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IV.

OUTRAS FONTES

I. EQUIDADE
CONSAGRAÇÃO DA EQUIDADE
A equidade é uma fonte de DIP que está consagrada nos artigos 59.º e 74.º da Convenção da ONU
sobre o Direito do Mar: determina que os conflitos de interesses entre os Estados costeiros e outros
Estados sobre a Zona Económica Exclusiva (59.º) e a delimitação dessa zona entre Estados com costas
adjacentes (74.º) deve ser resolvido numa base de equidade, através da aplicação do princípio da
equidade. Não está consagrada em todos os Tratados

A equidade não se encontra consagrada no artigo 38.º do Estatuto do Tribunal Internacional da Justiça,
que expressa o elenco das fontes de Direito Internacional. Assim, trata-se de um instrumento de
decisão de aplicação alternativa, por acordo das partes.

O QUE É A EQUIDADE?
É um processo de criação do Direito (fonte) que consiste em atribuir aos órgãos jurisdicionais a
competência para formular uma regra adequada às particularidades do caso submetido ao seu juízo,
com base nos princípios gerais da justiça e na sua consciência.

Regulamentação criada pelo Juiz para o caso singular, atendendo


a exigência de justiça, de moral e conscienciosa conduta.

TRIPLA FUNÇÃO DA EQUIDADE NO DIREITO INTERNACIONAL


Nos termos do nº2 do artigo 38.º do Estatuto do TIJ, a equidade só funciona como fonte de Direito
quando as partes num litígio o consintam.

Charles Rosseau defende que tem um triplo papel no DI, três impactos:

a) Atenua as consequências negativas da aplicação do direito / atenua a rigidez das


normas convencionais ou consuetudinárias: efeito com impacto positivo, ao corrigir direito
positivo quando a sua aplicação rígida pode conduzir a grave injustiça (summa injuria que
resulta da aplicação estrita sem ter em conta as particularidades do caso).
b) Completa a aplicação do direito / completa as normas convencionais ou
consuetudinárias: função supletiva, para a integração de lacunas que derivam do direito
positivo.
c) Afasta a aplicação do direito / afastar as normas convencionais ou consuetudinárias:
afasta a aplicação do direito positivo a um caso concreto, substituindo este direito pelo juízo ex
aequo et bono, onde o juiz estatui não com o fundamento nas normas de direito positivo, mas
sim num juízo de equidade.

Para ele, a função da equidade é realizada pela inserção nos compromissos de arbitragem ou nas
convenções de reclamações (cláusulas de reparação de perdas e danos) da cláusula ex aequo et bono
ou de julgamento por equidade.

II. PRINCÍPIOS GERAIS DE DIREITO


CONCEITO
Conjunto de regras de Direito, princípios jurídicos e políticos que regulam as relações internacionais.
São princípios do Direito Natural, comuns à ordem interna e internacional. São aceites como tal desde
que comuns às duas ordens, quer tenham a sua origem no direito privado (Pacta Sunt Servanta) ou no
direito público (princípio da presunção da inocência). Também os princípios inerentes à estrutura da
sociedade internacional fazem parte do grupo (princípio da igualdade jurídica dos Estados; princípio da
não ingerência).
QUAL O SENTIDO A ATRIBUIR AOS PGD?
A interpretação desta expressão tem suscitado muitas dúvidas e divergências.

Enquanto princípios do Direito Natural


Uma parte da doutrina sustenta que os PGD são princípios de Direito Natural, que os Tratados e os
costumes positivam ou atualizam, adaptando-os às várias situações concretas. Le Fur e Verdross
suportam este entendimento.

Enquanto princípios de Direito Positivo


Atualmente, é opinião generalizado que os PGD são princípios de Direito Positivo, que fazem parte da
ordem jurídica positiva, incluindo todos os princípios comuns à ordem jurídica interna e internacional
(consagrados no direito positivo interno e no direito positivo internacional).

Enquanto princípios de Direito Privado ou Público


Alguns autores defendem os PGD tanto podem ser princípios gerais do Direito Privado ou princípios
gerais do Direito Público. Como exemplo destes, Rosseau indica: o Pacta Sunt Servanda, princípio do
abuso do direito, princípio do respeito pelos bens adquiridos, o da prescrição liberatória e dos juros
moratórios, a regra nemo plus juris transfere potest quam ipse habet e, para além destes indica outros
de natureza processual.

