Você está na página 1de 4

Milton dá início ao Livro X afirmando em seus versos que Deus fora justo em todos os

momentos; e que a queda sofrida pelos pais da humanidades foi inteiramente merecida,
imputando, portanto, a Deus, qualquer vestígio de injustiça ou nequícia1. Conhecida a
transgressão do homem, pois nada escapa aos olhos de Deus que tudo vê2, os anjos de
guarda abandonam o Paraíso e regressam ao Céu para prestarem contas da sua vigília3;
são absolvidos, dizendo-lhes Deus que não poderiam evitar a entrada de Satanás4. Deus
envia o seu Filho para julgar os transgressores5; o Filho atende ao mandamento do Pai,
confirma a felix culpa6 que fora por ele dita e anuncia a remissão dos pecados7. O filho
desce ao Paraíso e chama por Adão. Adão, temeroso por conta da desobediência8, hesita
em se aproximar do Criador. Deus questiona Adão a razão de sua hesitação, pois que
antes, o pai da humanidade mal o via e de pronto se alegrava quando era visitado. Adão,
envergonhado de estar despido ante a presença de seu Criador, se apresenta triste e
amedontrado e por Eva, que compartilhava dos mesmos sentimentos, era seguido. Deus
questiona Adão sobre a razão de sua vergonha. Logo depois de questionado, Adão conta a
Deus que comera do fruto interdito. Deus se desaponta com as explicações de Adão,
passa-lhe um sermão9. Eva, em seguida, confessa que motivara a queda10. O Filho
repreende as atitudes de Eva11. Deus, então, lhes julga o pecado e faz cumprir a lei
predita. Por conta da transgressão dos pais da humanidade, Deus impõe à serpente12, à
Eva13 e a Adão14 e a Satanás e seus anjos apóstatas penas por conta dos seus crimes por
rebeldia e apostasia. O Filho, amiserando-se dos pecadores, mostra-se misericordioso e
compassivo, julga-os é evidente, com justiça divina, porém, com misericórdia. Veste
ambos15 e reascende para junto do Pai. Pecado e Morte, até então sentados à porta do
inferno, intuem o sucesso de Satanás no mundo novo, e o pecado que nele entrou pelo
homem, e resolvem não mais permanecer confinados ao inferno mas sair também ao
encontro de Satanás, seu pai, até ao lugar do homem. Para facilitar a passagem e a
comunicação entre inferno e o mundo novo, pavimentam uma ampla ponte sobre o caos,
de acordo com o caminho que Satanás escolhera. Depois, a caminho da Terra, encontram-
no ufano de seus sucessos a caminho do inferno; a congratulação mútua. Satanás, em
ardis, chega ao Pandemônio e encontra os seus cúmplices que estavavam (...) a toda hora
à espera do herói em busca de outros mundos16. O líder dos demônios relata
orgulhosamente em assembléia, os seus conseguimentos contra o homem17; Satanás,
mergulhado em soberba, aguardava a ovação de seus seguidores, porém, em vez de
aplausos ouviu-se uma vaia geral dos assistentes, transformados subitamente, como o
próprio Satanás, em serpentes, segundo a maldição recebida no Paraíso; depois, iludidos
com uma mostra da árvore proibida brotando diante deles, tentam colher avidamente o
fruto, e mastigam pó e cinza amarga18. Prosseguiam, no entanto, os procedimentos de
Pecado e Morte. Deus prognostica a vitória final do seu Filho sobre os filhos de Satã, e a
renovação de todas as coisas, mas no presente, ordena aos anjos alterações várias nos
céus e nos elementos. Adão cada vez mais se apercebe da sua condição desgraçada19,
lamenta-se e recusa as condolências de Eva. Ela insiste e finalmente pacifica-o. Depois,
de maneira a livrar da maldição os seus descendentes, propõe a Adão saídas violentas, as
quais ele não aprova, mas alimentando esperanças lembra-lhe a ela a promessa que lhes
fora feita, que a semente dela iria vingar-se da Serpente, e exorta-a a buscar com eles
modos de pacificar Deus, através da contrição e da súplica20.

