidido adotar diversas propostas sobre a revisão parcial
da Convenção sobre populações Indígenas e Tribais, 1957 (n.o 107) ,
o assunto que constitui o quarto item da agenda da sessão, e
Após ter decidido que essas propostas deveriam tomar a forma de
uma Convenção Internacional que revise a Convenção Sobre Popu-
lações Indígenas e Tribais, 1957, adota, neste vigésimo sétimo dia de

107
junho de mil novecentos e oitenta e nove, a seguinte Convenção, que
será denominada Convenção Sobre os Povos Indígenas e Tribais, 1989:

Parte I
Política geral
Artigo 1 o

1. A presente convenção aplica-se:


a) aos povos tribais em países independentes, cujas condições so-
ciais, culturais e econômicas os distingam de outros setores da coleti-
vidade nacional, e que estejam regidos, total ou parcialmente, por seus
próprios costumes ou tradições ou por legislação especial;
b) aos povos em países independentes, considerados indígenas pelo
fato de descenderem de populações que habitavam o país ou uma
região geográfica pertencente ao país na época da conquista ou da
colonização ou do estabelecimento das atuais fronteiras estatais e que,
seja qual for sua situação jurídica, conservam todas as suas próprias
instituições sociais, econômicas, culturais e políticas, ou parte delas.
2. A consciência de sua identidade indígena ou tribal deverá ser
considerada como critério fundamental para determinar os grupos aos
que se aplicam as disposições da presente Convenção.
3. A utilização do termo «povos» na presente Convenção não de-
verá ser interpretada no sentido de ter implicação alguma no que se
refere aos direitos que possam ser conferidos a esse termo no direito
internacional.
Artigo 2o
1. Os governos deverão assumir a responsabilidade de desenvolver,
com a participação dos povos interessados, uma ação coordenada e
sistemática com vistas a proteger os direitos desses povos e a garantir
o respeito pela sua integridade.

108
2. Essa ação deverá incluir medidas:
a) que assegurem aos membros desses povos o gozo, em condições
de igualdade, dos direitos e oportunidades que a legislação nacional
outorga aos demais membros da população;
b) que promovam a plena efetividade dos direitos sociais, econô-
micos e culturais desses povos, respeitando a sua identidade social e
cultural, os seus costumes e tradições, e as suas instituições;
c) que ajudem os membros dos povos interessados a eliminar as
diferenças sócio - econômicas que possam existir entre os membros
indígenas e os demais membros da comunidade nacional, de maneira
compatível com suas aspirações e formas de vida.
Artigo 3o
1. Os povos indígenas e tribais deverão gozar plenamente dos
direitos humanos e liberdades fundamentais, sem obstáculos nem
discriminação. As disposições desta Convenção serão aplicadas sem
discriminação aos homens e mulheres desses povos.
2. Não deverá ser empregada nenhuma forma de força ou de
coerção que viole os direitos humanos e as liberdades fundamentais
dos povos interessados, inclusive os direitos contidos na presente
Convenção.
Artigo 4o
1. Deverão ser adotadas as medidas especiais que sejam necessárias
para salvaguardar as pessoas, as instituições, os bens, as culturas e o
meio ambiente dos povos interessados.
2. Tais medidas especiais não deverão ser contrárias aos desejos ex-
pressos livremente pelos povos interessados.
3. O gozo sem discriminação dos direitos gerais da cidadania não
deverá sofrer nenhuma deterioração como conseqüência dessas medi-
das especiais.

109
Artigo 5o
Ao se aplicar as disposições da presente Convenção:
a) deverão ser reconhecidos e protegidos os valores e práticas so-
ciais, culturais religiosos e espirituais próprios dos povos mencionados
e dever-se-á levar na devida consideração a natureza dos problemas
que lhes sejam apresentados, tanto coletiva como individualmente;
b) deverá ser respeitada a integridade dos valores, práticas e insti-
tuições desses povos;
c) deverão ser adotadas, com a participação e cooperação dos povos
interessados, medidas voltadas a aliviar as dificuldades que esses povos
experimentam ao enfrentarem novas condições de vida e de trabalho.
Artigo 6o
1. Ao aplicar as disposições da presente Convenção, os governos
deverão:
a) consultar os povos interessados, mediante procedimentos apro-
priados e, particularmente, através de suas instituições representativas,
cada vez que sejam previstas medidas legislativas ou administrativas
suscetíveis de afetá-los diretamente;
b) estabelecer os meios através dos quais os povos interessados pos-
sam participar livremente, pelo menos na mesma medida que outros
setores da população e em todos os níveis, na adoção de decisões em
instituições efetivas ou organismos administrativos e de outra natureza
responsáveis pelas políticas e programas que lhes sejam concernentes;
c) estabelecer os meios para o pleno desenvolvimento das insti-
tuições e iniciativas dos povos e, nos casos apropriados, fornecer os
recursos necessários para esse fim.
2. As consultas realizadas na aplicação desta Convenção deverão
ser efetuadas com boa fé e de maneira apropriada às circunstâncias,
com o objetivo de se chegar a um acordo e conseguir o consentimento
acerca das medidas propostas.

110
Artigo 7o
1. Os povos interessados deverão ter o direito de escolher
suas, próprias prioridades no que diz respeito ao processo de
desenvolvimento, na medida em que ele afete as suas vidas, crenças,
instituições e bem-estar espiritual, bem como as terras que ocupam ou
utilizam de alguma forma, e de controlar, na medida do possível, o seu
próprio desenvolvimento econômico, social e cultural. Além disso, es-
ses povos deverão participar da formulação, aplicação e avaliação dos
planos e programas de desenvolvimento nacional e regional suscetíveis
de afetá-los diretamente.
2. A melhoria das condições de vida e de trabalho e do nível de
saúde e educação dos povos interessados, com a sua participação e
cooperação, deverá ser prioritária nos planos de desenvolvimento
econômico global das regiões onde eles moram. Os projetos especiais
de desenvolvimento para essas regiões também deverão ser elaborados
de forma a promoverem essa melhoria.
3. Os governos deverão zelar para que, sempre que for possível,
sejam efetuados estudos junto aos povos interessados com o objetivo
de se avaliar a incidência social, espiritual e cultural e sobre o meio
ambiente que as atividades de desenvolvimento, previstas, possam
ter sobre esses povos. Os resultados desses estudos deverão ser
considerados como critérios fundamentais para a execução das ativi-
dades mencionadas.
4. Os governos deverão adotar medidas em cooperação com os
povos interessados para proteger e preservar o meio ambiente dos ter-
ritórios que eles habitam.
Artigo 8o
1. Ao aplicar a legislação nacional aos povos interessados deverão
ser levados na devida consideração seus costumes ou seu direito
consuetudinário.

111
2. Esses povos deverão ter o direito de conservar seus costumes e
instituições próprias, desde que eles não sejam incompatíveis com os
direitos fundamentais definidos pelo sistema jurídico nacional nem
com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos. Sempre
que for necessário, deverão ser estabelecidos procedimentos para se
solucionar os conflitos que possam surgir na aplicação deste principio.
3. A aplicação dos parágrafos 1 e 2 deste Artigo não deverá impedir
que os membros desses povos exerçam os direitos reconhecidos para
todos os cidadãos do país e assumam as obrigações correspondentes.
Artigo 9o
1. Na medida em que isso for compatível com o sistema jurídico
nacional e com os direitos humanos internacionalmente reconheci-
dos, deverão ser respeitados os métodos aos quais os povos interessa-
dos recorrem tradicionalmente para a repressão dos delitos cometidos
pelos seus membros.
2. As autoridades e os tribunais solicitados para se pronunciarem
sobre questões penais deverão levar em conta os costumes dos povos
mencionados a respeito do assunto.
Artigo 10
1. Quando sanções penais sejam impostas pela legislação geral a
membros dos povos mencionados, deverão ser levadas em conta as
suas características econômicas, sociais e culturais.
2. Dever-se-á dar preferência a tipos de punição outros que o
encarceramento.
Artigo 11
A lei deverá proibir a imposição, a membros dos povo interessados,
de serviços pessoais obrigatórios de qualquer natureza, remunerados
ou não, exceto nos casos previstos pela lei para todos os cidadãos.

112
Artigo 12
Os povos interessados deverão ter proteção contra a violação de
seus direitos, e poder iniciar procedimentos legais, seja pessoalmente,
seja mediante os seus organismos representativos, para assegurar o
respeito efetivo desses direitos.  Deverão ser adotadas medidas para
garantir que os membros desses povos possam compreender e se fazer
compreender em procedimentos legais, facilitando para eles, se for
necessário, intérpretes ou outros meios eficazes.

Parte II
Terras
Artigo 13
1. Ao aplicarem as disposições desta parte da Convenção, os go-
vernos deverão respeitar a importância especial que para as culturas e
valores espirituais dos povos interessados possui a sua relação com as
terras ou territórios, ou com ambos, segundo os casos, que eles ocu-
pam ou utilizam de alguma maneira e, particularmente, os aspectos
coletivos dessa relação.
2. A utilização do termo «terras» nos Artigos 15 e 16 deverá in-
cluir o conceito de territórios, o que abrange a totalidade do habitat
das regiões que os povos interessados ocupam ou utilizam de alguma
outra forma.
Artigo 14
1. Dever-se-á reconhecer aos povos interessados os direitos de
propriedade e de posse sobre as terras que tradicionalmente ocupam.
Além disso, nos casos apropriados, deverão ser adotadas medidas
para salvaguardar o direito dos povos interessados de utilizar terras
que não estejam exclusivamente ocupadas por eles, mas às quais,
tradicionalmente, tenham tido acesso para suas atividades tradicionais

113
e de subsistência. Nesse particular, deverá ser dada especial atenção à
situação dos povos nômades e dos agricultores itinerantes.
2. Os governos deverão adotar as medidas que sejam necessárias para
determinar as terras que os povos interessados ocupam tradicionalmen-
te e garantir a proteção efetiva dos seus direitos de propriedade e posse.
3. Deverão ser instituídos procedimentos adequados no âmbito do
sistema jurídico nacional para solucionar as reivindicações de terras
formuladas pelos povos interessados.
Artigo 15
1. Os direitos dos povos interessados aos recursos naturais
existentes nas suas terras deverão ser especialmente protegidos. Esses
direitos abrangem o direito desses povos a participarem da utilização,
administração e conservação dos recursos mencionados.
2. Em caso de pertencer ao Estado a propriedade dos minérios
ou dos recursos do subsolo, ou de ter direitos sobre outros recursos,
existentes na terras, os governos deverão estabelecer ou manter
procedimentos com vistas a consultar os povos interessados, a fim de
se determinar se os interesses desses povos seriam prejudicados, e em
que medida, antes de se empreender ou autorizar qualquer programa
de prospecção ou exploração dos recursos existentes nas suas terras.
Os povos interessados deverão participar sempre que for possível
dos benefícios que essas atividades produzam, e receber indenização
equitativa por qualquer dano que possam sofrer como resultado dessas
atividades.
Artigo 16
1. Com reserva do disposto nos parágrafos a seguir do presente
Artigo, os povos interessados não deverão ser transladados das terras
que ocupam.
2. Quando, excepcionalmente, o translado e o reassentamento des-
ses povos sejam considerados necessários, só poderão ser efetuados

114
com o consentimento dos mesmos, concedido livremente e com
pleno conhecimento de causa. Quando não for possível obter o seu
consentimento, o translado e o reassentamento só poderão ser realiza-
dos após a conclusão de procedimentos adequados estabelecidos pela
legislação nacional, inclusive enquetes públicas, quando for apropria-
do, nas quais os povos interessados tenham a possibilidade de estar
efetivamente representados.
3. Sempre que for possível, esses povos deverão ter o direito de
voltar a suas terras tradicionais assim que deixarem de existir as causas
que motivaram seu translado e reassentamento.
4. Quando o retorno não for possível, conforme for determinado
por acordo ou, na ausência de tais acordos, mediante procedimento
adequado, esses povos deverão receber, em todos os casos em que
for possível, terras cuja qualidade e cujo estatuto jurídico sejam pelo
menos iguais aqueles das terras que ocupavam anteriormente, e que
lhes permitam cobrir suas necessidades e garantir seu desenvolvimento
futuro.  Quando os povos interessados prefiram receber indenização
em dinheiro ou em bens, essa indenização deverá ser concedida com
as garantias apropriadas.
5. Deverão ser indenizadas plenamente as pessoas transladadas e
reassentadas por qualquer perda ou dano que tenham sofrido como
conseqüência do seu deslocamento.
Artigo 17
1. Deverão ser respeitadas as modalidades de transmissão dos di-
reitos sobre a terra entre os membros dos povos interessados estabele-
cidas por esses povos.
2. Os povos interessados deverão ser consultados sempre que for con-
siderada sua capacidade para alienarem suas terras ou transmitirem de ou-
tra forma os seus direitos sobre essas terras para fora de sua comunidade.
3. Dever-se-á impedir que pessoas alheias a esses povos possam se
aproveitar dos costumes dos mesmos ou do desconhecimento das leis

115
por parte dos seus membros para se arrogarem a propriedade, a posse
ou o uso das terras a eles pertencentes.
Artigo 18
A lei deverá prever sanções apropriadas contra toda intrusão não
autorizada nas terras dos povos interessados ou contra todo uso não
autorizado das mesmas por pessoas alheias a eles, e os governos deve-
rão adotar medidas para impedirem tais infrações.

Artigo 19
Os programas agrários nacionais deverão garantir aos povos inte-
ressados condições equivalentes às desfrutadas por outros setores da
população, para fins de:
a) a alocação de terras para esses povos quando as terras das que
dispunham sejam insuficientes para lhes garantir os elementos de uma
existência normal ou para enfrentarem o seu possível crescimento
numérico;
b) a concessão dos meios necessários para o desenvolvimento das
terras que esses povos já possuam.

Parte III
Contratação e condições de emprego
Artigo 20
1. Os governos deverão adotar, no âmbito da legislação nacional
e em cooperação com os povos interessados, medidas especiais para
garantir aos trabalhadores pertencentes a esses povos uma proteção
eficaz em matéria de contratação e condições de emprego, na medida
em que não estejam protegidas eficazmente pela legislação aplicável
aos trabalhadores em geral.

