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A liberdade condicionada: senhores, escravos e suas orientações valorativas no contínuo


reinventar da escravidão e da liberdade nas terras do ouro no decurso do setecentos!

Carlos Leonardo Kelmer Mathias/


Fernanda Fioravante '

Introdução
Toda alforria era, em essência, condicional. Consoante Raphael Bluteau, condição evoca,
basicamente, duas concepções. A primeira, de natureza mais existencial, diz respeito ao "estado em
que alguém ou alguma coisa se acha (...) o lugar que uma pessoa tem no mundo". A segunda, de
cunho restritivo, trata da "cláusula com que se limita o que se concede ou com que se modifica o que
em se convém"." No que respeita à primeira acepção, e cremos ser escusado aduzir a obviedade da
afirmação, para ser liberto o sujeito, necessariamente, deveria ter estado sob o jugo da escravidão.
Acerca da segunda, as reservas impostas pelo senhor inviabilizavam o pleno exercício e usufruto da
liberdade por parte do futuro liberto. Com que então uma alforria condicional aludia precisamente à
mobilidade social do indivíduo de escravo para liberto e às limitações a ele conferi das nesse processo.
De passagem, por vezes as condições da liberdade poderiam tomar a duração da passagem
de uma posição a outra tão imprecisa e indeterminada que a própria definição social de escravo ou de
forro restava fluida. Este foi o caso, por exemplo, da escrava Antônia. Em 18 de novembro de 1715,
José Ribeiro concedeu gratuitamente a liberdade a Antônia com a cláusula segundo a qual o deveria
servir enquanto vivo fosse, tendo que acompanhá-lo por qualquer parte "assim da América como do
Reino e não lhe faltando a obediência por que nesse caso a poderá obrigar a cativeiro ou vendê-la"."
Importa observar que Antônia não era nem exatamente cativa, nem forra. Tal afirmação não é aqui
pensada à luz dos debates historiográficos inerentes ao tema. Ela repousa justamente na condição da
manumissão.
Furtando-se à devida obediência, Antônia ou tornaria à escravidão, ou seria transacionada.
Ora, na medida: em que poderia voltar ao cativeiro, escrava Antônia não era. Por outro lado, paSSíVelj
de ser vendida, forra Antônia também não era. Dessa forma, talvez não seja descabido sublinhar que'1

I Esta pesquisa é financiada pela Fundação Carlos Chagas de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro - FAPERJ.

Agradecemos as críticas iniciais de Roberto Guedes Ferreira, assim como a indicação da obra de Marcelo Matheus.
2 Professor da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro e do Programa de Pós-graduação em História da mesma
universidade.
3 Bolsista do Programa Nacional de Pós-doutorado - PNPD/CAPES, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro.
4 BLUTEAU, Raphael. - VocabuMi'io portuguez e latino. Coimbra, 1712, v. 2, p. 448-449. Disponível em:
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conforme Hebe Mattos, "era livre ou escravo quem aSSIm fosse socialmente reconhecido"."
Semelhante interpretação pode ser verificada em Roberto Guedes, para quem o "reconhecimento
7
social da liberdade" poderia "prescindir de documentos oficiais". O ponto a se ter em discussão é:
como Antônia era socialmente reconhecida quer em sua vizinhança, quer por seu "ex-senhor", quer
por si mesma? Para Claude Meillassoux: "o homem livre só se define em relação à escravidão't!
Porém, assim como a condição social de Antônia implicava em imprecisão, de semelhante modo a
escravidão cá está em perspectiva. Logo, de que maneira a condição social de Antônia poderia ser
definida?
o presente texto objetiva empreender um estudo acerca das alforrias em geral e das
condicionadas em particular." Parte do pressuposto de que as condições das manumissões variavam
em função especificamente do universo valorativo de senhores e escravos. Nessa esteira, entendemos
a alforria condicional como um dos melhores meios de se pensar o tênue limiar entre a escravidão e
a liberdade, pois evoca o nível de cessão que tanto senhores como escravos estavam disposto a
suportar." Para que bem se entenda, as condições manumitivas expõem o quanto um senhor
abrandava do governo de seus escravos sem abrir mão totalmente de tal governo (mesmo que em
caráter temporário). Por outro lado, expressa o quanto um escravo aceitava ceder de sua liberdade
para assegurar ao menos um mínimo dela.
As explicações acerca das motivações que levaram senhores a manumitirem seus escravos
variam desde aspectos estritamente econômicos até fatores de ordem cultural. Consoante Russell-
Wood, as alforrias eram fruto de "uma interação de fatores individuais, familiares, psicológicos,
sociais, demográficos, econômicos e cronológicos", sendo que nenhum deles isoladamente possuía
peso o suficiente para influenciar a maior ou a menor incidência das manumissões. Designadamente
no que tange às testamentárias, os impulsos senhoriais englobavam variáveis como: "piedade cristã,
filantropia social, considerações financeiras, paternidade, recompensa pela gratificação sexual ou

6 j
MA TTOS, Hebe. A escravidão mo d ema nos qua d ros d o I I!lpen? portugues:"A o Antigo . R egnne
. em perspectiva. at I"an tiica.
In: FRAGOSO, João; BICALHO, Maria Femanda; GOUVEA, Maria de Fátima (orgs.). O Antigo Regime nos Trópicos:
a dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 200 I, p. 16 J.
7 FERRElRA, Roberto Guedes. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São
Paulo, c. 1798 - c. 1850). Rio de Janeiro: Mauad X : F APERJ, 2008, p. 185-186.
8 MEILLASSOUX, Claude. Antropologia da escravidão: o ventre de ferro e dinheiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor,
1995, p. 13.
9 O capítulo está assentado no estudo de 2.354 escrituras de alforria e liberdade presentes nos oitenta primeiros livros de
nota depositados no Arquivo da Casa Setecentista de Mariana, assim como na compilação de J 67 testamentos distribuídos
entre livros de testamento e inventários post-mortem do primeiro e do segundo oficio de notas do mesmo arquivo. O
rp.c-()rte cronolóaico está compreendido entre 1711 e 1778. o-- -_o _o 0- - 0_-
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pelo companheirismo, reconhecimento da lealdade e dos bons serviços".'! Dificil ser mais
abrangente.
Naturalmente, cada um dos pontos listados pelo autor deve ter feito parte do universo
valorativo dos senhores, concorrendo diretamente na elaboração de suas estratégias de Iibertação.'?
O problema repousa em mensurar quais deles operaram de forma mais ou menos determinante. Para
Orlando Patterson, "todas as variáveis importantes atuavam não somente de forma interativa, mas de
maneiras complexas, geralmente contraditórias, em diferentes tipos de sociedades, e mesmo numa
mesma sociedade em diferentes períodos de tempo". 13 Do posto, a abrangência de Russell-Wood e a
generalização imprecisa de Patterson não denotam abstrações inerentes às obras de traço ensaístico.
Em realidade, são signos do próprio viver em sociedade, donde o indivíduo não deve ser tornado
como um agente compartimentado, cujas ações podem ser atribuídas a campos estanques criados pelo
pesquisador com vistas à maximização de suas aspirações heurísticas.
Entendemos que a concessão da alforria não era fruto de apenas uma condicionante, quer
econômica, quer cultural, por exemplo. Para melhor elucidação, no processo da concessão da
liberdade o sujeito atuava na plenitude do viver em sociedade. Considerava aspectos próprios à sua
realidade de vida, analisando todas as matizes constituintes de seu universo valorativo. Nesses termos,
acreditamos que a compreensão das manumissões se potencializa quando analisadas à luz das
diferentes motivações do indivíduo, que poderiam variar de acordo com suas conjunturas de vida.
Faz-se mister sublinhar que não estamos a negar a possibilidade de o sujeito elencar razão de ordem
religiosa, financeira etc. como fator decisivo na ocasião de libertar algum escravo. Da mesma forma
que um senhor poderia alforriar com vistas a obter pecúlio em função de uma particularidade de sua
vida, também o poderia fazer por motivos pios ou sociais.
Conforme avançado por Russell-Wood, não é prudente desconsiderar as caraterísticas
econômicas, demográficas, religiosas etc. de cada sociedade, assim como suas transformações no
tempo. Criticamos o modo oblíquo de se abordar as manumissões enquanto representativas de apenas
uma variável, seja ela qual for, e concordamos com Sidney Chalhoub quando afirma que "alforriar
escravoI era urna decisão complexa para os contemporâneos, envolvendo tanto questões de
cOnSCiêjCiaindividual quanto percepções e avaliações críticas da sociedade na qual participavam". 14

II RUSSELL- WOOD. Anthony John. Escravos e libertos no Brasil Colonial. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005,
p.5ge69. .
12 Aqui, estamos a fazer referência aos estudos de Fredrik Barth.

13 PA TTERSON, Orlando. Escravidão e morte social: um estudo comparativo. São Paulo: Editora da Universidade de
São Paulo, 2008, p. 382-383. ~----_. -
I~ CHA~tIO.UB: Sidney. Visões da liberdade: uma história das últimas décadas da escravidão na corte. São Paulo:
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Breve discussão historiográfica, e alguns apontamentos


O corrente tópico não objetiva empreender um debate aprofundado das correntes
explicativas da lógica senhorial por detrás dos atos manumitivos. Pretende, tão somente e linhas
gerais, apresentar exemplos de algumas das mais expressivas linhas interpretativas. No final da
década de 1970, Kátia Mattoso, alicerçada na pesquisa de aproximadamente treze mil escrituras de
alforria ao longo do século XIX para a região da Bahia, fez notar que as cartas de liberdade tinham
por escopo ressarcir os senhores da quantia previamente gasta na aquisição e manutenção dos
escravos, sendo que o teor patemalista observado quer na justificação da alforria, quer em
determinadas condições, consistia em retórica senhorial - na expressão da autora: "a carta de alforria
era um ato comercial, raramente um gesto de generosidade't.P Por outro lado, é interessante observar
com que meridiana clareza a autora acabou por antever um dos aspectos mais em voga nos trabalhos
atuais orientados para o estudo não apenas das alforrias, mas também da população forra. Conforme
Mattoso:

A alforria nunca é uma aventura solitária. Resulta de todo um tecido de solidariedades múltiplas e
entrelaçadas, de mil confabulações, processos de compensações, promessas feitas e mantidas,
preceitos, até mesmo de conveniência, reflexos e imagens mentais que constituem, no Brasil da
escravidão, o quadro de uma sociedade que tem sua própria concepção do 'justo' e do 'normal' .16

Jacob Gorender é outro autor cuja obra engendrou largo debate entre os historiadores
voltados para o trato com a temática da escravidão. No que respeita às alforrias, Gorender as percebeu
enquanto elemento estrutural nos sistemas escravistas, responsáveis, em parte, pela reiteração
temporal dessas sociedades. Prestavam-se a livrar os senhores dos escravos inválidos, estimular a
fidelidade dos cativos - principalmente dos domésticos - e fornecer renda, cujo valor concorria para
substituir o escravo improdutivo por um novo.!" A perspectiva da alfonia como elemento estrutural
dos sistemas escravista influenciou, de uma forma ou de outra, a historiografia acerca do tema. Ao
destacar o fato de que as alforrias poderiam ter sido compreendidas de forma diferente por senhor e
escravo, Eduardo França Paiva fez saber, no tocante aos senhores, que a manumissão representou
"um mecanismo que garantia a manutenção da ordem eseravista e dt estrutura de classe dela

