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Título original: The Devil’s Dictionary

Autor: Ambrose Bierce
Ilustrações: Ralph Steadman
Selecção e tradução: Rui Lopes
Prefácio: Pedro Mexia
Revisão: Tinta-da-china
Orientação gráfica: Exile Graphics

Illustrations and display face (Mercury)

Copyright © 2003 by Ralph Steadman

The moral right of the illustrator has been asserted

I.ª edição: Janeiro 2006

ISBN 972-8955-02-2
Depósito Legal n.º 237073/06
 AMBROSE BIERCE

DICIONÁRIO
QUE ESTE DICIONÁRIO VOS DESAGRADE.

DO DIABO
Selecção e tradução de
Rui Lopes

Prefácio de
Pedro Mexia

LISBOA:
TINTA-DA-CHINA
MMVI
DICIONÁRIO DO DIABO
Ambrose Bierce, jornalista e escritor americano, nasceu no Ohio, em 1842, e desa-
pareceu numa viagem ao México, em 1914. Filho de agricultores carenciados, com-
bateu na cruenta Guerra Civil, dois factos essenciais na sua mundividência.
Bierce escreveu contos umas vezes realistas outras vezes góticos, sempre num estilo
seco e económico. Há duas colectâneas com edição portuguesa: Um Acontecimento
na Ponte de Owl Creek (Assírio & Alvim) Esopo Emendado & Outras Fábulas Fantás-
ticas (Antígona) e Fábulas Fantásticas (Estampa). Crítico social satírico e implacável
(herdeiro de Swift ou Voltaire), foi colunista em vários jornais do magnata Hearst,
nomeadamente o San Francisco Examiner. A sua propensão para a veemência e o
sarcasmo tornou-o um dos articulistas mais polémicos da sua época e valeu-lhe a
alcunha «bitter Bierce» (o amargo Bierce). O seu legado mais original consiste num
volume que reúne colunas publicadas nos jornais entre 1881 e 1906, que se chamou
primeiro The Cynic’s Wórd Book (1906) e se tornou depois conhecido como The
Devil’s Dictionary.
O que significa Dicionário do Diabo? É um dicionário escrito do ponto de vista do
Diabo? Ou do ponto de vista de um autor tido como diabólico? Ou diabólico é o es-
pírito que anima este Dicionário? Todas estas leituras são possíveis.
Bierce é levado do Diabo, e tem todo o interesse em associar a maldição ao seu texto.
O título é como que um jogada de promoção. Este Dicionário anuncia logo no seu
nome que não se pretende informativo, como os dicionários comuns. Nem sequer
instrutivo e empenhado, como a Enciclopédia iluminista. O que interessa a Bierce
não é descrever o mundo tal como é. O mundo tal como é não passa de uma ilusão de
óptica, de um engodo social. O mundo não deve ser analisado com frieza científica ou
ideológica, deve ser confrontado com os seus vícios numa linguagem viciosa. Bierce
joga contra o mundo mas no terreno do mundo: ele não denuncia nem lamenta, ap-
enas usa os artifícios da civilização contra essa mesma civilização. Se vivemos pro-
tegidos e enganados por conceitos, convenções, conveniências, então o que importa
é aceitar isso como se fosse um jogo. E depois viciar o jogo por dentro. Ao definir as
coisas do mundo, Bierce usa as estratégias mundanas: ele mente para chegar à sua
verdade. Se a hipocrisia existe como homenagem do vício à virtude (segundo Wilde),
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AMBROSE BIERCE
então a virtude que se faz vício é a mais genial das retóricas.
O que critica Bierce? Os fundamentos da sociedade do seu tempo: o patriotismo, o
colonialismo, o militarismo, o clericalismo, a demagogia democrática. E os vícios hu-
manos de todos os tempos: o oportunismo, a hipocrisia, a estupidez, a cupidez e a vi-
garice. No entanto, o seu principal alvo é a manipulação e o abastardamento das pala-
vras e dos sentidos. A retórica das definições deste Dicionário consiste em apresentar
todos os nossos mecanismos de inveja, arrogância, desculpabilização e demonização
do outro. Bierce distorce o sentido das palavras porque as palavras adquiriram
sentidos distorcidos. Quando o amargo colunista diz que o realismo é a represen-
tação da natureza do ponto de vista de um sapo, não está apenas a satirizar uma
determinada estética. Está a contestar toda a ideia de uma visão naturalista da socie-
dade. Os seus aforismos divertidos e às vezes surrealistas deformam e transformam
o mundo do ponto de vista de um individualista. O que se compreende quando uma
entrada do dicionário sugere que liberdade e imaginação são a mesma coisa.
Se situarmos Bierce no contexto oitocentista, surgem alguns paralelos com Mark
Twain, que escrevia vinhetas irónicas e sátiras delirantes, e depois com o polemista
H.L. Mencken. Acontece que Mencken era bastante mais conservador e talvez mais
agressivo. E Twain cultivava um registo sentimental e uma certa bonomia, enquanto
Bierce é quase gélido. O Dictionaire des Idées Reçues de Gustave Flaubert tem evi-
dentes afinidades com The Devil’s Dictionary, na sua impaciência com o cliché. No
entanto, Flaubert era um misantropo e um elitista, ao passo que Bierce, americano
dissidente mas ainda assim americano, é essencialmente um populista. A mesquin-
hez e a mediocridade divertem Gustave e Ambrose, mas o autor de Bouvard e Pécu-
chet não esconde um certo nojo, ao passo que o colunista californiano denuncia um
assinalável gozo. Bierce não se fica pelo cinismo: inventa uma espécie de cinismo do
cinismo.
Diversas entradas do Dicionário são modelarmente cínicas: é assim quando define o
comércio como «saque», o catecismo como «adivinhas teológicas» ou o amor como
«uma demência temporária que se cura com o casamento». Ou quando define «in-
ocência», «Ocidente», «funeral», «justiça»
ou «fidelidade». A sua definição de cínico é particularmente interessante: «um ma-
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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