116
2. Os governos deverão fazer o que estiver ao seu alcance para
evitar qualquer discriminação entre os trabalhadores pertencentes ao
povos interessados e os demais trabalhadores, especialmente quanto a:
a) acesso ao emprego, inclusive aos empregos qualificados e às me-
didas de promoção e ascensão;
b) remuneração igual por trabalho de igual valor;
c) assistência médica e social, segurança e higiene no trabalho,
todos os benefícios da seguridade social e demais benefícios derivados
do emprego, bem como a habitação;
d) direito de associação, direito a se dedicar livremente a todas as
atividades sindicais para fins lícitos, e direito a celebrar convênios co-
letivos com empregadores ou com organizações patronais.
3. As medidas adotadas deverão garantir, particularmente, que:
a) os trabalhadores pertencentes aos povos interessados, inclusi-
ve os trabalhadores sazonais, eventuais e migrantes empregados na
agricultura ou em outras atividades, bem como os empregados por
empreiteiros de mão-de-obra, gozem da proteção conferida pela le-
gislação e a prática nacionais a outros trabalhadores dessas categorias
nos mesmos setores, e sejam plenamente informados dos seus direitos
de acordo com a legislação trabalhista e dos recursos de que dispõem;
b) os trabalhadores pertencentes a esses povos não estejam subme-
tidos a condições de trabalho perigosas para sua saúde, em particular
como conseqüência de sua exposição a pesticidas ou a outras substân-
cias tóxicas;
c) os trabalhadores pertencentes a esses povos não sejam submeti-
dos a sistemas de contratação coercitivos, incluindo-se todas as formas
de servidão por dívidas;
d) os trabalhadores pertencentes a esses povos gozem da igualdade
de oportunidade e de tratamento para homens e mulheres no empre-
go e de proteção contra o acossamento sexual.
4. Dever-se-á dar especial atenção à criação de serviços adequados
de inspeção do trabalho nas regiões donde trabalhadores pertencentes

117
aos povos interessados exerçam atividades assalariadas, a fim de garan-
tir o cumprimento das disposições desta parte da presente Convenção.

Parte IV
Indústrias rurais
Artigo 21
Os membros dos povos interessados deverão poder dispor de meios
de formação profissional pelo menos iguais àqueles dos demais cidadãos.
Artigo 22
1. Deverão ser adotadas medidas para promover a participação vo-
luntária de membros dos povos interessados em programas de forma-
ção profissional de aplicação geral.
2. Quando os programas de formação profissional de aplicação
geral existentes não atendam as necessidades especiais dos povos in-
teressados, os governos deverão assegurar, com a participação desses
povos, que sejam colocados à disposição dos mesmos programas e
meios especiais de formação.
3. Esses programas especiais de formação deverão estar baseado no
entorno econômico, nas condições sociais e culturais e nas necessidades
concretas dos povos interessados. Todo levantamento neste particular
deverá ser realizado em cooperação com esses povos, os quais deverão
ser consultados sobre a organização e o funcionamento de tais progra-
mas. Quando for possível, esses povos deverão assumir progressiva-
mente a responsabilidade pela organização e o funcionamento de tais
programas especiais de formação, se assim decidirem.
Artigo 23
1. O artesanato, as indústrias rurais e comunitárias e as atividades
tradicionais e relacionadas com a economia de subsistência dos povos
interessados, tais como a caça, a pesca com armadilhas e a colheita,

118
deverão ser reconhecidas como fatores importantes da manutenção de
sua cultura e da sua autosuficiência e desenvolvimento econômico. Com
a participação desses povos, e sempre que for adequado, os governos
deverão zelar para que sejam fortalecidas e fomentadas essas atividades.
2. A pedido dos povos interessados, deverá facilitar-se aos mesmos,
quando for possível, assistência técnica e financeira apropriada que
leve em conta as técnicas tradicionais e as características culturais des-
ses povos e a importância do desenvolvimento sustentado e equitativo.

Parte V
Seguridade social e saúde
Artigo 24
Os regimes de seguridade social deverão ser estendidos progressivamente
aos povos interessados e aplicados aos mesmos sem discriminação alguma.
Artigo 25
1. Os governos deverão zelar para que sejam colocados à disposição
dos povos interessados serviços de saúde adequados ou proporcionar a
esses povos os meios que lhes permitam organizar e prestar tais servi-
ços sob a sua própria responsabilidade e controle, a fim de que possam
gozar do nível máximo possível de saúde física e mental.
2.  Os serviços de saúde deverão ser organizados, na medida do
possível, em nível comunitário. Esses serviços deverão ser planejados
e administrados em cooperação com os povos interessados e levar em
conta as suas condições econômicas, geográficas, sociais e culturais,
bem como os seus métodos de prevenção, práticas curativas e medi-
camentos tradicionais.
3. O sistema de assistência sanitária deverá dar preferência à
formação e ao emprego de pessoal sanitário da comunidade local e
se centrar no atendimento primário à saúde, mantendo ao mesmo
tempo estreitos vínculos com os demais níveis de assistência sanitária.
119
4. A prestação desses serviços de saúde deverá ser coordenada com
as demais medidas econômicas e culturais que sejam adotadas no país.

Parte VI
Educação e meios de comunicação
Artigo 26
Deverão ser adotadas medidas para garantir aos membros dos
povos interessados a possibilidade de adquirirem educação em todos
o níveis, pelo menos em condições de igualdade com o restante da
comunidade nacional.
Artigo 27
1. Os programas e os serviços de educação destinados aos povos
interessados deverão ser desenvolvidos e aplicados em cooperação com
eles a fim de responder às suas necessidades particulares, e deverão
abranger a sua história, seus conhecimentos e técnicas, seus sistemas de
valores e todas suas demais aspirações sociais, econômicas e culturais.
2. A autoridade competente deverá assegurar a formação de
membros destes povos e a sua participação na formulação e execução
de programas de educação, com vistas a transferir progressivamente
para esses povos a responsabilidade de realização desses programas,
quando for adequado.
3. Além disso, os governos deverão reconhecer o direito desses
povos de criarem suas próprias instituições e meios de educação, desde
que tais instituições satisfaçam as normas mínimas estabelecidas pela
autoridade competente em consulta com esses povos. Deverão ser fa-
cilitados para eles recursos apropriados para essa finalidade.
Artigo 28
1. Sempre que for viável, dever-se-á ensinar às crianças dos povos
interessados a ler e escrever na sua própria língua indígena ou na

120
língua mais comumente falada no grupo a que pertençam. Quando
isso não for viável, as autoridades competentes deverão efetuar con-
sultas com esses povos com vistas a se adotar medidas que permitam
atingir esse objetivo.
2. Deverão ser adotadas medidas adequadas para assegurar que
esses povos tenham a oportunidade de chegarem a dominar a língua
nacional ou uma das línguas oficiais do país.
3. Deverão ser adotadas disposições para se preservar as línguas
indígenas dos povos interessados e promover o desenvolvimento e
prática das mesmas.
Artigo 29
Um objetivo da educação das crianças dos povos interessados
deverá ser o de lhes ministrar conhecimentos gerais e aptidões que
lhes permitam participar plenamente e em condições de igualdade na
vida de sua própria comunidade e na da comunidade nacional.
Artigo 30
1. Os governos deverão adotar medidas de acordo com as tradições
e culturas dos povos interessados, a fim de lhes dar a conhecer seus
direitos e obrigações especialmente no referente ao trabalho e às pos-
sibilidades econômicas, às questões de educação e saúde, aos serviços
sociais e aos direitos derivados da presente Convenção.
2. Para esse fim, dever-se-á recorrer, se for necessário, a traduções
escritas e à utilização dos meios de comunicação de massa nas línguas
desses povos.
Artigo 31
Deverão ser adotadas medidas de caráter educativo em todos os se-
tores da comunidade nacional, e especialmente naqueles que estejam
em contato mais direto com os povos interessados, com o objetivo
de se eliminar os preconceitos que poderiam ter com relação a esses

121
povos. Para esse fim, deverão ser realizados esforços para assegurar
que os livros de História e demais materiais didáticos ofereçam uma
descrição equitativa, exata e instrutiva das sociedades e culturas dos
povos interessados.

Parte VII
Contatos e cooperação através das fronteiras
Artigo 32
Os governos deverão adotar medidas apropriadas, inclusive median-
te acordos internacionais, para facilitar os contatos e a cooperação entre
povos indígenas e tribais através das fronteiras, inclusive as atividades
nas áreas econômica, social, cultural, espiritual e do meio ambiente.

Parte VIII
Administração
Artigo 33
1. A autoridade governamental responsável pelas questões que a
presente Convenção abrange deverá se assegurar de que existem ins-
tituições ou outros mecanismos apropriados para administrar os pro-
gramas que afetam os povos interessados, e de que tais instituições ou
mecanismos dispõem dos meios necessários para o pleno desempenho
de suas funções.
2. Tais programas deverão incluir:
a) o planejamento, coordenação, execução e avaliação, em coope-
ração com os povos interessados, das medidas previstas na presente
Convenção;
b) a proposta de medidas legislativas e de outra natureza às autori-
dades competentes e o controle da aplicação das medidas adotadas em
cooperação com os povos interessados.

122
Parte IX
Disposições gerais
Artigo 34
A natureza e o alcance das medidas que sejam adotadas para por
em efeito a presente Convenção deverão ser determinadas com flexibi-
lidade, levando em conta as condições próprias de cada país.
Artigo 35
A aplicação das disposições da presente Convenção não deverá pre-
judicar os direitos e as vantagens garantidos aos povos interessados em
virtude de outras convenções e recomendações, instrumentos inter-
nacionais, tratados, ou leis, laudos, costumes ou acordos nacionais.

Parte X
Disposições finais
Artigo 36
Esta Convenção revisa a Convenção Sobre Populações Indígenas
e Tribais, 1957.
Artigo 37
As ratificações formais da presente Convenção serão transmitidas
ao Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele
registradas.
Artigo 38
1. A presente Convenção somente vinculará os Membros da Or-
ganização Internacional do Trabalho cujas ratificações tenham sido
registradas pelo Diretor-Geral.
2. Esta Convenção entrará em vigor doze meses após o registro das
ratificações de dois Membros por parte do Diretor-Geral.

123
3. Posteriormente, esta Convenção entrará em vigor, para cada
Membro, doze meses após o registro da sua ratificação.
Artigo 39
1. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção
poderá denunciá-la após a expiração de um período de dez anos
contados da entrada em vigor mediante ato comunicado ao Diretor-
Geral da Repartição Internacional do Trabalho e por ele registrado. A
denúncia só surtirá efeito um ano após o registro.
2. Todo Membro que tenha ratificado a presente Convenção e não
fizer uso da faculdade de denúncia prevista pelo parágrafo precedente
dentro do prazo de um ano após a expiração do período de dez anos
previsto pelo presente Artigo, ficará obrigado por um novo período
de dez anos e, posteriormente, poderá denunciar a presente Conven-
ção ao expirar cada período de dez anos, nas condições previstas no
presente Artigo.
Artigo 40
1. O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho noti-
ficará a todos os Membros da Organização Internacional do Trabalho
o registro de todas as ratificações, declarações e denúncias que lhe
sejam comunicadas pelos Membros da Organização.
2. Ao notificar aos Membros da Organização o registro da se-
gundo ratificação que lhe tenha sido comunicada, o Diretor-Geral
chamará atenção dos Membros da Organização para a data de entrada
em vigor da presente Convenção.

Artigo 41
O Diretor-Geral da Repartição Internacional do Trabalho comu-
nicará ao Secretário - Geral das Nações Unidas, para fins de registro,
conforme o Artigo 102 da Carta das Nações Unidas, as informações

124
completas referentes a quaisquer ratificações, declarações e atos de
denúncia que tenha registrado de acordo com os Artigos anteriores.
Artigo 42
Sempre que julgar necessário, o Conselho de Administração da Re-
partição Internacional do Trabalho deverá apresentar à Conferência
Geral um relatório sobre a aplicação da presente Convenção e decidirá
sobre a oportunidade de inscrever na agenda da Conferência a questão
de sua revisão total ou parcial.
Artigo 43
1. Se a Conferência adotar uma nova Convenção que revise total
ou parcialmente a presente Convenção, e a menos que a nova Con-
venção disponha contrariamente:
a) a ratificação, por um Membro, da nova Convenção revista im-
plicará de pleno direito, não obstante o disposto pelo Artigo 39, su-
pra, a denúncia imediata da presente Convenção, desde que a nova
Convenção revista tenha entrado em vigor;
b) a partir da entrada em vigor da Convenção revista, a presente
Convenção deixará de estar aberta à ratificação dos Membros.
2. A presente Convenção continuará em vigor, em qualquer caso
em sua forma e teor atuais, para os Membros que a tiverem ratificado
e que não ratificarem a Convenção revista.
Artigo 44
As versões inglesa e francesa do texto da presente Convenção são
igualmente autênticas.

