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Empreendedorismo Corporativo -

Aspectos de Inovação e Mudança


Organizacional
Luciana Gehlen1

“Avalia-se a inteligência de um indivíduo pela quantidade de incertezas que ele é capaz de suportar.”
Kant

RESUMO INTRODUÇÃO
Este artigo analisa o conceito de empreende-
O tema empreendedorismo tem sido
dorismo corporativo – conhecido também como em-
preendedorismo interno ou intra-empreendedorismo, amplamente discutido no âmbito das ciências
seus aspectos relacionados aos fatores de criatividade, sociais e humanas. Abordado por psicólogos,
inovação e mudança organizacional como fatores de sociólogos, economistas e administradores,
competitividade das organizações, bem como o perfil este assunto vem ganhando espaço à medida
do empreendedor corporativo e o ambiente organiza- que as empresas necessitam, cada vez mais,
cional necessário para que o empreendedorismo interno
aconteça.
de profissionais capacitados para lidar com a
Palavras-chave: empreendedorismo corporati- incerteza do ambiente. Inovação, criatividade
vo, empreendedorismo interno, intra-empreendedoris- e mudança, muito mais do que modismos ad-
mo, inovação, mudança organizacional. ministrativos, são aspectos fundamentais para
a permanência das organizações no mercado.
ABSTRACT
O empreendedorismo ainda está equivocada-
This article has the aim to analyse the concept
of “Corporative Enterpreneurship”. It has been known mente ligado somente ao início de um novo
as internal/intra enterpreneurship, too. One studies its negócio. Contudo, existe a necessidade de se
features related to creativeness, innovation and orga- compreender o conceito de empreendedoris-
nizational change as competition agents/factors in the mo e, para além deste conceito, o conceito
companies, examining the description of a corporative de empreendedorismo corporativo (conhecido
enterpreneur and the required organizational working
também como empreendedorismo interno ou
place in order to perform the internal enterpreneurship.
Key words: corporative, internal and intra intra-empreendedorismo) como aspecto de
enerpreneurship, innovation, organizational change. competitividade das organizações. Empreende-
dores corporativos não esperam que a empresa
faça algo por eles – eles questionam o que
podem fazer pela empresa. Um sábio disse:
“A arte é basicamente a produção de ordem
a partir do caos”. E o que é o nosso ambiente
empresarial senão a representação deste caos?

Desta forma, este artigo analisa o con-


ceito de empreendedorismo corporativo, seus
aspectos relacionados aos fatores de criativi-
dade, inovação e mudança organizacional, o
perfil do empreendedor corporativo e o am-
biente organizacional necessário para que o
empreendedorismo interno aconteça.