landro cuja visão deficiente lhe apresenta as coisas como elas são, não como deviam mas. Bierce é eminentemente citável, e provavelmente muitas destas definições dia-
sen>. De muitas destas tiradas percebemos que Bierce é mais um anarquista que bólicas circulam isoladamente, em epígrafes, conversas ou dicionários de citações,
um progressista. Ele é tão contra o optimismo que a entrada «pessimismo» critica o pelo que cada uma adquire um valor individual e provavelmente novos sentidos. Se
optimismo em vez de satirizar o pessimismo. Bierce sabe que o radicalismo de hoje a citação é «o acto de repetir erradamente as palavras de outra pessoa», então essa
é o conservadorismo de amanhã: segundo ele, um conservador «gosta das coisas más inevitabilidade torna-se num trunfo. E num triunfo.
que já existem, por oposição ao liberal, que as quer substituir por outras». E não
hesita em apresentar a revolução como a troca de um mal por outro mal. No fundo, é O Dicionário do Diabo é um manual de guerrilha contra o conformismo. Uma guer-
da História que ele mais desconfia: a História é «um relato geralmente falso de acon- rilha moderadamente convicta dos seus poderes mas ainda assim apostada na in-
tecimentos geralmente fúteis, contado por governos geralmente velhacos e soldados conveniência e na crítica sem tréguas. Um crítico, escreve Ambrose Bierce, é «uma
geralmente tolos». Não há aqui espaço para mitologias de nenhuma espécie. pessoa que se diz difícil de agradar porque ninguém tenta agradar-lhe».
É verdade que no Dicionário encontramos indignação. Que este Dicionário vos desagrade.
Mas esta indignação não tem ilusões sobre os seus efeitos e cultiva o humor negro.
O cínico reconhece subtilmente que o mundo é cínico. Bierce parece às vezes um
moralista porque joga com os dois conceitos essenciais do moralista: a verdade e
o aforismo. Se algumas coisas são falsas e repugnantemente falsas, é porque existe
uma possibilidade de serem verdadeiras. Bierce supõe que existe uma verdade e essa
verdade é parcialmente desvendada pelo aforismo. A frase concisa e definitiva, do-
tada de um grau de certeza e de um grau de ambiguidade, permite que se extraia um
conceito moral de todas as matérias. Acontece que esse moralismo fracassa porque
Bierce gosta demasiado do seu jogo. Ele combate o fogo com o fogo e pelo fogo se
apaixona. Quando
Bierce define «clube» como «urna associação de homens que tem por objectivos a
embriaguez, a gula, o riso alarve, o homicídio, o sacrilégio e a difamação de mães,
esposas e irmãs» acrescenta que obteve essa informação através das esposas desses
homens. Ou seja: Bierce não está a assumir o discurso da virtude, mas a caricaturar a
mentalidade dos obcecados com a decência. Um mundo decente seria enfadonho. É
a imperfeição do mundo que anima o Diabo.
Escritos na imprensa da época, estes textos tinham um significado determinado. A
sua junção em volume implica a transformação da sua natureza, uma vez que os tex-
tos se desligam dos acontecimentos concretos e se tornam uma colecção de epigra-

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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

ACORDE ADIVINHA. ADOLESCENTE

Que está em harmonia. Quem elege os nossos governantes?
A RECUPERAR
ADIVINHAÇÂO. DA INFÂNCIA.
ACORDEÃO Arte de meter o nariz no oculto.
Instrumento que está em harmonia com os sentimentos Há tantas espécies de adivinhação quanto variedades
de um assassino. frutíferas de estúpidos-em-flor e de cretinos-precoces. ADORAR
Venerar com expectativas.

ACROBATA
Um homem que dobra as costas
para encher a barriga. ADMITIR

ABSURDO
Uma afirmação ou convicção manifestamente
contrária à nossa própria opinião.
ACADEMIA
Uma escola antiga onde se ensinava moral e filosofia.
ACADÉMICO
Relativo a uma escola moderna onde se ensina futebol.
ACÉFALO
Que se encontra na surpreendente condição daquele
cruzado que distraidamente ajeitou a franja algumas
horas depois de uma cimitarra sarracena ter passado
— sem ele disso tivesse tomado consciência — pelo seu
pescoço, como relatado por de joinville.
ACIDENTE.
Uma ocorrência inevitável devida à acção de leis
imutáveis.
ACTRIZ
Mulher cujo Bom Nome é habitualmente manchado por
andar tanto nas nossas bocas.
ACUSADOR
Alguém que já foi nosso amigo; particularmente, a pessoa
à qual prestámos um serviço amigável.
ACUSAR
Afirmar a culpa ou demérito de outra pessoa; aplica-se ,
na maioria dos casos, como justificação por lhe termos
feito mal.
ADIAMENTO
Suspensão das hostilidades contra um assassino conde-
nado, com o objectivo de peritir ao executivo descobrir
se o crime pode ter sido perpetrado pelo advogado de
acusação. qualquer pausa no processo de uma expecta-
tiva desagradável.
CONFESSAR.
ADMITIRMOS OS ERROS UNS DOS OUTROS É O
MAIS ALTO DEVER IMPOSTO PELO NOSSO AMOR À VERDADE.
ADMINISTRAÇÂO AFORISMA
Em política, uma engenhosa abstracção, concebida Sabedoria já mastigada.
para receber os pontapés e as estaladas que o Primeiro-
-Ministro e o Presidente deviam levar.
AFRICANO
Um preto que vota no nosso partido.
ADMIRAÇÃO Um preto que vota no nosso partido.
O nosso reconhecimento cortês da semelhança de Um preto que vota no nosso partido.
outrem connosco próprios.
AGITADOR
ADVOGADO Um estadista que abana as árvores de fruto dos seus
Indivíduo com jeito para contornar a lei. vizinhos (para desalojar as minhocas).

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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

AGITADOR ALCORÃO AMADOR AMOR

Um estadista que abana as árvores de fruto dos seus
vizinhos (para desalojar as minhocas).
AGRADAR
Colocar os alicerces para uma superestrutura de
imposição.
Um livro que os Maometanos acreditam ter sido escrito
por inspiração divina, mas os Cristãos sabem que é
uma impostura maléfica, que contradiz as Sagradas
Escrituras.
ALEGRIA
Uma sensação agradável provocada pela contemplação
da miséria dos outros.
Um transtorno público que não conhece a diferença
entre gosto e habilidade, e confunde a sua ambição com
a sua ambição com a sua capacidade.
AMATÓRIO
Devíamos ficar corados quando murmuramos
esta palavra.
Demência temporária que se cura com o casamento, ou
afastando o paciente das influências que provocaram a
enfermidade. Esta doença, tal como a cárie e outras, pre-
valece apenas entre as raças civilizadas que vivem em
condições artificiais; as nações bárbaras que respiram ar
puro e comem alimentos simples são imunes aos seus
ataques. Chega a ser fatal, embora mais para o médico
do que para o paciente.