Verdross indica os princípios da boa fé, o da les specialis derrogat generalis, abuso do direito, caso
julgado, e Silva Cunha e Maria da Assunção Vale Pereira defendem que devem considerar-se ainda
princípios gerais de Direito certos princípios inerentes à própria estrutura da sociedade internacional e
que formam como que uma constituição da mesma sociedade. É o caso dos princípios da igualdade
jurídica dos Estados, da sua independência, da não intervenção, da continuidade dos Estados, etc.

CONCEÇÃO COMUM
1.Conjunto de princípios comuns aos grandes sistemas de direito contemporâneo:
 Proposição primeira descortinada por indução de regras particulares.
 Reconhecimento prévio, transponível e obrigatoriedade. É necessário que se verifique em
maior parte dos sistemas jurídicos, não em todos.
2.Aplicáveis à ordem internacional:
 Abuso do direito, boa-fé, pacta sunt servanda, principio da igualdade das partes em juízo.

FUNÇÃO DOS PGD


Sob o ponto de vista prático, estes princípios são aplicáveis na interpretação das normas, no domínio
da responsabilidade internacional e no da administração da justiça. Para além disso, no quadro das
Organizações Internacionais esses princípios encontram terreno de aplicação nas relações entre essas
Organizações, nas relações entre a Organização e o seu pessoal.

Enquanto princípios de Direito natural, a sua função, como fonte de DI, é a de determinar o conteúdo
das normas internacionais positivas. Funcionam como fonte material de Direito.

Enquanto princípios de direito positivo, a sua função é dupla: completar os tratados e os costumes
suprindo as lacunas que existam no direito internacional positivo e orientar a interpretaçao das normas
convencionais e consuetudinárias.

III. DOUTRINA
O QUE SE ENTENDE POR DOUTRINA
É a posição dos autores, juristas, das sociedades eruditas e cultas sobre questões jurídicas (teóricas ou
práticas do Direito), ou dos órgãos chamados a formular opiniões jurídicas.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Nos séculos XVI e XVIII, a doutrina exerceu uma grande influência sobre o direito internacional clássico,
cuja elaboração foi grandemente feita por ela.
Atualmente, a partir de XIX, com o positivismo, a doutrina perdeu a importância histórica que tinha e o
seu forte impacto na produção e na revelação de normas de Direito Internacional. Mas, apesar disso,
não deixou de exercer influência na evolução e no aperfeiçoamento do Direito Internacional, na
formação das regras aplicáveis aos novos domínios do DI ou às novas situações surgidas das rápidas e
constantes transformações da sociedade e do Direito Internacional contemporâneos.

IV. JURISPRUDÊNCIA
CONCEITO
Conjunto de decisões jurisdicionais ou arbitrais, emanadas pelos tribunais, quer nacionais quer
internacionais, com impacto internacional. Contudo, Dominique Carreau defende que as decisões
nacionais têm um papel marginal no DI, pois são usadas dominantemente para a prova da existência
de costume ou princípios gerais.

No âmbito do DI, releva a jurisprudência dos Tribunais Internacionais, incluindo a dos Tribunais arbitrais.

FUNÇÃO
Auxiliam na averiguação do DI ao contribuir para o seu conhecimento mais exato.

TIPOS DE JURISPRUDÊNCIA
TRIBUNAIS ARBITRAGEM TRIBUNAIS NACIONAIS
INTERNACIONAIS INTERNACIONAL
Sentenças / acordos
Pareceres

A jurisprudência dos Tribunais Internacionais não é fonte direta de DI. Eles não criam Direito, aplicam-
no. Podem, no entanto, favorecer a criação de normas internacionais consuetudinárias, auxiliar a
averiguação dos costumes existentes e facilitar a interpretação do direito convencional.

V. ATOS UNILATERAIS
Na ordem internacional, apesar de os principais efeitos de Direito serem produzidos por atos jurídicos
bilaterais ou plurais, deve ter-se em conta os atos jurídicos unilaterais.

CONCEITO
Atos praticados e imputáveis a um único sujeito de DI, ou a vários, desde que o conteúdo do ato lhes
seja comum.