1 - E justo, não poupou ao homem provas / De Satã, com poder cabal armando-o. / E
arbítrio livre, a fim de descobrir / E repelir ardis de amigo falso. Livro X, v - 8 -11

2 - Livro X, v - 6

3 - Ao Céu ágeis ascenderam / Do Paraíso os anjos, mudos, tristes /P'lo homem, pois
sabiam já da queda, / Muito admirando o modo de o maligno / Sutil entrada achar. Livro
X, v - 18 - 22

4 - Ó anjos em conclave, e vós poderes / Que falhados voltais, não receeis, / Nem da
terra as notícias vos abalem, / Que o desvelo mais sério evitar / Não pôde, já predito,
quando o abismo / Do inferno o tentador passou primeiro. Livro X, v - 34 - 39

5 - Posto homem a julgar o homem caído Livro X, v - 62

6 - Mas tarde / Saldar não é quitar, assim o dia / Cedo o dirá. O saldo da justiça. Livro
X, v- 52 - 54

7 - Vou, julgarei na terra os trangressores, / Mas sabes que quem quer que julgue, o
pior / Deve em mim recair em tempo próprio, / Pois a tal me obriguei; e sem remorsos.
Livro X, v - 72 - 75

8 - E da sua presença se esconderam / Entre árvores copadas. Livro X, v - 100 - 101.

9 - Ao que o porte supremo respondeu. / Era ela teu Deus, que em vez da sua / Lhe
acatasses a voz, ou guia era, / Superior, ou sequer igual. que a ela /Cedesse varonia e o
lugar / Onde Deus te pôs sobre ela, de ti / E por ti feita, cuja perfeição / De longe em
real brio superava. Livro X, v -145 - 151.

10 - Ao que Eva triste e plena de vergonha, / Pronta p'ra confissão, mas ante o juiz / Nem
audaz nem loquaz, respondeu tímida / A serpente enganou-me e eu comi. Livro X, v - 159
- 162

11 - Maldita porque em vício. Saber mais / Não assistia ao homem (já que mais / Não
sabia) e ofensas não mudavam. / Mas Deus por fim a mácula primeira / De Satã lhe
puniu. em termos místiscos / Como a julgou: e à serpe isto imprecou. Livro X, v - 169 -
174.

12 - Por que assim o fizeste, és maldita / Sobre animais de campo e sobre gado; / Sobre o
teu próprio ventre rastearás, / E pó todos os dias comerás. Livro X, v - 175 - 177.
13 - Multiplicarei muito as tuas dores / Da concepção; darás filhos ao mundo, / Em
dores darás, e ao querer do teu marido / O teu sujeitarás, senhor de ti. Livro X, v - 193 -
197

14 - E a Adão estar por último ditou. / Porque inclinaste ouvidos à mulher / E comeste
da árvore da qual / Te ordenei: dela tu não comerás, / Maldito seja o chão, seus frutos
dores / Serão todos os dias da tua vida. /Dar-te-á contra a vontade espinhos, cardos, / E
do campo as ervas comerás, / Comerás do suor do teu rosto o pão / Até que ao chão
regresses, porque ao chão / Foste tomado, sabe de onde vens / Pois pó tu és, e ao pó
regressarás. Livro X, v - 198 - 208

15 - Juiz e salvador julgou o homem, / E esse dia advertiu da morte súbita / Remota. Em
seguida amiserando-se / Dos dois nus ao ar livre, ar que agora / Deveria mudar, não o
envergonhou / Assumir desde então forma de servo; / Como quando lavou os pés dos
servos / Agora como pai dos seus vestiu / Sua nudez com pele de besta, morta / Ou, como
a cobra, paga a capa nova. / Dos rivais não pensou de mais as vestes / Não só por fora
com pele de besta, / Mas na nudez de dentro, muito mais / Indigna, com seu manto de
inteireza / A cobriu, pondo-o entre eles e o Pai. Livro X, v - 209 - 223.

16 - Livro X, v - 439 - 441.