AJUDAR AMAZONA ANGÚSTIA

ALEMÃO Pessoa de uma antiga raça que não parecia preocupar-se Uma doença provocada pela exposição à prosperidade
Om tipo munto orrgulhosa (e munto kontent) porr muito com os direitos das mulheres e a igualdade entre de um amigo.
CRIAR UM serr dá Deustschland, korrecta? os dois sexos. O seu hábito irreflectido de torcer o pes-
coço aos machos originou, como infeliz consequência, a

IN-
extinção da sua espécie. ANO
ALIANÇA
Em política internacional, consiste na união de dois UM PERIODO DE

3
ladrões com as mãos tão afumadas nos bolsos um AMBIÇÃO

GRATO
do outro que já não conseguem roubar um terceiro Um desejo irresistível de ser vilipendiado por inimigos
separadamente. enquanto se está vivo e ridicularizado por amigos quan-
do se está morto.

ALIGÁTOR

6
O crocodilo da América, em tudo superior aos crocodi- AMBIDESTRORTSEDIBMA
los das obsoletas monarquias do Velho Mundo. Que é tão hábil a roubar uma carteira com a mão direita
ÁLBUM como com a mão esquerda.
Um instrumento de tortura com o qual as nossas amigas
nos crucificam entre dois ladrões. ALÍVIO
Acordar cedo, numa manhã fria, e descobrir que é AMIZADE

Alcance
O raio de acção da mão humana.
ÁLCOOL
(do Àrabe al kohl, uma tinta para os olhos )
Princípio essencial de todos os líquidos que fazem o
homem ficar com o olho negro.
5
domingo. Uma embarcação suficientemente grande para transpor-
tar duas pessoas quando o tempo está bom, mas apenas
uma durante a tempestade.
ALMIRANTE
A parte de um navio de guerra que trata de falar, en-
quanto a figura da proa trata de pensar. AMNISTIA
A magnanimidade do Estado para com aqueles trans-
gressores que seria demasiadamente caro castigar. DESILUSÕES.

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ANORMAL APELAR APRESENTÁVEL ARREPENDIMENTO

Não conforme à norma. Em matérias de pensamento e
de conduta, ser independente é ser anormal e ser anor-
mal é ser detestado. Daí que o lexicógrafo aconselhe
um esforço no sentido de uma semelhança mais estreita
(sic) com o Homem Normal do que consigo próprio.
Quem o conseguir terá paz, a perspectiva da morte e a
esperança do Inferno.
No contexto forense, voltar a pôr os dados no copo para
os lançar novamente.
APETITE
Um instinto previdentemente implantado pela
Providência como solução para a questão laboral.
Horrivelmente vestido à maneira do tempo e do lugar. Um sentimento que raramente incomoda as pessoas
antes de começarem a sofrer.
AR
Uma substância nutritiva fornecida para a engorda dos ASSALTANTE
pobres por uma Providência caridosa. Um homem de negócios sincero.

ARCEBISPO ATREVIMENTO
ANTAGONISTA APLAUSO Um dignitário eclesiástico com um bocadinho mais de Uma das qualidades mais conspícuas de um homem que
O sacana miserável que não nos deixa em paz. O eco de um lugar-comum. santidade que um bispo. se encontra em segurança.

ANTIAMERICANO APRESENTAÇÃO ARENA AUSENTE

Uma cerimónia social inventada pelo Diabo Em política, uma ratoeira imaginária na qual o estadista Pessoa com rendimentos, que atempadamente se retirou
para gratificar os seus servos e afligir os seus inimigos. luta contra o seu passado. da esfera da extorção.

MALVADO
A apresentação atinge o seu grau de desenvolvimento
mais malévolo neste país, estando, sem dúvida, intima-
mente relacionada com o nosso sistema político. Sendo ARISTOCRACIA AUTÊNTICO

=
qualquer americano igual aos outros americanos, daqui Governo pelos melhores homens. (Neste sentido o Indubitavelmente verdadeiro — na opinião de alguém.
decorre que todos têm o direito de conhecer toda a gente, termo é obsoleto — tal como o é esta forma de governo.)
o que implica o direito de apresentar pessoas sem pedir Indivíduos que usam chapéus felpudos e camisas

INTOLERÁVEL
licença ou permissão. asseadas — são acusados de terem educação e suspeitos AUTO-ESTIMA
A Declaração de Independência ter ficado assim: de terem contas bancárias. Uma apreciação errada
«Consideramos evidentes estas verdades: que todos

=
os homens foram criados para serem iguais; que o
seu criador os dotou de certos direitos inalienáveis; ARMADURA
que entre esses direitos se encontra o direito à vida Tipo de roupa usado por um homem cujo alfaiate é um

BÁRBARO
e o direito de tornar a vida dos outros numa miséria ferreiro.
ao atirar para cima deles um número incalculável de
pessoas conhecidas; à liberdade, e especialmente à
liberdade de apresentar as pessoas umas às outras sem ARQUITECTO
verificar primeiro se não se conhecem já na qualidade Aquele que faz planos para a nossa casa e para o nosso
APAZIGUAR de inimigos; e à busca da felicidade dos outros com dinheiro.
Chamar «cãozinho» a um buldogue quando este se uma matilha de estranhos a farejar.»
encontra firmemente agarrado à nossa retaguarda.

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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

BANHO
Um tipo de cerimónia mística que substituiu o culto
religioso, desconhecendo-se ainda a sua eficácia
espiritual.
BAPTISMO
Um ritual sagrado tão eficaz que torna eternamente
infelizes aqueles que vão para o Céu sem terem sido
baptizados. É feito com água, de duas formas — por
imersão ou mergulho; por aspersão ou borrifadela.
BARÓMETRO
Um instrumento engenhoso que nos indica o tempo que
estamos a ter. BEIJO
Uma palavra inventada pelos poetas para rimar com
«desejo». Supõe-se que significa, de um modo geral,
BATALHA uma forma qualquer de rito, ou cerimónia propiciadora
Uma forma de desatar com os dentes um nó político que de um bom entendimento; mas este lexicógrafo
resiste à língua. desconhece a forma como ela é realizada.
BELADONA

BAPTIZAR EM ITALIANO: EM PORTUGUÊS:

BACO Infligir cerimoniosamente um nome a uma UMA MULHER BELA. UM VENENO MORTAL.
Uma divindade conveniente, inventada pelos antigos criança indefesa.
como desculpa para se embriagarem.
BARBA UM EXEMPLO ASSINALÁVEL DA SEMELHANÇA ENTRE DUAS LÍNGUAS.