125
Portaria interministerial no 35,
de 27 de janeiro de 2012
O ministro de estado chefe da secretaria geral da presidência da repú-
blica e do ministro de estado, interino, das relações exteriores, no uso das
atribuições que lhes confere o art. 87, parágrafo único, incisos II e
IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto no art. 231, § 3º, da
Constituição Federal, e no Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004

Considerando os termos da Constituição Federal de 1988, que ga-


rantem os direitos dos Povos Indígenas e Comunidades Quilombolas;
Considerando o Decreto nº 5.051, de 19 de abril de 2004, que
promulga a convenção nº 169 da Organização Internacional do Tra-
balho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais;
Considerando a necessidade de ampliar a discussão do governo
sobre o tema das consultas aos povos indígenas e tribais, mediante
procedimentos apropriados, no caso de medidas legislativas e admi-
nistrativas suscetíveis de afetá-los, de acordo com a Convenção nº
169 da Organização Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos
Indígenas e Tribais;
Considerando que o Brasil ratificou a Convenção 169 da OIT e
que o Estado brasileiro assumiu, entre suas obrigações junto ao referi-
do organismo internacional, o compromisso de apresentar relatórios
periódicos à Organização sobre a aplicação da norma em seu território
e de realizar consultas prévias aos povos e populações concernidos, em
conformidade com o disposto nos artigos 6, 7, 15 e 17 da convenção;

127
Considerando o diálogo permanente e qualificado com os diversos
segmentos sociais, que busca gerar uma efetiva corresponsabilidade
entre Estado e Sociedade, tendo a Secretaria-Geral a missão de disse-
minar para dentro do governo esse método, aprofundando cada vez
mais a participação e o diálogo social na gestão pública, resolvem

Art. 1º Instituir Grupo de Trabalho Interministerial com a finali-


dade de estudar, avaliar e apresentar proposta de regulamentação da
Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT
sobre Povos Indígenas e Tribais, no que tange aos procedimentos de
consulta prévia dos povos indígenas e tribais.
Art. 2º O Grupo de Trabalho Interministerial será constituído por
representantes, titular e suplente, dos seguintes órgãos e entidades:
I - Secretaria-Geral da Presidência da República;
Titular: Paulo Roberto Martins Maldos
Suplente: Juliana Gomes Miranda
II - Casa Civil da Presidência da República;
Titular: Milena Souto Maior de Medeiros
Suplente: Sérgio de Brito Cunha Filho
III - Ministério das Relações Exteriores;
Titular: Silvio José Albuquerque e Silva
Suplente: Fabrício Prado
IV - Ministério do Meio Ambiente;
Titular: Roberto Ricardo Vizentin
Suplente: Claudia Maria Calório
V - Ministério de Minas e Energia;
Titular: Márcia Pinto Camargo
Suplente: Maria Ceicilene Aragão Martins Rego

128
VI - Ministério da Justiça;
Titular: Marcelo Veiga
Suplente: Marcos Alves de Souza
VII - Secretaria de Direitos Humanos;
Titular: Christiana Galvão Ferreira de Freitas
Suplente: Bruno Renato Nascimento Teixeira
VIII - Ministério do Trabalho e Emprego;
Titular: Renato Bignami
Suplente: Regilane Fernandes da Silva
IX - Ministério dos Transportes;
Titular: Cibele Dutra de França
Suplente: Katia Matsumoto Tancon
X - Secretaria de Políticas de Promoção da Igualdade Racial;
Titular: Albino Ernesto Poli Junior
Suplente: Silvany Euclenio Silva
XI - Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão;
Titular: José Maria dos Santos Junior
Suplente: Henrique Pissaia de Souza
XII - Ministério do Desenvolvimento Agrário;
Titular: Edmilton Cerqueira
Suplente: André Augusto Dantas Motta do Amaral
XIII - Ministério da Educação;
Titular: Gersem José dos Santos Luciano
Suplente: Suzana Martelleti Grillo Guimarães
XIV - Ministério da Saúde;
Titular: Antonio Alves de Souza
Suplente: Edemilson Terena

129
XV - Ministério do Desenvolvimento Social;
Titular: Kátia Favilla
Suplente: Pollyanna Rodrigues Costa
XVI - Ministério da Defesa;
Titular: Coronel-Aviador R1 Antônio Fernando Cecchi
Suplente: Coronel de Infantaria Gustavo de Souza Abreu
XVII - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Na-
turais Renováveis - IBAMA;
Titular: Curt Trennepohl
Suplente: Fernando da Costa Marques
XVIII - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;
Titular: Marcela Nunes de Menezes
Suplente: Cristina Timponi Cambiaghi
XIX - Fundação Cultural Palmares;
Titular: Alexandro da Anunciação Reis
Suplente: Luciana Valéria Gonçalves
XX - Advocacia-Geral da União;
Titular: Maria Carla de Avelar
Suplente: Antonio Marcos Guerreiro Salmeirão
XXI - Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes -
DNIT; e
Titular: Tania Maria Ferreira
Suplente: Fabio Campos
XXII - Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA
Titular: Richard Martins Torsiano
Suplente: Givânia Maria da Silva

130
§ 1º A coordenação desse Grupo de Trabalho Interministerial será
realizada pela Secretaria-Geral da Presidência da República e Ministé-
rio das Relações Exteriores.
§ 2º A participação no Grupo de Trabalho Interministerial será
considerada prestação de serviço público relevante, não remunerada.
Art. 3º O Grupo de Trabalho Interministerial convidará represen-
tantes de outros órgãos da administração pública federal, estadual ou
municipal, de entidades privadas, de organizações da sociedade civil,
de organismos internacionais e representantes , para contribuírem na
execução dos seus trabalhos.
Art. 4o A Secretaria-Geral da Presidência da República e o Minis-
tério das Relações Exteriores darão o suporte técnico e administrativo
necessário ao funcionamento do Grupo de Trabalho Interministerial.
Art. 5º O prazo para conclusão dos trabalhos do Grupo de Traba-
lho Interministerial será de cento e oitenta dias, a contar da data de
sua designação, admitida sua prorrogação por igual período.
Art. 6º Esta Portaria Interministerial entra em vigor na data de sua
publicação.

Gilberto Carvalho
Ruy Nunes Pinto Nogueira

131
Portaria no 303,
de 16 de julho de 2012
Dispõe sobre as salvaguardas institucionais às terras indígenas
conforme entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal
na Petição 3.388 RR.

O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições


que lhe conferem o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Consti-
tuição Federal e o art. 4º, incisos X e XVIII, da Lei Complementar
nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, e considerando a necessidade de
normatizar a atuação das unidades da Advocacia-Geral da União em
relação às salvaguardas institucionais às terras indígenas, nos termos
do entendimento fixado pelo Supremo Tribunal Federal na Petição
3.388-Roraima (caso Raposa Serra do Sol), cujo alcance já foi escla-
recido por intermédio do PARECER nº 153/2010/DENOR/CGU/
AGU, devidamente aprovado, resolve:
Art. 1º. Fixar a interpretação das salvaguardas às terras indígenas,
a ser uniformemente seguida pelos órgãos jurídicos da Administração
Pública Federal direta e indireta, determinando que se observe o deci-
dido pelo STF na Pet. 3.888-Roraima, na forma das condicionantes
abaixo:
"(I) o usufruto das riquezas do solo, dos rios e dos lagos existentes
nas terras indígenas (art. 231, § 2º, da Constituição Federal) pode

133
ser relativizado sempre que houver, como dispõe o art. 231, 6º, da
Constituição, relevante interesse público da União, na forma de lei
complementar".
"(II) o usufruto dos índios não abrange o aproveitamento de recur-
sos hídricos e potenciais energéticos, que dependerá sempre de auto-
rização do Congresso Nacional".
"(III) o usufruto dos índios não abrange a pesquisa e lavra das ri-
quezas minerais, que dependerá sempre de autorização do Congresso
Nacional assegurando-lhes a participação nos resultados da lavra, na
forma da Lei".
"(IV) o usufruto dos índios não abrange a garimpagem nem
a faiscação, devendo, se for o caso, ser obtida a permissão de lavra
garimpeira".
"(V) o usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política
de defesa nacional; a instalação de bases, unidades e postos militares
e demais intervenções militares, a expansão estratégica da malha vi-
ária, a exploração de alternativas energéticas de cunho estratégico e
o resguardo das riquezas de cunho estratégico, a critério dos órgãos
competentes (Ministério da Defesa e Conselho de Defesa Nacional),
serão implementados independentemente de consulta às comunida-
des indígenas envolvidas ou à FUNAI".
"(VI) a atuação das Forças Armadas e da Polícia Federal na área
indígena, no âmbito de suas atribuições, fica assegurada e se dará in-
dependentemente de consulta às comunidades indígenas envolvidas
ou à FUNAI".
"(VII) o usufruto dos índios não impede a instalação, pela União
Federal, de equipamentos públicos, redes de comunicação, estradas
e vias de transporte, além das construções necessárias à prestação de
serviços públicos pela União, especialmente os de saúde e educação".
"(VIII) o usufruto dos índios na área afetada por unidades de con-
servação fica sob a responsabilidade do Instituto Chico Mendes de
Conservação da Biodiversidade".

134
"(IX) o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversida-
de responderá pela administração da área da unidade de conservação
também afetada pela terra indígena com a participação das comunida-
des indígenas, que deverão ser ouvidas, levando-se em conta os usos,
tradições e costumes dos indígenas, podendo para tanto contar com a
consultoria da FUNAI".
"(X) o trânsito de visitantes e pesquisadores não-índios deve ser
admitido na área afetada à unidade de conservação nos horários e
condições estipulados pelo Instituto Chico Mendes de Conservação
da Biodiversidade".
"(XI) devem ser admitidos o ingresso, o trânsito e a permanência
de não-índios no restante da área da terra indígena, observadas as con-
dições estabelecidas pela FUNAI".
"(XII) o ingresso, o trânsito e a permanência de não-índios não
pode ser objeto de cobrança de quaisquer tarifas ou quantias de qual-
quer natureza por parte das comunidades indígenas".
"(XIII) a cobrança de tarifas ou quantias de qualquer natureza
também não poderá incidir ou ser exigida em troca da utilização das
estradas, equipamentos públicos, linhas de transmissão de energia ou
de quaisquer outros equipamentos e instalações colocadas a serviço
do público, tenham sido excluídos expressamente da homologação,
ou não".
"(XIV) as terras indígenas não poderão ser objeto de arrendamento
ou de qualquer ato ou negócio jurídico que restrinja o pleno exercí-
cio do usufruto e da posse direta pela comunidade indígena ou pelos
índios (art. 231, § 2º, Constituição Federal c/c art. 18, caput, Lei nº
6.001/1973)".
"(XV) é vedada, nas terras indígenas, a qualquer pessoa estranha
aos grupos tribais ou comunidades indígenas, a prática de caça, pesca
ou coleta de frutos, assim como de atividade agropecuária ou extra-
tiva (art. 231, § 2º, Constituição Federal, c/c art. 18, § 1º. Lei nº
6.001/1973)".

135
"(XVI) as terras sob ocupação e posse dos grupos e das comuni-
dades indígenas, o usufruto exclusivo das riquezas naturais e das uti-
lidades existentes nas terras ocupadas, observado o disposto nos arts.
49, XVI e 231, § 3º, da CR/88, bem como a renda indígena (art. 43
da Lei nº 6.001/1973), gozam de plena imunidade tributária, não
cabendo à cobrança de quaisquer impostos, taxas ou contribuições
sobre uns e ou outros".
"(XVII) é vedada a ampliação da terra indígena já demarcada".
"(XVIII) os direitos dos índios relacionados às suas terras são im-
prescritíveis e estas são inalienáveis e indisponíveis (art. 231,§ 4º,
CR/88)".
"(XIX) é assegurada a participação dos entes federados no pro-
cedimento administrativo de demarcação das terras indígenas, en-
cravadas em seus territórios, observada a fase em que se encontrar o
procedimento".
Art. 2º. Os procedimentos em curso que estejam em desacordo
com as condicionantes indicadas no art. 1º serão revistos no prazo de
cento e vinte dias, contado da data da publicação desta Portaria.
Art. 3º. Os procedimentos finalizados serão revisados e adequados
a presente Portaria.
Art. 4º. O procedimento relativo à condicionante XVII, no que se
refere à vedação de ampliação de terra indígena mediante revisão de
demarcação concluída, não se aplica aos casos de vício insanável ou
de nulidade absoluta.
Art. 5°. O procedimento relativo à condicionante XIX é aquele
fixado por portaria do Ministro de Estado da Justiça.
Art. 6º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação

Luis Inacio Lucena Adams

* Este texto não substitui a publicação oficial.

136
Portaria no 308,
de 25 de julho de 2012
Altera o disposto no art. 6º da Portaria nº 303, de 16 de julho
de 2012.

O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições


que lhe conferem o art. 4º, incisos X e XVIII, da Lei Complementar
nº 73, de 10 de fevereiro de 1993, considerando o teor do Ofício nº
260/GAB/PRES-Funai, de 23 de julho de 2012, em que a Fundação
Nacional do Índio - FUNAI solicita prazo para a oitiva dos povos
indígenas sobre o tema e, conforme a NOTA N.º 24/2012/ DENOR-
CGU, aprovada pelo Despacho Nº 1037 CGU/AGU, resolve:

Art. 1º O art. 6º da Portaria nº 303, de 16 de julho de 2012, passa


a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 6º. Esta Portaria entra em vigor no dia 24 de setembro de
2012." (NR)
Art. 2º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação.

Luís Inácio Lucena Adams

* Este texto não substitui a publicação oficial.

137
Portaria no 415,
de 17 de setembro de 2012
Altera o disposto no art. 6° da Portaria nº 303, de 16 de julho
de 2012 e revoga a Portaria nº 308 de 25 de julho de 2012.

O ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO, no uso das atribuições


que lhe conferem o art. 87, parágrafo único, inciso II, da Constitui-
ção Federal e o art. 4º, incisos X e XVIII, da Lei Complementar nº
73, de 10 de fevereiro de 1993, e considerando o teor do Aviso nº
1744/2012/MJ, de 14 de setembro de 2012, resolve:

Art. 1º. O art. 6° da Portaria n° 303, de 16 de julho de 2012, passa


a vigorar com a seguinte redação:
"Art. 6°. Esta Portaria entra em vigor no dia seguinte ao da publi-
cação do acórdão nos embargos declaratórios a ser proferido na Pet
3388-RR que tramita no Supremo Tribunal Federal".
Art. 2º. Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação,
ficando revogada a Portaria n° 308, de 25 de julho de 2012.

Luís Inácio Lucena Adams

* Este texto não substitui a publicação oficial.

139
Ley n. 29.785,
de 31 de agosto de 2011
EL PRESIDENTE DE LA REPúBLICA

POR CUANTO
El Congreso de la República
Ha dado la Ley siguiente:

EL CONGRESO DE LA REPúBLICA
Ha dado la Ley siguiente

LEY DEL DERECHO A LA CONSULTA PREVIA A LOS PUE-


BLOS INDíGENAS U ORIGINARIOS, RECONOCIDO EN EL
CONVENIO 169 DE LA ORGANIZACIóN INTERNACIO-
NAL DEL TRABAJO (OIT)

Título i
Aspectos generales
Artículo 1. Objeto de la Ley
La presente Ley desarrolla el contenido, los principios y el proce-
dimiento del derecho a la consulta previa a los pueblos indígenas u
originarios respecto a las medidas legislativas o administrativas que les

141
afecten directamente. Se interpreta de conformidad con las obligacio-
nes establecidas en el Convenio 169 de la Organización Internacional
del Trabajo (OIT), ratificado por el Estado peruano mediante la Re-
solución Legislativa 26253.
Artículo 2. Derecho a la consulta
Es el derecho de los pueblos indígenas u originarios a ser consul-
tados de forma previa sobre las medidas legislativas o administrativas
que afecten directamente sus derechos colectivos, sobre su existen-
cia física, identidad cultural, calidad de vida o desarrollo. También
corresponde efectuar la consulta respecto a los planes, programas y
proyectos de desarrollo nacional y regional que afecten directamente
estos derechos.
La consulta a de que hace referencia la presente Ley es implemen-
tada de forma obligatoria solo por el Estado.
Artículo 3. Finalidad de la consulta
La finalidad de la consulta es alcanzar un acuerdo o consentimien-
to entre el Estado y los pueblos indígenas u originarios respecto a
la medida legislativa o administrativa que les afecten directamente,
a través de un dialogo intercultural que garantice su inclusión en los
procesos de toma de decisión del Estado y la adopción de medidas
respetuosas de sus derechos colectivos.
Articulo 4. Principios
Los principios rectores del derecho a la consulta son los siguientes:
a. Oportunidad. Es proceso de consulta se realiza de forma pre-
via a la medida legislativa o administrativa a ser adoptada por
las entidades estatales.
b. Interculturalidad. El proceso de consulta se desarrolla recono-
ciendo, respetando y adaptándose a las diferencias existentes

142
entre las culturas y contribuyendo al reconocimiento y valor
de cada una de ellas.
c. Buena fe. Las entidades estatales analizan y valoran la posici-
ón de los pueblos indígenas u originarios durante el proceso
de consulta, en un clima de confianza, colaboración y respeto
mutuo. El Estado y los representantes de las instituciones y
organizaciones de los pueblos indígenas u originarios tienen
el deber de actuar de buena fe, estando prohibidos de todo
proselitismo partidario y conductas antidemocráticas.
d. Flexibilidad. La consulta debe desarrollarse mediante proce-
dimientos apropiados al tipo de medida legislativa o admi-
nistrativa que se busca adoptar, así como tomando en cuenta
las circunstancias y características especiales de los pueblos
indígenas u originarios involucrados.
e. Plazo razonable. El proceso de consulta se lleva a cabo con-
siderando plazos razonables que permitan a las instituciones
u organizaciones representativas de los pueblos indígenas u
originarios conocer, reflexionar y realizar propuestas con-
cretas sobre la medida legislativa o administrativa objeto de
consulta.
f. Ausencia de coacción o condicionamiento. La participación
de los pueblos indígenas u originarios en el proceso de consul-
ta debe ser realizada sin coacción o condicionamiento alguno.
g. Información oportuna. Los pueblos indígenas u originarios
tienen derecho a recibir por parte de las entidades estatales
toda la información que sea necesaria para que puedan ma-
nifestar su punto de vista, debidamente informados, sobre la
medida legislativa o administrativa a ser consultada. El Estado
tiene la obligación de brindar esta información desde el inicio
del proceso de consulta y con la debida anticipación.