EVOLUÇÃO HISTÓRICA
Inicialmente, eram uma prerrogativa dos Estados, únicos sujeitos do DI, que os produziam. Atualmente,
as OI passaram a produzir atos unilaterais, graças à sua emergência na vida internacional, o que deu
origem a um enorme aumento do número e dos tipos de atos unilaterais.

CARACTERÍSTICAS
São fonte porque:

 Se admite a existência de norma geral consuetudinária ou PGD que os consagra;


 Tipicidade (previstos na lei);
 Imputabilidade (um ato unilateral tem de resultar de um sujeito, ser atribuível);
 Publicidade.

CLASSIFICAÇÃO
Aqui temos que, por um lado, classificar os atos unilaterais emanados pelo Estado e, por outro, pelas
organizações internacionais, efetuando a sua distinção. Dentro do primeiro temos que distinguir os atos
praticados no exercício de competências conferidas pelo DIP que serão atos.
Os efeitos produzidos por atos unilaterais dos Estados na cena internacional são diferentes dos efeitos
por atos das OI.

Classificação dos atos unilaterais dos Estados


 Atos autónomos – produzem efeitos jurídicos independentemente de outras fontes;
 Há duas situações onde se produzem atos unilaterais pelos Estados:
o Atos praticados no uso de competências conferidas por normas de DI convencionais ou
costumeiras → atos estaduais formal e materialmente internacionais (1);
o Atos praticados no uso de competências conferidas por normas de direito interno → atos
formalmente internos, mas com relevância internacional (2).
 Os dois casos podem ser auto-normativos ou hétero-normativos.

1) Classificação dos atos estaduais formal e materialmente internacionais

Atos praticados por órgãos estaduais com competência para agir nas relações internacionais e obrigar
internacionalmente o Estado, com fundamento em normas convencionais ou costumeiras. Nestes
agrupam-se:

NOTIFICAÇÃO RECONHECIME PROTESTO RENÚNCIA DENÚN PROMESSA


/DECLARAÇÃO NTO CIA
Ato genérico pelo Ato unilateral Ato discricionário Ato jurídico Ato pelo Ato pelo
qual um Estado ou discricionário, pelo qual um unilateral, qual o qual um
um grupo de Estados pelo qual um governo declara discricionário, Estado Estado
dá conhecimento Estado, expressamente o irrevogável, se declara a
oficial a outro ou verificando a seu desacordo ou pelo qual um declara outro ou
outros de um facto de existência de não aceitação, Estado desvincu outros que
uma situação, de determinados relativamente a manifesta, lado de se obriga,
uma ação ou de um factos ou atos situações criadas expressa ou um no futuro, a
documento de cuja jurídicos declara, por um ou vários tacitamente, Tratado. adotar certo
existência decorrem expressamente Estados, a atos por que não deseja comportam
certas consequências ou eles praticados ou continuar a Caso ento ou
jurídicas, com o fim implicitamente, pretensões que beneficiar de pelo atitude.
de obter que o objeto que os considera manifestem. vantagens que qual um A
da notificação seja como elementos Os efeitos: lhe foram Estado obrigatoried
considerado como a ter em conta  não concedidas. vinculad ade jurídica
reconhecido pelo nas suas reconhecimento; Efeitos: o por internacion
destinatário. Como relações  a confirmação  extinção de obrigaçõ al deste ato
exemplo de normas jurídicas, de direitos quaisquer es é discutível.
internacionais que se admitindo que próprios; direitos assumid Verdross
referem tais factos ou  reserva de subjetivos as por admite-a
expressamente a situações lhe são ordem politica dos Estados, via com o
esta categoria de oponíveis ou moral. sejam ou convenci fundamento
atos: art. 34.º do Ato (aparecimento não onal se de que
Geral da Conferência de um novo Versão negativa do emergentes declara também
de Berlim, de 26 Estado, de um reconhecimento – de tratados. livre de são
fevereiro 1885, a Governo, uma ato pelo qual um Só é fonte de se obrigatórios
segunda Convenção situação, um Estado reserva os direito quando acatar. os tratados
aprovada na II tratado). seus direitos face à a validade da que
Conferência de Paz É o inverso do reivindicação alheia renúncia não impõem
de Haia, em 18 de protesto – ato ou em relação a um depende da deveres
Outubro de 1907, e pelo qual um costume em vontade de apenas a
nº1 do art 65 da Estado constata formação, isto é, outro Estado. uma das
CVDT. uma situação ato pelo qual um partes.
 Ato-condição: existente e Estado dá a
condiciona a afirma que a entender que não
validade de considera considera
outros atos; conforme ao determinada
 Obrigatório: Direito. situação como
imposto pelo conforme ao Direito.
costume e pelo
Tratado.

