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PRADO, L.C.D; EARP, F. S.

O “milagre” brasileiro: crescimento acelerado, integração


internacional e concentração de renda (1967-1973)

[...] O milagre econômico foi produto de uma confluência histórica, em


que condições externas favoráveis reforçaram espaços de crescimento
abertos pelas reformas conservadoras no governo Castelo Branco. Mas
foram a ideia da legitimação pela eficácia, concepção positivista que
permeava o imaginário dos militares e seus aliados, e, ainda, o
nacionalismo das Forças Armadas brasileiras que fizeram inevitável a
opção pelo crescimento, em lugar da construção de uma ordem liberal,
como fazia a vizinha Argentina. Por outro lado, esta necessidade de
crescimento não encontrava limites em preocupações com questões
como equidade, ou melhoria das condições de vida da população, a não
ser quando isso afetava a segurança do regime.
É de extrema importância falarmos sobre a questão econômica durante o regime
militar no Brasil, pois em certos debates vemos ainda a famigerada ideia de que a
economia e o social são aspectos que não se desenvolvem geralmente juntos. Por isso,
para muitos, os absurdos cometidos contra os direitos humanos no país se justificam
diante das necessidades econômicas do período.

É preciso analisarmos o chamado milagre econômico e identificarmos as suas


raízes e acompanharmos o seu desenvolvimento. Esse texto nos permite trilhar esse
objetivo nos lançando inicialmente em um debate de economistas que ocorria por trás das
ações econômicas e que, certamente, pululavam o cenário político na década de 1960-70,
o qual vemos resquícios até hoje, principalmente em momentos de crise como o que
vivemos atualmente.

Nesse debate estruturalistas e liberais divergiam a respeito de duas questões


principais. Eles buscavam entender o que ocasionou a crise do modelo de substituição de
importações e quais medidas e reformas deviam ser adotadas para viabilizar a
continuidade do crescimento visto anteriormente.

Os estruturalistas como Celso Furtado e Maria Conceição Tavares pensavam o


Brasil em suas singularidades de país periférico e sustentavam que o modelo havia dado
certo devido o contexto externo de crise que, ao reduzir o número de exportação dos
produtos brasileiros, afetou a capacidade de importação, fomentando assim, a substituição
de importações através do aquecimento da economia industrial interna. Para eles, o
atendimento da demanda interna não afetada pelo setor exportador deveria ser realizado
de três formas: usando a capacidade de produção interna já disponível; aumentar a oferta
de bens; e a instalação de novas unidades produtivas, haja vista que a capacidade

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previamente instalada se esgotaria. Para a realização dessa última, seria necessário a
importação de bens de capital, mas a falta de divisas geraria uma nova substituição.

Para que tudo isso ocorresse era imprescindível o aumento da demanda interna,
no entanto, essa demanda era afetada por problemas estruturais brasileiros. A instalação
de uma indústria moderna no Brasil, afetaria os postos de trabalhos pela substituição por
máquinas e o setor agrário não absorveria essa mão de obra disponível pois não crescia e
pagava pouco aos seus trabalhadores, não resultando portanto, em aumento de demanda
de bens de consumo e, para isso, muito contribuía a estrutura fundiária do país que
favorecia a concentração de renda. Dessa forma, só seria possível continuar crescendo se
houvesse aumento de um mercado consumidor específico: uma pequena parcela da
população de alta renda que demandava produtos sofisticados.

No entanto, esse mercado consumidor tendia a estagnação. A única solução


cabível para um crescimento autossustentável era uma mudança do modelo econômico
do país através de reformas de base, entre elas a reforma agrária, que deveriam ser
promovidas pela ação do Estado.

Os liberais como Eugênio Gudin e Octavio Gouveia de Bulhões, por sua vez, não
tratavam o Brasil diferentemente de outros países, e relegavam seus problemas
econômicos à intervenção do Estado e ao populismo econômico. Para eles era necessário
deixar que o próprio mercado regulasse seus preços.