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15 MA TTOSO, Kátia. A carta de alforria como fonte complementar para o estudo da rentabilidade da mão-de-obra escrava
urbana (1819-1888). In: . Da revolução dos alfaiates à riqueza dos baianos no século XIX: itinerário de uma
historiadora. Salvador: Corrupio, 2004, p. 201-202; MA TTOSO, Ser escravo no Brasil, 2003, p. 185.
16 MA TTOSO, Ser escravo no Brasil, 2003, op. cit; p. 194.
17 GORENDER, Jacob. O escravismo colonial. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2010, p. 380. Gorender
também propôs o seguinte padrão na concessão da alforria: a) predominância das onerosas e gratuitas condicionais; b)
razoável incidência das gratuitas incondicionais; c) predomínio das alforrias urbanas frente as rurais; d) maior frequências
nas conjunturas de crise econômica; e) superioridade das mulheres, dos domésticos, dos pardos, dos velhos e dos inválidos
-- .- ériiiéosrnanurnitidos. Para uma revisão sistemática de tal proposta cf. EISENBERG, Peter. Ficando livre: as alforrias em
. • ,,,,, ,. U~M.n~. oM7Jorinnr escravos e trabalhadores [ivres no Brasil séculos XVIII e
proveniente, além de uma espécie de válvula de escape para os conflitos inerentes ao sistema". 18

Andréa Gonçalves, embora sem fazer aberta referência à obra de Gorender e de Paiva, assevera as
vantagens senhoriais da manumissão, dentre as quais: o retomo pecuniário, desfazer-se de escravos
indesejados e a possibilidade de negociar a fidelidade do cativo. Seja como for, ao admitir que as
alforrias serviam para a "estabilidade de um sistema baseado no uso sistemático da força", a autora
chama atenção para o caráter estrutural da prática manumitiva.'"
Em 1979, Lyman Johnson, estudando alforrias em Buenos Aires entre 1776 e 1810,
asseverou a pouca influência exerci da por aspectos religiosos e humanitários nas concessões por ele
analisadas. Em seu entender, nem a igreja, nem a coroa espanhola incentivaram tal prática, restando
à cargo dos fatores econômicos e demográficos a primazia na determinação senhorial de libertar ou
não seus cativos.é" Vários autores contestaram tal interpretação, enxergando a questão pia como
basilar para a compreensão da lógica da manumissão, principalmente no que toca à alforria
testamentária. A título de exemplo, Sheila Faria avoca o fator religioso na explicação da concessão
da liberdade. Conforme a autora: "remir escravos do cativeiro era tido como prática cristã e testadores
foram bastante ciosos em encaminhar bem o destino de suas almas e ficar em paz com a consciência".
Arrostando as alforrias cartoriais com as testamentárias, observou que o fato de as últimas terem sido
marcadas pela prevalência da concessão gratuita em relação às primeiras pode ser elucidado como
"resultado da interpretação da alforria como obra de caridade't."
Tanto o ponto de vista econômico, como o religioso já foram associados com o escopo de
ofertar uma explicação mais abrangente da lógica senhorial orientada para a libertação de escravos.
Consoante Adauto Novais, as alforrais testamentárias foram induzidas por sentimentos de ordem
religiosa em função da proximidade do falecimento dos testadores. No entender do autor, esse
sentimento religioso estava em diapasão "com o patemalismo e o desejo de lucros, complementando-
os e dando-lhe um conteúdo moral".22 Caudatária do viés explicativo paternalista, a análise perpetrada

18 PAIV A, Eduardo França. Escravos e libertos nas Minas Gerais do século XVlfl: estratégias de resistência através dos

testamentos. São Paulo: Annablume, 1995, p. 20.


19 GONÇALVES, Andréa Lis1t. As margens da liberdade: estudo sobre a prática das alforrias em Minas colonial e
provincial. Tese (Doutorado em1História Social) - Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade de São
Paulo, São Paulo, 1999, p. 19. Dentre outros autores para os quais a alforria desempenha papel estrutural de manutenção
do sistema escravista cf. CHAlHOUB, Visões da liberdade, 1990, op. cit; p. ] 50; SOARES, Márcio. A remissão do
cativeiro: alforrias e liberdades nos Campos dos Goitacases, c. 1750 - c. 1830. Tese - Programa de Pós-graduação em
História, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2006, passim.
20 LYMAN, Johnson. Manumission in Colonial Buenos Aires, 1776-1810. The Hispanic American Historical Review, v.

59, n. 2, may. 1979, p. 26l.


21 FARIA, Sheila. Sinhás pretas, damas mercadoras: as pretas minas nas cidades do Rio de Janeiro e de São João de] Rei

(1700-1850). Tese (Concurso de Professor Titular). Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2004, p. ]08-109. De
acordo com Orlando Patterson, foi somente durante os séculos IX e X que a religião cristã passou a considerar a alforria
como um bem para a alma. A partir de então, difundiu-se o entendimento de que "piedade e salvação eram especialmente
m;mlntin:1S nela manumissão testamentária". PATTERSON, Escravtâão ê moité sôcial, 2008, op. cit; p. 321.
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por Patrícia Silva faz da alforria um instrumento cuja orientação se voltava para a efetivação do
controle dos senhores sobre seus cativos: "as manumissões também poderiam se constituir um
mecanismo de controle, de modo a estimular que o escravo com a expectativa de se tomar forro
apresentasse um comportamento que correspondesse ao que era esperado pelo seu senhor". Ainda
assim, a alforria não era uma conquista do escravo, mas uma "benesse", um "prêmio, um "presente"
senhorial. Tratava-se, no âmago, de "uma estratégia adotada que podia contribuir para condicionar o
bom comportamento do escravo".23
Basicamente, dois são os problemas com essa linha de pensamento. Primeiro, faz do escravo
um mero instrumento da vontade senhorial, incapaz de estabelecer suas próprias estratégias de ação.
Seria, em essência, um ser desprovido de racionalidade. O segundo, quiçá mais grave, parte do
pressuposto de que todos os escravos almejavam a liberdade. A isso voltaremos. Tangenciando o
caráter racional dos escravos, em 1982 Peter Eisenberg argumentou que, salvo litígios de ordem
jurídica, a alforria "decorreu de um acordo entre o escravo e seu senhor". Não vem a pelo discorrer
acerca da originalidade da interpretação de Eisenberg. Porém, de uma forma ou de outra o autor
transformou o escravo em um ser racional ao lhe capacitar com a faculdade de firmar um acordo com
seu senhor. De resto, acreditamos ser perfeitamente razoável entrever da passagem acima um cenário
de negociação entre ambos. Outro autor que defende ter sido a alforria fruto de um acordo concebido
por senhores e escravos é Roberto Guedes. Na sua visão: "a manurnissão era resultado de um acordo
moral sustentado pela palavra e engendrado no cativeiro; acordo moral que previa o respeito dos
termos por ambas as partes, ainda que a decisão final fosse prerrogativa senhorial'V"
Fruto ou não de um acordo forjado entre senhor e escravo, a alforria sempre suscitou debate
no que respeita à sua natureza. Sendo o escravo, por definição, uma posse senhorial, coube ao último,
em essência, a determinação do se, do quando e do porquê libertar. Em tal constatação repousa o
cem e das discordâncias respeitantes à qualidade da manumissão. Antônio Carlos Jucá de Sampaio,
por exemplo, considerou as alforrais gratuitas uma "esmola" senhorial, signo de uma "relação política
bastante especial entre senhor e cativo". Intentado se afastar das interpretações que defendem as
alforrais quer como engodo senhorial, quer como conquista ou resistência escrava, Roberto .Guedes
considera as manumissões como uma concessão feita pelo senhor, sendo que sua aceitato pelo

23 SILVA, Patrícia. Últimos desejos e promessas de liberdade: os processos de alforria em São Paulo (1850-1880).
Mestrado - Programa de Pós-graduação em História Social, Universidade de São Paulo, São Paulo, 20 I0, p. 54 e p, 59.
24 EISENBERG, pefer.-Acartã·ôe alforria e outras fontes para estudar a alforria no século XIX. In: . Homens
."n rrt r - VTV r : " Cri;tnr'l rI~ 1 fnir~rnn 1 Q~Q n ?4')-
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escravo, além de sugerir uma "atitude submissa intencional", consistiria em uma estratégia de
ascensão na hierarquia social."
Instigante fazer o raciocínio inverso. Como podemos trabalhar com os escravos que não
receberam alforria? A pergunta procede pois, afinal, a maioria da população cativa não chegou a
vivenciar a tão sonhada liberdade. Quando orientamos nossos estudos para os libertos não podermos
perder de vista que estamos a analisar uma pequena parte, a menor parte, daqueles cujas vidas em
algum momento estiveram atreladas à escravidão. Logo, sendo a alforria uma concessão senhorial,
sob o prisma dos não libertos sua aceitação pelos libertos poderia ser tomada como uma "atitude de
submissão intencional"? Noutras palavras, teriam os escravos alforriados alguma outra escolha que
não a de receber agradecidos sua ascensão social? Para o grupo dos escravos que almejavam ser
livres, parece-nos bastante razoável supor que, submetendo-se intencionalmente, eles receberam de
bom grado suas manumissões. Porém, como considerar escravos alforriados por estarem velhos ou
incapazes? Ou admitimos que nunca na história da escravidão brasileira um escravo foi alforriado
nesses termos - o que nos parece absurdo -, ou necessariamente admitimos que nem todo cativo
lutava com todas as suas forças em prol da liberdade.
"Ninguém conheceu a escravidão melhor que o escravo, e poucos teriam pensando mais
sobre o que a liberdade podia sígnifícar"." Nessas poucas palavras Ira Berlim deita luz sobre um
ponto de extrema imprecisão no que tange à busca pela liberdade, a saber: o que significou, para o
escravo, a existência da possibilidade, mesmo que remota, de obter a liberdade? Sem dúvidas, o sonho
da liberdade para um cativo da Virginia possuía tons e entretons diferentes daqueles experimentados
pelos escravos da América portuguesa. Então, o que expressava a liberdade lá e cá para esses
indivíduos? O que teria pensando um escravo retirado de sua comunidade e de sua família na África,
singrado o Atlântico em ferros, vendido em praça pública e posto a trabalho forçado na América?
Muito provavelmente teria sonhado com a liberdade, quiçá com a volta à sua terra de origem, para os
seus. Certamente tal cenário acalenta nossa moral idade e reforça nosso sentido de humanidade, pois
politicamente correto.