Gestão e
1
Mestre em Engenharia de Produção pela UFSM, professora e coordenadora do curso de Administração de Empresas do Centro Universitário Feevale.
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1. TRANSFORMAÇÕES NO da administração permitiram-nos convergir
para um princípio básico: a importância das
CONTEXTO ORGANIZACIONAL pessoas dentro da organização.
Ao abordar o tema empreendedorismo
corporativo, se faz necessário identificar o con-
Em outras palavras, não se chega a ne-
texto no qual as organizações fazem parte. Esse
nhum diferencial competitivo senão através
contexto passa, inegavelmente, por transfor-
das pessoas. Conforme Filion (1999), o maior
mações contínuas no âmbito social, econômico,
bem de uma sociedade são os seus recursos
político e tecnológico, exigindo das empresas
humanos, os quais devem ser mobilizados em
respostas rápidas e capacidade de assimilar a
direção a projetos de caráter empreendedor.
mudança. As empresas foram forçadas a buscar
novas formas para incorporarem as mudanças Assim, a busca por um diferencial compe-
à sua rotina, refletindo a necessidade de no- titivo deixou de ser preocupação exclusiva das
vas estruturas e novos comportamentos. Para grandes corporações. O reflexo desta realidade
Drucker apud Angelo (2003), “o surgimento da pode ser percebido no número de médias e pe-
economia empreendedora é um evento tanto quenas empresas que movimentam a economia.
cultural e psicológico, quanto econômico ou Estas empresas estão tendo que disputar espaço
tecnológico”. com as grandes corporações. O mercado impõe
que não há mais lugar para amadorismo – temos
Especialmente nas últimas décadas,
que profissionalizar nossas organizações.
as organizações se depararam com algumas
questões fundamentais: mudança no ambiente/
mercado, através da competição crescente,
perfil de consumo da sociedade, aumento da
população, globalização, novas tecnologias
da informação refletindo numa revolução de
conceitos e valores, acarretando a incessante Quadro 1 – Grandes empregadoras
busca pelo diferencial competitivo. Distribuição das vagas de trabalho no mercado formal do
RS (em %). Fonte: Sebrae/RS.
Esta revolução trouxe a necessidade
de uma nova visão por parte das empresas Não há dúvida que a complexidade de
- como efetivamente as organizações atingem uma empresa é proporcional ao seu tamanho,
diferenciais competitivos que garantam a efe- uma vez que o número de variáveis que afetam
tividade das suas operações e a permanência seu desempenho é maior. Entretanto, se as
no mercado? As teorias da administração já pequenas e médias empresas têm ganhos em
apontaram alguns caminhos. Taylor em seus relação ao fato de serem menos complexas,
estudos de tempos e movimentos considerava elas perdem por terem problemas de gestão,
a ênfase nas tarefas – ou seja, um alto grau de o que faz com que não consigam responder às
especialização do funcionário como sinônimo de mudanças com a velocidade necessária.
produtividade. Fayol, por sua vez, apontava a
importância da estrutura organizacional como Robbins (2001) em seu livro “Administra-
fator preponderante para o alcance de maior ção – mudanças e perspectivas” ilustra as mu-
eficiência e eficácia organizacional. Mayo teve danças percebidas nas organizações, apontando
sua contribuição no que diz respeito à questão os aspectos relevantes desta transformação
das pessoas dentro da organização – elas devem causados pelo ambiente no qual estamos inse-
estar motivadas para atingir resultados. Ford, ridos, conforme quadro a seguir:
precursor da indústria automobilística, teve
sua enorme contribuição através da instituição
da produção em massa e ganhos de escala. Na
realidade, podemos considerar que todos os
caminhos apontados pelos teóricos da ciência

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A jornada de trabalho de oito horas diárias foi
substituída pela necessidade de resultados a se-
rem atingidos, sejam em seis, dez ou quatorze
horas de trabalho.

Aspectos como qualidade, ética, res-


ponsabilidade social e adaptação constante às
mudanças são, também, fatores que trouxeram
necessidade de reflexão (e ação!) por parte das
empresas, independente do seu porte. Enfim,
as empresas, assim como a sociedade, refletem
as mudanças do seu tempo. A questão que se
apresenta é que as mudanças estão ocorrendo
numa velocidade muito maior do que a capa-
cidade de resposta das empresas, conforme
aponta Fillion:
À medida que a velocidade da mudança aumenta, o ge-
renciamento de grandes corporações torna-se mais difícil.
O aprendizado e a sua implementação criativa têm de ser
maiores do que o nível de mudança se um indivíduo, uma
organização ou uma sociedade quer adaptar-se e atualizar-
se com relação às mudanças do contexto.

Quadro 2 – A organização em transformação Chega-se a um ponto em que a velocidade da mudança


Fonte: Robbins, Administração Mudanças e Perspectivas tecnológica está diretamente relacionada às habilidades dos
indivíduos e organizações em gerenciar de forma empre-
(2001, p.11)
endedora, ou seja, criativa e rapidamente. Quanto maior
a organização, maior tempo ela necessita para aprender
A globalização, além de colocar o merca- e mudar. Além de um certo tamanho, o tempo requerido
para as mudanças internas é maior do que a velocidade das
do mundial como uma realidade “mais próxima” mudanças externas. (FILION, 2000, p. 20 e 21)
para organizações, acarretou o crescimento
significativo da competitividade. A discussão Por esta razão, necessitamos de pes-
acerca deste tema é longa. Algumas linhas soas capazes de lidar com esta realidade em
apontam para o lado sombrio da globalização constante transformação. Os empreendedores
como sinônimo de aumento da miséria para aprendem a partir do que fazem e, uma vez que
alguns países. É sabido que nem todos os paí- a natureza do que fazem muda, eles também
ses possuem condições de competir da mesma precisam mudar. Em função disso, precisam
forma. Por esta razão, cada país deve buscar aprender a assumir papéis diferentes à medida
sua vocação. A exemplo tem-se a empresa de que o negócio evolui. Portanto, cabe às nossas
cosméticos Natura que, através da aposta na organizações abrirem espaço para que a cria-
biodiversidade do nosso país, conquistou o tividade, inovação e mudança se incorporem à
competitivo mercado de cosméticos. Não há o rotina como princípio básico para a melhoria
que discutir, pois, bem ou mal, a globalização é na gestão, pois, desta forma, teremos espaço
algo que precisa ser encarado pelas empresas. aberto para os empreendedores corporativos.