Com o golpe de 1964, esses últimos tomam as rédeas da economia. Bulhões,


ministro da economia de Castelo Branco visou a redução do déficit público, enviando
novo orçamento ao congresso e divulgou o Plano de Ação Econômica do Governo, cujo
objetivo era acelerar o desenvolvimento econômico do país e conter a inflação,
alcançando razoável equilíbrio de em 1966 sem intervenção do poder econômico nos
preços de mercado. Para isso, promoveram uma série de reformas da política fiscal,
creditícia e trabalhista.

Eles criaram o Novo Código Tributário Nacional para substituição de vários


impostos e visavam também a racionalização da política de crédito, focando em reformas
para a criação de um mercado para os títulos da dívida pública federal, de forma a não
mais se utilizar dos recursos do Banco do Brasil, que gerava alta na demanda agregada.
Fixou-se também novas regras de juros que tornavam os investimentos atraentes,
permitindo que o déficit público fosse financiado pelo setor privado, criou-se a caderneta

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de poupança que permitiu que a classe média investisse com garantias do governo. Além
disso, houve fomento às exportações, como isenções no IPI e imposto de Renda e criou-
se também o Banco Central que ficou responsável pela execução de fiscalização da
política financeira do país.

Era necessário criar também um mecanismo de reajuste salarial que não gerasse
pressões inflacionárias, parte importante nesse plano era a despolitização das negociações
salariais, além de dar maior flexibilidade nas relações trabalhistas. As indenizações pagas
pelo empregador foram substituídas pelo Fundo de Garantia por Tempo de Serviço
(FGTS), um fundo de poupança compulsório controlado pelo Estado que serviria para
ampliação dos investimentos públicos e um Pano Nacional de Habitação.

Essas reformas foram importantes e deram maior dinamicidade e controle da


economia, bem como para a atração de investimentos. No entanto, o governo Castelo
Branco não foi bem-sucedido no cumprimento do controle inflacionário. Isso junto a
impopularidade das reformas e a manutenção a todo custo desse programa de
estabilização justificaram o “fechamento” do sistema político, exigido por Castelo Branco
à Costa e Silva.

No plano externo, a década de 1960 era favorável às exportações e o mercado de


moedas tornava-se uma atividade de grande porte, facilitando os investimentos
estrangeiros. A Lei de Remessas e lucros de Castelo Branco, reconhecia para o cálculo
de cobrança não apenas o valor investido, como também os lucros gerados nas transações,
o que permitia maior arrecadação ao governo. Com Costa e Silva e Médici há liberação
de fluxo de capitais, permitindo a entrada de empresas nacionais se integrassem no
mercado de oferta de crédito internacional.

Esse período foi de grande vulto econômico, fazendo com que a década de 1970
conhecesse o termo “milagre brasileiro”. Tal crescimento ocorreu por que Costa e Silva
abandonou a política de austeridade de Castelo Branco, pois o cenário pós reformas com
capacidade produtiva e de investimentos públicos também o permitiram. Muito
contribuiu para essa mudança de prioridades as insatisfeitas expectativas públicas, e as
reivindicações pelo reestabelecimento da democracia, inclusive de setores golpistas e
algumas previsões lançadas em algumas publicações a respeito da economia mundial que
apontaram o Brasil como um país de baixo crescimento no final do milênio, apontando
para uma estratégia nacionalista.

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Tornava-se primordial a promoção uma política de crescimento que desse
legitimidade ao governo para não desgastar o próprio regime que, nesse momento se
institucionalizava, com a primeira sucessão. Costa e Silva lança o Plano Estratégico de
Desenvolvimento visando uma taxa de crescimento de 6% ao ano que seria induzida pelos
gastos públicos, articulada a uma política gradual de controle inflacionário.

