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UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ

Curso de Direito

EUTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

ANDRÉ DORNELAS DA CUNHA

Rio de Janeiro

2019.1
ANDRÉ DORNELAS DA CUNHA

EUTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Artigo Científico Jurídico apresentado à


Universidade Estácio de Sá, Curso de Direito,
como requisito parcial para conclusão da
disciplina Trabalho de Conclusão de Curso.

Orientadora: Profa. XXXXXXXXXXXXXXXX

Rio de Janeiro

Campus Presidente Vargas

2019.1
2

2. DESENVOLVIMENTO

2.1 EUTANÁSIA

O termo euthanatos é de origem grega, e sua etimologia significa “boa morte” ou


“morte sem dor”. A denominação eutanásia, posteriormente, foi criada no século XVII, pelo
filósofo Francis Bacon, em sua obra Historia vitaes et mortis, de 1623, para designar o
tratamento adequado de enfermidades incuráveis.1
Kallas e Pustrelo2 definem a eutanásia como a morte piedosa a um indivíduo em
estado terminal, ou que se encontra num estado de extremo sofrimento provocado por doença
ou qualquer outro incidente. Os autores diferenciam a eutanásia ativa da eutanásia passiva,
também denominada de ortotanásia. Muito embora, os dois tipos sejam meios de encurtar a
vida do paciente que sofre de uma doença terminal incurável, lesão ou invalidez irreversível,
que lhe causa sérios e insuportáveis sofrimentos, propiciando-lhe uma morte digna.
Roxin3 explica que a eutanásia ativa é caracterizada pela adoção de condutas médicas
comissivas, que tendem a abreviar a morte. Ortotanásia significa morte correta, isto é, a
morte pelo seu processo natural. Neste caso, o paciente está em processo natural da morte e
recebe uma contribuição do médico para que esse estado siga seu curso natural. Somente o
médico pode realizar a ortotanásia e, ainda não está obrigado a prolongar a vida do paciente
contra a vontade deste e muito menos aprazar a sua dor. A ortotanásia é conduta atípica face
ao Código Penal, pois não é causa de morte do indivíduo, uma vez que o processo de morte
já está instalado.
Dessa forma, face às dores fortes sofridas pelo paciente terminal, consideradas por
este como insuportáveis e inúteis, o médico deve atuar para amenizá-la, mesmo que a
consequência venha a ser, indiretamente a morte do paciente.4
Existe a prática da distanásia, que é contrária a eutanásia e ortotanásia, consiste em
alongar, de modo artificial, a vida de um paciente incurável e, assim, o seu sofrimento
também é prolongado. Dias5 ressalta que muitas vezes o desejo de recuperação do paciente a

1
KALLAS, Matheus; PUSTRELO, Rafael. Eutanásia: direito à morte digna. Revista Eletrônica da Faculdade de
Direito de Franca, v. 11, n. 1, p. 299-325, jul. 2016, p. 301.
2
Ibidem, p. 301-302.
3
ROXIN, Claus. A apreciação jurídico-penal da eutanásia. Revista Brasileira de Ciências Criminais, São Paulo,
v. 8, n. 32, out.-dez. 2003, p. 15.
4
VIEIRA, Rodrigues (1999) apud KALLAS, Matheus; PUSTRELO, Rafael. Op. cit., p. 302.
5
DIAS, Maria Helena. O estado atual do Biodireito. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 156.
3