Por outro lado, seríamos nós deSUmjOs caso consideremos que esse cativo poderia, após
décadas do viver em cativeiro, perder o so~r da liberdade e se resignar em sua condição? Não
estaríamos nós, em boa verdade, humanizando o escravo? Todo ser humano é tão capaz de lutar por
seus sonhos e seus objetivos, estabelecer suas estratégias de ação e manter suas esperanças quanto o
é de desistir dos mesmos. Sustentar que todo escravo almejava a liberdade consiste em projetar sobre

25 SAMAPIO, Antônio Carlos Jucá de. "A produção da liberdade: padrões gerais das manumissões no Rio de Janeiro
colonial, 1650-1750". In: FLORENTINO, Manolo (org.). Tráfico, cativeiro e liberdade: Rio de Janeiro, séculos XVlI-
XIX. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005, p. 317; FERREIRA, Egressos do cativeiro, 2008, op~-cit; .p. 183-184.
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eles valores e práticas modernas, descaracterizando-os enquanto seres humanos e racionais. Não seria
plausível supor que um escravo, tendo conhecido a escravidão e pensado sobre a liberdade, julgasse
mais vantajoso viver em cativeiro? E o que dizer de um indivíduo nascido sob o julgo da escravidão?
Seja como for, não há absolutos quando se pensa o que a liberdade pode ter significado para o
escravo.ê?

Em texto originalmente publicado no ano de 1974, Stuart Schwartz fez avançar o


entendimento de que o escravo poderia compreender não ser vantajoso desprender esforços no sentido
de obter a liberdade. Conforme o autor:

Devido às desvantagens e às restrições óbvias sofridas pelos libertos na sociedade escravagista norte-
americana, as pessoas ainda em cativeiro podem ter feito um cálculo perspicaz de que os sacrifícios
exigidos para a acumulação do capital para a compra da própria liberdade simplesmente não valiam
a pena, especialmente porque o processo favorecia ao senhor. Isso não quer dizer que os escravos na
América do Norte não desejassem a liberdade, mas pelo contrário, que não encaravam a compra
como meio viável para aquele fim."

Trabalhando com o testamento de D. Gertrudes Antunes Cardia, Roberto Guedes aventou a


hipótese segundo a qual o escravo poderia preterir da liberdade em favor da escravidão. O legado
relativo ao cativo José firmava que o dito deveria permanecer escravo das sobrinhas de D. Gertrudes,
porém com autonomia de trabalhar para si durante dois dias na semana, "cujo ganho será seu".
Entendendo ser esta uma condição não satisfatória, José poderia obter sua liberdade pagando sessenta
e quatro mil réis. Para o autor, "o episódio demonstra que o senhores tinham a crença de que seus
escravos eram capazes de pagar por si e que nem sempre queriam a liberdade". A propósito do estudo
das alforrias na cidade do Rio de Janeiro oitocentista, Manolo Florentino notou que uma vez formada
família ou gerada descendência, a obtenção da liberdade era mais imperativa. Nessa esteira, a alforria
constituía "um anseio em princípio geral, mas obter uma carta de alforria era mais premente para
certos espíritos do que para outros".29

27 De acordo com Robert Slenes, a alforria gratuita era benéfica para o senhor na medida em que encorajava "aqueles que
ficavam como escravos a trabalharem mais e com mais boa vontade" com vistas à obtenção da liberdade". SLENES,
- Robert, The Demography and Econ.omics of Brazilian Slavery: 1850-1888. St.anford, PhD. Thesis, Stanford Universit~,
• 1975, p. 507, apud: EISENBERG, FIcando ltvre.ln: . Homens esquecidos, 1989, op. cit; p. 298. Segundo Andrea
I~ Gonçalves, "atingir a liberdade legal significou para o escravo não apenas submissão, como também a inexistência de
! qualquer compensação pelos anos de cativeiro a serviço do senhor". Cumpre pôr a descoberto que não havia nenhum tipo

de obrigação, salvo talvez a moral - e ainda assim dependendo da consciência do sujeito, como bem sublinhou Chalhoub
-, de o senhor compensar o cativo pelos anos de escravidão. De mais a mais, não seria a liberdade ressarcimento o
suficiente por uma vida de servidão? Analisando o sentido da alforria para os cativos, Eduardo Paiva afirmou que ela
"teria significado o mais importante objetivo da vida, pelo qual valia à pena adaptar ao sistema; incorrendo numa espécie
de resistência pragmática". GONÇALVES, As margens da liberdade, 1999, op. cit; p. 180; PAIV A, Escravos e libertos
nas Minas Gerais do século XVIII, 1995, op. cit; p. 20.
28 SCHWARTZ, Stuart. Alforria na Bahia, 1684-1745. In: . Escravos, roceiros e rebeldes. São Paulo: EDUSC,
2001, p. 212.
29 FERRElRA. Egressos do cativeiro, 2008, op-:-dt;- p. 205. FLORENTINO, Manolo. Alforria e etnicidade no Rio de
9

Faz-se necessário sublinhar que ao enfatizarmos a possibilidade de o escravo não mirar a


liberdade como seu principal objetivo, não estamos afirmando terem sido os senhores hipócritas nas
justificativas por eles dadas para a concessão das alforrias. Enquanto agentes sociais, naturalmente
faziam parte de seus universos valorativos aspectos atinentes à moral católica da época, e nada nos
leva a crer que vários senhores não tenham alforriados escravos velhos ou improdutivos segundo tais
preceitos pios. De outro lado, é igualmente plausível argumentar que alguns senhores fossem menos
cristãos e mais materialistas do que outros e, por isso mesmo, alforriassem segundo valores de ordem
econômica. Admitir que todas as alforrias foram resultado de um cálculo econômico orientado para
o lucro ou maximização de ganhos matérias é tão estapafúrdio quanto admitir que todas as
manumissões eram fruto de uma inabalável fé católica. O mesmo vale para quaisquer tipificações
explicativas da lógica senhorial de manumissão. Defendemos que cada alforria era expoente de uma
complexa relação entre indivíduos em condições sociais hierarquicamente dadas, resultantes de seus
recursos e orientações valorativas que poderiam ser mais ou menos influenciadas pelas mais variadas
forças sociais (religiosas, econômicas, políticas, culturais etc.).
Marcelo Matheus avançou no debate relativo à disposição escrava em obter a liberdade.
Conforme o autor, para se entender o que representava a liberdade em uma sociedade na qual a
desigualdade era a norma e a posição social dos indivíduos restava calcada nas suas relações sociais
e de submissão, faz-se necessário "desnaturalizar o desejo de todos os cativos por qualquer
liberdade". Matizando, prossegue o autor: "o que não quer dizer que eles não desejassem a liberdade".
Sob o resguardo da rnicro-história italiana: "em uma realidade na qual eram as relações sociais
produzidas que garantiam a diminuição das incertezas quanto ao futuro, ter quem lhe valesse, mesmo
que seu senhor, podia ser garantia menos incerta que uma liberdade precária'V'' Malgrado as
contribuições da acerca do tema, nota-se latente o desejo pela liberdade. Depreende-se não estarmos
defronte a um escravo resignado em sua condição, mas sim a um escravo cuja condição, antes de
expressar as mazelas do cativeiro, evidenciava uma realidade passível de ser aceita pelo sujeito na
medida em que representava para ele ganhos quando em comparação com seus companheiros de
senzala. Ora, alguém teria que valer o escravo. i
Com vistas a sustentar seu argumento, o autor cita casr de escravos como José Maria -
casado, pai de quatro filhos e muito próximo a seu senhor - e Ambrósio Jacques - casado, proprietário
de uma casa, bem relacionado com outros cativos e detentor de privilégios juntos a seu senhor -
figuras que, malgrado em posição de pleitearem suas liberdade, aguardaram o melhor momento para
fazê-lo. Conforme Matheus: "acredito que Ambrósio esperou um momento melhor para tencionar
pela sua liberdade (...), já que ainda enquanto cativo conquistou um interessante espaço de autonomia
10'

sem romper com os laços de dependência (e dominação)" em relação a seu senhor. Ou seja, escravos

cujas existências estavam longe de degradantes. Tal percepção não fugiu ao autor: "aqueles cativos

situados no topo da hierarquia da senzala talvez tivessem mais interesse em manter aquela boa

relação, entre desiguais, com seus senhores, do que lutar por qualquer liberdade"." Nossa ressalva à
análise do autor repousa no fato de que o mesmo trabalha com escravos cujas vidas, longe de

insuportáveis, propiciavam-Ihes um nível de segurança que muitos libertos não viriam a usufruir.

Noutras palavras, esses escravos, como o próprio autor percebe, tinham quem lhes valessem. Estavam

em condições ótimas para empreenderem estratégias de ação a médio e longo prazo - até por que

seus senhores eram extremamente zelos e benevolentes para com eles. De passagem, José Maria e

Ambrósio Jacques acabaram sendo libertados.


Dando prosseguimento, noutra linha argumentativa a alforria é vista como uma dádiva

senhorial. Adeptos dos ensinamentos de MareeI Mauss - e mais recentemente Maurice Godelier -,

os trabalhos componentes dessa corrente de pensamento compreendem a manumissão dentro da

lógica do dar, receber e retribuir, com todos os desdobramentos a ela inerentes. Segundo Orlando

Patterson, nos sistemas escravistas da era moderna, não obstante o pagamento pela liberdade, "esta

ainda era considerada com uma dádiva conferi da pelo senhor ou senhora". Em Manuela Carneiro,

"nas cartas de alforria, esta é sempre apresentada como uma dádiva". A autora percebe a estratégia

discursiva dos senhores de exaltarem sua generosidade ou afeição pelos agraciados, assim como as

referências aos bons serviços prestados e à fidelidade demonstrada ao longo de suas vidas, como

signo dos aspectos que tomava o escravo "elegível para a alforria't " Talvez Márcio Soares seja quem

melhor abordou o tema. Consoante seu raciocino:

De minha parte, creio que, para superar a ideia da "miragem", é muito mais interessante pensar a
alforria como uma espécie de dom e assim entender - como sugerem Mauss e Godelier - que por
meio dos dons as pessoas se ligam, relações pessoais se estabelecem, pessoas se comprometem e a
coisa dada (no caso, a alforria) é a garantia do seu compromisso, abrindo um círculo de obrigações
mútuas. A alforria era, portanto, derivada de um acordo moral entre as palies e pressupunha a
continuidade do mesmo após a efetivação da dádiva. Entretanto, não obstante a participação dos
escravos no estabelecimento dos termos desse acordo, ao fim e ao cabo, a prerrogativa moral de
conceder 1"
não a liberdade estava reservada aos senhores."