BAIONETA
Um instrumento para rebentar a bolha de vaidade de
uma nação.
BAIXAS
A qualidade das motivações de um rival.
BANDEIRA
Um trapo colorido que se usa acima das tropas e nos
quarteis e navios. Parece ter a mesma função de certos
cartazes que se podem ver nos terrenos baldios de
Londres:«Pode atirar-se lixo para aqui».
BANDIDO
Uma pessoa que, à força, tira a A aquilo que A, com
manhas, tirou a B.
O cabelo que é habitualmente cortado por aqueles que
abominam o absurdo costume chinês de rapar a cabeça.
BARBEIRO
(do Latim barbarus, selvagem, a partir de barba, a barba.)
Um selvagem que nos faz esquecer a laceração da nossa
cara, perante o tormento superior que é ter de ouvir a
sua conversa.
BELEZA
Poder com o qual uma mulher encanta o amante e
aterroriza o marido.
BENEVOLÊNCIA
Oferecer cinco euros para o conforto do nosso avozinho
que está no asilo, publicitando-o depois do jornal.
BENFEITOR
Indivíduo que compra grandes quantidades de
ingratidão, sem, contudo, afectar meterialmente o
preço, que continha ao alcance de todos.
BIGAMIA
Mau gosto para o qual a sabedoria do futuro decretará
um castigo chamado trigamia.
BIOGRAFIA
O tributo literáro que um pequeno homem presta a um
grande homem.
BOBO
Um funcionário da casa do Rei, cuja função era divertir
a corte através de acções e palavras grotescas; o absurdo
da situação era reforçado pela vestimenta multicolor.
Sendo o próprio rei um espelho de dignidade, passaram
muitos séculos até que se descobrisse que a sua conduta
e os seus decretos eram suficientemente ridículos para
divertir a corte — e até mesmo toda a humanidade.

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DICIONÁRIO DO DIABO
BOCA
No homem, é a porta da alma; na mulher, é a saída do
coração.
BOM
Consciente, cara senhora, do mérito deste seu escriba.
Desperto, caro senhor, para as vantagens de não se
meter com ele.
BOTÂNICA
A ciência dos vegetais — dos que não são bons para
comer e dos que são. De um modo geral, ocupa-se das
suas flores, que são normalmente mal desenhadas, mas
coloridas e mal cheirosas.
BOTICÁRIO
O cúmplice do médico, benfeitor do cangalheiro e
fornecedor dos vermes de cemitério.
BRONCO
Um membro de dinastia reinante nas letras e na vida.
Os Broncos remontam aos tempos de Adão e, sendo
simultaneamente numerosos e robustos, acabaram por
dominar o mundo habitável. O segredo do seu poder é o
facto de serem insensíveis a ataques; toquem-lhes com
um cacete e eles riem-se de forma vulgar.
BRUTO
Ver MARIDO.
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BRUXA
(I) Uma mulher feia e repelente, que fez um pacto
demoníaco com o Diabo.
(2) Uma jovem mulher bela e atraente, muito mais
demoníaca que o próprio Diabo.
CACAREJAR
Celebrar o nascimento de um ovo.
CALAMIDADE
Uma forma simples e inolvidável de relembrar que os
assuntos desta vida não dependem da nossa vontade. Há
dois tipos de calamidades: infortúnio para nós próprios
e fortuna para os outros.
CALÇAS
Vestuário que cobre as partes inferiores do macho
adulto civilizado. É uma peça tubular e desprovida
de dobradiças nos pontos de flexão. Supõe-se que foi
inventada por um humorista.
AMBROSE BIERCE
CALOIRO
Um estudante familiarizado com a aflição.
CALUNIAR
Dizer tudo o que achamos sobre um homem quando não
nos consegue achar.
CAMPA
Um sítio no qual os mortos repousam, à espera dos
estudantes de medicina.
CANALHA
Um homem cujas qualidades, arrumadas como as caixas
da fruta nos mercados - as melhores do lado de cima - ,
foram abertas pelo lado errado.
Um cavalheiro ao contrário.
CANHÃO
Um instrumento utilizado na rectificação das fronteiras
nacionais.
CANIBAL
Um gastrónomo da velha escola, que preserva os gostos
simples e adere à dieta natural do período pré-porco.
CÃO
Uma espécie de Divindade subsidiária ou adicional,
concebida para receber os excedentes da adoração
mundial. Este ser Divino, nalgumas das suas
encarnações mais pequenas e macias, ocupa no coração
da Mulher o lugar no qual nenhum macho pode aspirar.
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CAPITAL
A SEDE DO DESGOVERNO.
CARNE
A Segunda Pessoa da Trindade secular.
CARNÍVORO
Viciado na crueldade de devorar o vegetariano timorato
e os seus herdeiros.
CARRASCO
Um funcionário que produz animação em suspensão.
CARRETA(FÚNEBRE)
O carrinho de bebé da Morte.
CARTESIANO
Relativo a Descartes, um filósofo famoso, autor da
célebre máxima Cogito ergo sum, a partir da qual
acreditou que ficava demonstrada a realidade da
existência humana. No entanto, a máxima pode ser
aperfeiçoada da seguinte forma: Cogito cogito ergo
cogito sum - Penso que penso, logo penso que existo; o
que está mais próximo da verdade do que algum filósofo
alguma vez esteve.
DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

CASA CHICANEIRO CLÉRIGO

Um edifício oco, construído para ser habitado pelo Um crítico do nosso trabalho. Um homem que se encarrega de gerir os nossos
homem, pela ratazana, pelo rato, pelo escaravelho, pela CHATO assuntos espirituais, como forma de melhorar os seus
barata, pela mosca, pelo mosquito, pela pulga, pelo assuntos temporais.
bacilo e pelo micróbio. CÍNICO
Um malandro cuja visão deficiente lhe apresenta as
CLIENTE
PESSOA QUE
coisas como elas são, não comoe deviam ser. Daí o
CASAMENTO costume, entre os Cítios, de arrancar um olho ao Cínico Uma pessoa que fez a escolha mais habitual entre os
Cerimónia na qual duas pessoas passam a ser uma, uma para melhorar a sua visão. dois métodos de se ser licitamente roubado.
passa a ser nada e nada a ser sustentável. FALAFALAFALAFALA
FALAFALAFALAFALA CIRCO CLUBE
CATECISMO Um sítio onde os cavalos, os póneis e os elefantes podem Uma associação de homens que tem por objectivos
Um tipo de adivinhas teológicas nas quais as dúvidas FALAFALAFALAFALA ver homens, mulheres e crianças a fazerem figura de a embriaguez, a gula, o riso alarve, o homicídio, o
universais e eternas são resolvidas com respostas locias parvos. sacrilégio e a difamação de mães, esposas e irmãs.
e efémeras. FALAFALAFALAFALA Para esta definição contei com o contributo de várias
senhoras estimáveis que se revelaram os melhores
FALAFALAFALAFALA CIRCUNLOCUÇÃO meios de informação, pois os seus maridos são membros
CEMITÉRIO Um truque literário através do qual o escritor que não de vários clubes.
Um sítio isolado e suburbano, onde os chorosos FALAFALAFALAFALA tem nada para dizer faz chegar a mensagem suavemente
comparam mentiras, os poetas escrevem por ao leitor.
encomenda e os pedreiros soletram à jorna. FALAFALAFALAFALA COACÇÃO
A eloquência do poder.
FALAFALAFALAFALA CITAÇÃO
CÉRBERO O acto de repetir erradamente as palavras de outra
O cão de guarda do Hades, que tinha por dever proteger FALAFALAFALAFALA pessoa. As pessoas repetidas erradamente COBARDE
a sua entrada - não se percebendo claramente contra Ciumento, adj. Indevidamente preocupado com a Indivíduo que, na emergência do perigo, pensa com as
quê ou quem a guardava ele, pois toda a gente, mais FALAFALAFALAFALA preservação daquilo que só pode ser perdido se não pernas.
cedo ou mais tarde, tinha de passar por ela, e também valer a pena ser mantido.
ninguém tinha vontade de forçar a entrada. FALAFALAFALAFALA
COMBOIO
FALAFALAFALAFALA CLARINETE A mais importante das invenções que nos permitem sair
CÉREBRO Instrumento manejado por uma pessoa com algodão do sítio onde estamos e ir para um sítio onde estamos
Dispositivo com o qual pensamos que pensamos. Aquilo QUANDO DESEJARÍAMOS QUE OUVISSE. nos ouvidos. Há dois instrumentos piores do que um e ir para um sítio onde estaremos melhor. Por esta
que distingue o homem que se contenta com ser alguma clarinete: dois clarinetes. razão, o comboio é muito apreciado pelo optimista, pois
coisa do homem que quer fazer alguma coisa. permite-lhe fazer a viagem com maior rapidez.

