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UNIVERSIDADE FEDERAL DE CAMPINA GRANDE  


CENTRO DE FORMAÇÃO DE PROFESSORES  
UNIDADE ACADÊMICA DE CIÊNCIAS
SOCIAIS CURSO DE LICENCIATURA EM
HISTÓRIA  
  
  
 

  

RUY PARNAIBA RICARTE


  
  
  

  

ENSAIO HISTORIOGRÁFICO

 FUTEBOL E DITADURA: CONCEPÇÕES E DESMISTIFICAÇÕES


ACERCA DA COPA DO MUNDO DE 1970
  
  
  

  
  
   
CAJAZEIRAS-PB 
2022
O presente ensaio surgiu após discussões em sala, na aula da disciplina de Brasil
V, no qual foi levantada uma questão referente ao futebol, e como ele foi utilizado pelos
militares da ditadura militar com o intuito de “legitimar” o sucesso do governo,
entrelaçado com o chamado ‘boom’ econômico ou “milagre brasileiro”. Com isso,
algumas indagações ficaram rodeando minha cabeça, como por exemplo uma bem
pertinente: Como se dá a relação entre o governo, a sociedade e o futebol? Ou, como o
governo usou-o para se autopromover na Copa de 1970? Vale ressaltar que, o intuito
maior deste trabalho é de entender as condições que o esporte estava inserido naquela
época e sobretudo desmistificar algumas relações que se foi atrelado ao mesmo.
Os primeiros anos do regime militar no brasil foram de inconsistências e
fracassos. Os altos índices de inflação deixaram uma marca ruim no governo Castelo
Branco e esses índices perduraram até meados dos anos 1960, só então na segunda
metade dos anos 60, o país teve um crescimento econômico considerável, segundo Luiz
Carlos Delorme Prado e Fábio Sá Earp: “[..] A taxa de inflação caíra de 90%, em 1964,
para 38%, em 1966, e, embora ainda elevada, mantinha-se em queda, o que indicava a
existência de alguma margem para priorizar a retomada do crescimento econômico.”
(PRADO, 2003). Não obstante, depois da saída de Castelo Branco do comando do
Brasil, se teve toda aquela ideia de que o país estava em um processo de construção de
um "Brasil Potência'' e que o governo agora comandado por Emílio Garrastazu Médici
logo passou a produzir bases de propagandas de governo, para que fundamentasse a sua
legitimidade de sucesso, ainda segundo Prado. 
Sendo assim, é importante salientar que, com tal feito, o governo começou a
investir pesado em propagandas e políticas com o intuito de se autopromover. Entre
essas ações que por sua maioria veladas e silenciosas, as táticas de desenvolvimento do
governo militar conquistou muitos adeptos que inclusive os apoiavam e sentiam que os
avanços na segurança nacional e no crescimento econômico eram verdadeiros e
significativos. Por outro lado, uma parte consciente da população lutava veemente
contra, essas pessoas eram tratadas como terroristas, isso se deu ainda mais forte após a
implementação do Ato Institucional n°5, ou o famoso AI-5, emitido no ano de 1968,
toda a repressão diária que o governo causava não era estampada nos jornais, justamente
para não dar um "quê" de notícias negativas para o governo. Como ressalta Rodrigo
Patto Sá Motta: 
“[...] A decretação do AI-5, no primeiro momento, significou a
erradicação do debate político das páginas dos jornais. No dia 13 de
dezembro de 1968, oficiais militares foram despachados para as
principais redações para realizar trabalho improvisado como censores,
e aí permaneceram por algumas semanas. Por volta de abril/maio de
1969, os censores militares improvisados foram retirados e os jornais
voltaram a tratar de política, cautelosamente”. (MOTTA, 2013 p, 80)

Com tudo isso, é importante dizer mais uma vez que, como o governo militar
utilizava-se de táticas e mais táticas silenciosas de autopromoção, não era de se esperar
que logo chegasse no cerne das massas, uma delas e que por sinal, a mais tirana de
todas, foi se apropriar de uma paixão nacional, o Futebol. Já que os militares tomaram
todo o poder, era de se esperar que fossem também invadir os gramados de dentro para
fora, fazendo um “resgate” a uma paixão antiga da população. Como se não fosse o
bastante, o governo aparelhou a seleção brasileira de futebol, incluindo militares na
direção e fazendo um forte investimento no departamento inteiro da CDB, como afirma
Camila Konrath Pereira:
“[...] O investimento do governo na seleção canarinho mostrou-se
forte. Um fato notório é que, contrariando todas as expectativas, a
CBD. contrata João Saldanha como técnico do Brasil. Comentarista
esportivo popular e de grande prestígio, João Saldanha era famoso por
seu gênio esquentado.” (PEREIRA, Camila. 2012)