Outra mudança percebida diz respeito


às novas formas de emprego. A palavra esta-
2. EMPREENDEDORISMO E
bilidade está, literalmente, fora do mercado EMPREENDEDORISMO CORPORATIVO
de trabalho. As empresas estão exigindo cada O tema empreendedorismo corporativo,
vez mais pessoas qualificadas, com visão abran- também conhecido como empreendedorismo
gente e sistêmica. Capacidade de trabalhar interno ou intra-empreendedorismo, não tra-
em equipe e flexibilidade são condições sine ta especificamente de algo novo, mas sim da
qua non para a permanência neste mercado. ampliação da definição de empreendedorismo.
Conforme apontado anteriormente, o empre-

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endedorismo ainda está equivocadamente adaptáveis e inovadores é percebida em todas
ligado somente ao início de um novo negócio. as profissões.
Zeni (2003) aponta que o empreendedorismo
tem mais de uma conotação: pode-se chamar Mintzberg (1975), Boyatzis (1982), Kotter
de empreendedores aqueles que aceitam seus (1982) e Hill (1992) apud Filion (2003) identifi-
próprios desafios e organizam seus negócios, são caram diferenças fundamentais nas atividades
os que empreendem dentro das organizações, de gerentes e empreendedores:
os chamados de intra-empreendedores.

Algumas definições de empreende-do-


rismo:
O empreendedor é alguém capaz de desenvolver uma
visão, mas não só. Deve saber persuadir terceiros, sócios,
colaboradores, investidores, convencê-los de que sua visão
poderá levar todos a uma situação confortável no futuro.
Além de energia e perseverança, uma grande dose de
paixão é necessária para construir algo a partir do nada
e continuar em frente, apesar dos obstáculos, armadilhas
e da solidão. O empreendedor é alguém que acredita que
pode colocar a sorte a seu favor, por entender que ela é
produto do trabalho duro. (DOLABELA, 1999, p.44)

O empreendedorismo está muito mais


relacionado a um perfil comportamental, que
reúne algumas habilidades fundamentais, do
Quadro 3 – Diferenças nas atividades de gerentes e
que necessariamente à abertura de um novo empreendedores
negócio. Fonte: Filion, 2000, p.3

Para Schumpeter (1928) apud Filion Muitas oportunidades, tanto em grandes


(2000), a essência do empreendedorismo está quanto em pequenas empresas, estão dispo-
na percepção e no aproveitamento das novas níveis para aqueles que desenvolvem uma
oportunidades no âmbito dos negócios (...), importante habilidade vital: a capacidade
sempre tem a ver com criar uma nova forma de empreendedora que leva a formar uma nova
uso dos recursos, em que eles sejam deslocados organização de valor – esse é o princípio básico
do seu emprego tradicional e sujeitos a novas do empreendedorismo corporativo.
combinações.
O empreendedor é uma pessoa criativa, marcada pela
“Empreendedores internos são criadores
capacidade de estabelecer e atingir objetivos e que man- de novos negócios que trabalham em grandes
tém um alto nível de consciência do ambiente em que
vive, usando-a para detectar oportunidades de negócios.
empresas; são empreendedores corporativos.”
Um empreendedor que continua a aprender a respeito de (PINCHOT apud BATEMAN, 1998, p.208)
possíveis oportunidades de negócios e a tomar decisões
moderadamente arriscadas, que objetivam a inovação,
continuará a desempenhar um papel empreendedor. (FI- “Intrapreneur é o administrador que,
LION, 2000, p.19) como empregado, cria um novo negócio para
a organização no qual trabalha.” (BERNARDES
Percebe-se que o empreendedorismo & MARCONDES, 2003, p.24)
não tem relação apenas com um determinado
negócio, ou com um determinado segmento Burgelman (1983) apud Dornelas (2003)
de mercado. Uma vez relacionado a um perfil aponta que o empreendedorismo corporativo
comportamental, a uma visão e percepção refere-se ao processo pelo qual as empresas se
diferenciada do mercado, todas as profissões envolvem na diversificação através de desen-
“necessitam” de empreendedores. O incons- volvimentos internos. Esta afirmação alinha-se
tante mundo do trabalho é comum a todos e ao princípio das pessoas como ativo mais im-
a necessidade de sermos criativos, flexíveis, portante das organizações, ou seja, a partir de