143
Título II
Pueblos indígenas u originarios a ser consultados

Artículo 5. Sujetos del derecho a la consulta


Los titulares del derecho a la consulta son los pueblos indígenas u
originarios cuyos derechos colectivos pueden verse afectados de forma
directa por una medida legislativa o administrativa.
Artículo 6. Forma de participación de los pueblos indígenas u
originarios
Los pueblos indígenas u originarios participan en los procesos de
consulta a través de sus instituciones y organizaciones representativas,
elegidas conforme a sus usos e costumbres tradicionales.
Artículo 7. Criterios de identificación de los pueblos indígenas
u originarios
Para identificar a los pueblos indígenas u originarios como sujetos
colectivos, se toman en cuenta criterios objetivos y subjetivos.
Los criterios objetivos son los siguientes:
a. Descendencia directa de las poblaciones originarias del terri-
torio nacional.
b. Estilos de vida y vínculos espirituales e históricos con el terri-
torio que tradicionalmente usan y ocupan.
c. Instituciones sociales y costumbres propias.
d. Patrones culturales y modo de vida distintos a los de otros
sectores de la población nacional.
El criterio subjetivo se encuentra relacionado con la consciencia
del grupo colectivo de poseer una identidad indígena u originaria.
Las comunidades campesinas o andinas y las comunidades nati-
vas o pueblos amazónicos pueden ser identificados también como

144
pueblos indígenas u originarios, conforme a los criterios señalados en
el presente artículo.
Las denominaciones empleadas para designar a los pueblos indíge-
nas u originarios no alteran su naturaleza ni sus derechos colectivos.

Título III
Etapas del proceso de consulta

Artículo 8. Etapas del proceso de consulta


Las entidades estatales promotoras de la medida legislativa o ad-
ministrativa deben cumplir las siguientes etapas mínimas del proceso
de consulta:
a. identificación de la medida legislativa o administrativa que
debe ser objeto de consulta.
b. Identificación de los pueblos indígenas u originarios a ser
consultados
c. Publicidad de la medida legislativa o administrativa
d. Evaluación interna en las instituciones y organizaciones de los
pueblos indígenas u originarios sobre la medida legislativa o
administrativa que les afecten directamente.
e. Proceso de dialogo entre representantes del Estado y represen-
tantes de los pueblos indígenas u originarios.
f. Decisión.
Artículo 9. Identificación de medidas objeto de consulta
Las entidades estatales deben identificar, bajo responsabilidad, las
propuestas de medidas legislativas o administrativas que tienen una
relación directa con los derechos colectivos de los pueblos indígenas
u originarios, de modo que, de concluirse que existiría una afectación
directa a sus derechos colectivos, se proceda a una consulta previa
respecto a tales medidas.

145
Las instituciones u organizaciones representativas de los pueblos
indígenas u originarios pueden solicitar la aplicación del proceso de
consulta respecto a determinada medida que consideren que les afecta
directamente. En dicho caso, deben remitir el petitorio correspon-
diente a la entidad estatal promotora de la medida legislativa o admi-
nistrativa y responsable de ejecutar la consulta, la cual debe evaluar la
procedencia del petitorio.
En el caso de que la entidad estatal pertenezca al Poder Ejecutivo
y desestime el pedido de las instituciones u organizaciones repre-
sentativas de los pueblos indígenas u originarios, tal acto puede ser
impugnado ante el órgano técnico especializado en materia indígena
del Poder Ejecutivo.
Agotada la vía administrativa ante este órgano, cabe acudir ante los
órganos jurisdiccionales competentes.
Artículo 10. Identificación de los pueblos indígenas u
originarios a ser consultados
La identificación de los pueblos indígenas u originarios a ser con-
sultados debe ser efectuada por las entidades estatales promotoras de
la medida legislativa o administrativa sobre la base del contenido de la
medida propuesta, el grado de relación directa con el pueblo indígena
y el ámbito territorial de su alcance.
Artículo 11. Publicidad de la medida legislativa o
administrativa
Las entidades estatales promotoras de la medida legislativa o ad-
ministrativa deben ponerla en conocimiento de las instituciones y
organizaciones representativas de los pueblos indígenas u originarios
que serán consultadas, mediante métodos u procedimientos cultural-
mente adecuados, tomando en cuenta la geografía y el ambiente en
que habitan.

146
Articulo 12. Información sobre la medida legislativa o
administrativa
Corresponde a las entidades estatales brindar información a los
pueblos indígenas u originarios y a sus representantes, desde el inicio
del proceso de consulta y con la debida anticipación, sobre los moti-
vos, implicancias, impactos y consecuencias de la medida legislativa o
administrativa.
Articulo 13. Evaluación interna de las instituciones y
organizaciones de los pueblos indígenas u originarios
Las instituciones y organizaciones de los pueblos indígenas u ori-
ginarios deben contar con un plazo razonable para realizar un análisis
sobre los alcances e incidencias de la medida legislativa o adminis-
trativa y la relación directa entre su contenido y la afectación de sus
derechos colectivos.
Artículo 14. Proceso de dialogo intercultural
El dialogo intercultural se realiza tanto sobre los fundamentos de
la medida legislativa o administrativa, sus posibles consecuencias res-
pecto al ejercicio de los derechos colectivos de los pueblos indígenas
u originarios durante el proceso de dialogo, así como el análisis de las
consecuencias que la adopción de una determinada medida tendría
respecto a sus derechos colectivos reconocidos constitucionalmente en
los tratados ratificados por el Estado peruano.
El acuerdo entre el Estado y los pueblos indígenas u originarios,
como resultado del proceso de consulta, es de carácter obligatorio para
ambas partes. En caso de que no se alcance un acuerdo, corresponde
a las entidades estatales adoptar todas las medidas que resulten nece-
sarias para garantizar los derechos colectivos de los pueblos indígenas
u originarios y los derechos a la vida, integridad y pleno desarrollo.
Los acuerdos del resultado del proceso de consulta son exigibles en
sede administrativa y judicial.

147
Artículo 16. Idioma
Para la realización de la consulta, se toma en cuenta la diversidad
lingüística de los pueblos indígenas u originarios, particularmente en
las áreas donde la lengua oficial no es hablada mayoritariamente por
la población indígena. Para ello, los procesos de consulta deben contar
con el apoyo de intérpretes debidamente capacitados en los temas que
van a ser objeto de consulta, quienes deben estar registrados ante el
órgano técnico especializado en materia indígena del Poder Ejecutivo.

Título IV
Obligaciones de las entidades estatales respecto
al proceso de consulta
Artículo 17. Entidad competente
Las entidades del Estado que van a emitir medidas legislativas o
administrativas relacionadas de forma directa con los derechos de los
pueblos indígenas u originarios son las competentes para realizar el
proceso de consulta previa conforme a las etapas que contempla la
presente Ley.
Artículo 18. Recursos para la consulta
Las entidades estatales deben garantizar los recursos que demande
el proceso de consulta a fin de asegurar la participación efectiva de los
pueblos indígenas u originarios.
Artículo 19. Funciones del órgano técnico especializado en
materia indígena del Poder Ejecutivo
Respecto a los procesos de consulta, son funciones del órgano
técnico especializados en materia indígena del Poder Ejecutivo las
siguientes:

148
a. concertar, articular y coordinar la política estatal de imple-
mentación del derecho a la consulta.
b. Brindar asistencia técnica y capacitación previa a las entidades
estatales y los pueblos indígenas u originarios, así como aten-
der las dudas que surjan en cada proceso en particular.
c. Mantener un registro de las instituciones y organizaciones
representativas de los pueblos indígenas u originarios e iden-
tificar a las que deben ser consultadas respecto a una medida
administrativa o legislativa
d. Emitir opinión, de oficio o a pedido de cualquiera de las entida-
des facultadas para solicitar la consulta, sobre la calificación de
la medida legislativa o administrativa proyectada por las entida-
des responsables, sobre el ámbito de la consulta y da determi-
nación de los pueblos indígenas u originarios, a ser consultados.
e. Asesorar a la entidad responsable de ejecutar la consulta y a
los pueblos indígenas u originarios que son consultados en la
definición del ámbito y características de la consulta
f. Elaborar, consolidar y actualizar la base de datos relativos a los
pueblos indígenas u originarios y sus instituciones y organiza-
ciones representativas
g. Registrar los resultados de las consultas realizadas.
h. Mantener y actualizar el registro de facilitadores e interpretes
idóneos de las lenguas indígenas u originarias
i. Otras contempladas en la presente Ley, otras leyes o en su
reglamento.
Artículo 20. Creación de la base de datos oficial de pueblos
indígenas u originarios
Créase la base de datos oficial de los pueblos indígenas u origina-
rios y sus instituciones y organizaciones representativas, la que está a
cargo del órgano técnico especializado en materia indígena del Poder
Ejecutivo.

149
La base de datos contiene la siguiente información:
a. denominación oficial y autodenominaciones con las que los
pueblos indígenas u originarios se identifican.
b. Referencias geográficas y de acceso.
c. Información cultural y étnica relevante.
d. Mapa etnolinguístico con la determinación del hábitat de las
regiones que los pueblos indígenas u originarios ocupan o uti-
lizan de alguna manera.
e. Sistema, normas de organización y estatuto aprobado.
f. Instituciones y organizaciones representativas, ámbito de re-
presentación, identificación de sus lideres o representantes,
período y poderes de representación.

Disposiciones complementarias finales


PRIMERA. Para efectos de la presente Ley, se considera al Vi-
ceministerio de Interculturalidad del Ministerio de Cultura como el
órgano técnico especializado en materia indígena del Poder Ejecutivo.
SEGUNDA. La presente Ley no deroga o modifica las normas
sobre el derecho a la participación ciudadana. Tampoco modifica o
deroga las medidas legislativas ni deja sin efecto las medidas adminis-
trativas dictadas con anterioridad a su vigencia.
TERCERA. Derógase el Decreto Supremo 023-2001-EM, que
aprueba el Reglamento del Procedimiento para la Aplicación del De-
recho de Consulta a los Pueblos Indígenas para las Actividades Mine-
ro Energéticas.
CUARTA. La presente Ley entra en vigencia a los noventa días de
su publicación en el diario oficial El Peruano a fin de que las entidades
estatales responsables de llevar a cabo procesos de consulta cuenten
con el presupuesto y la organización requerida para ello.
Comuníquese al señor Presidente de la República para su
promulgación.

150
En Lima, a los treinta y un días del mes de agosto de dos mil once.

Daniel Abugattás Majluf


Presidente del Congreso de la República

Manuel Arturo Merino de Lama


Primer Vicepresidente del Congreso de la República

Al señor presidente constitucional de la república

151
Decreto Supremo n. 001-2012 MC,
de 2 de abril de 2012
Reglamento de la Ley No 29785,
Ley del Derecho a la Consulta Previa a los Pueblos
Indígenas u Originarios reconocido en el Convenio 169 de
la Organización Internacional del Trabajo (OIT)

EL PRESIDENTE DE LA REPÚBLICA

CONSIDERANDO:
Que, el numeral 19) del artículo 2 de la Constitución Política del
Perú establece que toda persona tiene derecho a su identidad étnica
y cultural y que el Estado reconoce y protege la pluralidad étnica y
cultural de la Nación;
Que, el artículo 55 de la Constitución Política del Perú establece
que los tratados celebrados por el Estado y en vigor forman parte del
derecho nacional;
Que, es objetivo prioritario del Estado garantizar el pleno ejercicio
de los derechos humanos fundamentales de los pueblos indígenas, así
como el pleno acceso a las garantías propias del Estado de Derecho,
respetando sus valores, costumbres y perspectivas;
Que, mediante Ley No 29785, Ley del derecho a la consulta pre-
via a los pueblos indígenas u originarios, reconocido en el Convenio

153
169 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT), se desar-
rolla el contenido, los principios y el procedimiento del derecho a
la consulta previa a los pueblos indígenas u originarios respecto a las
medidas legislativas o administrativas que les afecten directamente, la
cual se interpreta de conformidad con las obligaciones establecidas en
el Convenio 169 de la Organización Internacional de Trabajo (OIT),
ratificado por el Estado peruano mediante la Resolución Legislativa
No 26253;
Que, a través de la Resolución Suprema No 337-2011- PCM, se
crea la Comisión Multisectorial de naturaleza temporal con el objeto
de emitir un informe a través del cual se proponga el proyecto de Re-
glamento de la Ley No 29785, con la participación de representantes
de organizaciones indígenas de alcance nacional y del Poder Ejecuti-
vo, la cual fue instalada en Lima, el 22 de noviembre de 2011;
Que, la Comisión Multisectorial, ha cumplido con emitir un infor-
me final que recoge el proyecto de Reglamento de la Ley del derecho a
la consulta previa a los pueblos indígenas u originarios, reconocido en
el Convenio 169 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT),
en cuya elaboración se siguieron las etapas previstas en el artículo 8o
de la Ley No 29785, por lo que, es pertinente su aprobación;
De conformidad con lo dispuesto en el numeral 8) artículo 118 de
la Constitución Política del Perú, así como el numeral 3) artículo 11
de la Ley No 29158, Ley Orgánica del Poder Ejecutivo;
Con el voto aprobatorio del Consejo de Ministros;
DECRETA:
Artículo 1o.- Aprobación del Reglamento
Apruébese el Reglamento de la Ley No 29785, Ley del derecho a
la consulta previa a los pueblos indígenas u originarios reconocido en
el Convenio 169 de la Organización Internacional del Trabajo (OIT),
el cual consta de treinta (30) artículos y dieciséis (16) Disposiciones

154
Complementarias, Transitorias y Finales, los que forman parte inte-
grante del presente Decreto Supremo.
Artículo 2o.- Vigencia
El presente Decreto Supremo entrará en vigencia al día siguien-
te de su publicación en el Diario Oficial El Peruano, aplicándose a
las medidas administrativas o legislativas que se aprueben a partir de
dicha fecha, sin perjuicio de lo establecido en la Segunda Disposici-
ón Complementaria Final de la Ley No 29785. Respecto a los actos
administrativos, las reglas procedimentales previstas en la presente
norma se aplican a las solicitudes que se presenten con posterioridad
a su publicación.
Artículo 3o.- Refrendo
El presente Decreto Supremo será refrendado por el Presidente del
Consejo de Ministros y el Ministro de Cultura.