31 Idem, p. 124-142 ep. 157.


31 PATTERSON, Escravidão e morte social, 2008, op. cit; p. 311; CUNHA, Manuela Carneiro da. Negros, estrangeiros:
os escravos libertos e sua volta à África. São Paulo: Companhia das Letras, 2012, p. 72.
33 SOARES, A remissão do cativeiro, 2006, op. cit; p. 198. lnserida nessa mesma linha, Alessandra Pedro aponta que a

. alforria engendrava uma relação de sujeição e dependência do forro para com seu ex-senhor. Cf PEDRO, Alessandra.
Liberdade sob condição: Alforrias e política de domínio senhorial em Campinas, 1855-1871. Dissertação - Programa de
Pós-graduação em História, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2009, p. 115-117. Consoante Sílvia Lara,
"liberto, o escravo ainda estava preso a seu ex-senhor e, igualmente, o patrono a seu ex-escravo. Às obrigações recíprocas
somavam-se direitos: um novo contrato que marinha a dependência e-asü·bmiSsãodo liberto a seu ex-senhor. A quebra
•• L ••• _ la .•~•••~ ~ ~ nno., 10; tr"rl"7i" nrw inor:>ticHin". T.ARA. Sílvia. Camoos da violência: escravos e
•••• - ••• - •••• ~
------ -_._-----

11

A única reserva em relação a essa interpretação caminha, novamente, no sentido da


generalização latente de que todos os cativos buscavam a liberdade. Cumpre lembrar a este respeito
que se depreende da leitura dos textos relacionados à lógica do dom um ponto sútil, mas fulcral,
determinante para o bom decurso das obrigações advindas do dar, a saber: é imprescindível que aquilo
dado seja de fato recebido. Segundo Godelier:
Dar parece instituir simultaneamente uma relacão dupla entre aquele que dá e aquele que recebe.
Uma relação de solidariedade, pois quem dá partilha o que tem, quiçá o que é, com aquele a quem
dá, e uma relação de superioridade, pois aquele que recebe o dom e o aceita fica em dívida para com
aquele que deu. Através dessa dívida, ele fica obrigado e, portanto, encontra-se até certo ponto sob
sua dependência, ao menos até o momento em que conseguir 'restituir' o que lhe foi dado."

Pelo que é seguro resguardar os forros que não necessariamente pretendiam sê-Io. Ao não
receber a alforria (enquanto dom), esses indivíduos não se percebiam em dívida com seus antigos
senhores podendo, ao contrário, ressentirem-se deles. De fato, é bem provável que os próprios
senhores não tencionassem firmar laços de nenhuma natureza com tais antigos escravos. Igualmente,
acreditamos ser temerário estender para todos os escravos que verdadeiramente ambicionaram a
liberdade, assim como para todos os senhores que as concederam, a explicação da relação pós-alforria
consoantes a lógica do dom. É prudente ter em consideração que o respeito, a deferência, a obediência
etc. que o forro devia ao ex-senhor eram regulados por lei desde pelo menos 1603, com a promulgação
das Ordenações Filipinas. Seria realmente fora de propósito admitirmos que uma proporção dos
senhores alforriantes tenham perdido contato com seus ex-escravos quer intencionalmente, quer não?
Noutras palavras: podemos realmente aplicarmos tal modelo explicativo - baseado em obrigações
mútuas entre ex-senhor e forro assentadas na lógica do dom - para compreendermos a prática da
alforria em sua totalidade?
Em 30 de julho de 1738, José Gomes Pereira alforriou gratuitamente Francisca com a
condição de que "a dita liberta servirá ao dito patrono enquanto estiver nas Minas e caso que a dita
liberta não queira servir não ficará livre somente dando-lhe cem oitavas que é a metade de seu valor,
e dando-as poderá ir para onde quiser e fazer de sua pessoa o que bem lhe parecer"." Igualmente
emblemático é condição presente na carta passada por Manoel Vieira da Cruz a1s irmãos Joana,
Francisca, Josefa e Crispim, filhos de Maria crioula, sua escrava. No mesmo dia, ~anoel registrou
quatro escrituras de alforria e liberdade, uma para cada um dos escravos listados, com cláusulas
idênticas. A título de exemplo, transcrevemos a condição presente na carta de Joana: "com a cláusula
e condição que a dita mulatinha estará sujeita debaixo da administração dele outorgante enquanto for
12

vontade sua e quiser que ela esteja em seu poder, porque não o querendo assim poderá ir para onde
quiser e fazer de sua pessoa o que bem lhe parecer". 36

No momento em que tais senhores admitem a possibilidade de seus ex-escravos irem para
onde quiserem e fazer o que bem entenderem com suas vidas, a lógica do dom perde a razão de ser.
E isso ocorre por um motivo muito simples: esses senhores não mais esperavam qualquer retribuição
por parte desses manumitidos. Não se pode deixar de perceber que esses indivíduos fizeram constar
na carta de alforria, registrada em cartório, que seus antigos cativos poderiam, cumpridas
determinadas condições, fazerem com suas vidas seja lá o quer fosse, livres da influência e do domínio
senhorial. O estudo das alforrias testamentárias indicam caminho análogo.
Em 24 de dezembro de 1749, José de Sousa Moura alforriou Francisco gratuitamente com a
condição de servir na fazenda de seu irmão durante seis anos, sendo que após o término do referido
período Francisco ficaria "forro e liberto e poderá ir para onde quiser tratar de sua vida sem que
pessoa alguma se possa entender com ele por ser assim minha vontade pelo ter criado lhe dou esta
esmola". Em treze de abril de 1735, Duarte Rodrigues Romão mandou redigir seu testamento pelo
qual alforriava Natália e a deixava "isenta de todo o cativeiro (e] poderá ir para onde muito quiser
somente com a obrigação de assistir a dita mulatinha Maria sua filha até esta formar estado"."
Orlando Pattersonjá enunciou que as diversas formas de se alforriar "variavam de acordo com a parte
que iniciava o processo e de acordo com os fatores que motivavam o senhor e o escravo". Sublinhou
ter sido normal que ambos desejassem "manter um forte vínculo" ou terem intentado se afastar o
máximo possível um do outro."
Para melhor elucidação, não estamos a msmuar a inoperância da perspectiva de se
compreender as alforrias a partir da lógica do dom, mas tão somente propomos apontar para os riscos
da generalização de qualquer corrente explicativa da prática manumitiva. A nosso ver, e conforme
avançado, as alforrias devem ser analisadas à luz de seu caráter social, ou seja, eram decorrentes das
práticas e valores dos indivíduos enquanto atores sociais cujas ações respondiam a seus universos
valorativos - sejam de ordem econômica, cultural, religiosa, política etc. Dessa forma, cada alforria
pode ser compreendida como resultante do convívio e da interação diários havidos entre senhor e
escravo, perpassada por processo sotal que poderia ou não encerrar elementos como negociação,
interesse, conflito, coerção etc. ·1
i

Em vários autores a alforria seria signo de uma instrumentalização senhorial orientada para
a maximização de sua autoridade e de seu governo sobre os escravos. Na década de 1970, Florestan
Fernandes afiançou que um número excessivo de alforrias ameaçaria "a dominação da 'raça branca'

36 ACSM, LN 64, EAL, 100f, 26102!l745.


13

e o próprio princípio da estratificação estamental". No seu entender, qualquer concessão senhorial


em relação ao escravo tinha por escopo "preservar a estabilidade da ordem senhorial e escravocrata,
bem como fortalecer o seu padrão de equilíbrio racial e estamental. O que estava em jogo era a defesa
nua e crua do senhor e dos interesses senhoriais'v'" Pode-se depreender desse trecho o embrião das
discussões posteriormente levadas a cabo na historiografia brasileira cujo mote principal viria a
sugerir que os senhores estariam por demais preocupados em salvaguardar seus direitos de
proprietários. A título de exemplo, Peter Eisenberg, pela feita dos debates em tomo das políticas
abolicionistas no oitocentos, argumentou que aos senhores interessava receber alguma compensação
"pela perda do direito sobre o escravo". O que estava em jogo era precisamente a ingerência do estado
no governo dos escravos. Segundo Sideny Chalhoub, "a concentração do poder de alforriar
exclusivamente nas mãos dos senhores fazia parte de uma ampla estratégia de produção de
dependentes, de transformação de ex-escravos em negros libertos fiéis e submissões a seus antigos
proprietários"."
No momento em que o estado interferia na esfera senhorial, minava diretamente não apenas
a autonomia dos senhores de conceder ou não a liberdade aos escravos, mas também a sua capacidade
de gerar relações de dependência o que, na sociedade em questão, concorria tanto para a ampliação
do status do indivíduo, como para a amplificação de seu poder e prestígio sociais. Trabalhando com
as alforrais testamentárias para a capitania de Minas Gerais ao longo do século XVIII, Eduardo Paiva
argumentou que os legados senhoriais respeitantes a futuros libertos que expressavam a doação de
moradias, instrumentos de trabalho etc. eram emblemáticos da busca desses senhores pelo controle
físico e ideológico dos futuros forros." Ou seja, havia o interesse, mesmo que velado, de assegurar o
governo dos ex-escravos.
Conforme será discutido posteriormente, abordando o tema pela perspectiva dos
cativos/libertos poder-se-ia argumentar em termos de o quanto escravo/forro estaria disposto a ceder ,
de sua plena liberdade para assegurar ao menos um mínimo dela. Assim, a questão seria reconfigurada

39 FERNANDES, Florestan. A sociedade escravista no Brasil. In: . Circuito fechado: quatro ensaios sobre l'
j "poder institucional". São Paulo: HUCITEC, 1977, p. 40-41. Para Frank Proctor III, "manumissão era, entretanto, um
poderoso e persuasivo reforço da posição social dos escravos e dos senhores, um meio de controlar os escravos assim
como de libertá-Ios". "Manumission was, however, a powerful and pervasive reinforcement ofthe social position ofslaves
..