A repressão ostensiva dos movimentos de 1968, mostrou o caráter mais autoritário


do regime. As insatisfações surgidas daí deixaram visível a necessidade de atendimento
da demanda por crescimento, para a qual lançou-se um plano de metas e bases que focava
nos problemas relativos ao subdesenvolvimento da população, apontando para a falta de
incorporação de tecnologias modernas nos segmentos dinâmicos e para a necessidade de
integrar as regiões atrasada a elas.

O governo de Médici, mesmo promovendo os “anos de chumbo”, realizou grande


propaganda patriótica acompanhada pelo crescimento do PIB. Em 1971 é lançado o Plano
de Desenvolvimento para transformar o Brasil em nação desenvolvida que focava em
investimentos pesados na indústria de base, isto é, nos setores siderúrgico, petroquímico,
construção naval, energia, comunicações e minerações.

Os dois planos visavam uma taxa de crescimento anual de 9%. Entre 1968-1973
o PIB ganhou mais um dígito, surpreendendo a muitos. A conjuntura externa impulsionou
a exportação brasileira que quase triplicou, a disponibilidade de divisas favorece também
a importação de bens de capital e instala indústrias modernas. Ademais, um país com uma
economia em crescente, e taxas de inflação em queda, consegue crédito fácil, ainda mais
em um momento de grande vulto do sistema financeiro. Tal cenário não ocorre, no
entanto, apenas como um reflexo do cenário externo, pois a mudança de ênfase na política
econômica.

Abandonou-se a política de retração da demanda agregada, pois considerou -se


que com a política deflacionária, ela já havia caído o máximo que poderia. Não era mais
necessário a contenção os salários, porém, o aumento da demanda por trabalho elevou o
salário médio e reduziu o número de pessoas que recebiam salário mínimo. Nesse
momento, adotou-se o controle de preços dos segmentos não competitivos da economia,
para reduzirem as margens de lucro e aumentar suas vendas, o que seria realizado com a
disponibilidade de crédito que o governo aumentava. Essa expansão do crédito aos setores

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privados visava o aumento do seu papel no crescimento e desenvolvimento econômico
do país, havia nela embutida um controle das taxas de juros e até tabeladas.

Promoveu-se uma mudança no sistema de especialização das atividades


financeiras que seguia o modelo norte americano. A reformulação incentivou a
centralização dos capitais bancários, criando um processo de concentração bancária e a
formação de grandes conglomerados financeiros.

Esse conjunto de mudanças trouxe ampliação de crédito, principalmente para o


setor agrícola, que também contou com subvenções fiscais para a redução de custos com
o objetivo de aumentar a oferta de alimentos e também as exportações. A exportação
industrial também foi alvo de fomentos e isenções e a população também contou com
crédito para compra de bens de consumo intermediários e duráveis com facilidades de
pagamento.

Houve aumento oferta de empregos através da alavancagem do setor de


construção civil, através dos recursos do Banco Nacional de Habitação, que utilizava os
recursos da caderneta de poupança e a poupança compulsória dos trabalhadores; e pela
demanda de construções estatais, isto é, os investimentos em infraestrutura.

A produção industrial superou entre 1968-1973, o produto interno bruto do país,


com um notável crescimento da Indústria da Transformação. Trata-se da cominação da
ampliação de crédito, capacidade ociosa previamente existente, crescimento de oferta de
bens de capital, investimentos do governo em infraestrutura que promoveram maior
interligação entre regiões e, por fim, o aumento do consumo da massa de bens não
duráveis.

Essas mudanças impactaram também o comércio exterior que alcançou ótimos


resultados influenciados também pelo aumento do comércio mundial e melhores termos
de negociação. Além disso, as exportações receberam subsídios fiscais e creditícios,
através por exemplo do programa Befiex (concessão de benefícios fiscais e programas
especiais de exportação) e a política cambial sofreu alterações que promoveram um
regime de minidesvalorizações cambiais.

Apenas em dois anos as taxas de importação superaram a de exportação como em


1971-72, porém, a facilidade de negociar empréstimos estrangeiros, devido o aumento de
capacidade de endividamento, reiterava esses investimentos e mudanças que

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impulsionavam a economia e criavam pari passu aumento da dívida externa – que nesse
momento não era visto como problema.