Dado en la Casa de Gobierno, en Lima, a los dos días del mes de


abril del año dos mil doce.

OLLANTA HUMALA TASSO


Presidente Constitucional de la República

ÓSCAR VALDÉS DANCUART


Presidente del Consejo de Ministros

LUIS ALBERTO PEIRANO FALCONÍ


Ministro de Cultura

155
.........

Reglamento de la Ley No 29785,


Ley del Derecho a la Consulta Previa a
los Pueblos
Indígenas u Originarios reconocido en el Convenio 169
de la Organización Internacional del Trabajo
..........

Título I
Disposiciones Generales
Artículo 1o.- Del objeto
1.1 La presente norma, en adelante “el Reglamento”, tiene por ob-
jeto reglamentar la Ley No 29785, Ley del Derecho a la Consulta Pre-
via a los Pueblos Indígenas u Originarios reconocido en el Convenio
169 de la Organización Internacional del Trabajo, en adelante “La
Ley”, para regular el acceso a la consulta, las características esenciales
del proceso de consulta y la formalización de los acuerdos arribados
como resultado de dicho proceso, de ser el caso.
1.2 El derecho a la consulta se ejerce conforme a la definición,
finalidad, principios y etapas del proceso establecidos en la Ley y en
el Reglamento.
1.3 El derecho a la consulta se realiza con el fin de garantizar los
derechos colectivos de los pueblos indígenas reconocidos como tales
por el Estado Peruano en la Constitución, los tratados internacionales
ratificados por el Perú y las leyes.
1.4 El Viceministerio de Interculturalidad, en ejercicio de su funci-
ón de concertar, articular y coordinar la implementación del derecho
de consulta, por parte de las distintas entidades del Estado, toma en

156
consideración la Declaración de las Naciones Unidas sobre Derechos
de los Pueblos Indígenas.
1.5 El resultado del proceso de consulta no es vinculante, salvo en
aquellos aspectos en que hubiere acuerdo entre las partes.
Artículo 2o.- Ámbito de aplicación
2.1 El Reglamento se aplica a las medidas administrativas que dicte
el Poder Ejecutivo a través de las distintas entidades que lo confor-
man, así como a los Decretos Legislativos que se emitan conforme a
lo establecido en el artículo 104o de la Constitución Política del Perú.
Igualmente establece las reglas que deben seguirse obligatoriamente
para la implementación de la Ley por parte de todas las entidades del
Estado. También se aplica a las medidas administrativas en virtud de
las cuales se aprueban los planes, programas y proyectos de desarrollo.
2.2 Las disposiciones del presente Reglamento serán aplicadas por
los gobiernos regionales y locales para los procesos de consulta a su
cargo, sin transgredir ni desnaturalizar los objetivos, principios y eta-
pas del proceso de consulta previstos en la Ley y en el presente Regla-
mento, y en el marco de las políticas nacionales respectivas.
2.3 Los gobiernos regionales y locales sólo podrán promover procesos
de consulta, previo informe favorable del Viceministerio de Intercultu-
ralidad, respecto de las medidas que puedan aprobar conforme las com-
petencias otorgadas expresamente en la Ley No 27867, Ley Orgánica
de Gobiernos Regionales, y en la Ley No 27972, Ley Orgánica de Mu-
nicipalidades, respectivamente, y en tanto dichas competencias hayan
sido transferidas. El Viceministerio de Interculturalidad ejercerá el rol de
rectoría en todas las etapas del proceso de consulta, correspondiendo a
los gobiernos regionales y locales la decisión final sobre la medida.
Artículo 3o.- Definiciones
El contenido de la presente norma se aplica dentro del marco esta-
blecido por la Ley y el Convenio 169 de la OIT. Sin perjuicio de ello,
se tomarán en cuenta las siguientes definiciones:

157
a) Acta de Consulta.- Instrumento público, con valor oficial, que
contiene los acuerdos que se alcance como resultado del proceso de
consulta, así como todos los actos y ocurrencias desarrollados durante
el proceso de diálogo intercultural. Es suscrita por los funcionarios
competentes de la entidad promotora y por los o las representantes
del o de los pueblos indígenas. En caso de que los o las representantes
no fueran capaces de firmar el acta, estamparán sus huellas digitales
en señal de conformidad. Los documentos sustentatorios del acuerdo
forman parte del acta de consulta.
b) Afectación Directa.- Se considera que una medida legislativa o
administrativa afecta directamente al o los pueblos indígenas cuando
contiene aspectos que pueden producir cambios en la situación jurídi-
ca o en el ejercicio de los derechos colectivos de tales pueblos.
c) Ámbito Geográfico.- Área en donde habitan y ejercen sus dere-
chos colectivos el o los pueblos indígenas, sea en propiedad, en razón
de otros derechos reconocidos por el Estado o que usan u ocupan
tradicionalmente.
d) Buena Fe.- Las entidades estatales deben analizar y valorar la po-
sición del o los pueblos indígenas durante el proceso de consulta, en
un clima de confianza, colaboración y respeto mutuo. El Estado, los o
las representantes y las organizaciones de los pueblos indígenas tienen
el deber de actuar de buena fe, centrando la discusión en el contenido
de las medidas objeto de consulta, siendo inadmisible las prácticas
que buscan impedir o limitar el ejercicio de este derecho, así como la
utilización de medidas violentas o coercitivas como instrumentos de
presión en el proceso de consulta. El principio de buena fe, aplicable
a ambas partes, comprende adicionalmente:
i. Brindar toda la información relevante para el desarrollo del pro-
ceso de diálogo.
ii. Evitar actitudes o conductas que pretendan la evasión de lo
acordado.
iii. Cooperar con el desarrollo de la consulta.

158
iv. Diligencia en el cumplimiento de lo acordado.
v. Exclusión de prácticas que pretendan impedir o limitar el ejerci-
cio del derecho a la consulta.
vi. No realizar proselitismo político partidario en el proceso de
consulta.
e) Convenio 169 de la OIT.- Convenio OIT Nro. 169, Sobre Pue-
blos Indígenas y Tribales en Países Independientes, 1989, ratificado
por el Estado Peruano mediante la Resolución Legislativa No 26253.
f ) Derechos Colectivos.- Derechos que tienen por sujeto a los pue-
blos indígenas, reconocidos en la Constitución, en el Convenio 169
de la OIT, así como por los tratados internacionales ratificados por
el Perú y la legislación nacional. Incluye, entre otros, los derechos
a la identidad cultural; a la participación de los pueblos indígenas;
a la consulta; a elegir sus prioridades de desarrollo; a conservar sus
costumbres, siempre que éstas no sean incompatibles con los derechos
fundamentales definidos por el sistema jurídico nacional ni con los
derechos humanos internacionalmente reconocidos; a la jurisdicción
especial; a la tierra y el territorio, es decir al uso de los recursos natura-
les que se encuentran en su ámbito geográfico y que utilizan tradicio-
nalmente en el marco de la legislación vigente-; a la salud con enfoque
intercultural; y a la educación intercultural.
g) Entidad promotora.- Entidad pública responsable de dictar la
medida legislativa o administrativa que debe ser objeto de consulta
en el marco establecido por la Ley y el Reglamento. Las entidades
promotoras son:
i. La Presidencia del Consejo de Ministros, para el caso de Decretos
Legislativos. En este supuesto, dicha entidad puede delegar la con-
ducción del proceso de consulta en el Ministerio afín a la materia
a consultar.
ii. Los Ministerios, a través de sus órganos competentes.
iii. Los Organismos Públicos, a través de sus órganos competentes.

159
Los gobiernos regionales y locales, a través de sus órganos compe-
tentes, también se entenderán entidades promotoras, conforme a lo
establecido en los artículos 2.2 y 2.3 del Reglamento.
h) Enfoque Intercultural.- Reconocimiento de la diversidad cultu-
ral y la existencia de diferentes perspectivas culturales, expresadas en
distintas formas de organización, sistemas de relación y visiones del
mundo. Implica reconocimiento y valoración del otro.
i) Medidas Administrativas.- Normas reglamentarias de alcance
general, así como el acto administrativo que faculte el inicio de la acti-
vidad o proyecto, o el que autorice a la Administración la suscripción
de contratos con el mismo fin, en tanto puedan afectar directamente
los derechos colectivos de los pueblos indígenas.
En el caso de actos administrativos, el proceso de consulta a los
pueblos indígenas se realiza a través de sus organizaciones representa-
tivas locales, conforme a sus usos y costumbres tradicionales, asenta-
das en el ámbito geográfico donde se ejecutaría el acto administrativo.
j) Medidas Legislativas.- Normas con rango de ley que puedan
afectar directamente los derechos colectivos de los pueblos indígenas.
k) Pueblo Indígena u Originario.- Pueblo que desciende de pobla-
ciones que habitaban en el país en la época de la colonización y que,
cualquiera que sea su situación jurídica, conserven todas sus propias
instituciones sociales, económicas, culturales y políticas, o parte de
ellas; y que, al mismo tiempo, se auto reconozca como tal. Los crite-
rios establecidos en el artículo 7o de la Ley deben ser interpretados en
el marco de lo señalado en artículo 1 del Convenio 169 de la OIT. La
población que vive organizada en comunidades campesinas y comuni-
dades nativas podrá ser identificada como pueblos indígenas, o parte
de ellos, conforme a dichos criterios. Las denominaciones empleadas
para designar a los pueblos indígenas no alteran su naturaleza, ni sus
derechos colectivos. En adelante se utilizará la expresión “pueblo indí-
gena” para referirse a “pueblo indígena u originario”.

160
l) Plan de Consulta.- Instrumento escrito que contiene la informa-
ción detallada sobre el proceso de consulta a realizarse, el que debe ser
adecuado a las características de la medida administrativa o legislativa
a consultarse y con un enfoque intercultural.
m) Institución u Organización Representativa de los Pueblos In-
dígenas.- Institución u organización que, conforme los usos, costum-
bres, normas propias y decisiones de los pueblos indígenas, constituye
el mecanismo de expresión de su voluntad colectiva. Su reconoci-
miento se rige por la normativa especial de las autoridades compe-
tentes, dependiendo del tipo de organización y sus alcances. En el
Reglamento se utilizará la expresión “organización representativa”.
n) Representante.- Persona natural, miembro del pueblo indígena,
que pudiera ser afectada directamente por la medida a consultar y
que es elegida conforme los usos y costumbres tradicionales de dichos
pueblos. Cualquier mención a “representante” en el Reglamento se
entenderá referida a la forma de participación a que hace referencia el
artículo 6o de la Ley. El Plan de Consulta incluye la referencia al nú-
mero de representantes conforme a los criterios señalados en el nume-
ral 2 del artículo 10o del Reglamento. En el proceso de consulta, los
organismos no gubernamentales u otras organizaciones de la sociedad
civil y del sector privado sólo podrán ejercer las funciones señaladas en
el numeral 3 del artículo 11 del Reglamento.
Artículo 4o.- Contenido de la medida legislativa o
administrativa
El contenido de la medida legislativa o administrativa que se acuer-
de o promulgue, sobre la cual se realiza la consulta, debe ser acorde a
las competencias de la entidad promotora, respetar las normas de or-
den público así como los derechos fundamentales y garantías estable-
cidos en la Constitución Política del Perú y en la legislación vigente.
El contenido de la medida debe cumplir con la legislación ambiental
y preservar la supervivencia de los pueblos indígenas.