qualquer custo, ao invés de auxiliar ou possibilitar uma morte natural, acaba prolongando sua
agonia. Nesse sentido, a autora frisa que “trata-se do prolongamento exagerado da morte de
um paciente terminal ou tratamento inútil. Não visa prolongar a vida, mais sim o processo de
morte”.
Kallas e Pustrelo6 destacam que a junção de aspectos geográficos, sociais, políticos e
econômicos espalham pelo nosso continente a morte miserável e precoce de crianças, jovens,
adultos e anciãos: a conhecida eutanásia social, também chamada de mistanásia. A fome, as
condições de moradia precárias, falta de água encanada, desemprego ou condições de
trabalho difíceis, entre outros aspectos, ajudam a espalhar a falta de saúde e uma cultura
excludente e mortífera.
Outra forma de eutanásia é o suicídio assistido, que ocorre quando um indivíduo, uma
terceira pessoa ajuda o doente, que não dispõe de meios para conseguir, por si só, a sua
morte, oferecendo meios para a sua execução. O paciente é que causa a sua morte com a
ajuda de alguém. A distinção para que o suicídio assistido seja considerado como uma forma
de eutanásia é que o paciente tenha, anteriormente, solicitado ajuda para morrer diante do
fracasso de obter melhora do seu estado clínico, quando verificar que os métodos
terapêuticos e paliativos contra o estado lamentável que se acha e que acaba por retirar a sua
dignidade, isto é, o próprio doente conclui que sofrerá sem conseguir a reversão do seu caso,
sobrevivendo como um vegetal. Mesmo o paciente solicitando e consentindo a ajuda de
terceiro, a conduta ainda é tida como ilícita.7
Moraes e Ribeiro8 salientam outra situação comum é a da morte encefálica, isto é, a
ausência de função encefálica, situação incompatível com a vida, quando os pacientes
perdem de forma permanente a capacidade de responder ao meio ambiente, de pensar e de se
comunicar com as outras pessoas. No estado vegetativo, as funções do tronco cerebral como
a respiração e a circulação permanecem, mas as funções corticais superiores responsáveis
pela cognição não permanecem. Enquanto que a morte encefálica ou cerebral é uma situação

6
KALLAS, Matheus; PUSTRELO, Rafael. Op. cit., p. 302-303.
7
SILVA, Pâmela. A eutanásia em face ao princípio da dignidade da pessoa humana. 2016. Disponível em:
<http://nippromove.hospedagemdesites.ws/anais_simposio/arquivos_up/documentos/artigos/a688258a865916e4
1a9b883e923172cd.pdf>. Acesso em: 2 abr. 2019.
8
MORAES, José Diniz de; RIBEIRO, Diaulas Costa. Direito à morte (eutanásia) na Constituição Federal: uma
visão semiótica-bioética. Repats – Revista de Estudos e Pesquisas Avançadas do Terceiro Setor, Brasília, v. 3, n.
1, p. 323-345, jan.-jun. 2016, p. 336. Disponível em:
<https://portalrevistas.ucb.br/index.php/REPATS/article/view/7357/pdf>. Acesso em: 1 abr. 2019.
4

em que o cérebro está praticamente morto e o corpo vivo, é considerada a morte clínica. É
um estado do qual até hoje ninguém regressou.
Até pouco tempo, o conceito de morte tradicionalmente aceito era baseada na
cessação total e permanente de todas as funções vitais. Atualmente, especialistas atribuem a
morte da pessoa à morte cerebral, que compromete irreversivelmente a vida. De acordo com
o artigo 3°, da Lei nº 9.434/1997, a Lei de Transplantes, “é considerada para fins de término
da vida humana a morte encefálica”.9

2.2 BIOÉTICA E BIODIREITO

Constituições e tribunais contemporâneos reconhecem o direito à produção científica,


todavia, estabelecem restrições à utilização abusiva da Biotecnologia, pois entendem que a
vida e a dignidade humana tem (universalmente) primazia sobre os demais bens jurídicos.
Tais práticas conduzem a novas reflexões e valorações e, consequentemente, a desafiantes
questões de ordem ético-morais. É nesse contexto que emerge a Bioética, que se preocupa
com o progresso das pesquisas científicas. A Bioética pretendeu se estabelecer como
“monitora moral” desses avanços biotecnológicos que, ora podem ser benéficos, ora podem
ser maléficos para a humanidade10.
O termo Bioética é de autoria do oncologista norte-americano Van Rensselaer Potter
(1911-2001). Na segunda metade do século passado, Potter percebeu que era preciso conter e
regulamentar o poder da capacidade científica do homem. Em 1971, foi criado o primeiro
Instituto de Bioética na Universidade de Georgetown (Washington, D.C.). Warren Reich foi o
pioneiro a editar uma enciclopédia nesse campo do saber.11
Reich12 define Bioética como sendo: “o estudo sistemático da conduta humana no
campo das ciências biológicas e da atenção à saúde, na medida que esta conduta seja
examinada à luz de valores e de princípios morais”. Compreende-se, então, que a Bioética não
se restringe apenas às questões morais ligadas à engenharia genética, mas diz respeito também
a temas como meio ambiente (eco-ética), estudos sanitários e sociais.