and masters, a means of controlling sIaves as well as liberating them". PROCTOR IlI, Frank. Gender and manumission
ofslaves in New Spain. Hispanic American Historical Review, v. 68, n. 2, p. 327,2006, [tradução nossa]. Disponível em:
<www.jstor.org>. Acesso em: 18 jan. 2013. Ou seja, tratar-se-ia de um veículo cuja função basiJar consistiria em
recrudescer o mando senhorial através da reafirmação da hierarquia social e do gerenciamento comportamentaJ dos
escravos, pois poderiam ou não serem libertados.
40 EISENBERG, Ficando livre. In: . Homens esquecidos, 1989, op. cit; p. 281-282. CHALHOUB, Sidney. Visões
da liberdade, 1990, op. cit; p. 100.
41 PAIVA, Escravos e libertos nas Minas Gerais do séculoXVl11, 1995, op. cit; p. 39. Em Marcelo Matheus, as concessões

senhoriais aos escravos (pem11ssão-pãra criar animais, ter roça, constituir família etc.) eram estratégias de controle -
• > 1. _ .• - -- __ ..l_ .~ ..l~~ ~~~~~ nln~o,.,~,,~
••••••• A TJ.-fF'l IS Frrmt eirrrs ria liherdarle. 2012.
n0r'l ln"lh"r ""ntr"l"'r" 1\11
14

a partir não apenas do interesse senhorial em salvaguardar seu governo, direito de propriedade etc.,
mas fundamentalmente do aceite dos escravos em ceder parte de sua futura liberdade. Quer isto dizer
que estaríamos diante de uma genuína negociação entre ceder parte do mando e ceder parte da
liberdade.
A concordar com David Brion Davis, "se pensarmos em liberdade como um poder de agir
ou de levar outros agir, fica claro que, mesmo o senhor mais autoritário, apoiado pelas opressivas
leis, era em certa medida limitado pela vontade de seus escravos't.V Tal passagem oferece ocasião de
tornarmos o escravo como um indivíduo apto a, dentro das limitações de sua condição consoante cada
sociedade, quer resistir aos desígnios senhoriais, quer fazer valer seus próprios. Tendo por base o
estudo das manumissões caribenhas no decorrer do século XVII, Jerome Handler e John Pohlmann
observaram que em função de não haver na época um estatuto ou uma lei que regessem a concessão
da alforria, esta ficou a cargo da vontade senhorial assentada em seu direito de propriedade.P Segundo
Sheila Faria, "a esmagadora maioria das tentativas de alforria e de sua efetiva realização, no Brasil,
era resultado das agências dos próprios escravos em relação aos seus senhores't " Em que pese a
imprecisão do trecho transcrito, pois afirma que raramente partiu do senhor a iniciativa de alforriar,
muitos escravos se valeram da esfera jurídica para tentar assegurar suas vontades.
Na sociedade cubana de meados do século XIX, qualquer escravo possuía a prerrogativa de
se apresentar ao síndico procurador da cidade com o intuito de que fosse estabelecido um preço base
para o cativo requerer sua coartação, ou mesmo ser vendido a outro senhor. Vários proprietários
reivindicavam seus direitos de posse, argumentando contra o benefício, pois entendiam se tratar de
interferência do concelho municipal no governo dos escravos. Tal panorama era agravado em função
da permissão para que um escravo coartado procurasse outro senhor. Quanto a essas práticas,
Alejandro de Ia Fuente afirma que juízes e cortes locais recorrentemente as sancionavam, mal grado
não serem reconhecidas em nenhum código legal castelhano da época. Sugere que eram socialmente
aceitas e amparadas no direito costumeiro decorrente dos vários litígios ajuizados pelos escravos.
Específico de Cuba, esse cenário tomou impulso com a promulgação do Regulamento dos Escravos
de 1842, fruto da expansão das plantations escravistas na ilha.45
Por seu turno, Christine Hünefeldt afirma q+ o direito hispânico civil, assim como o
canônico, asseverava a legalidade da queixa por parte do~ escravos contra seus senhores nos casos de

42 DAVIS, David Brion. O problema da escravidão na cultura ocidental. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 200 I, p.
285.
43 Segundo o autor, malgrado a possibilidade de a alforria ser validada ou negada em âmbito judicial, tal prática pouco
ocorreu em Barbados entre o século XVII e o início do centúria seguinte. HANDLER, Jerone; POHLMANN, John. Slave
manumissions and freedmen in Seventheenth-century Barbados. The William and Mary Quarterly, v. 41, n. 3, p. 394-
395, Third Series,jul. 1984. Disponível em: <www.jstor.org>. Acesso em: 18 jan. 2013.
44 J7 A R r A Sinhás nretas. damas mercadoras, 2004, op. cit; p. 9 J. ,
~_~.,n_..: , .•,
15

excessos cometidos pelos últimos. Estudando o Peru no recorte de 1800 até 1854, delimitação que
abrange o fim da escravidão peruana, a autora cita o caso de Maria Izabel, escrava que apela à justiça
com o fito de obter a liberdade em razão dos anos nos quais fora obrigada a manter relação sexual
com seu senhor contra sua vontade. Após urna série de argumentações ora favoráveis a um, ora a
outro, com a morte de seu proprietário Maria, sob a 'força da determinação judicial, recebeu a sentença
de ser vendida a outro senhor.t"
Em Nova Orleans (estado de Luisiana, sul dos Estados Unidos) entre 1769 e 1779,320 títulos
de alforria foram registrados, sendo a maioria concedida por coartação. Uma vez iniciado o processo
em si, ele não podia ser suspenso. Nos casos em que o senhor se negasse a negociar a liberdade, ao
cativo lhe era facultado o direito de requerer, junto ao tribunal do governador, o estabelecimento de
seu justo preço. Em detalhe, o escravo poderia, independente do senhor, iniciar o processo de compra
de sua liberdade."? O mesmo procedimento se estendeu ao longo do recorte compreendido entre 1769
e 1803, período em que a região permaneceu sob domínio espanhol."
Conforme avançado, entendemos a alforria condicional como o melhor caminho para a
compreensão dos meandros da complexa relação senhor/escravo, pois evidencia não apenas o quanto
ambas as partes estavam dispostas a ceder com o intuito de alcançarem seus objetivos, mas também
auxilia na apreensão da negociação filmada para tanto. Segundo Orlando Patterson, para que o
escravo obtenha algo é sempre necessário que o senhor abra mão de algo, de modo que a manumissão
sugere "um ato de criação provocado por um ato de dupla negação iniciado pela livre e espontânea
vontade do senhor em desfazer-se de algo - seu poder - em troca de nada". 49 Não é bem assim. Ainda
que o senhor não receba nenhuma compensação material por libertar algum escravo, não podemos
perder de vista os ganhos imateriais atinentes ao alívio da consciência, status social,
estabelecimento/reforço de redes clientelares, etc. No que nos interessa mais de perto, nas alforrias
condicionais o senhor, além dos ganhos anteriores, poderia minimizar a redução de seu poder de

mando, por exemplo.


Malgrado o excessivo peso concedido aos aspectos econômicos, Katia Mattoso não deixa de
ter certa jazão ao avocar que as condições de servir representavam "um meio maravilhoso de
satisfazer,] ao mesmo tempo, a sede de liberdade do escravo e o desejo do amo de não perder um bom
servidor't.f" Noutras palavras, o escravo cede parte da totalidade potencial de sua liberdade e o senhor
cede parte da totalidade efetiva de seu governo. De passagem, Ira Berlim acerta quando observa que.

46 HÜNEFELDT, Christine. Mujeres: esclavitud, emociones y libertad, Lima 1800-1854. Documento de trabajo, n. 24,
Instituto de Estudios Peruanos, p. 8-10, 1988. Disponível em: <www.iep.org.pe>. Acesso em: 25 jun. 2012.
47 BERLIN, Gerações de cativeiro, 2006, op. cit; p. 116-118.
48 COLE. Shaw. Capitalism and freedom: manumissionsand the Jilave market in Louisiana, 1725- J 820. The Journal of
-.- -~~~ ,..,,--- __ : •• _1 am' <"""'" isror.orz>. Acesso em: 18jan. 2013.
16

havia concessões dos dois lados nas relações escravistas. Contudo, equivoca-se ao admitir que tais
concessões eram indesejáveis para os dois lados." Não necessariamente. Quão satisfatório não seria
para um senhor ceder parte de seu governo sobre um escravo em troca não apenas de ganhos
imateriais, mas também dos ganhos expressos nas condições? Por seu turno, e no que tange aos
cativos com anseios de liberdade, quão satisfatório não seria abreviar o tempo de servidão mediante
a execução de dada condição em troca da obtenção da própria liberdade?
O significado da alforria condicional foi, e é, alvo de debate. A título de exemplo, Ira Berlim
a insere no rol dos mecanismos de controle senhorial sobre os escravos e Frank Proctor III a classifica
como forma de "proporcionar o melhor uso potencial da alforria como coerção". Maria Pires
considera a alforria condicional como "estratégia de controle" senhorial, asseverando que algumas
condições "agravavam ainda mais a crueldade de sua 'concessão"'. Em resumo, elas serviam "mais
à dissimulação dos interesses senhoriais e à manutenção de suas prerrogativas de mando e posse do
que efetivamente à vontade de cessão da 'liberdade"'. Em perspectiva contrária à noção de que as
condições eram signo da crueldade e do cinismo dos senhores, Roberto Guedes argumento que
mesmo aquelas cujo exercício sujeitavam o escravo à escravidão praticamente por toda sua vida
poderiam ser benéficas na medida em que os filhos desses cativos nasceriam livres. 52
Outros autores tomaram parte no debate ao tentar classificar a alforria condicional como
onerosa ou não. Para Jacob Gorender, a condição "fazia da alforria condicional, apensar de gratuita,
um instrumento de exploração submissa do escravo 'candidato a liberto"', com que então se justifica
sua inserção na mesma categoria das alforrias pagas. Em semelhante linha, Douglas Libby e Afonso
Graça Filho admitem que as condições, fundamentalmente a de servir, oneravam asalforrias. Em
posição contrária, Márcio Soares, com quem concordamos, observou o equívoco dessa matriz de
pensamento. Segundo o autor, o problema em considerar a alforria condicional como variante não
monetária das pagas reside no fato de que, sobremaneira, as exigências demandadas pelos senhores
nas condições denotavam obediência e trabalho, o que normalmente se espera de um escravo. 53 Seja
como for, consideramos a condição como representação de um duplo movimento, qual seja: a)
negociação levada a cabo por senhores e escravos com objetivo de maximizarem seus ganhos
consoante seus universos valorativos; b) o quão ambos os lados estavam inrlinados a ceder.

BERLIN, Gerações de cativeiro, 2006, op. cit; p. 15-16.


51
BERLIN, Gerações de cativeiro, 2006, op. cit; p. 151. PROCTOR Ill, Gender and manumission of slaves in New Spain,
52

2006, op. cit; p. 327-328. PIRES, Maria de Fátima Novaes. Cartas de alforria: "para não ter o desgosto de ficar em
cativeiro". Revista brasileira de história. São Paulo, v. 26, n 52, p. 146-151, 2006. Disponível em: <www.scielo.br>.
Acesso em: 18 jan. 2013
53 GORENDER, O escravismo colonial, 2010, op. cit; p. 383. LIBBY, Douglas Cole; GRAÇA FILHO, Afonso de
Alencastro. Reconstruindo a liberdade: alforrias e forros na freguesia de São José do Rio das M0I1es, 1750- J 850. Vária
- -hTstó,.iâ~-BéIo Horizonte, v. 1, n. 30, p. 132-133,jul. 2003. SOARES, A remissão do cativeiro, 2006, op. cit; p. 152. Para
Roberto Guedes , as condicões

poderiam expressar o zelo dos senhores para com seus escravos.
I
FERRElRA, Egressos do
. .• • ••..• ,.."'1"\ .,. 11"\"'"
17