2) Atos estaduais formalmente internos, mas com relevância internacional

São praticados pelos órgãos dos Estados, no âmbito da ordem estadual interna, mas os seus efeitos
repercutem-se na ordem jurídica internacional.

TEORIA DUALISTA MONISMO COM MONISMO DO DIREITO INTERNACIONAL


PRIMADO DO
DIREITO INTERNO
Os atos jurídicos As obrigações O monismo radical defende O monismo moderado
internos internacionais dos que os atos internos são defende que o DI define as
internacionalmente Estados sempre atos de execução esferas de ação próprias dos
relevantes são os que se fundamentam-se no estrita do DI sendo de Estados, considerando que
relacionam com o DI por seu Direito excluir que atos jurídicos podem ocorrer contradições
serem com ele Constitucional e a internos possam produzir entre umas e outras sem
conformes ou por validade dos atos efeitos na ordem que daí resulta a nulidade
violarem ou jurídicos internacional. das normas internas
transgredirem. internacionais infratoras.
Dada a independência depende sempre de
das duas ordens normas ou atos
jurídicas, os seus efeitos jurídicos internos.
apenas de produzem na
ordem interna.

O monismo moderado admite a produção de efeitos jurídicos internacionais por atos jurídicos internos
nas seguintes hipóteses: atos de execução das normas do DI, tais como a integração destes no direito
interno, os atos que impõem a observância interna de normas ou decisões internacionais. Todos estes
atos podem ser praticados pelos órgãos legislativos, jurisdicionais, administrativos ou de governo do
Estado.
Classificação dos atos das Organizações Internacionais (institucionais ou
comunitários)
RESOLUÇÕES RECOMENDAÇÕES DECISÕES PARECERES SENTENÇAS
Atos emanados de Ato através do qual a Ato unilateral Equivalente às Equivalente às
órgãos coletivos da OI dirige, de forma obrigatório através recomendações – decisões – atos
OI e que visam solene, um convite dos quais a OI impõe ato judicial não judiciais
impor uma para a adoção de um um dado vinculativo. obrigatórios.
obrigação ou certo comportamento comportamento de
solicitar a adoção positivo – ação – ou caráter forçoso. Cria
de um dado negativo – abstenção. obrigações para o seu
comportamento aos Este ato não tem força ou seus destinatários.
Estados. obrigatória. Propõe um
comportamento.

Qualquer destes atos pode ter um caráter autonormador ou heteronormador:

ATOS AUTONORMADORES ATOS HETERONORMADORES


Têm como finalidade permitir à organização atingir os objetivos A organização visa criar obrigações que os
estabelecidos nos seus estatutos constitutivos ou garantir a Estados membros devem cumprir, ou que
continuidade do seu funcionamento ou, ainda, de permitir a devem ser cumpridas por outras
adaptação às modificações da vida internacional. organizações ou indivíduos (decisões dos
Decisões ligadas ao funcionamento da organização, que podem Tribunais Internacionais integrados em
ter um caráter geral (regulamentos dos diversos órgãos, organizações, atos que decidem a admissão
normas relativas às finanças, estatuto dos agentes) ou ou não na organização de outros membros,
individual (nomeação de agentes e funcionários da atos que constatam uma situação ou
organização, medidas correntes, como as de caráter aplicam sanções).
financeira).

V. HIERARQUIA DAS NORMAS DO DIREITO


INTERNACIONAL

I. HIERARQUIA DAS NORMAS


A questão da hierarquia só se coloca em virtude da existência “de uma multiplicidade de fontes formais
de Direito que suscita o problema da possível contrariedade do seu conteúdo” e da necessidade de
resolver juridicamente os conflitos entre normas – convencionais, costumeiras – precisamente
porque ela permite-nos criar as regras necessárias para a solução desses conflitos, isto é, regras
atributivas da prevalência de umas normas sobre as outras.