17 - Domínios, tronos, virtudes, poderes, / Principados, em posse dos quais sois, / E não
só porque é justo o nome, chamo-vos, / Eu que da esperança além regresso próspero, /
P'ra vos levar em glória deste inferno / Malíssimo, maldito, lar de dor, / Masmorra de
tirano. Quais senhores / Possuí um vasto mundo, pouco menos / Que o Céu natal, por
árduas aventuras / E grande risco obtido. Longa conta / Daria do que fiz, do que sofri, /
Do que curstou passar p'lo vasto informe, / P'lo pélago sem fim do caos horrível, / O
qual Pecado e Morte calcetaram / Com passagem veloz p'ra marcha insigne. / Mas eu a
própria via abri p'lo estranho, / Forçado à sela de áspero abismo, fundo / No ventre
ancião da Noite e no caos bravo, / Que ciosos do que escondem se opuseram / Ao
estranho ferozmente, apelando / Com clamor ao supremo fado. Donde / Achei mundo
novo, cuja fama / No Céu se adivinhara há muito, excelsa / Estrtura de absoluta
perfeição, / Com o homem habitando o paraíso, / Feliz p'lo nosso exílio. Seduzi-o, / E
p'ra alimentar mais o vosso pasmo, / Só com uma maça. O outro, disso / Sentido, ride a
bom rir, desistiu / De dois, do amado homem e do mundo, / Pilhagem, p'ra Pecado e
Morte, e deles / Nossa, sem risco, penas, ou alarmes, / Basta chegar, tomar casa, e no
homem / Mandar, como mandar este não soube. / É verdade que fui julgado, ou antes, /
Eu não, mas a serpente em cuja forma / O homem burlei; a parte que me toca, /
Inimizade, ele há-de pôr entre homem / E mim. Cabe-me ferir-lhe o calcanhar, / E ele,
quando não sei, deve pisar-me / A cabeça. Um mundo quem não compra / Se o paga a
pisadela, ou dor mais funda? / Eis, ó deuses, meus feitos. Que vos resta / Senão: de pé!,
entrai no pleno gozo Livro X, v - 460 - 503.
18 - O horror veio sonre eles / E horrível simpatia; que o que viam / Imitavam-no agora
em si. Caíam / Sobre as armas que à esquerda e à direita / Caíam, avivando o silvo vil /
E emulando a vil forma por contágio, / Lembrando o crime a pena. Este o aplauso, / Em
salva de assobios, esta a glória / Nas vaias que a vergonha às bocas lança. / P'ra ali não
longe um bosque se mudara, / Decisão do supremo, p'ra agravar-lhes / A pena, com bons
frutos atestado, / Com os do Paraíso, que p'ra Eva / Foram por chamariz. Livro X, v -
539 - 551. Eles, crendo / Lenir no gosto a fome, em vez de fruta / Mascaram cinza
armaga, p'lo bom gosto / Espirrada de supetão. Com sede e fome / Tentaram mais, e
náuses sempre mais, / Torcendo-lhes as fauces de mau gosto, / Cheias de tisne e cinza;
tantas vezes / Caíram na ilusão, não como o homem / Sobre quem triunfaram mal caíra /
Assim eram p'la fome atormentados, / Por silvos sem fim, 'té que a forma antiga, /
Concedida, reouveram, dados, dizem, / A anual humilhação em certos dias, / P'ra abate
de altivez p'la queda do homem. Livro X, v - 564 - 577.

19 - Ó voz outrora ouvida / Com agrado, cresce e multiplicai-vos, /Agora morte ouvi-la!
Pois que cresce / E no meu espírito se multiplica / A não ser pragas? Quem nas eras
pósteras, / Ao sentir nele o mal por mim trazido, / Não me amaldiçoará: Maldito seja / O
impuro pai, a Adão isto o devemos. Livro X, v - 729 - 733.

20 - Assim o nosso pai contrito, e assim / Contrita Eva: lá, pois, se prostraram, / Lá onde
ele os julgou, com reverência / E temor, e os delitos confessaram / Humildes,
implorando-lhe o perdão, / Banhando o chão com choro, e respirando / Suspiros de
contritos peitos, prova / De humilhação e lástimas sinceras. Livro X, 1096 - 1104.

Você também pode gostar