o escravo condicionado
As primeiras palavras do corrente capítulo se voltaram para as definições de condição
segundo Raphael Bluteau e para suas adequações à discussão da alforria condicional. A propósito da
primeira acepção, condição expressava o estado do indivíduo no mundo (escravo, no que toca à nossa
argumentação). A segunda dizia respeito às obrigações e/ou restrições impostas pelo senhor ao efetivo
exercício da liberdade por parte do escravo. Posteriormente, o texto tratou da alforria de Antônia,
feita forra por José Ribeiro com a cláusula de o servir até sua morte sempre observando a devida
obediência, sob pena de recondução ao cativeiro ou de venda em praça pública. Em seguida,
questionamos acerca da condição social de Antônia. À luz do que foi até o momento ventilado, com
o intuito de respondermos a essa pergunta devemos nos voltar novamente para Raphael Bluteau e
avançarmos no significado de condicionado.
Em Bluteau se lê que condicionado diz respeito à "coisa bem condicionada", "que está como
convém que esteja"." Para que bem se entenda, não estamos a sugerir que o escravo era "coisa",
mercadoria, bem etc. Importa nos concentrarmos no segundo sentido do termo, "que está como
convém que esteja". Quando um senhor determinava alguma condição na concessão da alforria
intentava, pois, salvaguardar seus interesses - mesmo que tal condição fosse benéfica para o escravo
como, por exemplo, o aprendizado de algum ofício. Salvaguardar seus interesses evoca a efetivação
de suas estratégias consoante seu universo valorativo - quer de ordem religiosa, econômica, social,
cultural etc. Atinente ao escravo, aceitar a condição, antes de apontar para a única solução possível-
até porque tal cativo poderia fugir, tentar renegociar com seu senhor, dentre outras vias de ação -,
indica que ele consentia com a cláusula na medida em que ela se adequava à sua estratégia de
liberdade consoante seu próprio universo valorativo. Logo, o escravo estava como convinha que
estivesse ao senhor e, mais importante, a si mesmo.
Senhor e cativo cediam, concorrendo para estabelecer uma nova condição social: nem
totalmente escravo, nem totalmente forro. Tal condição não estava prevista nas ordenações
portuguesas e em nenhum 1utro conjunto de leis ou tratados da época. Contudo, era socialmente
aceita e reconhecida. E assi1 ocorria por que as restrições contidas nas manumissões expressavam o
resultado de uma negociação legítima, na qual ambas as parte perdiam e ganhavam. Legítima, porém
desigual, pois hierarquizada. Exige destacarmos que essa hierarquização não se devia unicamente à
condição social de senhor e de escravo - mal grado sua obviedade. Atesta, em realidade, a discrepância
entre a cedência de parte do mando - muitas vezes esse mando restaria inexistente em função da
eminência do falecimento do senhor - e a cedência de parte da futura liberdade.
18

Ao cabo do refinado, tácito e complexo processo de negociação, cujo produto final revelava
a cláusula da manumissão, o escravo passava a vivenciar uma liberdade condicionada sendo, então,
um escravo condicionado. Condicionado em função da dependência de cumprir a cláusula para o
acesso à totalidade da liberdade, do risco do testamenteiro ou dos herdeiros do morto não respeitarem
sua vontade e revogarem a liberdade, do risco do próprio senhor revogar a concessão e, mais
importante, condicionado em função de aceitar a cláusula que efetivava a liberdade condicionada
estando, dessa forma, como convinha a seu senhor e a ele mesmo. Esta era a condição social de
Antônia."

Em julho de 1717, Gaspar Soares de Brito registrou em seu testamento a intenção de alforriar
Ignácio e sua esposa. De acordo com o testador, Ignácio lhe devia 154 oitavas de ouro por sua mulher,
"as quais entregues que sejam aos meus testamenteiros será forra a dita sua mulher o que não será em
quanto as não der". Destino mais incerto teve o próprio Ignácio, cuja cláusula para a liberdade rezava
que ele deveria servir à filha de Gaspar até a dita tomar estado "e depois de tomado o deixo liberto e
forro para todo sempre pelos bons serviços que dele tenho recebido't." Ambos eram escravos
condicionais. O ponto a assinalar repousa na hierarquização da condição. O pleno gozo da liberdade
da esposa de Ignácio dependia exclusivamente do engenho de ambos em reunir a quantia especificada
por Gaspar. A eles lhes era facultado empreender várias estratégias com o fito de abreviar ao máximo
a passagem de escrava condicionada à de liberta. Essa prerrogativa Ignácio não possuía no que
conceme à sua própria condição. Escravo condicionado, assim permaneceria até que a filha de Gaspar
tomasse estado.
O legado não esclarece a situação de Ignácio caso a moça nunca tomasse tal estado. Seja
como for, Gaspar aceitou essa condição. Longe de causar estranheza, a anuência de Ignácio aponta
para as orientações valorativas do casal. Não é descabido supor que a cláusula mais atenuante e
precisa da esposa esteja diretamente relacionada com um acordo firmado por eles com Gaspar. Partus
sequitur ventrem. A condição social do filho segue a condição social da mãe. Forra, a esposa de
Ignácio daria a liberdade à prole do casal. Ignácio e sua companheira eram escravos condicionados,
mas as condições estavam em consonância com seus universos valorativos: cederam p1..,'te da
liberdade do casal em troca da possível liberdade de seus filhos. I

55 Vários estudos observaram o caráter intermediário do escravo alforriado condicionalmente e do escravo alforriado em
testamento. A título de exemplo, Kátia Mattoso, inclusive, criou uma hierarquização da população escravo: escravo,
alforriado sob condição e liberto, em ordem crescente de ascensão social. Segundo a autora, os integrantes da posição
intermediária fariam todo o possível para obter a liberdade. Conforme Manuela Carneiro da Cunha, a coartação
("liberdade a crédito") alçava o escravo "a uma condição intermediária, nem alforriado, nem escravo". Para Sidney
Chalhoub, escravos alforriados condicionalmente não eram nem completamente escravos, nem completamente livres,
estavam em uma posição -intennediária. MATTOSO, Ser escra:'0 no _~/:asil, 2?03, ~~~ c.i::_p. 213. CUNHA, ,Negros
19

Dono de uma pequena riqueza avaliada em 2.287$987 já descontadas suas dívidas passivas,
Bento Correia da Gama era pai de quatro filhos (todos ilegítimos e feitos após a morte de sua esposa,
Maria de Sousa), senhor de nove escravos, proprietário de uma roça, um cavalo, ferramentas e demais
trastes de roupas e de casa. Mandou escrever seu testamento em 15 de dezembro de 1727, através do
qual deixou legado alforriando apenas um escravo. Conforme Bento: "declaro que o escravo Gregório
se bote na parte de meu filho José que como o criou lhe dará o trato que ele merece que em sua vida
o sirva até por sua morte o dito escravo forrei lhe peço o deixe forro por que o não posso fazer por
estar tão diminuto de bens". 57 A transcrição se impõe. Em 1727 o preço médio de um escravo adulto
no termo de Vila do Carmo era de 337$021.58 Como a esposa de Bento havia falecido na altura da
redação de seu testamento, o sistema de herança português previa que o testador poderia usar
livremente sua terça parte, o que daria algo em tomo de 762$662. Subtraindo a alforria de Gregório,
sobrava 425$641 para Bento garantir seus demais legados.
Acreditamos que por detrás da alegação pecuniária, o real motivo da postergação da
manumissão repousa na estratégia de Bento orientada para garantir a seus herdeiros dado nível de
assistência após sua morte. Frisou que elencar especificamente Gregório para servir a José era
resultante de o segundo ter criado o primeiro e, em função disso, saberia- lhe tratar como deveria.
Subentende-se haver um sentimento fraternal do futuro senhor para com o escravo. Conforme
apontado pelo testador, ele já havia alforriado o escravo. Porém, fez constar em testamento seu apelo
a José no sentido de ele não interferir na alforria. E mais, rogava-lhe que efetivamente manumitisse
Gregório, o que nos leva a crer que tal alforria consistia em uma promessa feita ao cativo. É curioso
notar que Bento aventou a possibilidade de José não conceder a liberdade a Gregório, pois, afinal, o
próprio testador afirmou que seu filho saberia como tratar o catívo por tê-lo criado. O caso serve para
demonstrarmos que nem sempre um senhor estava disposto a ceder parte de seu goverrio, mesmo que
não estivesse vivo para exercê-lo. Naturalmente, Bento poderia ter alforriado Gregório gratuitamente
com a condição de servir a José até determinada idade ou mesmo com a cláusula de que serviria a
José até reunir a quantia necessária para quitar seu preço. Nada sairia da terça do testador. Contudo,

as orientações valorativas de Bento conco~~raIl no ~en~idode ~arantir a seu filh,Oa pose do escrav~,
ou seja, tentar ofertar as melhores condIçoesJPosslveIs de VIda. Somente apos a morte de Jose,
Gregório poderia, quiçá, gozar de sua liberdade. -
Em 18 de agosto de 1749, Joana do Rosário, preta forra, fez constar em seu testamento o
desejo de libertar Vicência, quem deveria servi-Ia enquanto viva fosse e que por seu falecimento a

ACSM, IPM. 1 of. cod. 15, auto 471.


57
Partindo do pressuposto de que Gregório fosse adulto - ou seja, estamos trabalhando com a maior estimativa de preço.
58
KELMER MA THlAS, Carlos Leonardo. As múltiplas faces da escravidão: o espaço econômico do ouro e sua elite
• ., ._- J: ~~",~ .r., ~~~;oA.,A" m;np;r:l sereoentista. C. 1711 - C. 1756. Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ,
20

dita escrava ficaria "sujeita e encostada à minha filha Maria até casar e em casando ficará forra e
liberta e livre de toda a servidão por assim ser minha última vontade e então meus testamenteiros lhe
passarão carta de alforria". Joana possuía outros quatro escravos, com idade variando de dez a
cinquenta anos, uma morada de casas e demais trastes. Mãe solteira de dois filhos, seus bens foram
avaliados em 920$123.59 Nesses idos, Vicência era uma mulher de meia idade, com 45 anos vividos.
Novamente, o testador condicionou a liberdade do escravo à sua morte e à prestação de serviço por
dado período de tempo a herdeiros. Vicência, que já havia passado uma vida na escravidão, deveria
permanecer na labuta até que sua nova senhora tomasse estado, caso viesse a tomá-lo, para poder
exercer a plenitude da liberdade. Por que Vicência aceitou tal condição?
Antes de nos apressarmos a advogar em prol do empedernido desejo do escravo de ser
liberto, talvez seja mais proveitoso evocarmos uma lapidar passagem de Ira Berlim, qual seja: "a
liberdade, como a escravidão, não estava definida, sendo constantemente reelaborada'V'? Os três
exemplos anteriores nos informam acerca da perene reinterpretação da noção de escravidão e de
liberdade por parte de senhores e de escravos. Ignácio e sua esposa certamente lidavam com ambas
as noções de forma distinta de Gregório e de Vicência figuras que, muito provavelmente, diferiam
entre si da mesma maneira. Enquanto casal, Ignácio e sua esposa reconstruíam a forma de eles lideram
com aquilo que denominamos escravo condicionado. A maior probabilidade de a companheira de
Ignácio obter a liberdade e de seus filhos nascerem livres acalentava o cativo, abrandando suajornada.
A escravidão presente era resignificada na liberdade futura. Mutatis mutandis, o mesmo vale para
Gregório e para Vicência. A ressalva: Gregório, provavelmente mais novo que Vicência, poderia
encarar seus dias vindouros no cativeiro com um espírito mais bem disposto, não obstante devesse
aguardar o desencarnar de José, o que poderia concorrer para o arrefecimento de sua disposição
espiritual. Com 45 anos, talvez a premência em Vicência fosse mais expressiva. Contudo, não estava
em questão a morte de Maria, mas sim o iniciar de uma nova vida, a dois. Na sociedade em questão,
com a notória influência da instituição católica do casamento, Vicência poderia alimentar suas
esperanças sob a chancela do sétimo sacramento. Tudo se passava ao redor do tempo.
_J Etéreo no Antigo Regime, imaterial no cotidiano, o tempo, para os cativos, era reificado no
lver em escravidão. As alforrias condicionais expressavam um contínuo presente, reconstruído
consoante as expectativas do senhor e do escravo regidas por seus universos valorativos. Tais
expectativas concorriam precisamente para o fim da relação que perpetuava esse mesmo contínuo, a
saber: a relação escravista. Assim, cada condição trata, em essência, das matizes do próprio sistema
escravista. Estamos defronte de uma situação social extremamente delicada e complexa. Na medida
em que a alforria era o único caminho de o escravo acessar legitimamente a liberdade, as condições
21