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perspectivas desenvolvidas internamente nas
organizações chega-se ao resultado desejado.

Para Chung & Gibbons (1997) apud Dor-


nelas (2003), empreendedorismo corporativo é
um processo de organização que visa à transfor-
mação de idéias individuais em ações coletivas,
através do gerenciamento das incertezas. Aqui,
percebe-se a necessidade de um trabalho con-
junto para que o empreendedorismo interno Quadro 4 – Diferenças entre o empreendedorismo
corporativo e o empreendedorismo de start up1
aconteça. As empresas devem abrir espaço
Fonte: Dornelas, 2003, p.51
para os seus empreendedores corporativos,
mas esse trabalho só será efetivo se todos os
Embora pertencentes a um mesmo
esforços da equipe forem coordenados rumo ao
contexto - tanto o empreendedor corporativo
mesmo objetivo.
quanto o empreendedor atuam num ambiente
de incerteza e mudança – o âmbito de atuação
O empreendedorismo corporativo tam-
se difere pelo fato do empreendedor corpora-
bém está diretamente relacionado com o
tivo estar vinculado (e de certa forma subordi-
processo de transformação da organização
nado) a uma organização, necessitando certa
em duas dimensões: inovação e renovação
mobilidade dentro de condições pré-existentes.
estratégica.
Em outras palavras, deve transitar com toda
Inovação é a criação e a implementação de uma nova idéia, liberdade dentro de limites e barreiras organi-
que pode estar relacionada a uma inovação tecnológica zacionais existentes.
(artefatos técnicos novos, mecanismos ou produtos), de
processos (novos serviços, programas ou procedimentos de
produção) ou administrativa (novas políticas institucionais,
estruturas ou sistemas). (COOPER, 2003, p. 733)
3. PERFIL DO EMPREENDEDOR
CORPORATIVO
Pinchot III (1985) apud Dornelas (2003) Conforme Hornaday (1982) apud Filion
coloca que intra-empreendedores são os sonha- (1999), embora não se tenha estabelecido um
dores que fazem acontecer. São aqueles que perfil psicológico absolutamente científico do
assumem a responsabilidade de criar e inovar empreendedor, justificado pelas diferenças
dentro de qualquer tipo de organização. Eles brutais no mercado – os empreendedores que
podem ser os criadores ou inventores, mas são entraram no mercado há 30 anos são diferentes
sempre os sonhadores que entendem como dos empreendedores que devem se inserir no
transformar uma idéia em algo real e criativo. mercado atual - pode-se identificar algumas
características básicas, apontadas pelos com-
A partir dos conceitos apresentados, portamentalistas, tais como: inovação, lideran-
percebe-se a tênue linha que separa o conceito ça, capacidade de correr riscos, independência,
de empreendedorismo do empreendedorismo criatividade, energia, tenacidade, originalida-
corporativo, pois o princípio é o mesmo para de, otimismo, orientação para resultados, fle-
ambos: perfil de comportamento e postura xibilidade, habilidade para conduzir situações,
frente às incertezas. De qualquer forma, pode- necessidade de realização, autoconsciência,
se apontar algumas diferenças fundamentais autoconfiança, envolvimento a longo prazo,
tolerância à ambigüidade e à incerteza, iniciati-
va, capacidade de aprendizagem, habilidade na
utilização de recursos, sensibilidade a outros,
agressividade, tendência a confiar nas pessoas
e dinheiro como medida de desempenho.