161
Título II
Aspectos generales del proceso de consulta
Artículo 5o.- De la obligación de consultar
La obligación de consultar al o los pueblos indígenas deriva del
Convenio 169 de la OIT y de la Ley y constituye una responsabilidad
del Estado Peruano. Dicha obligación significa que:
a) Las consultas deben ser formales, plenas y llevarse a cabo de
buena fe; debe producirse un verdadero diálogo entre las autoridades
gubernamentales y el o los pueblos indígenas, caracterizado por la
comunicación y el entendimiento, el respeto mutuo y el deseo sincero
de alcanzar un acuerdo o consentimiento; buscando que la decisión
se enriquezca con los aportes de los o las representantes del o de los
pueblos indígenas, formulados en el proceso de consulta y contenidos
en el Acta de Consulta;
b) Deben establecerse mecanismos apropiados, realizándose las
consultas de una forma adaptada a las circunstancias y a las particula-
ridades de cada pueblo indígena consultado;
c) Las consultas deben realizarse a través de los o las representantes
de las organizaciones representativas del o de los pueblos indígenas
directamente afectados, acreditados conforme al numeral 10.1 del ar-
tículo 10o del Reglamento;
d) Las consultas deben realizarse con la finalidad de llegar a un
acuerdo o lograr el consentimiento sobre las medidas administrativas
o legislativas propuestas. No obstante, el no alcanzar dicha finalidad
no implica la afectación del derecho a la consulta;
e) El derecho a la consulta implica la necesidad de que el pueblo
indígena, sea informado, escuchado y haga llegar sus propuestas, bus-
cando por todos los medios posibles y legítimos, previstos en la Ley
y en el Reglamento, llegar a un acuerdo o lograr el consentimiento

162
acerca de las medidas consultadas mediante el diálogo intercultural. Si
no se alcanzara el acuerdo o consentimiento sobre dichas medidas, las
entidades promotoras se encuentran facultadas para dictarlas, debien-
do adoptar todas las medidas que resulten necesarias para garantizar
los derechos colectivos de los pueblos indígenas y los derechos a la
vida, integridad y pleno desarrollo;
f ) La consulta debe tener en cuenta los problemas de accesibilidad
que pudieran tener los miembros de las organizaciones representativas
de los pueblos indígenas, y sus representantes, de llegar al lugar en
donde se realice el proceso de consulta. Debe optarse por lugares que
por su fácil acceso permitan lograr el máximo de participación;
g) Atendiendo a la diversidad de pueblos indígenas existentes y a
la diversidad de sus costumbres, el proceso de consulta considera las
diferencias según las circunstancias a efectos de llevar a cabo un verda-
dero diálogo intercultural. Se presta especial interés a la situación de
las mujeres, la niñez, personas con discapacidad y los adultos mayores;
h) El proceso de consulta debe realizarse respetando los usos y tra-
diciones de los pueblos indígenas, en el marco de lo establecido por la
Constitución y las leyes. La participación de las mujeres, en particular
en funciones de representación, se realizará conforme a lo señalado
en este inciso;
i) Los pueblos indígenas deben realizar los procedimientos inter-
nos de decisión o elección, en el proceso de consulta, en un marco
de plena autonomía, y sin interferencia de terceros ajenos a dichos
pueblos, respetando la voluntad colectiva;
j) La obligación del Estado de informar al pueblo indígena, así
como la de apoyar la evaluación interna, se circunscribe sólo a las
organizaciones representativas de los pueblos indígenas que participen
del proceso de consulta.
k) Las normas de carácter tributario o presupuestario no serán ma-
teria de consulta;

163
l) No requieren ser consultadas las decisiones estatales de carácter
extraordinario o temporal dirigidas a atender situaciones de emer-
gencia derivadas de catástrofes naturales o tecnológicas que requieren
una intervención rápida e impostergable con el objetivo de evitar la
vulneración de derechos fundamentales de las personas. El mismo tra-
tamiento reciben las medidas que se dicten para atender emergencias
sanitarias, incluyendo la atención de epidemias, así como la persecu-
ción y control de actividades ilícitas, en el marco de lo establecido por
la Constitución Política del Perú y las leyes vigentes;
m) Son documentos de carácter público, disponibles, entre otros me-
dios, a través de los portales web de las entidades promotoras: El Plan
de Consulta, la propuesta de la medida administrativa o legislativa a
consultar, el nombre de las organizaciones representativas de los pueblos
indígenas y el de sus representantes, el nombre de los representantes es-
tatales, el Acta de Consulta y el Informe de Consulta; y n) La dación de
medidas administrativas o legislativas que contravengan lo establecido
en la Ley y el Reglamento, vulnerando el derecho a la consulta, pueden
ser objeto de las medidas impugnatorias previstas en la legislación.
Artículo 6o.- Consulta previa y recursos naturales
De acuerdo a lo establecido en el artículo 15 del Convenio 169
de la OIT y en el artículo 66o de la Constitución Política del Perú;
y siendo los recursos naturales, incluyendo los recursos del subsuelo,
Patrimonio de la Nación; es obligación del Estado Peruano consultar
al o los pueblos indígenas que podrían ver afectados directamente sus
derechos colectivos, determinando en qué grado, antes de aprobar la
medida administrativa señalada en el artículo 3o, inciso i) del Regla-
mento que faculte el inicio de la actividad de exploración o explota-
ción de dichos recursos naturales en los ámbitos geográficos donde se
ubican el o los pueblos indígenas, conforme a las exigencias legales
que correspondan en cada caso.

164
Artículo 7o.- Sujetos del derecho a la consulta
7.1 Los titulares del derecho a la consulta son el o los pueblos
indígenas cuyos derechos colectivos pueden verse afectados de forma
directa por una medida legislativa o administrativa.
7.2 Los titulares del derecho a la consulta son el o los pueblos in-
dígenas del ámbito geográfico en el cual se ejecutaría dicha medida o
que sea afectado directamente por ella. La consulta se realiza a través
de sus organizaciones representativas. Para ello, los pueblos indígenas
nombrarán a sus representantes según sus usos, costumbres y normas
propias.
Artículo 8o.- Identificación de los sujetos del derecho
8.1 La entidad promotora identifica al o los pueblos indígenas,
que pudieran ser afectados en sus derechos colectivos por una medida
administrativa o legislativa, y a sus organizaciones representativas, a
través de la información contenida en la Base de Datos Oficial.
8.2 En caso la entidad promotora cuente con información que no
esté incluida en la Base de Datos Oficial, remitirá la misma al Vice-
ministerio de Interculturalidad para su evaluación e incorporación a
dicha Base, de ser el caso.
Artículo 9o.- Derecho de petición
9.1 El o los pueblos indígenas, a través de sus organizaciones re-
presentativas, pueden solicitar su inclusión en un proceso de consulta;
o la realización del mismo respecto de una medida administrativa o
legislativa que consideren pueda afectar directamente sus derechos co-
lectivos. El derecho de petición se ejercerá por una sola vez y nunca
simultáneamente.
El petitorio debe remitirse a la entidad promotora de la medida
dentro de los quince (15) días calendario de publicado el Plan de
Consulta respectivo, para el caso de inclusión en consultas que se

165
encuentren en proceso. En caso el petitorio tenga como objeto soli-
citar el inicio de un proceso de consulta, dicho plazo correrá desde el
día siguiente de la publicación de la propuesta de medida en el Diario
Oficial. En este último supuesto, si la propuesta de medida no se hu-
biera publicado, el derecho de petición se puede ejercer hasta antes de
que se emita la medida administrativa o legislativa.
La entidad promotora decidirá sobre el petitorio dentro de los siete
(7) días calendario de recibido el mismo, sobre la base de lo estableci-
do en el Reglamento y la normativa vigente aplicable.
9.2 En el supuesto de que se deniegue el pedido, las organizaciones
representativas de los pueblos indígenas pueden solicitar la reconsi-
deración ante la misma autoridad o apelar la decisión. Si la entidad
promotora forma parte del Poder Ejecutivo, la apelación es resuelta
por el Viceministerio de Interculturalidad, quien resolverá en un pla-
zo no mayor de siete (7) días calendario, sobre la base de lo establecido
en el Reglamento y la normativa vigente aplicable, bajo responsabi-
lidad. Con el pronunciamiento de esta entidad queda agotada la vía
administrativa.
La apelación, en cualquier supuesto, debe realizarse
en cuaderno aparte y sin efecto suspensivo.
9.3 En caso de que el pe-
dido sea aceptado y el proceso de consulta ya se hubiera iniciado, se
incorporará al o los pueblos indígenas, adoptando las medidas que
garanticen el ejercicio del derecho a la consulta.
Artículo 10o.- Acreditación de representantes
10.1 El o los pueblos indígenas participan en los procesos de con-
sulta a través de sus representantes nombrados conforme a sus propios
usos y costumbres, debiendo acreditarlos en el proceso de consulta
ante la entidad promotora, alcanzando un documento formal de acre-
ditación. El indicado documento debe estar firmado por los responsa-
bles del nombramiento de los representantes según corresponda. Las
mismas reglas se siguen en caso se realice un cambio de representantes

166
en el proceso de consulta. Este cambio no altera el proceso ni los
acuerdos alcanzados hasta dicho momento.
Quien presente el documento formal de acreditación debe ser la
persona que aparece registrada en la Base de Datos Oficial como repre-
sentante de la organización representativa del o los pueblos indígenas.
10.2 El número de representantes designados debe considerar las
necesidades del proceso, con enfoque de género y facilitando el diálo-
go intercultural orientado a la búsqueda de acuerdos.
10.3 La falta de organizaciones representativas o representantes no
es obstáculo para la realización del proceso de consulta, debiendo la
entidad promotora adoptar las medidas necesarias para hacer posible
la consulta al o los pueblos indígenas que pudieran ser afectados. Cor-
responde al Viceministerio de Interculturalidad incluir dicho supues-
to en la Guía Metodológica.
10.4 El o los pueblos indígenas, dentro de los treinta (30) días ca-
lendarios de recibido el Plan de Consulta, deben designar a sus repre-
sentantes, conforme lo regula el presente artículo. El nombre de los
o las representantes y los documentos de acreditación son de acceso
público. El plazo de designación de los representantes transcurre den-
tro del plazo de la etapa de información, prevista en el artículo 18 del
Reglamento.
En caso no llegara la acreditación dentro del plazo, se presumirá que
las personas registradas en la Base de Datos son los o las representantes.
Artículo 11o.- De la participación de facilitadores, intérpretes
y asesores en el proceso de consulta
11.1 La Entidad promotora es la responsable de convocar a los
facilitadores, facilitadoras e intérpretes previa coordinación con los
o las representantes del o de los pueblos indígenas. El Viceministerio
de Interculturalidad dictará políticas orientadas a promover la debida
capacitación de facilitadores e intérpretes.

167
11.2 Los y las intérpretes, facilitadores y facilitadoras deben estar
registrados obligatoriamente en el Registro respectivo a cargo del Vi-
ceministerio de Interculturalidad.
11.3 Los pueblos indígenas, a través de sus organizaciones repre-
sentativas y sus representantes están facultados a contar con asesores
durante todo el proceso de consulta, quienes cumplen tareas de co-
laboración técnica en el proceso. Los asesores y asesoras no pueden
desempeñar el rol de vocería.
11.4 La Guía Metodológica establecerá las pautas de actuación de
los facilitadores y facilitadoras, asesores, asesoras e intérpretes. El Vi-
ceministerio de Interculturalidad promueve la participación efectiva
de las mujeres en dichas funciones.
Artículo 12o.- De la participación de interesados en las
medidas administrativas
Cuando la medida administrativa sometida a consulta haya sido
solicitada por un administrado, éste puede ser invitado por la entidad
promotora, por pedido de cualquiera de las partes y en cualquier etapa
del proceso, con el fin de brindar información, realizar aclaraciones
o para evaluar la realización de cambios respecto del contenido de la
indicada medida, sin que ello implique que dicho administrado se
constituya en parte del proceso de consulta.
Artículo 13o.- De la metodología
El proceso de consulta se realiza a través de una metodología con
enfoque intercultural, de género, participativo y flexible a las circuns-
tancias, en el marco de lo establecido en el Convenio 169 de la OIT, la
Ley y el Reglamento. Se rige por los principios establecidos en la Ley
y es acorde con las disposiciones del Reglamento. Para su desarrollo se
considerará la Guía Metodológica.

168
Título iii
Del proceso de consulta
Artículo 14o.- Inicio del proceso
El proceso de consulta se inicia con la etapa de identificación de la
medida a consultar y del o los pueblos indígenas, conforme lo señala-
do por la Ley y el Título I de la presente norma.
Artículo 15o.- Reuniones preparatorias
Las entidades promotoras pueden realizar reuniones preparatorias
con las organizaciones representativas del o de los pueblos indígenas,
a fin de informarles la propuesta de Plan de Consulta.
También podrán realizar dichas reuniones en casos de procedi-
mientos de especial complejidad que requieran precisiones mayores a
las contenidas en el Reglamento.
Artículo 16o.- Del Plan de Consulta
El Plan de Consulta debe ser entregado por la entidad promotora a
las organizaciones representativas de los pueblos indígenas, junto con
la propuesta de la medida a consultar, conteniendo al menos:
a) Identificación del o de los pueblos indígenas a ser consultados;
b) Las obligaciones, tareas y responsabilidades de los actores del
proceso de consulta;
c) Los plazos y el tiempo para consultar, los que deberán adecuarse
a la naturaleza de la medida objeto de consulta;
d) Metodología del proceso de consulta, lugar de reuniones e idio-
mas que se utilizarán, y las medidas que faciliten la participación de
las mujeres indígenas en el proceso;
e) Los mecanismos de publicidad, información, acceso y transpa-
rencia del proceso, así como el mecanismo para realizar consultas o
aclaraciones sobre la medida objeto de consulta.

169
Artículo 17o.- Etapa de publicidad de la medida
Las entidades promotoras de la medida administrativa o legislativa
objeto de consulta deben entregarla a las organizaciones representati-
vas del o los pueblos indígenas que serán consultados, mediante mé-
todos y procedimientos culturalmente adecuados, considerando el o
los idiomas de los pueblos indígenas y sus representantes. Al mismo
tiempo deben entregar el Plan de Consulta.
Una vez que se haya entregado a las organizaciones representativas
del o los pueblos indígenas tanto la propuesta de medida como el Plan
de Consulta, culmina esta etapa e inicia la etapa de información. Tal
hecho debe constar en el portal web de la entidad promotora.
Artículo 18o.- Etapa de información
18.1 Corresponde a las entidades promotoras brindar información
al o los pueblos indígenas y a sus representantes, desde el inicio del
proceso de consulta, sobre los motivos, implicancias, impactos y con-
secuencias de la medida legislativa o administrativa. La etapa de infor-
mación dura entre treinta (30) y sesenta (60) días calendario, según
establezca la autoridad promotora.
18.2 La información debe darse de forma adecuada y oportuna,
con el objetivo de que el o los pueblos indígenas cuenten con infor-
mación suficiente sobre la materia de consulta, así como para evaluar
la medida y formular sus propuestas. Se deben usar medios de comu-
nicación cercanos a la población indígena de tal manera que puedan
llegar efectivamente a sus organizaciones representativas y a sus repre-
sentantes, sobre la base de un enfoque intercultural.
18.3 La entidad promotora alentará que el o los pueblos indígenas
cuenten con la asistencia técnica que fuera necesaria para la compren-
sión de la medida.
Artículo 19o.- Etapa de evaluación interna
19.1 Las organizaciones representativas del o los pueblos indí-
genas y sus representantes deben contar con un plazo razonable en