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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

COMER
Desempenhar, de forma sucessiva( e com sucesso), as CONFERENCISTA
funções de mastigação, humificação e deglutição. Indivíduo que tem na mão no nosso bolso, a língua no CONGRESSO
nosso ouvido e a fé na nossa paciência.

COMÉRCIO
Uma forma de transacção na qual A saqueia a B e os CONFESSIONÁRIO
bens de C e, em compensação, B rouba a carteira de D Sítio onde o padre se senta para perdoar os pecados
com o dinheiro que pertence a E. maiores, pelo prazer de ouvir os pecados menores.

COMESTÍVEL CONFIDENTE
Bom para comer e salutar para digerir; como um verme Indivíduo que ouve de A os segredos de B,
come um sapo, um sapo para uma cobra, uma cobra confidenciando-os a C.
para um porco, um porco para um homem, e um ho-
mem para um verme.
CONFORTO
Estado de espírito originado pela contemplação das
COMETA inquietações de um vizinho.
Uma desculpa para andar na rua até as tantas da noite e
chegar a casa de manhã embriagado.
CONGRATULAÇÃO
A cortesia da inveja.
COMPROMETIDO UM CONJUNTO DE HOMENS
Equipado com uma argola para receber a corrente e a QUE SE REÚNEM PARA ANULAR LEIS.
bola de ferro. CONGREGAÇÃO
As cobaias de uma experiência de hipnotismo.

CONDOLÊNCIAS
Servem para mostrar que o luto é um mal menor, quan- CONHECIDO
do comparado com a simpatia. Pessoa que conhecemos suficientemente bem para CONSELHO CONSERVADOR
lhe pedir emprestado, mas não o suficiente para lhe Um estadista que gosta das coisas más que já existem;
emprestarmos. Grau de amizade que consideramos afas- por oposição ao Liberal, que as quer substituir por
CONFEDERAÇÃO tado quando o seu objecto é pobre ou obscuro, e intimo A mais pequena moeda de troca. outras.
União de dois ou mais partidos, facções ou associa- quando é rico ou famoso.
ções, para promover qualquer objectivo, normalmente
nefasto. CONSOLAÇÃO
Saber que uma pessoa melhor é mais infeliz que nós.