Empreendedorismo de start-up: criação de novas empresas


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De acordo com uma reportagem do jornal
O Estado de São Paulo, de 6 de julho de 1997,
os presidentes de cem maiores empresas brasi- à
leiras responderam qual era o perfil necessário
para que um profissional ingressasse nessas
organizações. Foram apontadas as seguintes
características: iniciativa, coragem, ética,
visão de futuro, conhecimento da empresa e
da área de atuação, habilidade de negociação,
flexibilidade, capacidade de inovar e criar.
(RIBEIRO, 2001)

Caetano (2003) exemplifica as questões


comportamentais dentro das organizações, uti-
lizando uma interessante metáfora: pessoas que
rolam e os quadrados. Segundo ele, as pessoas
que rolam desviam dos obstáculos, encontram
sempre uma saída e aceleram cada vez que são Quadro 5 – Características do portador da “síndrome
acionadas, procurando sempre uma alternativa. do empregado”
Se o caminho for reto, elas aceleram e vão em Fonte: Dolabela, 1999, p.59
direção aos resultados. Os quadrados, por sua
vez, são como blocos, difíceis de tirar do lugar, De um modo geral, o perfil do empre-
de colocar em movimento e mais difíceis ainda de endedor corporativo não difere do conhecido
mudar de direção. Exemplifica, comentando que perfil do empreendedor, uma vez que são con-
são aquelas pessoas que temos de explicar cada ceitos intimamente ligados. Entretanto, pode-
etapa, alertar sobre cada detalhe, que travam, se elencar algumas características do perfil do
reclamam e batem de frente somente para falar empreendedor corporativo, quais sejam:
que o gerente mandou ir para o lado errado.
• Tem necessidade de realização;
A questão nas nossas empresas é que os
obstáculos existem tanto para as “pessoas que • Planeja e estabelece metas;
rolam”, quanto para os “quadrados”. A dife-
rença fundamental entre eles está na forma • Tem forte iniciativa pessoal;
como lidam com esses obstáculos. Sem dúvida,
o perfil do empreendedor interno está muito • Gosta de tomar decisões e responsabi-
próximo ao perfil das “pessoas que rolam”, liza-se pelas mesmas;
mas devemos estar atentos aos “quadrados”,
pois eles terão influência direta ao trabalho do • Compromete-se e identifica-se com a
empreendedor corporativo. organização;

Dolabela (1999) identifica a “síndrome • Possui autocontrole;


do empregado” como conseqüência de uma
cultura e de uma educação que forma pesso- • Gosta de competir (é movido por de-
as com exclusiva ênfase na tecnologia, sem a safios);
preocupação de encontrar novas formas para
sua aplicação e sem a capacidade de entender • Possui empatia;
o mercado no qual as organizações estão in-
• Possui rede de relacionamentos;
seridas. Os empreendedores corporativos não
são portadores desta síndrome, uma vez que
• Deseja inovações e possui mente
são agentes de mudança dentro do espaço que
aberta;
lhes é permitido.