QUESTÃO DA HIERARQUIA: CONTROVÉRSIA DOUTRINAL


Uns autores confundem as normas de DI com as suas fontes e não admitem a possibilidade de
escalonar hierarquicamente as normas, outros distinguem as fontes das normas, admitindo estas
últimas capazes de serem escalonáveis hierarquicamente.

A doutrina clássica recusa a ideia dominante de uma hierarquia das fontes e até das normas do DI,
precisamente porque assumia esse Direito como um bloco normativo único, não aceitando qualquer
distinção gradativa entre as fontes e/ou entre as várias normas jurídico-internacionais. A tese
dominante era, assim, a da absoluta igualdade entre as fontes ou entre as normas de Direito
Internacional. Para além disso, o artigo 38.º do Estatuto do TIJ enumera as fontes de DI mas não as
hierarquiza.

Contudo, a partir do século XXI levantam-se duas questões:

 Da hierarquia das fontes;


 Da hierarquia das normas do DI: para se defender a existência de uma ordem pública
internacional, constituída por normas dispositivas e imperativas (ius cogens), devendo estas
últimas, pela sua natureza e conteúdo, ser consideradas como fundamentais e, nessa medida,
como mais importantes do que outras normas da mesma ordem.

ESFORÇOS PARA A EXISTÊNCIA DE HIERARQUIA DE NORMAS


O problema da hierarquia das normas, na altura entre grandes discussões doutrinais, leva à
consagração, em 1907, numa Convenção sobre Presas, de 18 de outubro, a hierarquia clara e
inequívoca, não das fontes de DI, mas sim das normas desse direito, colocando no topo de hierarquia
as normas convencionais, a seguir as normas costumeiras e por ultimo os princípios gerais de direito e
a equidade. Inicia-se assim o primeiro esforço sério de consagração de uma hierarquia das normas de
DI. Essa convenção não entrou em vigor.

Logo a seguir, o esforço continua no Pacto da Sociedade das Nações cujo artigo 20.º previa a
hierarquização das normas ao sancionar a abrogação automática todos os Tratados que lhe fossem
contrários.

Depois, na Carta das Nações Unidas, que consagra, no artigo 103.º, a inoponibilidade aos Estados
terceiros e à ONU dos Tratados que não sejam conformes com as disposições da Carta.

Por último, o reconhecimento pela CVDT da existência de normas imperativas (ius cogens) (artigos 53.º
e 64.º), introduzindo no direito positivo da figura do ius cogens, a questão da hierarquia adquiriu nova
dimensão que passou a exigir como condição do seu estudo a prévia abordagem dessa figura, em que
a Convenção procura assentar a construção de uma ordem pública internacional.

IUS COGENS E A HIERARQUIA DAS NORMAS DE DI


O ius cogens são normas imperativas que se desenvolvem na cena internacional. Ganham especial
relevância quando consagradas na CVDT (artigo 53.º).

II. HIERARQUIA DAS FONTES


É importante não confundir fontes com normas. Nas fontes, é recusada a ideia de hierarquização, mas
admite-se a divisão em duas grandes categorias. Nas normas, a hierarquização é possível, apesar de
no estádio atual do DI, esta ser necessariamente embrionária e imperfeita.

DIVISÃO DAS FONTES – ARTIGO 38.º


O artigo 38 do ETIJ distingue as fontes em duas grandes categorias:

FONTES PRINCIPAIS FONTES SECUNDÁRIAS OU AUXILIARES


Tratados, Costumes e Princípios Gerais de Jurisprudência (decisões dos Tribunais) e
Direito. Doutrina.
As mais importantes – fontes diretas.

Costumes Nesta hierarquização, no topo estão os Tratados


Tratados e o Costume, e abaixo desses os PGD, por não
constituírem uma verdadeira e autónoma fonte
PGD formal.

Jurisprudência Os PGD desempenham uma função muito


Doutrina importante enquanto Direito Natural, mas não
são fonte formal. Desempenham a função
meramente subsidiária de suprir as lacunas dos
Tratados e Costumes internacionais e de auxiliar a sua interpretação.