a ele impostas e por ele aceitas favoreciam concomitantemente o prolongamento de seu tempo na
servidão, assim como a supressão do mesmo. No momento em que a condição era estabelecida, ela
atuava na dilatação do período da servidão em comparação com a alforria incondicional para, logo a
seguir, iniciar o processo subtração desse período.
Entretanto, não devemos perder de vista as idiossincrasias de cada condição. Devendo servir
até a morte do senhor, a cada dia o escravo se aproximava da mais da liberdade, inevitavelmente.
Todavia, sendo obrigado a aguardar o casamento de alguém, embora não provável, era possível que
o sujeito morresse cativo. É precisamente por intermédio dessas particularidades que o pesquisador
pode tentar se aproximar da complexidade das relações escravistas e do quanto senhor e escravo
aceitavam ceder de seu governo e de sua liberdade, respectivamente, com o escopo de maximizarem
suas estratégias a partir de seus universos valorativos. Assim, escravidão e liberdade eram
constantemente reinterpretadas e reinventas pelos agentes sociais que a instituíam cotidianamente.
O costume de se alforriar com a condição de que o escravo deveria esperar a morte de seu
senhor ou servir por dado período de tempo não foi exclusividade da capitania mineira, muito menos
da escravidão moderna. Na cidade grega de Delfos entre 200 a. C. e 100 d. C., 32% dos alforriados
condicionalmente se resignaram em aguardar a morte de pelo menos um senhor para obterem a
liberdade. Em Barbados seiscentista, 53,8% dos senhores impuseram condições nas manumissões
que estendiam consideravelmente o tempo da escravidão do cativos, com destaque para a cláusula de
alforria após a morte do senhor. Na Bahia entre 1680 e 1740, 70% das alforrias condicionais rezavam
que os cativos aguardariam o falecimento de seus senhores."
As interpretações acerca do significado das condições de servir até a morte do senhor e/ou
por um período de tempo variaram. Segundo Sheila Faria, "conseguir a liberdade dependia dos
argumentos que o escravo teria de usar para, onera ou gratuitamente, convencer o senhor a concedê-
Ia". Dessa forma, considera as condições em questão evidências do intento senhorial de "serem mais
. bem servidos". Aproximando-se dessa perspectiva, Mariana Assunção compreende o servir até a
morte do senhor/por um determinado tempo como "uma estratégia de manter a subordinação e a
eterna gratidão das mães cativas e de seus filhos, filhas e netOS Nos
".62 afastamos de semelhante

1
argumentação na medida em que tais cláusulas expressavam, con rme adiantado, o quanto senhor e
escravo estavam inclinados a cederem no processo de negociação ;a liberdade. Logo, não podem ser
aceitas como signo de uma tentativa senhorial de eterna submissão ou mesmo de forçar os escravos

. PA TTERSON, Escravidão e morte social, 2008, op. cit; p. 357. HANDLER; POHLMANN. Slave manumissions and
61

freedmenin Seventheenth-century Barbados, 1984, op. cit; p. 396-403. SCHWARTZ, Alforria na Bahia, 1684-1745,
2001,op.ch;p.213.
---- -----62 FARIA, Sinhás pretas, damas mercadoras, 2004, op. cit; p. 88-90. ASSUNÇÃO, Mariana. Escravidão e liberdade em
~ __ ••• ~ _ : 1~, , _ TY' • .L.! .• :_ .J_
22

a melhor servi-Ios até porque, via de regra, os escravos que melhor serviam estavam entre aqueles
mais agraciados com a alforria - afinal, qual seria o ponto? Forçar um bom escravo e os seus a
servirem ainda melhor e enquanto vivos fossem?63
Comparar as alforrias condicionais testamentárias com as cartoriais acabou se revelando
mais complicado do que era dado a esperar. A principal dificuldade a nós imposta diz respeito à
relevante discrepância entre ambas as fontes em termos quantitativos. A documentação coligida para
as alforrias cartoriais totalizou 2.354 escrituras através das quais 2.919 escravos receberam suas cartas
de liberdade. No que concerne às testamentárias, 72 dos 167 testadores registram desejo de alforriar
algum cativos perfazendo, coincidentemente, 167 escravos agraciados. Malgrado a maioria dos
problemas de distorção possam ser resolvidos recorrendo a métodos de proporcional idade, ainda
assim algumas questões se fazem imperativas. Por exemplo, as 229 alforrias condicionais cartoriais
ofertaram uma diversidade de nove condições diferentes e as 16 testamentárias apenas duas - servir
e ficar donzela. Não temos como afirmar ser tal assimetria resultante quantitativa da pesquisa, ou se
encerra algum tipo de estratégia em comum dos testadores próximos de seu falecimento em
comparação com os senhores que manumitiam ao longo de suas vidas."
A título de exemplo, Márcio Soares arrolou para a região de Campos dos Goitacases entre
1,750 e 1830 um total de 171 alforrias condicionais testamentárias e 173 cartoriais, com 100% das
condições incidindo na cláusula servir - as divergências se referiram a quanto tempo servir e a quem
servir. À diferença de nossos dados, Soares trabalhou com um número de testamentos superior ao de
escrituras, 595 e 305, respectivamente. Para a localidade de Porto Feliz (São Paulo) na primeira
metade do século XIX, Roberto Guedes arrolou, basicamente, quatro tipos de condições - morte do
testador/cônjuge, servir a parentes/legatários do testador, apresentar bom comportamento e, por fim,
pagamento. Na cidade de São Paulo no terceiro quartel do novecentos, as alforrias testamentárias
revelaram, grosso modo, quatro condições: morte do senhor, servir, pagamento e gerar filhos.
Estudando as alforrias testamentárias em Capinas nos anos de. 1829 e 1838, Adauto Damásio
identificou, em geral, seis condições: viver em companhia, prestar serviços, aprender ofício,

paga~ento, gratidã1 e esmola para Igreja. Em Lu.isiana no. recorde ~e ] 725 e 1820, as :ri~ci~ais
condições foram agrardar a morte do senhor, servir detennmado peno do de tempo/ou ate atingir a

63 Nessa esteira, melhor explicação oferece Orlando Patterson. Para o autor, a alforria testamentária evidenciaria a seguinte
troca entre o falecido testador e o escravo: "a morte do senhor para libertação do escravo", ou seja, o "senhor morrera
para que o escravo pudesse ser livre". Corolário: "colocava o escravo sob a profunda obrigação possível de retribuir o
bem do senhor honrando-o pelo resto de sua vida, e obviamente também honrando e servindo seus sucessores".
PATTERSON, Escravidão e morte social, 2008, op. cit; p. 319-320.
64 Segundo Patrícia Silva, por vezes as condições eram expressas nas cartas de alforria registradas em cartório, não sendo
repetidas na alforria testamentária. SrLVA, Últimos desejos-e"promessas-de liberdade, 2010, op. cit; p. 94-95.
23

idade legal para ser liberto (trinta anos) e efetuar pagamentos anuais.f No que toca às condições
arroladas na corrente pesquisa, apresentamos a tabela abaixo.
Tabela 1 - Condições presentes nas alforrias cartoriais e testamentárias, termo de Vila do Carmo,
1711-177866

Casar Ficar Ficar Ficar Ficar Não Não Obedecer Pagar Servir Total
com o donzela longe do Perto do casar servir a
marido ex-senhor ex-senhor outro
senhor
.Cartoriàís
Gratuita (#) 2 I 5 2 I I 183 195
'% . 1',03 ',0;51, ',2;5(1 "1,03' - ' 'Q,51~ 0,51 93,85 " 100
, Paga (#) 1 1 20 22
% :\4:55. .~, 4,53' 90,9 - -':'1.00''-'
Coartação (#) 2 I 9 12
'o/~ "':16,(j7 : ":'<-.
- ' ,,,'c: 8',33 "-- -,". ~~::.
-:
",' ";75 ':. , ' 190,:
Total (#) 4 1 6 2 I I I I 212 229
,%'" 'IR4' 0;44 2~62 0,87-, "0,44 ' .0,44 ' 0,44 0:44' , 92;57' ':100:,

Testamentárias ,,' ',~'


Gratuita (#) 14 15
% '~.' -:'93;33 - 100
Coartação (#) I I
, % ..
-. 100 >I 00
Total (#) 15 16
"Vo'
.. " ,,'.; , "625'"" .'-' "'93,75 Ido,
fonte: ACSM, lPM. I e 2 Of5; ACSM, LN. 1-80; 'ÃCSM, LT. 49-55, 59, 60, 62-65, 67, 69-e 70-73',

Ao abrigo das considerações anteriores acerca da quantificação, as únicas semelhanças entre


as condições dizem respeito à superioridade da cláusula servir e ao tempo de serviço limitado à morte
do testador - 57,97% para as cartoriais e 66,66% para as testamentárias." À vista dessas duas
categorias, os dados sugerem que a ocasião da concessão da alforria não interferia na estratégia
senhorial acerca das condições acordadas com seus escravos. Contudo, quando observamos a quem
tais escravos deveriam servir os dados nos direcionam para orientações valorativas diferenciadas. Nas
cartoriais, 91,98% dos cativos estavam sujeitos ao serviço até o falecimento de seus senhores. Nas
testamentárias, 4&'16%. Para além da- obviedade da impossibilidade de servir a um defunto, esses
números nos indicam que quando um senhor, ao longo de sua vida, intentava condicionar a liberdade
do escravo à prestação de serviço, comumente buscava garantir o serviço pelo resto de sua vida.
O escravo, enquanto ator social e racional, tinha perfeita noção que havia tão somente dois
caminhos para a liberdade: a alforria ou a fuga. Optando pela primeira, para algumas almas mais valia
I

uma carta de alforria registrada em cartório resguardando uma liberdade condicionad1ao falecimento