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• Tem necessidade de ascensão dentro sidade do ambiente do que para modificá-lo e
da organização; adequá-lo ao seu sonho – isso não caracteriza
a pró-atividade, mas ainda a sobrevivência
• Possui visão sistêmica acerca do merca- passiva.
do e da empresa ao qual está vinculado.
Para Drucker (2003), não é o tamanho
O empreendedor corporativo necessita da empresa que é impedimento para empre-
de um ambiente que favoreça a sua atuação. endimento e inovação, é a própria atividade
As qualidades inerentes ao perfil do empreen- em funcionamento. Operar qualquer coisa
dedor corporativo só terão respaldo, se aceitas – uma fábrica, uma tecnologia, uma linha de
e viabilizadas no ambiente interno das nossas produto, um sistema de distribuição – exige
organizações, por políticas que primem o de- esforço constante e atenção incessante. Se há
senvolvimento humano. algo que seguramente existe em qualquer tipo
de atividade é a crise diária. O problema se dá
4. AMBIENTE FAVORÁVEL AO quando a empresa passa a alocar os recursos
para administrar a crise diária e, conseqüen-
INTRA-EMPREENDEDORISMO temente, não inova, correndo o risco de entrar
Nossas organizações, inegavelmente,
em declínio. Segue apontando que a empresa
trazem consigo as influências do paradigma me-
empreendedora necessita o estabelecimento
canicista/taylorista, refletidas na sua estrutura
de diretrizes e práticas, quais sejam:
organizacional, relações com o mercado e com-
portamento dos funcionários. O controle ainda
1 – A empresa dever ser receptiva à
é exercido e poucas organizações possuem a
inovação e conceber a mudança como oportu-
autonomia dos colaboradores como essência
nidade para crescer. Deve cultivar o trabalho
para o crescimento. As empresas buscam pro-
dos empreendedores;
fissionais qualificados, com perfil de liderança,
entretanto desqualificam a autonomia através 2 – A empresa deve mensurar e avaliar
de controles rígidos e ameaças, ainda que su- sistematicamente sua capacidade empreen-
tilmente. Cobram resultados, mas não abrem dedora;
espaço para que resultados efetivos aconteçam.
3 – A empresa deve ter a sua cultura vol-
Nesse sentido, muitas organizações “des- tada para as práticas do empreendedorismo,
montaram” seus organogramas, derrubando expressa na sua estrutura e na sua política de
níveis hierárquicos como forma de trazer a recursos humanos.
autonomia para a essência da empresa. Todos
devem participar, todos devem colaborar, todos Conforme aponta Bateman (1998), exis-
devem crescer. A questão é como lidar com tem duas abordagens utilizadas pelas empresas
princípios altamente arraigados na essência para estimular a capacidade empreendedora
da administração? Controle, comando, poder, interna: skunkworks e bootlegging. Skunkworks
hierarquia, líderes e liderados, chefes e empre- referem-se a equipes de projetos constituídas
gados. É possível, dentro deste paradigma, criar para produzir um produto novo, com um ob-
um ambiente favorável ao desenvolvimento jetivo específico e cronograma estabelecido.
de todos dentro da organização? Seria utópico Nessa abordagem, os tomadores de risco não
imaginar que todos, dentro de uma organiza- são punidos por correrem riscos, porque seus
ção, possuíssem as características necessárias empregos estão assegurados. Bootlegging, por
para o desenvolvimento do empreendedorismo sua vez, refere-se aos esforços informais de
interno. parte dos trabalhadores para criar novos pro-
dutos e novos processos.
Lívia Barbosa apud Dolabela (1999) co-
menta que o brasileiro tem mostrado toda sua A descentralização é outro meio para
força e criatividade mais para resistir à adver- encorajar a capacidade empreendedora in-

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terna das organizações, pois é um laboratório potencialidades e dificuldades das organizações
natural para novas idéias. O encorajamento da frente a um mercado complexo e em constante
capacidade empreendedora interna dá às em- mudança. Não há como frear o crescimento,
presas duas vantagens. Em primeiro lugar, suas não há como frear a inovação, não há como
políticas encorajam os funcionários a buscarem frear a mudança.
suas idéias. Em segundo, auxiliam a empresa
a atrair pessoas interessadas na capacidade Angelo (2003) aponta que são mais pro-
empreendedora interna. As empresas que ins- pensas a gerar iniciativas intra-empreendedoras
titucionalizam a inovação estão assegurando o as empresas que:
longo prazo.
• Adotem culturas organizacionais que
Contudo, o empreendedorismo interno respeitem a diferença;
apresenta alguns perigos, pois nem toda idéia
vai se transformar num grande negócio para a • Não considerem “resultado” apenas a
empresa; entretanto, a organização que resiste obtenção direta e imediata do lucro;
às iniciativas da capacidade empreendedora
interna tende a não responder tão rapidamente • Estabeleçam estruturas nas quais poder
à necessidade de mudança, levando mais tempo e responsabilidade são partilhados;
para se adaptar a novas circunstâncias do mer-
cado. Outro risco é a confiança excessiva em um • Valorizem preceitos éticos e reconhe-
único projeto – por outro lado, projetos demais çam empenhos;
também comprometem o sucesso do empreen-
dimento, pois pode-se perder o foco. • Considerem a fluidez do mundo con-
temporâneo;
Drucker (2003) aponta algumas condi-
ções necessárias para que o comportamento • Privilegiem a lealdade e patrocinem
inovador aconteça dentro das organizações, parcerias internas e externas.
tais como: a) recursos para a inovação; b)
comunicação na organização, principalmente O empreendedorismo corporativo aborda
entre pessoas com pontos de vista diferentes; o desenvolvimento das organizações a partir de
c) incerteza ambiental moderada e mecanismos pessoas que entendam seus processos, mas que,
para focalizar a atenção em condições mutan- acima de tudo, tenham vontade de crescer e
tes; d) grupos de trabalho coesos e integrados; possuam a visão concreta de que o crescimento
e) estruturas que forneçam acesso a modelos da organização é seu crescimento também.
de papéis de inovação e a mentores; f) baixa
rotatividade de pessoal e contrato psicológico Pode-se dizer que o empreendedorismo
que legitime o comportamento inovador. corporativo se dá através de três questões
fundamentais: primeiramente, através do
desenvolvimento do potencial humano dentro
CONSIDERAÇÕES FINAIS das organizações; em segundo, de estrutura e
O desafio da competitividade e da busca processos que viabilizem o desenvolvimento
por novos caminhos está aberto a todas pesso- deste potencial; em terceiro lugar, de um
as e organizações, cabendo a cada uma delas direcionamento estratégico que congregue o
decidir como percorrer este caminho. Não gerenciamento da mudança com a constante
há atalhos que facilitem a incessante busca busca pela inovação.
pelo diferencial competitivo. Há, sim, muito
trabalho pela frente e enganam-se aqueles Para Dornelas (2003), a empresa que de-
que imaginam que as empresas necessitam de seja trabalhar a inovação de forma estratégica
soluções mirabolantes. As empresas necessitam deverá estar atenta para os seguintes aspectos:
basicamente de pessoas aptas a encararem tais
desafios, com coerência, senso de realidade e
criatividade; pessoas capazes de identificar as