A jurisprudência e a doutrina são fontes indiretas ou subsidiárias.

A equidade só funciona como fonte de Direito quando prevista nos tratados e aceite expressamente
pelas partes.
Os atos unilaterais estão em posição subordinada aos Costumes e aos Tratados só produzindo efeitos
quando estes sejam consentidos por uma norma consuetudinária ou convencional.

Os Costumes gerais fazem parte do DI comum ou geral, por isso, só podem ser extintos ou alterados
por Costumes ou Tratados com a mesma extensão. Como não há tratados universais, os costumes
gerais estão, de facto, numa posição superior aos tratados.

Mas, bem vistas as coisas, este artigo não pretende estabelecer qualquer hierarquia das fontes,
mas apenas consagrar regra de prioridade ou de primazia na utilização de cada grupo de fontes pelo
Tribunal.

OPINIÃO DOMINANTE NA DOUTRINA PORTUGUESA


A doutrina geral admite a hierarquização das fontes.

Costumes gerais ou Há uma nota de discordância: não admitem o mesmo lugar para
universais os PGD.

Para Silva Cunha, “os princípios gerais de Direito, embora quando


Tratados universais entendidos como Direito natural, desempenham função
importantíssima como fonte material de Direito Internacional, não
são fonte formal, desempenhando a função meramente
Atos unilaterais subsidiaria de suprir as lacunas dos tratados e dos costumes
internacionais”.

Já A. Gonçalves Pereira e Fausto Quadros proclamam a sua


fidelidade à atribuição de uma fundamentação jusnaturalista ao DI, tais princípios se situam acima do
costume e do tratado, salvo quando aqueles e estes forem ius cogens, então estarão todos ao mesmo
nível.

OPINIÃO DE WLADIMIR BRITO


A distinção entre normas e princípios deve ser abandonada e substituída pela ideia de que a norma
integra regras e princípios. Assim, os princípios gerais de direito estão contidos no conceito de norma,
pelo que é dentro deste conceito que é preciso distinguir os princípios das regras. Contudo,
continuando os princípios assim aqueles a estar contidos nas normas, então, na teoria da hierarquia, o
princípio – os princípios gerais de Direito – aparecem no mesmo lugar hierárquico onde a norma se
encontra colocada.

Assim, os princípios gerais devem ser colocados não acima das normas, como fazem A. Gonçalves
Pereira e Fausto Quadros, mas na mesma posição que as normas ocupam, visto que tais princípios são
também normas, uma espécie particular de normas. Deste modo, sempre que se refere a normas,
nelas integra-se os princípios gerais de Direito, cujo lugar na cadeira hierárquica é aquele que a norma
ocupa.

III. IUS COGENS


Depois da publicação da CVDT não se pode abordar o estudo da hierarquia das fontes de Direito
internacional sem analisar primeiro o problema do Ius Cogens.

CONCEITO
Conjunto de normas imperativas de DI geral que à partida são universais e inderrogáveis, mas
estabelecem como as situações se irão realizar.

IUS COGENS NA CVDT


O ius cogens resulta dos princípios defendidos pelos artigos 53.º e 64.º da CVDT. A Convenção admite a
existência de um conjunto ou complexo de normas internacionais – o Ius Cogens – dotadas de um grau
de imperatividade superior à de quaisquer normas internacionais porque o seu desrespeito determina a
nulidade das normas que as contrariem.

Da análise desses artigos resulta que:

 As normas de IC são universais;


 Devem ser aceites pela comunidade internacional no seu conjunto;
 São evolutivas, pois se admite a substituição das normas atualmente existentes por normas novas.

ARTIGO 53.º ARTIGO 64.º


É nulo todo o tratado com ela incompatível,
Nos termos do artigo 53.º da CVDT, uma norma incompatibilidade que se pode manifestar quer
imperativa não pode ser derrogada sem ser por no momento da conclusão do tratado, quer
“outra norma de Direito Internacional geral com posteriormente, e aqui por via do aparecimento
a mesma natureza”. de uma nova norma imperativa incompatível
com o tratado

Verifica-se que estas regras imperativas se distinguem das normas obrigatórias, posto que aquelas
geram a nulidade dos atos que lhes são contrários, e estas – as obrigatórias – geram simplesmente, no
caso de serem violadas, responsabilidade internacional do Estado.