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DICIONÁRIO DO DIABO
CONTO
Uma narrativa, normalmente false. A verdade das his-
tórias que a seguir se transcrevem, no entanto, não foi
ainda desmentida:
Uma noite, o sr. Rudolph Block, de Nova Iorque, deu por
si sentado o lado do sr.Percival Pollard, o famoso crítico.
<Sr. Pollard>, disse ele, <o meu livro, Biografia de uma
Vaca Morta, foi publicado anonimamente, mas não acre-
dito que desconheça a sua autoria. E, no entanto, na sua
crítica fala dele como a obra do Idiota do Século. Acha
mesmo que é assim que se faz crítica?>
<Peço desculpa, caro senhor,> disse o crítico num tom
amistoso, <mas não me ocorreu que podia não querer
que o público soubesse quem o escreveu.>
O sr. W.C.Morrow, que vivia em San Jose, na Califórnia,
dedicava-se a escrever histórias de fantasmas que faziam
o leitor sentir-se como se uma fila de lagartos, acabados
de sair do gelo, passasse a correr pelas suas costas para
logo se esconder no seu cabelo. Nessa altura, acreditava-
-se que San Jose era assombrada pelo espírito visível de
um conhecido bandido chamado Vasquez, que tinha sido
lá enforcado. A cidade era mal iluminada, e não exagero
se disser que os seus habitantes não saíam à noite sem
alguma relutância. Numa noite particularmente escura,
iam dois cavalheiros a conversar na rua, em voz muito
alta — para não perderem a coragem — e,num dos sítios
mais isolados da cidade, encontraram o sr. J.J. Owen, um
reputado jornalista.
<Ora, sr. Owen>, disse um deles, <o que o traz aqui numa
noite como esta? Foi você que me disse que este é um dos
sítios que o Vasquez mais gosta de assombrar! E você é
dos que acreditam nessas coisas. Não tem medo de andar
aqui na rua?>
<Meu caro amigo>, respondeu-lhe o jornalista, com uma
lúgubre cadência outonal na voz, como o som
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do vento que arrasta as folhas, <eu tenho medo é de
estar dentro de casa. Tenho um dos contos do Will Mor-
row no meu bolso e não me arrisco a entrar num sítio
onde haja luz suficiente para o ler.>
O General H.H. Wotherspoon, presidente do Colégio
de Armas Militares, tem um babuíno como animal do-
méstico, com uma inteligência pouco comum, embora
não deva muito à beleza. Uma noite, regressando ao seu
apartamento, o General ficou surpeendido e aborrecido
por encontrar Adam (pois, sendo o general um Darwi-
nista, era este o nome do animal) sentado à sua espera e
envergando o melhor casaco do uniforme do dono, com
insígnias e tudo.
<Oh meu antepassado remoto perturbado!>, gritou o
grande estratega, <o que é que andas a fazer fora da cama
a estas horas? — e com o meu casaco vestido!>
Adam levantou-se e, com um olhar de reprovação, pôs-se
de quatro patas, como é próprio da sua espécie, e foi bus-
car um cartão de visita: o General Barry tinha aparecido
e, a julgar pela garrafa de champanhe vazia e pelos restos
de charutos, deve ter sido recebido com toda a hospitali-
dade enquanto ali esperava. O general pediu desculpa ao
seu fiel antepassado e retirou-se. No dia seguinte, encon-
trou o General Barry, que lhe disse:
<Spoon, velho amigo, quando saí de tua casa, ontem à
noite, esqueci-me de te fazr uma pergunta acerca daque-
les charutos maravilhosos. Onde é que os arranjaste?>
O general Wotherspoon nem se dignou a responder, afas-
tando-se imediatamente.
<Desculpa, por favor>, disse Barry, seguindo atrás dele,
<eu estava a brincar, é claro. Olha, eu percebi logo que
não eras tu quando ainda nem tinham passado quinze
minutos.>
AMBROSE BIERCE
CONTROVÉRSIA
Uma batalha na qual o cuspo e a tinta substituem a
perigosa bala de canhão e a imprudente baioneta.
CONVENTO
Local para onde se retiram as mulheres que precisam de
tempo para meditar sobre o vício da ociosidade.
CONVERSA
Feira na qual se expõem os dotes mentais mais
despiciendos, estando cada expositor tão ocupado com a
arrumação dos seus bens que nem consegue dar atenção
aos do colega do lado.
COQUETE
Uma rapariga fútil, tola e estúpida, que preferiu
andar com outro depois de ter andado algum tempo a
experimentar-nos.
CORAGEM
ADMITIR
QUE SE É UM COBARDE.
CORDA
Um utensílio obsolescente que serve para relembrar aos
assassinos que eles também são mortais. É colocada à
volta do pescoço e lá permanece até ao fim da vida.
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COROAÇÃO
A cerimónia através da qual um soberano é investido
com os sinais exteriores e visíveis do seu direito divino
de ser enviado para os anjinhos cim uma bomba de
dinamite.
CORSÁRIO
Um político dos mares.
CORTESIA
Pedir desculpa a um indivíduo por estar no meio do
caminho e ter sido alvejado por uma bala que ele
disparou para acertar noutra pessoa. A forma mais
aceitável de hipocrisia.
COSTAS
A parte do teu amigo que tens o privilégio de
contemplar nos teus momentos de adversidade.
COUVE
Um vegetal muito caseiro, com o tamanho e a sabedoria
de um homem.
CREDOR
Indivíduo que pertence a uma tribo de selvagens que
vive para lá dos Estreitos da Finança e é temida pelas
suas incursões devastadoras.
DICIONÁRIO DO DIABO
CRISTÃO
AQUELE QUE ACREDITA QUE O NOVO TESTAMENTO É UM LIVRO DE INSPIRAÇÃO DIVINA,
ADMIRAVELMENTE ADEQUADO ÀS NECESSIDADES ESPIRITUAIS DO SEU VIZINHO.
AQUELE QUE SEGUE OS ENSINAMENTOS DE CRISTO, NA EXACTA MEDIDA EM QUE NÃO
SEJAM INCOMPATÍVEIS COM UMA VIDA DE PECADO.
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AMBROSE BIERCE
CURIOSIDADE
CRÍTICO Uma qualidade repreensível do espírito feminino.
O desejo de saber se uma mulher sofre da maldição da
curiosidade constitui uma das paixões mais insaciáveis
da alma masculina.
UMA PESSOA QUE SE DIZ DIFÍCIL DE AGRADAR
PORQUE NINGUÉM TENTA AGRADAR-LHE.
CULPADO
O outro indivíduo.
CÚMPLICE
Pessoa associada a outra num crime, sendo culpada
de conhecimento dos factos e de cumplicidade; como
um advogado que defende um criminoso, sabendo-o
culpado.Esta perspectiva da posição do advogado nesta
matéria não granjeou, até agora, a concordância dos
advogados, pois ninguém lhes pagou para que concor-
dassem.
DANÇAR
CUPIDO
Aquele a quem chamam o deus do amor. Esta criação AO SOM
abastardada de um capricho bárbaro foi, sem dúvida,
infligida à mitologia por causa dos pecados dos seus DA MÚSICA
deuses. De todos os conceitos desagradáveis e impró-
prios, este é o mais injustificado e ofensivo. A ideia de GALHOFEIRA,
simbolizar o amor a partir de um bebé sexualmente am- especialmente com os braços à volta da mulher ou da
bíguo, de comparar as agruras da paixão com as feridas filha do nosso vizinho.
de uma seta, de introduzir este homúnculo gorducho
na arte para materializar de forma grosseira o espírito
subtil e a sugestão da obra — tudo isto é claramente DEBOCHADO
merecedor da época que, tendo-o feito nascer, o deixou Indivíduo que correu atrás do prazer tão diligentemente
às portas da posteridade. que teve a infelicidade de o ultrapassar
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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

DECÁLOGO DECIDIR

Uma série de mandamentos, dez ao todo - o suficiente para Sucumbir à preponderância de um determinado conjunto de
permitir escolher bem aqueles que queremos cumprir, e mesmo influências sobre um outro conjunto de influências.
à conta para não dificultar a escolha. Segue-se a versão revista do
Decálogo, pensada para este meridiano: Uma folha que da árvore se soltou,
Disse assim: “Para o chão eu vou”.

Não terás outro Deus além de mim;
Seria muito mais caro se não fosse assim.
Nem imagens nem Ídolos deves construir
Pois logo um ateu os irá destruís.
Não invocarás o nome de Deus em vão;
Só quando der jeito - escolhe bem a ocasião.
No dia do Senhor, não deves trabalhar;
Vai mas é ver o teu clube a jogar.
Honra os teus pais, pois assim é um facto
Que o seguro de vida ficará mais barato.
Não matarás - nem ajudarás outro a matar;
Logo, a conta do talho não deves pagar.
Não beijarás a mulher do teu vizinho,
A não ser que ele à tua deite o olhinho.
O vento Oeste logo a fez desviar.
“Para Este”, disse ela, “vou-me virar”.
Quando o vento Este, soprando, crescia,
Ela disse: “Mudei de rumo, tal como queria”
Eis que sopram os ventos com igual poder.
Diz ela: “Agora espero e nada vou fazer”.
Cessam os ventos; diz a folha, satisfeita:
“Sempre a descer, ao chão vou direita”.
“As primeiras ideias são melhores?” Não é esta a moral;
Escolham, pois, a vossa e não nos daremos mal.
Escolham bem ou mal, entre o sim e o não,
Pois nada, afinal, depende da vossa decsião.