9
MORAES, José Diniz de; RIBEIRO, Diaulas Costa. Op. cit., p. 336.
10
REICH, Warren. Encyclopedia of bioethics. v. 1, 3. ed., New York: Macmillan, 1995, p. 21.
11
Ibidem, p. 21.
12
Ibidem, p. 21.
5

Lepargneur13 explica que a Bioética é a resposta da ética aos novos casos e situações
oriundas da ciência na esfera da saúde. Portanto, ele a define como a “expressão crítica do
nosso interesse em usar convenientemente os poderes da medicina para conseguir um
atendimento eficaz dos problemas da vida, saúde e morte do ser humano”.
Apenas quarenta e oito anos separa do nascimento da Bioética e, todos os campos de
saber já reconhecem a relevância desse campo extremamente fértil. Não é uma informação
infundada: biólogos, geneticistas, teólogos, psicanalistas, médicos, antropólogos e outros
tantos estudiosos já perceberam a importância do novo saber de natureza universal. Na
Filosofia, inúmeros filósofos já se inclinaram sobre essa área do conhecimento, como, por
exemplo, Jürgen Habermas14, Álvaro Valls15 e Hugo Engelhardt16, este último com vários
escritos sobre o tema.
Vasta bibliografia, intelectuais se especializando, fundação de comitês de ética na
pesquisa (CEP), e elaboração de legislações, seguindo as recomendações do chamado
Biodireito, comprovam que o fenômeno Bioética veio para ficar. Realmente, não se trata
simplesmente de mais uma moda no mundo científico ou quiçá uma nova teoria filosófica. A
bioética nasceu, desenvolveu-se e está consolidando-se em todas as searas do conhecimento.
Até as Organizações das Nações Unidas (ONU) a reconhece oficialmente. Em 2005, foi
aprovada a “Declaração Universal de Bioética e Direitos Humanos”, durante a III Conferência
Geral da UNESCO. Em 1997, vale acrescentar, que a UNESCO já havia aprovado e
publicado, a “Declaração Universal sobre o Genoma Humano e os Direitos Humanos17”.
O Biodireito é um ramo do Direito cujas pesquisas estão vinculadas aos estudos da
Bioética. Hoje, muitos juristas debruçam-se sobre questões que dizem respeito à proteção da
vida e sua dignidade, procurando fundamentar legislações para tal fim. Barboza18 esclarece
que o Biodireito trata da teoria, da legislação e da jurisprudência referentes às normas

13
LEPARGNEUR, Hubert. Força e fraqueza dos princípios da bioética. Bioética, v. 4, n. 2, Brasília: Conselho
Federal de Medicina, 1996, p. 16.
14
HABERMAS, Jürgen. O futuro da natureza humana. Tradução de Karina Jannini. São Paulo: Martins Fontes,
2004.
15
VALLS, Álvaro. Da ética à bioética. Petrópolis, Rio de Janeiro: Vozes, 2004.
16 ENGELHARDT, H. Fundamentos da bioética. Tradução de José Ceschin. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1998.
17
ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Organização das Nações Unidas para a Educação,
Ciência e Cultura (UNESCO). Declaração Universal sobre Bioética e Direitos Humanos e Declaração Universal
sobre o Genoma Humano e Direitos Humanos. In: Bases conceituais de bioética: enfoque latino-americano.
Tradução de Luciana Pudenzi e Nicolás Campanário. São Paulo: Gaia, 2006, Anexo 2, p. 217 e Anexo 3, p.
255.
18
BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios da bioética e do Biodireito. Bioética 2000, v. 8, n. 2, p. 209-216,
2007, p. 212. Disponível em:
<http://www.revistabioetica.cfm.org.br/index.php/revista_bioetica/article/view/276/275>. Acesso em: 1 abr.
2019.
6

reguladoras da conduta humana diante dos avanços da Biologia, da Biotecnologia e da