QUESTÕES LEVANTADAS PELA INTERPRETAÇÃO DOS ARTIGOS 53.º


E 64.º
Qual o alcance a atribuir à exigência da aceitação e reconhecimento das
normas de Ius Cogens pela comunidade internacional no seu conjunto?
As normas de ius cogens são normas do Direito Internacional geral, precisamente porque são normas
universais. Levanta-se o problema de saber se essa universalidade decorre da aceitação dessas normas
por toda a comunidade internacional, “aceite e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados
no seu conjunto”.

Mas o preceito é ambíguo, podendo levar a pensar que se exige a aceitação e o reconhecimento
unânime. Assim, a generalidade da doutrina aceita que, para a formação do ius cogens, o artigo 53.º
não exige a unanimidade. Se tal fosse necessário, a oposição de apenas um Estado impediria a sua
formação.

É admissível a existência de Ius Cogens regional?


Parece que é possível a formação do ius cogens regional, dado o artigo 53.º da CVDT não proíbe tal
existência, sendo, portanto, possível “conceber que sistemas regionais muito homogéneos engendrem
regras imperativas que lhes sejam particulares”, normas que só se imporão aos Estados ligados por
solidariedades específicas. Contudo, este Ius Cogens regional deve ser conforme com o Ius Cogens
universal, sob pena de, enquanto norma contrária, ser nulo.

Faz-se notar que as normas imperativas têm uma natureza evolutiva, dado que, nos termos do artigo
64.º da CVDT, é possível a emergência de novas normas imperativas. Disto resulta o caráter dinâmico
dessas normas que, na opinião de Quoc Dihn, Patrick Daillier Alain Pellet, é ditado pela necessidade de
adaptação contínua do direito às condições variáveis da coexistência pacífica e às variadas aspirações
de novos Estados.

As normas de Ius Cogens são de natureza convencional ou


consuetudinária, ou de ambas?
A necessidade de aceitação geral como condição de validade aponta para a ideia do ius cogens
formado por normas consuetudinárias. Contudo, sabemos que o costume não exige o consentimento
expresso dos Estados, mas a simples opinio juris, e, por outro lado, como ensina Silva Cunha “a
contradição entre um costume feral e uma norma particular de Direito Internacional, não provoca a
nulidade desta mas sim a sua simples inoponibilidade.
Será o Ius Cogens um conjunto de normas constitucionais inerentes a
qualquer ordem jurídica, constituindo uma verdadeira ordem jurídica
internacional?
Para resolver estas dúvidas de interpretação, a Convenção atribui, nas alíneas a) e b) do artigo 66.º, ao
Tribunal Internacional de Justiça a competência para interpretar os artigos 53.º e 64.º. É da
interpretaçao do Tribunal que o sentido e o alcance de tais disposições virão a ser clarificados, o que
permitirá a resolução de todos os problemas que a deficiente redação daqueles preceitos legais veio a
criar. De qualquer forma, o ius cogens, ou a sua consagração na CVDT, acaba por contribuir
decisivamente para o desenvolvimento progressivo do DI.

REPERCUSSÃO DO IUS COGENS NA HIERARQUIA DAS NORMAS


No que se refere à hierarquia das normas, a consagração do ius cogens acaba por estabelecer uma
verdadeira hierarquia entre as normas imperativas e as outras, na qual aquelas estão num plano
superior.

A doutrina tem vindo a aceitar como regras do ius cogens as seguintes: a proibição do uso ou ameaça
da força nas relações internacionais, a proibição do trafego de escravos, do genocídio e da pirataria, as
normas relativas aos direitos do Homem e às liberdades fundamentais, o princípio da igualdade dos
Estados. Quanto às regras relativas à coexistência pacífica, ainda não é líquido que elas constituam um
verdadeiro ius cogens, embora hoje muitas e importantes vozes comecem a defender a natureza
imperativa dessas regras.