170
consideración de la naturaleza de la medida con el fin de realizar un
análisis sobre los alcances e incidencias de la medida legislativa o ad-
ministrativa y sobre la relación directa entre su contenido y la afec-
tación de sus derechos colectivos, calidad de vida y desarrollo de los
pueblos indígenas.
19.2 Debe incorporarse dentro de los costos del proceso de consul-
ta el apoyo logístico que debe brindarse a los pueblos indígenas para
la realización de la etapa de evaluación interna y conforme lo señalado
en el artículo 26o del Reglamento.
19.3 Acabado el proceso de evaluación interna, y dentro del plazo
de dicha etapa, los o las representantes del o de los pueblos indígenas
deberán entregarle a la entidad promotora, un documento escrito y
firmado, o de forma verbal, dejándose constancia en un soporte que
lo haga explícito, en el cual podrán indicar su acuerdo con la medida o
presentar su propuesta acerca de lo que es materia de consulta, debien-
do referirse en particular a las posibles consecuencias directas respecto
a las afectaciones a sus derechos colectivos. Si los o las representantes
no pudieran firmarlo, pueden colocar su huella digital.
19.4. En caso los o las representantes del o de los pueblos indíge-
nas señalen que se encuentran de acuerdo con la medida, concluye
el proceso de consulta. La autoridad toma el documento indicado
en el numeral anterior, en que se señala el acuerdo, como Acta de
Consulta. En caso de que los o las representantes de las organizaciones
representativas del o los pueblos indígenas presenten modificaciones,
aportes o propuestas, tales servirán para iniciar la etapa de diálogo
propiamente dicha.
19. 5 En caso los o las representantes del o de los pueblos indígenas
no expresen su voluntad colectiva conforme lo señalado en el numeral
19.3 dentro del plazo previsto para la evaluación interna, la entidad
promotora entenderá que existe desacuerdo con la medida y convo-
cará a la primera reunión de la etapa de diálogo. En dicha reunión los
o las representantes deberán presentar los resultados de la evaluación

171
interna. En caso no pudieran entregarlos, por razones debidamente
justificadas, la entidad promotora volverá a citarlos en dicha reunión,
y dentro del plazo de la etapa de diálogo, con el fin de recibir dicha
evaluación e iniciar la búsqueda de acuerdos, de ser el caso.
Si a pesar de lo señalado en el párrafo anterior, los o las represen-
tantes del o de los pueblos indígenas no presentaran los resultados
de la evaluación interna, sean en forma oral o escrita, se entenderá
abandonado el proceso de consulta y se pasará a la etapa de decisión.
19.6 En caso de haber varios representantes del o de los pueblos
indígenas, con opiniones divergentes, cada una de ellos podrá emitir
sus propias opiniones sobre la medida materia de consulta. Todas las
partes, incluso las que señalaron su acuerdo, tienen el derecho de par-
ticipar en este caso en la etapa de diálogo.
19.7 La evaluación interna debe completarse dentro de un plazo
máximo de treinta (30) días calendario.
Artículo 20o.- Etapa de diálogo
20.1 El diálogo intercultural se realiza respecto de aquellos aspec-
tos en donde se presentan diferencias entre las posiciones de la pro-
puesta de la entidad promotora y las presentadas por el o los pueblos
indígenas. Esta debe guiarse por un esfuerzo constante, y de buena fe,
por alcanzar acuerdos sobre la medida objeto de consulta. 20.2 En el
caso de medidas legislativas o administrativas de alcance general, la
etapa de diálogo se realiza en la sede de la entidad promotora, salvo
que las partes elijan una sede distinta, la cual debe contar con las fa-
cilidades que permitan el adecuado desarrollo del proceso.
20.3 En el
caso de consulta de actos administrativos, la etapa de diálogo se reali-
zará en un lugar que facilite la participación de los o las representantes
del o de los pueblos indígenas.
20.4 Si algún pueblo indígena, que ya
es parte del proceso de consulta al haber sido debidamente informado
y convocado, no participara en la etapa de diálogo, y en tanto aún no
se haya firmado el Acta de Consulta, puede incorporarse al proceso,

172
previa presentación de sus aportes y aceptando el estado en el que se
encuentra el proceso al momento de su incorporación, incluyendo los
acuerdos que ya se hubieran adoptado.
20.5 La entidad promotora deberá, en caso sea necesario y para el
desarrollo de esta etapa, cubrir los costos de los traslados, alimentaci-
ón y alojamiento de los o las representantes del o de los pueblos indí-
genas y de los miembros de organizaciones representativas indígenas
necesarios para el desarrollo del proceso de consulta; de conformidad
con lo señalado en el artículo 26o del Reglamento.
20.6 El período máximo de esta etapa será de treinta (30) días
calendario, pudiendo ser extendido, por razones debidamente justifi-
cadas y por acuerdo de las partes.
20.7 En el desarrollo de la etapa de diálogo se observarán las si-
guientes reglas mínimas:
a) El o los pueblos indígenas tienen el derecho de usar su lengua
nativa o el idioma oficial. Cuando alguna de las partes desconozca el
idioma del interlocutor se contará con los intérpretes respectivos.
b) Al iniciar la etapa de diálogo, la entidad promotora de la medida
legislativa o administrativa debe realizar una exposición sobre los de-
sacuerdos subsistentes al terminar la etapa de evaluación interna sobre
la base de los documentos que las partes presentaron al finalizar dicha
etapa. Realizada esta presentación se inicia el proceso de búsqueda de
consenso.
Artículo 21o.- Suspensión y abandono del proceso de diálogo
21.1 Si durante el proceso de consulta se produjeran actos o hechos
ajenos a las partes que perturbaran el proceso de diálogo, la entidad
promotora suspenderá el mismo hasta que se den las condiciones re-
queridas, sin perjuicio de que las autoridades gubernamentales com-
petentes adopten las medidas previstas en la legislación. La decisión de
suspensión se sustentará en un informe motivado sobre los actos o he-
chos que afectan el proceso de diálogo, no pudiendo dicha suspensión

173
o la suma de ellas, de ser el caso, superar el plazo de quince (15) días
calendario.
Cumplido ese plazo la entidad promotora podrá convocar al diálo-
go en un lugar que garantice la continuidad del proceso, en coordina-
ción, de ser posible, con los o las representantes del o de los pueblos
indígenas.
En cualquier caso, la entidad promotora pondrá fin al proceso de
diálogo si el incumplimiento del principio de buena fe impidiera la
continuación del proceso de consulta, elaborando un informe sobre
las razones que sustentan dicha decisión, sin perjuicio de que las auto-
ridades gubernamentales competentes adopten las medidas previstas
en la legislación, de ser el caso, luego de lo cual se pasará a la etapa
de decisión.
21.2 El o los pueblos indígenas pueden desistirse, no continuar, o
abandonar el proceso de consulta. Las entidades promotoras deben
agotar todos los medios posibles previstos en la Ley y el Reglamento
para generar escenarios de diálogo. Si luego de lo señalado no es po-
sible lograr la participación del o de los pueblos indígenas, a través de
sus organizaciones representativas, la entidad promotora dará el pro-
ceso por concluido, elaborando un informe que sustente la decisión
adoptada, dentro del plazo de la etapa de diálogo.
Artículo 22o.- Acta de consulta
22.1 En el Acta de Consulta deben constar, de ser el caso, los
acuerdos adoptados, señalando expresamente si los mismos son totales
o parciales. En caso de no existir acuerdo alguno, o cuando el acuer-
do es parcial, debe quedar constancia de las razones del desacuerdo
parcial o total.
22.2 El Acta será firmada por los o las representantes del o de los
pueblos indígenas y por los funcionarios y funcionarias debidamente
autorizados de la entidad promotora.
De negarse a firmar el Acta, se entenderá como una manifestación
de desacuerdo con la medida, y se pasará a la etapa de decisión.

174
Artículo 23o.- Etapa de decisión
23.1 La decisión final sobre la aprobación de la medida legislativa
o administrativa corresponde a la entidad promotora. Dicha decisi-
ón debe estar debidamente motivada e implica una evaluación de los
puntos de vista, sugerencias y recomendaciones planteados por el o
los pueblos indígenas durante el proceso de diálogo, así como el aná-
lisis de las consecuencias directas que la adopción de una determinada
medida tendría respecto a sus derechos colectivos reconocidos en la
Constitución Política del Perú y en los tratados ratificados por el Es-
tado Peruano.
23.2 De alcanzarse un acuerdo total o parcial entre el Estado y el o
los pueblos indígenas, como resultado del proceso de consulta, dicho
acuerdo es de carácter obligatorio para ambas partes.
23.3 En caso de que no se alcance un acuerdo y la entidad pro-
motora dicte la medida objeto de consulta, le corresponde a dicha
entidad adoptar todas las medidas que resulten necesarias para garan-
tizar los derechos colectivos del o de los pueblos indígenas, así como
los derechos a la vida, integridad y pleno desarrollo, promoviendo la
mejora de su calidad de vida. Los o las representantes que expresen
su desacuerdo tienen el derecho de que el mismo conste en el Acta
de Consulta.
Artículo 24o.- Plazo máximo del proceso de consulta
El plazo máximo para el desarrollo de las etapas de publicidad, in-
formación, evaluación interna y diálogo es de ciento veinte (120) días
calendario; contados a partir de la entrega de la propuesta de medida
administrativa o legislativa hasta la firma del Acta de Consulta.
Artículo 25o.- Informe de consulta
Culminado el proceso de consulta, la entidad promotora debe pu-
blicar en su portal web un Informe conteniendo:
a) La propuesta de medida que se puso a consulta.

175
b) El Plan de Consulta.
c) Desarrollo del proceso.
d) Acta de Consulta.
e) Decisión adoptada, de ser el caso.
El Informe Final debe ser remitido a los o las representantes del o
de los pueblos indígenas que participaron en el proceso de consulta.
Artículo 26o.- Financiamiento del proceso de consulta
26.1 En el caso de medidas legislativas y administrativas de alcance
general, corresponde a la entidad promotora financiar los costos del
proceso de consulta.
26.2 En el caso de consultas de actos administrativos, los costos del
proceso se incorporan en las tasas que cubren los costos del trámite de
la indicada medida.
26.3 Las entidades promotoras identificarán o modificarán en sus
TUPA los procedimientos a los que se le aplique el presente artículo.
Artículo 27o.- De la consulta de medidas legislativas u otras de
alcance general a cargo del Gobierno Nacional.
27.1 Las medidas legislativas o administrativas de alcance general,
incluyendo los planes y programas, solo serán consultadas en aquellos
aspectos que impliquen una modificación directa de los derechos co-
lectivos de los pueblos indígenas.
27.2 Para tal fin, se consultará al o los pueblos indígenas, a tra-
vés de sus representantes elegidos de acuerdo a sus propios usos y
costumbres.
27.3 El proceso de consulta a los pueblos indígenas referido en el
inciso anterior, se realizará a través de sus organizaciones representati-
vas asentadas en el ámbito geográfico de la medida.
27.4 Conforme al numeral 8 del artículo 118o de la Constitución
Política del Perú, las medidas reglamentarias no pueden transgredir
ni desnaturalizar las leyes, por lo que no pueden cambiar la situación

176
jurídica de los derechos colectivos de los pueblos indígenas previstos
en la ley. Sin perjuicio de lo anterior, podrían utilizarse los mecanis-
mos de participación ciudadana previstos en la legislación, distintos a
la consulta, conforme lo señala el Convenio 169 de la OIT.
27.5 Cuando, de manera excepcional, el Poder Ejecutivo ejercite
las facultades legislativas previstas en el artículo 104o de la Constituci-
ón Política del Perú, se consultará aquellas disposiciones del proyecto
de Decreto Legislativo que impliquen una modificación directa de los
derechos colectivos de los pueblos indígenas. El Poder Ejecutivo in-
cluirá, en el pedido de delegación de facultades, un período adicional
para el desarrollo del proceso de consulta.
27.6 La consulta de los proyectos de Decretos Legislativos se rea-
lizará sólo respecto del artículo o artículos que pudieran implicar un
cambio en la situación jurídica de un derecho colectivo reconocido a
los pueblos indígenas. Estarán comprendidos en el proceso de consul-
ta sólo los pueblos indígenas que pudieran ser afectados directamente
por el artículo o artículos antes indicados, a través de sus organizacio-
nes representativas asentadas en el ámbito geográfico de la medida.
27.7 La dación de Decretos de Urgencia se rige por las reglas esta-
blecidas en el numeral 19 del artículo 118o de la Constitución Polí-
tica del Perú.

Título IV
De las funciones del Viceministerio de Interculturalidad
sobre el Derecho a la Consulta
Artículo 28o.- Funciones del Viceministerio de Interculturalidad
Son funciones del Viceministerio de Interculturalidad las estable-
cidas por Ley y el Reglamento de Organización y Funciones del Mi-
nisterio de Cultura. Estas incluyen:

177
1. Concertar, articular y coordinar la política estatal de implemen-
tación del derecho a la consulta. Asimismo, brinda opinión previa
sobre procedimientos para aplicar el derecho a la consulta.
2. Brindar asistencia técnica y capacitación previa a las entidades pro-
motoras y a las organizaciones representativas y a sus representantes, del
o de los pueblos indígenas, así como atender las dudas que surjan en cada
proceso en particular, en coordinación con las entidades promotoras.
3. Emitir opinión, de oficio o a pedido de cualquiera de las en-
tidades promotoras, sobre la calificación de las medidas legislativas
o administrativas proyectadas por dichas entidades, sobre el ámbito
de la consulta y la determinación del o de los pueblos indígenas a ser
consultados, así como sobre el Plan de Consulta.
4. Asesorar a la entidad responsable de ejecutar la consulta y al o
los pueblos indígenas que son consultados en la definición del ámbito
y características de la misma.
5. Elaborar, consolidar y actualizar la Base de Datos Oficial relativa
a los pueblos indígenas, en donde también se registrarán sus organi-
zaciones representativas.
6. Registrar los resultados de las consultas realizadas. Para tal fin,
las entidades promotoras deben remitirle en formato electrónico, los
Informes de Consulta. La información debe servir de base para el se-
guimiento del cumplimiento de los acuerdos adoptados en los proce-
sos de consulta.
7. Crear, mantener y actualizar un Registro de Facilitadores, así
como el Registro de Intérpretes de las lenguas indígenas.
8. Dictar una Guía Metodológica para la implementación del de-
recho de consulta, incluyendo documentos modelo, en el marco de la
Ley y el Reglamento.
Artículo 29o.- Base de Datos Oficial
29.1 La Base de Datos Oficial de los pueblos indígenas y sus orga-
nizaciones a que hace referencia la Ley, constituye un instrumento de

178
acceso público y gratuito, que sirve para el proceso de identificación
de los pueblos indígenas. No tiene carácter constitutivo de derechos.
29.2 El Viceministerio de Interculturalidad es la entidad respon-
sable de elaborar, consolidar y actualizar la Base de Datos Oficial.
Mediante Resolución Ministerial del Ministerio de Cultura se aprue-
ba la directiva que la regula, incluyendo los procedimientos para la
incorporación de información en la misma, en particular la disponible
en las distintas entidades públicas, así como para la coordinación con
las organizaciones representativas de los pueblos indígenas. La Resolu-
ción Ministerial se aprobará dentro de los treinta (30) días calendario
de la entrada en vigencia del Reglamento.
29.3 Todo organismo público al cual se le solicite información para
la construcción de la Base de Datos Oficial está en la obligación de
brindarla.
Artículo 30o.- Deberes del funcionario público en el proceso
de consulta
Los funcionarios y funcionarias públicos que participen en cual-
quiera de las etapas del proceso de consulta deberán actuar, bajo res-
ponsabilidad, en estricto cumplimiento de lo establecido en la Ley y
el Reglamento, en el marco del principio de Buena Fe.