Não roubarás; isso é mau para os negócios;

Ganhas mais se enganares s teus sócios.

Não levantarás falso testemunho - isso não deves fazer -

Mas há sempre “alguém que disse” ou que “ouviu dizer”.

Não cobiçarás o que não conseguiste obter

Por manha ou fraude, ou de outra forma qualquer.

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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

DELA DEPÓSITO DESOBEDECER DIAGNÓSTICO

Dele. Uma contribuição caridosa para ajudar ao sustento de Celebrar, com uma cerimónia apropriada, Uma previsão de doenças que o médico consegue fazer
um banco. a maturidade de uma ordem. agarrando o pulso e a carteira do paciente.

DELIBERAÇÃO
O acto de examinar a fatia de pão para ver de que lado é DEPRAVADO DESPREZO DIÁRIO
que está a manteiga. A condição moral de um cavalheiro que te uma opinião O que um homem prudente sente por um inimigo Registo quotidiano daquela parta da nossa vida que
contrária. demasiado temível para que se lhe faça frente. conseguimos contar a nós próprios sem corar

DELITO
Uma infracção à lei com menos dignidade do que um DESALOJADO DESTINO DICIONÁRIO
assalto; em nada contribui para se ser admitido na alta Indivíduo que pagou todos os impostos sobre bens Aquilo que autoriza os crimes do tirano e serve de Um dispositivo literário malévolo para impedir o
sociedade do crime. domésticos. desculpa para os fracassos do idiota. crescimento da língua e para a tornar rígida e pouco
flexível. Este dicionário, no entanto, é uma abril muito
útil.
DEMAGOGO DESBRAGAMENTO DESUMANIDADE
Um opositor político. Linguagem utilizada por outra pessoa para nos criticar. Uma das qualidades mais destacadas e características da
humanidade. DIFAMAR
Mentir acerca de outra pessoa. Dizer a verdade acerca
DEMENTE DESCRÉDITO de outra pessoa.
A lamentável condição mental de um indivíduo a cujos A condição de um filósofo. A condição de um tolo. A DEVER
argumentos não conseguimos responder. condição de um candidato Aquilo que nos impele firmemente na direcção do curo,
seguindo a linha do desejo. DIFERENTEMENTE
Igualmente mau.
DEMITIR-SE DESCULPAR(-SE)
Renunciar a uma honra por uma situação vantajosa. Lançar as bases para uma futura ofensa. DIA
Renunciar a uma situação vantajosa por outra ainda DIGESTÃO
mais vantajosa. UM PERÍODO DE Conversão de vitualhas em virtudes.

DEMÓNIO
Um homem cujas crueldades são descritas nos jornais.
DENTISTA
Um prestidigitador que, pondo metal nas nossas bocas,
consegue tirar moedas das nossas carteiras.
24H
DESERÇÃO,
Uma aversão ao conflito, como pode ser observada num
indivíduo que abandona o exército ou a mulher. DILÚVIO
Uma primeira experiência de baptismo notável, que
GERALMENTE MAL GASTAS.
lavou os pecados (e os pecadores) deste mundo.
DESGRAÇA
O tipo de graça que nunca vem só.
DIABO DIREITO
O autor de todos os nossos infortúnios e proprietário de Autoridade legítima para ser, fazer, ou ter; como o
todas as coisas boas deste mundo. direito a ser rei, o direito a fazer mal ao próximo, o
direito a ter sarampo, entre outros.

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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

DIPLOMACIA EFECTIVAMENTE
A arte patriótica de mentir pelo nosso país. Talvez; possivelmente. ELOQUÊNCIA

DINHEIRO
Uma benção que só se torna vantajosa quando a damos
a outra pessoa. Um sinal exterior de cultura e um
passaporte para a sociedade elegante. Bem suportável.
DISCRIMINAR
Chamar a atenção para os aspectos particulares
que tornam, se possível, uma pessoa ou coisa mais
censuráveis do que outras.
DISCUSSÃO
Um método para demonstrar os erros dos outros.
DISPARATADO
Pensar que o homicídio é crime.
DISPARATES
As objectes a este excelente dicionário.
DISSIMULAR
Vestir uma camisa lavada por cima do carácter.
DISTÂNCIA
A única coisa que os ricos deixam que os pobres tenham
e mantenham.
ÉBRIO
EMBRIAGADO // BÊBEDO // TOCADO // BORRACHO
// TOLDADO // COM OS COPOS // PERDIDO // DE
RASTOS COM UMA CARRASPANA // EXALTADO
// ENCHARCADO // ZONZO // ATESTADO //
LANGOROSO // GROGUE // ROSCADO // RUBRO //
ESPUMEJANTE // BAMBOM // OLE // ACABADO //
PIEGAS // MELOSO // PIEDOSO // ALEGRE // ETC.
ECONOMIA
Adquirir o barril de uísque que não é necessário pelo
preço da vaca que não se tem dinheiro para comprar.
EDITOR
Uma pessoa que combina as funções judiciais de Mino,
Radamante e Aecus, mas que é aplicável com um óbolo;
um censor severo e virtuoso, mas tão caridoso que tolera
as virtudes que encontra nos outros e os defeitos que
encontra em si próprio.
EFEITO
O segundo de dois fenómenos que ocorrem sempre
juntos e na mesma ordem. Do primeiro, ao qual se
chama Causa, diz-se que gera o segundo – o que é tão
sensato como dizer-se que, por se ter visto um cão a
perseguir um coelho, o coelho é a causa do cão.
EGOÍSTA
Desprovido de consideração pelo egoísmo dos outros.
EGOTISTA
Uma pessoa com mau gosto, mais interessada em si
própria do que em mim.
ELECTRICIDADE
A força que causa todos os fenómenos naturais cujas
outras causas desconhecemos.
ELEFANTE
O brincalhão do reino animal, com o seu nariz flexível e
com pouco espaço para acomodar os dentes.
ELEITOR
Indivíduo que goza do privilégio sagrado de votar numa
pessoa que foi escolhida por outra pessoa.
ELOGIO
Um empréstimo que rende juros.
A ARTE DE PERSUADIR ORALMENTE OS TOLOS
DE QUE O BRANCO É A COR QUE APARENTA
SER. INCLUI O DOM DE FAZER QUALQUER COR
PARECER BRANCA.
EMANCIPAÇÃO
Mudança que ocorre quando um servo passa da tirania
exercida por outra pessoa para o despotismo exercido
por si próprio.
EMBORCAR
Beberricar, embebedar-se, beber como uma esponja,
apanhar uma bebedeira, beber até cair, beber uma gola-
da ou um trago. Numa perspectiva individual, o embor-
cando é olhado com algum desagrado, mas as nações
que emborcam estão na vanguarda da civilização e do
poderio. Quando comparados com os cristãos beberrões,
os muçulmanos abstémios vão-se abaixo como a erva
perante a gadanha. Na Índia, cem mil britânicos, alimen-
tados a bife e a brande, mantiveram o domínio sobre
duzentos e cinquenta milhões de obstémios vegetaria-
nos da mesma raça ariana.
Com que facilidade os Americanos, entre duas goladas
de uísque, empurraram os Espanhóis para fora das suas
terras! Desde o tempo em que os Brutamontes atacavam
a costa ocidental da Europa e adormeciam embriagados
em todos os portos conquistados, tem sido sempre igual:
por todo o lado se vê que as nações que bebem demais
lutam muito bem e sem grandes problemas éticos.