Medicina.
As questões referentes à vida e ao viver bem e com dignidade, têm sido tratadas pela
Bioética e pelo Biodireito. Em decorrência da diversidade de práticas e de discursos e, diante
da ausência de um conceito unívoco, a Bioética já foi entendida como ética da vida ou ética
da qualidade de vida, em conformidade com o sentido dado ao termo grego bios, como
sinônimo de ética biomédica ou ética aplicada ao campo da biomedicina e da saúde, entre
outras definições. Sem analisar as virtudes e os problemas com tais definições, todas
encontram-se nos processos do nascer, viver, adoecer e morrer.19
Kottow20 define a Bioética como: “se refere à moralidade dos atos humanos que
alteram, de forma irreversível, os processos, também irreversíveis, dos sistemas vivos”. Como
a condição existencial envolve um conjunto de princípios jurídicos (valores jurídicos
positivados), o exercício e a interação dos princípios constitucionais atraem a incidência de
temas éticos e morais. Daí a necessidade de entendimento dos sentidos e significados dos
discursos sobrepostos, de uma visão semiótica do jogo da linguagem de cada ato de fala nas
respectivas esferas discursivas. No entanto, não serão tratados, pois não fazem parte do objeto
deste estudo.

2.3 O DIREITO À VIDA E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5°, caput, dispõe: “Todos são iguais
perante a lei, sem a distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade”.21 A ordem das garantias não é casual, mas segue uma ordem de
gradação valorativa, levando em consideração a essencialidade das mesmas. A vida vem em
primeiro lugar, por motivos óbvios. Essa essencialidade, reconhecida constitucionalmente,
não é sobre o conteúdo ou o tipo de vida, mas como direito.
O artigo 196, da Carta Magna de 1988, garante o direito à saúde, a inadmissibilidade
da pena de morte no artigo 5°, inciso XLVII, alínea ‘a’, o direito à subsistência, previsto no

19
MORAES, José Diniz de; RIBEIRO, Diaulas Costa. Op. cit., p. 326.
20
KOTTOW, Miguel (1995) apud MORAES, José Diniz de; RIBEIRO, Diaulas Costa. Op. cit., p. 326.
21
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 1 abr. 2019.
7

artigo 7°, o amparo aos idosos, elencado no artigo 230 e a assistência àqueles que dela
necessitem disposta no artigo 203, entre outros dispositivos constitucionais.22
O reconhecimento de um direito cria, para o titular, um feixe de prerrogativas e
faculdades legais na esfera sócio jurídica, o qual pode utilizar e usufruir e dele dispor sem a
interferência de outra pessoa. É certo que compete, à ordem jurídica, regulamentar o conteúdo
dos direitos nos limites dos permissivos constitucionais. No entanto, em nenhum caso,
permite que a regulamentação anule o próprio conteúdo do direito de forma definitiva. Os
aspectos categoriais e conceituais devem sempre ser mantidos.23
O Direito protege valores culturais, morais, éticos, religiosos. Contudo, ao ler o
discurso constitucional na perspectiva da semiótica é uma coisa, a outra é muito diferente, que
é ler o discurso constitucional como discurso cultural, moral, ético ou religioso. Em termos
semióticos, o discurso constitucional possui sua própria identidade e não se confunde com a
defesa de qualquer outra ordem normativa, sem excluir, inicialmente, nenhuma forma de
leitura. Dessa forma, possibilita avançar hermeneuticamente sobre conceitos associados às
tradições e influências ideológicas.24
Desse modo, o conceito de vida na Constituição Federal/1988 não se limita ao aspecto
da condição existencial, mas às garantias e ao propósito da existência humana. Uma
existência concedida contra agressões externas, em condições dignas, com os meios aptos a
satisfazê-la, in fieri à realização plena da personalidade, que se impõe e se habilita a buscar a
realização da felicidade. A frustração da finalidade, a negação das garantias e a cessação da
condição são graves violações aos direitos fundamentais do ser humano, como a dignidade, a
liberdade, a igualdade, a segurança e a propriedade.25

2.4 EUTANÁSIA NO ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO

A legislação penal brasileira é regida pelo Código Penal, de 1940, que foi criada pelo
Decreto Lei n° 2.848, de 7 de dezembro de 1940, o qual não tipificou a prática da eutanásia.
Portanto, a sua prática não é aceita pelo nosso ordenamento jurídico, pois entende-se que a
sua aplicação vai contra o mais valioso dos bens que é a vida, já que é compreendida como