Disposiciones complementarias, transitorias y finales


Primera.- Aplicación del reglamento
Las entidades promotoras deberán aplicar los procedimientos esta-
blecidos en la Ley y el Reglamento de forma inmediata.
Segunda.- Seguimiento
La Presidencia del Consejo de Ministros creará una Comisión
Multisectorial para el seguimiento de la aplicación del derecho a la
consulta, la cual estará integrada por representantes de los sectores del

179
Poder Ejecutivo con responsabilidades en la aplicación del presente
Reglamento. Esta Comisión emitirá informes, y podrá plantear reco-
mendaciones para la debida implementación y mejora en la aplicación
del derecho a la consulta. Para tal fin, podrá convocar a expertos que
colaboren en el desarrollo de sus responsabilidades.
Tercera.- Progresividad del Registro de Facilitadores e
Intérpretes
La obligación establecida en el artículo 11.2 entrará en vigencia
progresivamente conforme lo establezca el Ministerio de Cultura, me-
diante Resolución Ministerial, el cual definirá las medidas transitorias
que correspondan. En tanto, los facilitadores e intérpretes son pro-
puestos por el Viceministerio de Interculturalidad.
Cuarta.- Excepción a derecho de tramitación
El presente Decreto Supremo constituye la autorización prevista
en el artículo 45o, numeral 45.1 de la Ley No 27444, Ley del Proce-
dimiento Administrativo General, respecto de las tasas que cubran el
costo del proceso de consulta.
Quinta.- Derecho a la participación
Conforme a lo señalado en el Convenio 169 de la OIT, correspon-
de a las distintas entidades públicas, según corresponda, desarrollar los
mecanismos de participación dispuestos en la legislación vigente, los
cuales serán adicionales o complementarios a los establecidos para el
proceso de consulta.
Sexta.- Contenidos de los instrumentos del sistema nacional de
evaluación de impacto ambiental
El contenido de los instrumentos del Sistema Nacional de Evalua-
ción de Impacto Ambiental señalados en el artículo 11o del Decreto

180
Supremo No 019-2009-MINAM, incluirá información sobre la posi-
ble afectación de los derechos colectivos de los pueblos indígenas que
pudiera ser generada por el desarrollo del proyecto de inversión.
Sétima.- Garantías a la Propiedad comunal y del derecho a la
tierra de los pueblos indígenas.
El Estado brinda las garantías establecidas por Ley y por la Consti-
tución Política del Perú a la propiedad comunal. El Estado, en el mar-
co de su obligación de proteger el derecho de los pueblos indígenas
a la tierra, establecido en la Parte II del Convenio 169 de la OIT, así
como al uso de los recursos naturales que les corresponden conforme
a Ley, adopta las siguientes medidas:
a) Cuando excepcionalmente los pueblos indígenas requieran ser
trasladados de las tierras que ocupan se aplicará lo establecido en el
artículo 16 del Convenio 169 de la OIT, así como lo dispuesto por la
legislación en materia de desplazamientos internos.
b) No se podrá almacenar ni realizar la disposición final de mate-
riales peligrosos en tierras de los pueblos indígenas, ni emitir medidas
administrativas que autoricen dichas actividades, sin el consentimien-
to de los titulares de las mismas, debiendo asegurarse que de forma
previa a tal decisión reciban la información adecuada, debiendo cum-
plir con lo establecido por la legislación nacional vigente sobre residu-
os sólidos y transporte de materiales y residuos peligrosos.
Octava.- Aprobación de medidas administrativas con carácter
de urgencia
En caso las entidades promotoras requieran adoptar una medida
administrativa con carácter de urgencia, debidamente justificado, el
proceso de consulta se efectuará considerando los plazos mínimos
contemplados en el presente reglamento.

181
Novena.- Protección de pueblos en aislamiento y en contacto inicial
Modifíquese el artículo 35o del Decreto Supremo No 008-2007-MI-
MDES conforme al siguiente texto:
“Artículo 35o.- Aprovechamiento de recursos por necesidad públi-
ca.- Cuando en la reserva indígena se ubique un recurso natural cuya
exploración o explotación el Estado considere de necesidad pública,
la autoridad sectorial competente solicitará al Viceministerio de In-
terculturalidad del Ministerio de Cultura la opinión técnica previa
vinculante sobre los estudios de impacto ambiental requeridos con-
forme a Ley.
La opinión técnica, será aprobada por Resolución Vice Minis-
terial y deberá contener las recomendaciones u observaciones que
correspondan.
Corresponde al Viceministerio de Interculturalidad adoptar o co-
ordinar las medidas necesarias con los sectores del Régimen Especial
Transectorial de Protección, a fin de garantizar los derechos del pueblo
en aislamiento o contacto inicial.”
Décima.- Participación en los beneficios
Conforme a lo señalado en el artículo 15 del Convenio 169 de la
OIT, los pueblos indígenas deberán participar siempre que sea posible
en los beneficios que reporte el uso o aprovechamiento de los recur-
sos naturales de su ámbito geográfico, y percibir una indemnización
equitativa por cualquier daño que puedan sufrir como resultado de las
mismas, de acuerdo a los mecanismos establecidos por ley.
Décimo Primera.- Publicación de la Guía Metodológica
La Guía Metodológica se publicará en el portal web del Ministerio
de Cultura dentro de los treinta (30) días calendario contados desde
la entrada en vigencia del Reglamento. El Viceministerio de Inter-
culturalidad realizará actualizaciones periódicas de dicho documento.

182
Décimo Segunda.- Medidas administrativas complementarias
Cuando una medida administrativa ya consultada requiera, para
dar inicio a las actividades autorizadas por ella, de la aprobación de
otras medidas administrativas de carácter complementario, estas últi-
mas no requerirán ser sometidas a procesos de consulta.
Décimo Tercera.- Coordinación en procesos de promoción de la
inversión privada
En el caso de los procesos de promoción de la inversión privada,
corresponderá a cada Organismo Promotor de la Inversión Privada
coordinar con la entidad promotora la oportunidad en que ésta debe-
rá realizar la consulta previa, la cual debe ser anterior a la aprobación
de la medida administrativa correspondiente.
Décimo Cuarta.- Reinicio de Actividad
No requerirá proceso de consulta aquella medida administrativa
que apruebe el reinicio de actividad, en tanto no implique variación
de los términos originalmente autorizados.
Décimo Quinta.- Educación, Salud y Provisión de Servicios
Públicos
La construcción y mantenimiento de infraestructura en materia de
salud, educación, así como la necesaria para la provisión de servicios
públicos que, en coordinación con los pueblos indígenas, esté orien-
tada a beneficiarlos, no requerirán ser sometidos al procedimiento de
consulta previsto en el Reglamento.
Décimo Sexta.- Financiamiento
La aplicación de la presente norma se hará con cargo al presu-
puesto institucional de las entidades promotoras correspondientes sin
demandar recursos adicionales al Tesoro Público.

183
Ley n. 222,
de 10 de febrero de 2012

Ley de consulta a los pueblos indígenas del Territorio Indígena


y Parque Nacional Isiboro Sécure - Tipnis

Artículo 1.- (Objeto)


La presente ley tiene por objeto convocar al proceso de Consulta
Previa Libre e Informada a los pueblos indígenas del Territorio In-
dígena y Parque Nacional Isiboro Sécure – TIPNIS, y establecer el
contenido de este proceso y sus procedimientos.
Artículo 2.- (Marco normativo)
El derecho de las naciones y pueblos indígena originario campesi-
nos a ser consultados está establecido en numeral 15, parágrafo II, del
artículo 30 y en el artículo 352 de la Constitución Política del Estado,
en la Ley Nº 1257 de 11 de julio de 1991 (Convenio 169 de la Or-
ganización Internacional del Trabajo – OIT) y en la Ley Nº 3760 de
7 de noviembre de 2007 (Declaración de Naciones Unidas sobre los
Derechos de los Pueblos Indígenas).
Artículo 3.- (Ámbito de la Consulta Previa Libre e Informada)
La Consulta Previa Libre e Informada se realizará en el ámbito de
las comunidades indígena originario campesinas Mojeño-Trinitarias,

185
Chimanes y Yuracarés, que habitan el Territorio Indígena y Parque
Nacional Isiboro Sécure – TIPNIS, respetando sus normas y procedi-
mientos propios.
Artículo 4.- (Finalidad de la consulta)
Lograr un acuerdo entre el Estado Plurinacional de Bolivia y los
pueblos indígena originario campesinos Mojeño-Trinitario, Chimane
y Yuracaré sobre los siguientes asuntos:
1. Definir si el Territorio Indígena y Parque Nacional Isiboro Sé-
cure (TIPNIS) debe ser zona intangible o no para viabilizar el desar-
rollo de las actividades de los pueblos indígenas Mojeño-Trinitario,
Chimane y Yuracaré, así como la construcción de la Carretera Villa
Tunari - San Ignacio de Moxos.
2. Establecer las medidas de salvaguarda para la protección del
Territorio Indígena y Parque Nacional Isiboro Sécure – TIPNIS, así
como las destinadas a la prohibición y desalojo inmediato de asenta-
mientos ilegales dentro de la línea demarcatoria del TIPNIS;
Artículo 5.- (Sujetos del derecho a ser consultados)
I. Son sujetos del derecho a ser consultados, en concordancia con
el artículo primero del Convenio 169 de la Organización Internacio-
nal del Trabajo – OIT (Ley Nº 1257 de 11 de julio de 1991), todas
las comunidades Mojeño-Trinitarias, Chimanes y Yuracarés del Terri-
torio Indígena y Parque Nacional Isiboro Sécure - TIPNIS.
II. Los idiomas en el proceso de consulta serán: mojeño-trinitario,
mojeño-ignaciano, chimane, yuracaré y castellano.
Artículo 6.- (Obligaciones de los Órganos del Estado
Plurinacional de Bolivia)
I. El Órgano Ejecutivo, a través del Ministerio de Agua y Medio
Ambiente y el Ministerio de Obras Públicas, en coordinación con
las comunidades Mojeño-Trinitarias, Chimanes y Yuracarés, son los

186
encargados de llevar adelante el proceso de Consulta Previa Libre e
Informada.
II. El Órgano Ejecutivo, a través del Ministerio de Economía y
Finanzas, debe garantizar los recursos suficientes para la implementa-
ción del proceso de consulta.
III. El Órgano Ejecutivo, a través de los Ministerios correspon-
dientes, está obligado a brindar la información detallada de manera
oportuna, a fin de garantizar que el proceso de consulta sea de buena
fé, libre, informado, participativo y transparente.
IV. Conforme a lo establecido en la Constitución Política del Es-
tado y, particularmente, de acuerdo al numeral 2 del artículo 15 de
la Declaración de Naciones Unidas sobre los Derechos de los Pue-
blos Indígenas (Ley Nº 3760 de 7 de noviembre de 2007), el Órgano
Ejecutivo adoptará las medidas eficaces, en consulta, coordinación y
cooperación con los pueblos Mojeño-Trinitario, Chimane y Yuracaré,
para combatir los prejuicios, eliminar la discriminación y promover
la tolerancia, la comprensión y las buenas relaciones entre los pueblos
indígenas, y entre ellos y todos los demás sectores de la sociedad.
Artículo 7.- (Observación, acompañamiento e informe)
I. El Órgano Electoral Plurinacional, a través del Servicio Intercul-
tural de Fortalecimiento Democrático (SIFDE), será el encargado de
la observación y acompañamiento de la Consulta Previa, libre e infor-
mada, debiéndosele informar sobre el cronograma y procedimiento
establecido para la consulta con una anticipación de 30 días.
II. Concluido el proceso de observación y acompañamiento a la
Consulta Previa Libre e Informada, el Servicio Intercultural de For-
talecimiento Democrático elaborará el respectivo informe de acom-
pañamiento, señalando los resultados de la consulta.
III. El Estado Plurinacional de Bolivia invitará a las organizaciones
internacionales, relacionadas con la temática de la consulta, en calidad
de veedores internacionales.

187
Artículo 8.- (Plazo)
La Consulta Previa Libre e Informada se realizará, desde su inicio
hasta su conclusión, en un plazo máximo de 120 días a partir de la
promulgación de la presente Ley.
Artículo 9.- (Etapas del proceso)
El proceso de consulta deberá cumplir, al menos, con las siguientes
etapas:
1. Preparación de la consulta:
a) Cronograma y protocolo de la consulta;
b) Acopio de la información pertinente;
c) Notificación previa;
d) Publicidad de la consulta;
e) Provisión de información pertinente.
2. Instalación y desarrollo de la consulta:
a) Comunicación a los pueblos mojeño-trinitario, chimane y yura-
caré de toda la información, necesaria y suficiente, para el desarrollo y
cumplimiento de la finalidad de la Consulta.
b) Consideración y definición sobre si el Territorio Indígena y Par-
que Nacional Isiboro Sécure – TIPNIS, es zona intangible o no, y
sobre la construcción de la carretera Villa Tunari – San Ignacio de
Moxos;
c) Consideración y decisión sobre las medidas de salvaguarda para
la protección del Territorio Indígena y Parque Nacional Isiboro Sécu-
re – TIPNIS, así como las destinadas a la prohibición y desalojo in-
mediato de asentamientos ilegales, dentro de la línea demarcatoria, y
determinar los mecanismos para mantener la zonificación establecida
en el Plan de Manejo del TIPNIS;
3. Resultados de la Consulta:
a) Suscripción de actas de conclusiones;
b) Notificación de las decisiones.

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Artículo 10.- (Carácter de los acuerdos de la Consulta)
Los acuerdos logrados en el proceso de Consulta son de cumpli-
miento obligatorio para el Estado Plurinacional y los pueblos indí-
gena originario campesinos Mojeño-Trinitario, Chimane y Yuracaré.
Artículo 11.- (Ejecución de los acuerdos)
Los acuerdos logrados, en materia legislativa o administrativa,
serán ejecutadas, inmediatamente después de la Consulta, por la
Asamblea Legislativa Plurinacional y por el Órgano Ejecutivo, según
corresponda.
Documentos dos
movimentos sociais,
entidades de apoio, ONGs
e entidades científicas
brasileiros
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