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1 – A empresa deve ter um forte compro- CAETANO, Marcelo. Gerência – se as pessoas
metimento com a busca e o desenvolvimento de rolam, seu trabalho acontece. Revista Venda
novos produtos/serviços/processos com suporte Mais, São Paulo, set. 2003.
da cúpula administrativa;
COOPER, Cary L. (Org.). Dicionário enciclo-
2 – A inovação deve ser vista como um pédico de administração. São Paulo: Atlas,
princípio dentro da organização (não restrita a 2003. 1456p.
um setor ou departamento de pesquisa);
DOLABELA, Fernando. Oficina do empreen-
3 – Deve-se estabelecer estratégias para dedor. São Paulo: Cultura Editores Associa-
a criação de novos produtos ou melhorias e dos, 1999. 273p.
aperfeiçoamentos na linha de produtos já
existentes; DORNELAS, José Carlos Assis. Empreendedo-
rismo corporativo. Rio de Janeiro: Elsevier,
4 – Deve-se buscar identificar o quão 2003. 183p.
agressiva ou defensiva será a inovação em ter-
mos de resultados para a empresa; DRUCKER, Peter F. Inovação e espírito em-
preendedor: (enterpreneurship). São Paulo:
5 – A organização deve possuir critérios Pioneira, 2003.
para a busca de novas idéias de produtos e uma
política de procedimentos que facilitarão o seu FILION, Louis Jacques. Empreendedorismo:
desenvolvimento. empreendedores e proprietários-gerentes de
pequenos negócios. Revista de Administra-
Assim, diante do atual cenário que envol- ção da USP, São Paulo, v. 34, n. 2, abr./jun.
ve as organizações, pode-se dizer que o futuro 1999.
das organizações é incerto. É difícil prever o
que os próximos dez, vinte ou cinqüenta anos FILION, Louis Jacques. Empreendedorismo e
irão trazer. As técnicas administrativas mais gerenciamento: processos distintos, porém
adequadas a serem utilizadas, como os merca- complementares. RAE Light, São Paulo, v.7,
dos se comportarão e de que forma os avanços n. 3, jul./set. 2000.
tecnológicos irão afetar a vida das organizações
também são difíceis de se identificar. A única PIERCE, Jon L.; NEWSTROM, John W. A estan-
certeza é que as pessoas continuarão como te do administrador. Porto Alegre: Bookman,
peça fundamental desta engrenagem, cabendo 2002. 378p.
às organizações a responsabilidade de criarem
o espaço propício para o desenvolvimento das RAY, Michael; MYERS Rochelle. Criatividade
pessoas e, por conseqüência, o desenvolvimen- nos negócios. Rio de Janeiro: Record, 1996.
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