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DICIONÁRIO DO DIABO
EMPURRAR
Umas das duas coisas que melhor conduzem ao sucesso,
especialmente na política. A outra é Puxar.
ENCOMIASTA
Um tipo especial (mas não peculiar) de mentiroso.
ENGANAR Dizer ao povo soberano que não vamos
roubar se formos eleitos.
ENTENDIMENTO
Uma secreção cerebral que permite, a quem a tem,
distinguir um cavalo de uma casa a partir do telhado da
casa. A sua natureza e as suas leis foram exaustivamente
expostas por Locke, que cavalgava uma casa, e por Kant,
que morava num cavalo.
ENTREVISTA
No jornalismo, um confessionário no qual a impudência
ouve os disparates da vaidade e da ambição.
ENTULHO
Coisas sem importância, tais como as religiões, as
filosofias, as literaturas, as artes e as ciências das tribos
que infestam as regiões situadas a sul do Pólo Norte.
ENTUSIASMO
Uma doença de juventude que se cura com pequenas
doses de arrependimento e umas aplicações exteriores
de experiência.
EPICURISTA
Opositor de Epicuro, um filósofo abstémio que, ao
mesmo tempo que defendia que o prazer deveria ser o
principal objectivo do homem.
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EPITÁFIO
Uma inscrição num túmulo que demonstra que
as virtudes adquiridas com a morte têm um efeito
retroactivo.
EREMITA
Uma pessoa com vícios e manias que são sociáveis.
ERRO
Umas das minhas ofensas, que se distingue de uma das
vossas por estas últimas serem consideradas crimes.
ERUDIÇÃO
Pó soprado de cima de um livro para dentro de um
crânio vazio.
ESCONDER-SE
MOVER-SE «DE FORMA MISTERIOSA»,
GERALMENTE COM OS BENS DE OUTRA PESSOA.
ESCREVINHADOR
Um escritor profissional com opiniões contrárias às
nossas.
ESCRITURAS
Os livros sagrados da nossa santa religião, que se
distinguem dos escritos falsos e profanos em que se
baseiam todos os outros credos.
AMBROSE BIERCE
ESPRÚPULOS ESPIAR
Uma palavra caída em desuso por expressar uma ideia Ouvir secretamente um catálogo dos criminosos e vícios
que já não existe. de outra pessoa – ou de nós próprios.
Pelo buraco da fechadura, uma senhora ouvia
O que, à vontade, uma amiga à outra dizia.
ESÓFAGO E, por querer saber do que elas conversavam,
Aquela parte do canal alimentar que se situa entre o Descobri que era mesmo sobre si que falavam.
prazer e o negócio. «Eu cá acho», disse uma, «tal como o meu marido,
Que ela é das tais que encostam o ouvido.»
Quando já não suportava mais, então, a senhora
ESOTÉRICO Desencostou-se da porta, pois só queria ir-se embora.
Particularmente abstruso e consumadamente oculto. As «Não fico mais aqui», disse, amuando, por fim,
filosofias antigas dividiam-se em dois ramos: exotéricas, «A ouvir estas mentiras que dizem sobre mim!»
que eram aquelas que os próprios filósofos conseguiam
entenderem parcialmente; e esotéricas, que eram as que
ninguém percebia. Foram estas últimas que afectaram ESQUECIMENTO
mais profundamente o pensamento moderno, tendo Um dom concebido por Deus aos devedores, para
encontrado grande aceitação nos nossos dias. compensar o facto de serem destituídos de consciência.
ESPAÇOSO ESTRADA
Uma faixa de terreno através da qual podemos ir de um
sítio cansativo para um sítio inútil.
O HADES.
ESTRANGEIRO
Um soberano americano no seu período probatório.
ESPELHO
Uma superfície plana de vidro, na qual é encenado um
espectáculo efémero para deleite das desilusões do ETNOLOGIA
homem. A ciência que trata das várias tribos do Homem, como a
dos gatunos, a dos ladrões, a dos aldrabões, a dos burros,
a dos lunáticos, a dos idiotas e a dos etnólogos.
ESPERANÇA
Desejo e expectativa combinados num só.
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DICIONÁRIO DO DIABO AMBROSE BIERCE

EUCARISTIA EXEPECTATIVA
Uma festa sagrada da seita religiosa dos Teófagos. Estado ou condição mental que, no cortejo das emoções
Em tempos, teve início uma infeliz discussão entre humanas, é precedido pela esperança e seguido pelo
os membros desta seita, afinal, aquilo que comiam. desespero.
EU Por causa desta controvérsia, foram já chacinadas
quinhentas mil pessoas, estando a questão ainda por
resolver. EXPOSTULAÇÃO
Um dos muitos métodos pelos quais os tolos preferem
perder os seus amigos.
EVANGELISTA
Aquele que traz as boas-novas, sobretudo (no sentido
religioso) as que asseguram a nossa própria salvação e a EXTINÇÃO
maldição dos nossos semelhantes. Matéria-prima com a qual a teologia criou o estado
futuro.

A PESSOA MAIS EVIDENTE (POR SI MESMO)

Evidente para o próprio e para mais ninguém. EXTRAORDINÁRIO
A forma como aquele idiota do Silva se vai safando;
enquanto nós, que temos muito mais talento do que ele,

IMPORTANTE
EXCENTRICIDADE não saímos da cepa torta.
Um método de distinção tão barato que os parvos o
usam para acentuar a sua incapacidade.

DO
EXCESSO (DE TRABALHO)
Uma maleita perioga, que atinge os altos funcionários
do Estado quando querem ir pescar.

UNIVERSO.
EXÉRCITO
Uma classe de pessoas improdutivas que, para
defenderem a sua nação de uma invasão, devoram tudo
aquilo que o inimigo possa querer.

VER NÓS.
EXILADO
Indivíduo que serve o seu país por viver fora dele, sem
que, no entanto, seja um embaixador.

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