I
65 SOARES, A remissão do cativeiro, 2006, op. cit; p. 129, p. 155 e p. 187. FERRElRA, Egressos do cativeiro, 2008, op.
cit; p. 198. SILVA, Últimos desejos e promessas de liberdade, 2010, op. cit; p. 76. DAMÁSIO, Alforrias e ações de
liberdade em Campinas na primeira metade do século XIX, 1995, op. cit; p. 38. COLE, Capitalism and freedom, 2005,
op.cit;p.1019.
66 Para as alforrias cartoriais a tabela cobre o período de 1711 até 1756. Acerca das testamentárias, de 1717 até 1778.
67 Analisando 348 escrituras de alforria e liberdade entre 1750 e 1759 para o próprio termo de Mariana, Carlo Monti

observou que 17,77% delas eram gratuitas condicionais, das quais 50% exigiam determinado tempo de serviço por parte
do escravo, sendo que dessas 66,66% estenderam tal período até o falecimento do senhor. MONTI, Carlo Guimarães. Por
amor a Deus:õ- proces~io de alforria dos escravos de Mariana (1750-1759). Revista do Centro Universitário Barão de
24

do senhor do que tentar a vida nos quilombos ou nos matos. Estamos defronte a uma clara estratégia
de ,vida calcada em orientações valorativas. O sujeito aceitava se tomar escravo condicionado em
troca da esperança de gozar a liberdade. Sobre os senhores, longe de tentar garantir bons serviços ou
fidelidade desses cativos - pois, conforme avançado, esses já eram bons e fiéis cativos -, o escopo
repousava em maximizar seus ganhos. Manumitia-se um escravo bem quisto em função de seus bons
serviços e fidelidade ao mesmo tempo que se garantia a continuidade desses mesmos bons serviços e
fidelidade. Em adição, o senhor restava em paz com sua consciência. 68
Dito isto, a tabela 1 pôs a descoberto um dado interessante. Enquanto 34 alforrias cartoriais
pagas/coartação foram acompanhadas de alguma condição, somente um testador assim procedeu. Em
treze de junho de 1756, a preta forra Izabel Pereira ditou seu testamento através do qual alforriou
quatro de seus seis escravos. Três deles gratuitamente com a condição de servir a ela e a seu marido,
Luis Vieira Machado, até o falecimento de ambos. Apenas Antônia teve sorte diferente. Nas palavras
de Izabel, ela era senhora de "uma escrava por nome Antônia de nação Ladá a qual ficará servindo
ao que ficar vivo, e por morte de ambos, meus testamenteiros coartarão a dita escrava pelo menos que
ela valer de modo que possa ficar forra".69 Há de se considerar a possibilidade de Izabel intentar
extrair pecúlio da manumissão com o objetivo exatamente de alforriar Antônia. Noutros termos,
considerando sua terça insuficiente para arcar com quatro manumissões gratuitas e os demais legados,
talvez o melhor caminho para a liberdade de Antônia tenha sido acordar entre ambas que ela pagaria
por sua alforria - donde fazer constar que o preço em questão deveria ser o mais baixo possível. Por
fim, Antônia ainda gozaria de um prazo para quitar seu valor, não sendo exigido o pagamento integral
de uma única vez.
Algo diferente se passou com Tereza. Alforriada por Manoel da Fonseca Santos em trinta de
abril de 1742 mediante o pagamento de 250$000, Tereza se tomou condicionada com a cláusula de
servir a Manoel enquanto vivo fosse. Grávida, a escrava ainda guardaria o direito de alforriar seu
prole vindoura mediante o pagamento de 38$400 na ocasião do batismo. Contudo, seus futuros filhos
teriam o mesmo destino de outra filha sua, Maria. Pela ocasião do registro da carta de alforria de
Tereza, Manoel igualmente registrou ~ liberdade de Maria mediante pagamento - efetuado por sua
mãe - e sob a condição de servi-lo até s1a morte.?" Salvo a possibilidade de alforriar sua descendência,
não houve amortizações para Tereza e ,os seus. Pagaram para serem escravos condicionados à morte
de Manoel. Não há.o que estranhar aqui. Tereza agiu consoante seu universo valorativo. Não é demais
evocar Ira Berlim e ventilar novamente que o escravo foi quem melhor conheceu a escravidão e quem

68Acerca do tema cf. KELMER MA THIAS, Carlos Leonardo. Legados da consciência: estratégia para livrar a alma do
----.- ._---~ .. -.
fogo do Purgatório.
25

mais pensou no que poderia significar a liberdade, constantemente reelaborada, assim como a própria
escravidão.

Excetuando uma alforria testamentária cuja cláusula objetivou o resguardo da pureza de


Amônia," todas as demais condições estiverem atreladas à prestação de serviço. Nas cartoriais, as
nuanças das relações escravistas ganharam cores mais vivas. A tabela 1 expõe a complexidade dessas
relações. Na exata medida em que senhores e escravos acordavam a alforria gratuita com a condição
de que os recém libertos não assistissem na mesma localidade do senhor sob risco não de
reescravização, mas de venda em praça pública, assim também alguns eram manumitidos com
cláusulas que demandavam uma proximidade muito além do fato de servir por dado período de tempo.
Em abril de 1725, Francisco de Miranda dos Santos registrou carta de alforria através da qual libertou
Perpétua, de um ano e onze meses, gratuitamente com a condição de que a "crioulinha será obrigada
a não sair de seu poder até a idade de sete anos". Caso Francisco partisse da capitania de Minas Gerais,
"irá a dita crioulinha com sua mãe para onde ele for". 72 Não se trata de um servir, mas sim de um
acompanhar. Interessava a companhia em si das prováveis filha e amante. São situações diferentes,
querer o afastamento, a aproximação, o servir. Situações que sugerem diferentes orientações
valorativas. Orientações valorativas que complexificavam as relações escravistas que, por seu turno,
concorriam para estabelecer o próprio sistema escravista - acessado, aqui, através das alforrias
condicionais.
Em sete de setembro de 1727, Luis Pereira de Franca teve sua liberdade condicionada por
entendimento seu e de Manoel Ribeiro Carvalho, senhor que lhe concedeu a manumissão. Eis a
cláusula: "casar com uma crioula chamada Joana da Conceição filha de uma preta chamada Antônia
Mina cativas que foram de João Rodrigues Negrão". De resto, Luis estava coartado na quantia de
480$000. Além de casar, teria de pagar para ser liberto. Em 29 de janeiro de 1742, Domingos Pereira
de Carvalho alforriou Antônia com a seguinte condição: "de que a dita negra não poderia casar com
negro ou mulato cativo de outrem". Por seu turno, Antônia ainda despendeu 240$000 pela
manumissão. Além pagar, não poderia casar para ser liberta - ao menos com escravos de outro que
não Domingos.P Estamos às voltas com recursos e orientações valorativas de senhores e de escravos I

1I que nos informam como as noções de escravidão e de liberdade eram constantemente reelaboradas e 1
reinterpretadas à luz daqueles que concorreram diretamente para a instituição do sistema escravista
no Brasil colonial.

71 Essa foi a condição que a preta forra Quitéria Cardoso Leal fez constar em seu testamento: "Declaro que minha escrava
Antônia crioula de idade dezesseis anos pouco mais ou menos de presente e a meu ver donzela e conservando-se assim
donzela até meu falecimento a deixo forra sem pressão alguma mas no caso de se desmandar antes deixando-se a perder
revogo a graça e coarto na qU1!J1!.~ada.s.~jt.a~~essenta e quatro oitavas de ouro e tempo de quatro anos". ACSM, Livro de
testamento 55, p. 185-189v. .
'71 i. ,-,c-"
.•..•••• If T".r "'li T' AT 10 •..• .t" "A/l~"::
26

Conclusão

Em 12 de setembro de 1715, ou seja, dois meses e oito dias antes do registro da carta de
liberdade de Antônia por José Ribeiro com a condição de que a referida escrava condicionada deveria
servi-Io até sua morte sem lhe faltar com a obediência sob risco de reescravização ou de venda em
praça pública, o padre João Coelho manumitiu Ana da Silva gratuitamente com a cláusula segundo a
qual Ana nunca mais servisse a nenhum outro senhor, sob pena de ser reconduzida à servidão aos
cuidados dos franciscanos mais próximos do local de sua assistência.i" A condição é intrigante.
Afinal, qual escravo em sã consciência iria de livre e espontânea vontade se pôr a serviço de outro
senhor após obter a liberdade? Contudo, se isso era algo impensável, porque o padre registraria a
restrição na carta de Ana? Estaria a recém liberta interessada em tomar à escravidão? Fora feita liberta
contra sua intenção? Não há possibilidade de respondermos essas questões de forma objetiva.
Podemos apenas especular.
Implica sublinharmos o fato de um senhor, um senhor pio, fazer constar em carta de alforria
que a dita agraciada não poderia servir a nenhum outro senhor - caso ofendesse tal condição, serviria
aos franciscanos. Por seu turno, Ana nunca deixaria de ser uma escrava condicionada na medida em
que o exercício da liberdade estava sujeito ao cumprimento de uma cláusula: não servir a mais
ninguém. Ou seja, Ana apenas seria liberta caso se submetesse a uma condição expressa em carta de
alforria. Sua condição de escrava condicionada era a exata medita de sua liberdade. Essa era uma boa
condição: o indivíduo somente seria liberto se não servisse a mais ninguém! Contudo, e na esteira
desse artigo, Ana nunca deixaria de ser escrava condicionada. Quais recursos e orientações
valorativas concorreram para a elaboração e aceitação dessa condição por parte de senhor e de
escrava?
Poderíamos supor que João Coelho queria muito garantir que Ana permanecesse liberta. Seu
desejo era tão forte que a condição imposta era o risco da reescravização. Para a escrava, não deve
ter sido lá muito problemático aceitar tal condição: fique liberta, ou volte a ser cativa! Enfim, estamos
diante de uma sociedade escravista vincada por noções católicas de mundo assentadas em uma
hierarquia social cuja lógica de funcionamento demandava o estabelecimento de laços de
reciprocidade que tanto viabilizavam uma, mobilidade stia!, quanto recrudesciam a desigualdade
que delineava as posições SOCiaiSpor detras dessa mobilidade, O estudo das alfornas condicionais
viabiliza o entendimento do quanto senhor e escravo cediam consoante seus recursos e orientações
valorativas. Alguns senhores buscavam maximizar suas obras pias - dentre elas a alforria. Outros,
salvaguardar um nível de assistencialismo a seus herdeiros. Para os escravos interessados na
liberdade, valia abrir mão de parte dela com o escopo de garantir um dado mínimo. Acreditamos que
27

análise das alforrias condicionais faculta a melhor compreensão dessas complexas relações sociais
que recriavam a sociedade escravista de então.

Bibliografia
ASSUNÇÃO, Mariana. Escravidão e liberdade em Fortaleza, Ceará (século XIX). Dissertação
(Mestrado em História) - Programa de Pós-graduação em História da Faculdade de Filosofia e
Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia, Bahia, 2009.
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São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
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Campinas, 1995.
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