22
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Op. cit.
23
MORAES, José Diniz de; RIBEIRO, Diaulas Costa. Op. cit., p. 328.
24
Ibidem, p. 328-329.
25
Ibidem, p. 329.
8

um homicídio, dessa forma, não existe uma norma legal que aborde a eutanásia, sua prática,
assim, é considerada como homicídio privilegiado.
No caso de um médico praticar a eutanásia, ele pode ser condenado pelo crime de
homicídio com pena de doze a trinta anos de reclusão, ou por crime de auxílio ao suicídio,
com pena de dois a seis anos de reclusão.26
Como não existe um dispositivo penal que configure a prática da eutanásia, cabe ao
juiz analisar a situação detalhadamente e tipificar a conduta de modo análogo. É usado pelo
ordenamento jurídico que a prática de eutanásia está inserida no artigo 121, § 1°, do Código
Penal, que trata de uma redução de pena do crime de homicídio, pois se o autor comete o
crime impelido por razão de relevante valor social ou moral, ou sob o domínio de forte
emoção, logo, o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço.27
Além da norma legal comparar a prática da eutanásia com o homicídio privilegiado,
esta questão também é regulamentada pelo artigo 122, do Código Penal, que menciona induzir
ou instigar uma pessoa a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça com pena de dois a
seis anos de reclusão, se houver a consumação do suicídio e se da tentativa resultar lesão
corporal grave a pena é de um a três anos.28
O Código Civil29 também protege a vida, o seu artigo 2° estabelece que: “A
personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a
concepção, os direitos do nascituro” ou mesmo quando, no artigo 1.694, autoriza “[...] Podem
os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que
necessitem para viver [...]”.
Cabe lembrar que existe o Código de Ética Médica que, segundo o pensamento do pai
da Medicina, Hipócrates, a nenhum ser humano será dado para agradar, nenhum remédio
mortal ou sequer conselhos para induzir a salvação. O artigo 57, deste Código, menciona que
o médico não tem o direito de contribuir direta ou indiretamente para a morte do enfermo.
Assim, o médico de qualquer modo não pode de maneira alguma usar de meios que encurte a
vida de uma pessoa doente mesmo em estado terminal.30

26
SILVA, op. cit., p. 15.
27
BRASIL. Código Penal Brasileiro. 1940. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 1 abr. 2019.
28
Ibidem.
29
BRASIL. Código Civil Brasileiro. 2002. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/LEIS/2002/L10406.htm>. Acesso em: 1 abr. 2019.
30
FRANÇA, Genival. Direito médico. 3. ed. São Paulo: Bik-Procienx, 1992, p. 269-270.
9

O jurista Martins31 entende que desligar os aparelhos que mantém uma pessoa viva
não é crime: “o homem não tem o direito de tirar a vida do seu semelhante. Mas desligar
aparelhos não é matar. Não há polêmica porque não há choque nenhum com o direito
canônico ou o direito natural. O direito à vida é se manter vivo com os próprios meios”, e
esclarece sua afirmativa da seguinte forma:

Quando a pessoa não tem condições de viver pelos meios naturais, quando seus
órgãos não conseguem funcionar sem a ajuda de aparelhos, desligar esses aparelhos
não é eutanásia, pois está-se mantendo a vida artificialmente. Um médico desligar os
aparelhos de uma pessoa que é completamente dependente deles para sobreviver,
que está em coma profundo, por exemplo, ou seus órgãos não funcionam mais
sozinhos, não está praticando eutanásia, já que a pessoa não tem a condição de auto-
sobrevivência.

Brazil32 tenta explicar as razões de ainda os operadores do direito se debater sobre a


eutanásia:

Na realidade, a própria formatação ode nosso Direito é fruto das profundas


divergências geradas nas discussões sobre a eutanásia. Parte da explicação para um
aparente conservadorismo no trato do tema estaria na origem e formação de nossa
própria sociedade, com seus fundamentos baseados na cultura cristã, que prega o
máximo apego à vida e a sua preservação. Mas há também outros fatores que
contribuem para a manutenção da atual compreensão oficial e legal da eutanásia,
como o temor de que atos injustificáveis sejam praticados por alguns em nome de
eventuais benefícios à sociedade ou a individualidades.