É, então possível dizer que esse ‘resgate’ da vinculação do futebol à identidade


brasileira, criou uma leve a sensação de nação unida, que expressava seu amor à pátria
através da seleção e que, juntas contracenava nos ritmos de slogans fascistoides criados
pela propaganda governista, como por exemplo o “Brasil: ame-o ou deixe-o”, com isso,
o governo brasileiro atribui sua imagem ao sucesso do futebol, prevendo todo o
potencial de um elenco memorável e histórico, embalado por nada mais nada menos que
o rei Pelé, e demais craques como Rivellino, Tostão e Jairzinho, que ganharia a Copa do
mundo realizada no México naquele ano. 
Com tudo isso, uma boa parte da população ainda se encontrava estupefata e
descrente para com a seleção. O traumático episódio da copa de 1950 (o famoso
Maracanazo) 1deixava evidente toda a fragilidade da tentativa do governo em se criar

1
Em espanhol: Maracanazo foi um termo utilizado para referenciar à final da
Copa do Mundo de 1950, disputada entre o Brasil, que sediava a competição, e o
Uruguai, o Uruguai venceu por 2 a 1, deixando os brasileiros totalmente calados no
estádio do Maracanã.
VERZIGNASSE, Rogério. Fama de vilão acompanha campineiro Barbosa até
hoje. Correio Popular, Cidades, p. A6, Campinas, 22 de junho de 2014.
um país unificado e adepto ao governo, um exemplo disso, é o considerado por muitos o
símbolo mais famoso: O “complexo de vira-latas” que fora alcunhado por Nelson
Rodrigues, que escrevendo em suas crônicas futebolísticas, atribui parte desse trauma à
copa de 1950, quando o Brasil perdeu a final para o Uruguai, e dizia que a população
via mais os baixos do que os altos da ‘Brasil Nação’, soltando a famosa frase:
“[...] Por "complexo de vira-lata" entendo eu a inferioridade em que o
brasileiro se coloca, voluntariamente, em face do resto do mundo. O
brasileiro é um narciso às avessas, que cospe na própria imagem. Eis a
verdade: não encontramos pretextos pessoais ou históricos para a
autoestima”.  (RODRIGUES, 1993. p.51) 

Rodrigues que então espelhou-se na sua seleção de futebol, para fazer uma
crítica a sociedade brasileira, dizendo que tal complexo só teria um fim quando fosse
recuperada a dignidade com o primeiro campeonato em 1958 e seguindo a mesma
lógica, obviamente isso só se concretizava de vez, vencendo o tricampeonato,
expurgando de vez a luta entre o “melhor futebol do mundo” e o “complexo de
vira-latas” na copa de 1970. 
Levando em consideração todas essas questões, juntamente com o pensamento
de Nelson Rodrigues, deu-se início a copa, começando no dia 31 de maio. Segundo
Lívia Gonçalves Magalhães, o clima que pairava era de ceticismo e pessimismo, ainda
mais vindo dos meios de comunicação nacionais, entretanto, por outros, a seleção
brasileira gozava do status de ser uma das favoritas ao título. (MAGALHÃES, 2013).
Como sabemos, a seleção brasileira triunfou naquela copa, consagrando-se tricampeã do
torneio mais importante da categoria esportiva. A conquista da Copa de 1970 foi por
assim dizer, uma espécie de coroamento do futebol brasileiro e de um governo
altamente fascista e repreensivo. A marchinha que já era costume em todas as
conquistas, passou a ter um novo significado, a famosa:

Noventa milhões em ação/ Pra frente Brasil, no meu coração/ Todos juntos, vamos pra
frente Brasil/ Salve a seleção!!!/ De repente é aquela corrente pra frente,/ parece que
todo o Brasil deu a mão!/ Todos ligados na mesma emoção,/ tudo é um só coração!/
Todos juntos vamos pra frente Brasil!/ Salve a seleção!2

Sendo assim, é possível dizer que não poderia se imaginar o que teria sido do
governo feito por Médici sem o tão sonhado tricampeonato realizado no México, até

2
Miguel Gustavo, apud Guterman, op. Cit.
porque, pelo que analisa Carlos Prado e Fabio Earp, outros fatores externos devem ser
levados em conta, especialmente o ‘milagre econômico’ que já vinha sendo planejado
pelo governo Castelo Branco, mas que até a saída do então, não tinha se normalizado. 
“[...] O milagre econômico foi produto de uma confluência histórica,
em que condições externas favoráveis reforçaram espaços de
crescimento abertos pelas reformas conservadoras no governo Castelo
Branco. Mas foram a idéia da legitimação pela eficácia, concepção
positivista que permeava o imaginário dos militares e seus aliados, e,
ainda, o nacionalismo das Forças Armadas brasileiras que fizeram
inevitável a opção pelo crescimento, em lugar da construção de uma
ordem liberal, como fazia a vizinha Argentina.” (PRADO e EARP,
2009. p 234)