No final de 1973, o Brasil crescia, junto a sua dívida externa, porém, esse
crescimento não era distribuído e um mal-estar surgia. Esse ponto fraco foi constatado
com o censo de 1970 e era justamente o foco das críticas feitas pelos economistas da
oposição que debatiam como era possível aquele vultoso crescimento sem as reformas de
base.

José Serra e Tavares contestam a tese de Celso Furtado sobre o desenvolvimento


e a estagnação de uma economia de substituição de importações. Para eles, era possível
transitar para um modelo baseado em estímulos internos próprios ao sistema sem
enfraquecer os laços de dependência externa, através de uma reordenação política
econômica referente ao financiamento, distribuição de renda, orientação dos gastos
públicos e, a rearticulação do sistema monetário-financeiro em outras bases.

Ocorre que Furtado previa que a estagnação previa na perda da dinamicidade do


modelo de substituição de importação por causa do estrangulamento da demanda causado
pela concentração de renda. Ele reformulou suas interpretações reconhecendo os pontos
positivos da política de desenvolvimento no sentido de fomentar um mercado de bens
duráveis de consumo de dimensões adequadas, possibilitando a ampliação de certas faixas
de consumo sem alterar a política salarial, de forma a superar a tendência à estagnação.
No entanto, Furtado e Tavares, continuavam a concordar que, a má distribuição de renda
estrutural ao sistema foi o que sustentou o crescimento econômico do período e, sem a
sua superação, seria impossível sair do subdesenvolvimento.

Essa tese foi confirmada por outros estudos e publicações acadêmicas que
criticaram a política governamental. Análises sobre o Censo de 1970, identificaram que
a desigualdade da distribuição foi a combinação de ganhos relativamente pequenos nos
grupos de renda próximos ao salário mínimo, e de ganhos muito elevados nos grupos de
renda alta.

Surgem defesas como a de Langoni que defendia o governo, explicando que a


concentração de renda no Brasil foi provisória devido a mudança de pessoas de regiões
de baixa produtividade para as que se desenvolviam rapidamente. Enfatizando o papel da
educação nos níveis de renda, para ele, assim como nos casos clássicos, isso seria
resolvido na medida em que a continuidade do crescimento ensejava maior oferta de mão

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de obra qualificada. Ademais, seguindo seu raciocínio, chega-se à conclusão que o
aumento da desigualdade está relativamente ligado a redução da pobreza

A década de 1970, foi marcada por mudanças na política externa dos EUA com
relação aos países subdesenvolvidos. Ela foi marcada pela mudança nas taxas de câmbio
que se tornaram flutuantes promovendo mais instabilidade econômico, além disso, a crise
economia internacional atingiu as taxas de exportação do Brasil e dificultou o pagamento
da dívida externa, problema que caiu no colo de Ernesto Geisel, obrigado a voltar à
escolha entre estabilização ou crescimento.

Em síntese, o texto nos permite perceber que não foram apenas as medias austeras
liberais e as reformas em setores financeiros, creditícios e trabalhistas que dinamizaram
e propiciaram o crescimento. Foi também e principalmente a necessidade de legitimação
pela eficiência e a priorização pelo crescimento que mudaram as políticas relativas ao
controle inflacionário, à subvenção de diversos setores e a disponibilização de crédito.
Isso só foi possível, por sua vez, pela não alteração da estrutura econômica do país, tendo
uma de suas principais características, a concentração de renda e consequente
desigualdade social, servido de base para as elevadas taxas de crescimento que não
suscitaram, entretanto, a distribuição de renda e o crescimento da maioria da população.
Por essa razão, não podemos justificar o autoritarismo do regime e tampouco podemos
cogitar chamar o período ditatorial brasileiro de revolução, visto que para haver uma
revolução é necessária a ocorrência de mudanças estruturais na política, na economia e
na sociedade como um todo.

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