Dentro do mesmo pensamento de Brazil, Diniz33 complementa ao afirmar que:

A nossa concepção pública de Justiça está contaminada por concepções privadas de


bem. Essa é uma fragilidade da nossa concepção de razão pública. Nós precisamos
seriamente enfrentar o reconhecimento de que uma razão pública expressa na
Constituição e nas nossas leis não pode deliberar sobre concepções de bem. E
resquícios como estes de reconhecer que a eutanásia é um atentado contra uma
santidade da vida ou contra um princípio de dignidade da vida e não reconhecer
como única instância possível uma deliberação individual é um pressuposto de
heteronomia do nosso processo decisório que está assentado em premissas
particulares de concepção de bem que não são compartilhadas por todos nós.

31
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Direito fundamental da vida. São Paulo: Quartier Latin, 2005, p. 52.
32
BRAZIL, Carlos. Eutanásia em discussão – tema que envolve avaliações éticas, morais, religiosas e legais, a
eutanásia entra em debate. Disponível em: <http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=6645>.
Acesso em: 29 mar. 2019.
33
DINIZ, op. cit., p. 157.
10

No nosso ordenamento jurídico brasileiro existem doutrinadores que são contrários à


regulamentação da eutanásia. D’Urso34 afirma que caso seja legalizada a eutanásia, se estaria
concordando uma maneira de driblar o crime de auxílio ao suicídio pela modalidade
libertadora, burlar o homicídio pela maneira piedosa e, finalmente, driblar o infanticídio e até
o aborto criminoso pela modalidade eugênica ou econômica. Nesse sentido, o autor explica
que:

A vida é nosso bem maior, dádiva de Deus. Não pode ser suprimida por decisão de
um médico ou de um familiar, qualquer que seja a circunstância, pois o que é
incurável hoje, amanhã poderá não sê-lo e uma anomalia irreversível poderá ser
reversível na próxima semana. Afinal, se a sociedade brasileira não aceita a pena de
morte, é obvio que esta mesma sociedade não aceita que se disponha da vida de um
inocente, para poupar o sofrimento ou as despesas de seus parentes. Enquanto for
crime a eutanásia, sua prática deve ser punida exemplarmente.

O professor Ramos35 destaca sobre os receios que rondam uma possível


regulamentação da eutanásia:

A gente pode começar a suspeitar de outros interesses (em casos de adoção da


eutanásia). Interesses do sistema de saúde, que não é só o público, mas é também o
privado, responsável por boa parte da assistência à saúde. obviamente (este
segmento) não tem interesse em um usuário de seus serviços que, sabidamente vai a
óbito daqui a um ou dois anos, que nesse último período de vida vai estar apenas
custando, não gerando recursos.

Dentro do contexto apresentado, verifica-se que embora seja um crime privilegiado, a


sua prática ainda não é instituída pelo Código Penal, devendo o autor que praticou ou ajudou a
sua efetivação ser condenado nos moldes da lei, não importando se foi feito a pedido do
paciente, por razão de piedade. Dessa forma, a prática da eutanásia ocorre nos dias de hoje de
maneira discriminada.
É entendido que, apesar da prática do homicídio realizado no modo da eutanásia ser
tido piedoso, que o autor não tenciona de forma alguma em provocar danos ao paciente, bem
como sua família, pelo contrário, só quer acabar de vez com aquele sofrimento acometido
pelo doente que, às vezes tem noção que sua condição nunca mais será reversível e o pior que
vai se sentir um vegetal, pois não terá sua vida digna de volta e nem uma possível condição de
melhora, ainda sim é considerado crime e sua sanção na maioria das vezes é muito maior do

34
D’URSO, Luiz Flávio Borges. A eutanásia no direito brasileiro. Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de
São Paulo. Disponível em: <http://www.oabsp.org.br/palavra_presidente/2005/81/>. Acesso em: 1 abr. 2019.
35
RAMOS, Dalton (2007) apud BRASIL, op. cit.
11

que se pode esperar, tendo em vista que o “criminoso” nesse caso não só responderá no
âmbito penal, como também no âmbito cível e até no campo ético.36

36
SILVA, op. cit., p. 16.
12

REFERÊNCIAS

BARBOZA, Heloisa Helena. Princípios da bioética e do Biodireito. Bioética 2000, v. 8, n. 2,


p. 209-216, 2007, p. 212. Disponível em:
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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>. Acesso em: 1
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religiosas e legais, a eutanásia entra em debate. Disponível em:
<http://www.universia.com.br/materia/materia.jsp?materia=6645>. Acesso em: 29 mar. 2019.

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Disponível em:
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