Então, isso é mais um forte indício de que tal feito foi associado às “façanhas”
do regime militar. Outro forte indício, é a própria fala do jogador da seleção, Gérson
que em suas palavras relatou ao jornal O Pasquim: 

“Graças a Deus ganhamos essa Copa, porque, se nós não ganhássemos, haveria
problema aqui no Brasil. Você sabe que o futebol é... É a válvula de escape. O povo
podia passar fome nessas seis partidas da Copa do Mundo. Eles passariam fome rindo.
(...) O Problema é que isso toca o povo, o povo quer isso. Não interessa o que ele vai
passar, desde que o Brasil ganhe a Copa”.3

Ao que podemos dizer neste ponto, é que esses discursos nos permitem uma
reflexão um pouco mais aprofundada do que foi até então exposto. Se traçarmos uma
reta cronológica, é perceptível a existência de toda uma lógica por traz disso. Podemos
afirmar assim que, tal êxito na copa do mundo de 1970, realizada no México,
ultrapassava mais que os limites desportivos, firmando assim, que foi por meio das
propagandas políticas e toda uma comitiva de investimentos na própria seleção
brasileira que os líderes do regime ficaram associados a esta conquista.
Dito isto, por essas e por outras, é inegável dizer que, Médici usou a conquista
do tricampeonato no México como escora e/ou apêndice para alimentar a retórica do
Estado nacional desenvolvimentista e então assim justificar a violência e repreensão que
eram feitas nos “porões da ditadura” para com aqueles que o regime taxava de
“terroristas”. Sendo assim, então chegamos a uma conclusão de que, por assim dizer, o
futebol serviu também como meio de manipulação de massas no episódio da Copa de
1970, mas essa utilização também não pode, levando na fala comum “cobrir com
panos” os outros tantos fatores que estão em jogo, sobretudo, e antes de mais nada, a

3
Gérson ao Jornal O Pasquim, 9 a 15, jul. 1970, p. 15.
total importância fundamental que o futebol representa nas milhões de vidas brasileiras,
independentemente de regime, ou governo.
Destarte, também não se pode descartar o fato de que, um certo ideal nacional
também foi cumprido, mas claro que, foi perceptível que serviu quase que
“exclusivamente” aos interesses dos governantes da ditadura militar, mas ao mesmo
tempo, talvez antes de tudo, o próprio país tornou-se um ambiente “positivo” ao qual, o
seu povo pode demonstrar verdadeiramente a sua alegria, e de certa forma, mostrar uma
“superioridade nacional”. Sob uma outra ótica, tornou-se um ambiente de uma
autêntica manifestação de alegria e orgulho, pela superioridade apresentada pelo país
em algo tão velado e silencioso aos brasileiros. As grandes comemorações do triunfo
brasileiro também podem ter oportunizado e servido para expressar sentimentos que
foram reprimidos pelo sistema repreensivo do governo do país, e, também podem ter
oportunizado a reocupação de espaços públicos que em muitos momentos foram
ocupados pela ditadura.

Sendo assim, sob uma outra concepção, não é que o futebol esteja atrelado ao
aquecimento das mazelas ocorrida nesse período tétrico de nosso país, muito pelo
contrário, ele foi usado de forma errônea por mentes perturbadas com o fim de justificar
ações e práticas como pano de fundo ou até cortina de fumaça. Vale ressaltar que, a
prática do esporte como um todo, (torcer ou até mesmo jogar) está alicerçada na ideia de
que o sucesso que provem dele, pode nos inspirar novas expectativas, e que talvez
pensemos em sermos vencedores noutros ambientes, e não somente no futebol, mas sim
na própria vida.
Referências Bibliográficas:

Jornal O Pasquim.
MAGALHÃES, Lívia Gonçalves. Ditadura e futebol: O Brasil e a Copa do Mundo de
1970. Polhis, ano, v. 5, 2012.
PATTO, Rodrigo Sá Motta. A ditadura nas representações verbais e visuais da grande
imprensa: 1964-1969. Topoi (Rio J.). Vol. 14(26):62-85. DOI:
10.1590/2237-101x014026005.
PEREIRA, Camila Konrath. Pra Frente Brasil: ditadura militar, identidade e copa de.
70. 2012.
PRADO, Luiz Carlos Delorme; EARP, Fábio Sá. O “milagre” brasileiro: crescimento
acelerado, integração internacional e concentração de renda (1767-1973). In:
FERREIRA, Jorge; DELGADO, Lucilia de Almeida Neves (Org.). O Brasil
Republicano: o tempo da ditadura. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2009. v. 4. pp.
207-242.
RODRIGUES, Nelson. “Complexo de vira-latas” In: À sombra das chuteiras imortais.
São Paulo: Cia. das Letras, 1993. p.51-52.)
VERZIGNASSE, Rogério. Fama de vilão acompanha campineiro Barbosa até hoje.
Correio Popular, Cidades, p. A6, Campinas, 22 de junho de 2014.

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