Grande parte dessas regras imperativas estão presentes na Carta da ONU. Outras, tendo em conta o
caráter evolutivo e dinâmico dessas normas, podem surgir de Tratados ou de Costumes. Em qualquer
caso, tais regras, enquanto normas imperativas, estão todas hierarquicamente ao mesmo nível,
qualquer que seja a fonte donde emergem (Costume ou Tratado) e, no caso de emergirem de Tratado,
qualquer que seja a natureza deste. Esta paridade deixa de existir quando tais normas imperativas
,sejam de origem costumeiras, sejam de origem pactícia, tenham natureza distintas, sendo umas de
caráter universal e outras de caráter regional; nesses casos o ius cogens universal deve ser colocado
numa posição hierárquica superior à do ius cogens regional.

IV. HIERARQUIA DAS NORMAS


Abaixo das normas de ius cogens, temos as normas de caráter universal e depois normas de caráter
regional. O ius cogens de origem costumeira ou convencional ocupa o lugar cimeiro na escala
hierárquica das normas.

HIERARQUIA DAS NORMAS DE ORIGEM COSTUMEIRA


No âmbito do direito costumeiro, as normas de direito costumeiro geral devem prevalecer sobre as
do direito costumeiro regional ou particular. Quanto ao ius cogens formado a partir do costume
universal, dado o caráter imperativo daquelas normas que não permite que sejam derrogadas senão
por outras normas do ius cogens, este ius é hierarquicamente superior ao direito costumeiro geral.
Assim, a hierarquia é:

Normas do ius cogens costumeiro geral (universal).

Normas do ius cogens costumeiro particular (regional).

Normas do direito costumeiro geral (universal).

Normas do direito costumeiro particular (regional).

HIERARQUIA DAS NORMAS CONVENCIONAIS


O artigo 38.º do Estatuto TIJ não obsta à hierarquização das normas, mas deixa à doutrina a tarefa de
construir uma cadeia hierárquica das normas de DI, o que esta tem vindo a fazer com alguma
determinação e sucesso, embora de forma prudente. Hoje, essa construção doutrinal, apesar de ser
ainda imperfeita, tem sido progressivamente acolhida pelo novo Direito Internacional, que assim vem
revelando uma forte tendência em admitir a hierarquização das suas normas.

Relativamente às normas convencionais, começaremos por dizer que nesta parte do estudo só se
tratará do ius dispositivum, dado que já tratamos a questão do ius cogens atribuindo-lhe o lugar
cimeiro na escala hierárquicas das normas, e que iremos proceder à distinção entre as normas
dispositivas da CNU e as mesmas normas contidas nos demais Tratados, visto que entendemos que
elas ocupam distintas posições.

NORMAS DA CNU NORMAS DAS DEMAIS CONVENÇÕES


O artigo 103.º da CNU estabelece o princípio Há que distinguir entre normas dos Tratados
da primazia das normas da Carta sobre todas Gerais (de vocação universal) das normas dos
as outras normas – consagrado no artigo 20.º Tratados Regionais e entre estas e as dos
do Pacto da SDN, princípio segundo o qual. Tratados bilaterais. Parece que a doutrina não é
“no caso de conflito entre as obrigações dos unânime em aceitar que as primeiras – dos
Membros das NU em virtude da presente Carta Tratados Gerais – não podem ser derrogadas
e as obrigações resultantes de qualquer outro pelas segundas, o que é, aliás, compreensível,
acordo internacional, prevalecerão as pois se assim não fosse as normas dos Tratados
obrigações assumidas em virtude da presente Gerais acabariam por perder a sua
Carta”. universalidade (ou a quase-universalidade),
ficando a vontade de vários Estados dependente
Esta primazia é reconhecida por diversos da de alguns. Deste modo, as normas dos
Tratados, pela própria Convenção de Viena Tratados Gerais têm de estar hierarquicamente
sobre o Direito dos Tratados entre Estados no situadas numa posição superior à das normas
seu artigo 30.º, o que se explica pelo lugar que dos Tratados Regionais.
as normas da Carta ocupam no DI As normas dos Tratados bilaterais estão na base
contemporâneo. da hierarquia, posto que terão de ceder face às
dos Tratados Regionais e às dos Tratados Gerais.
As normas dispositivas da CNU, ocupam o A vontade manifestada por diversos Estados num
topo da hierarquia das normas do DI. Tratado Regional deve prevalecer sobre a
vontade de dois Estados da mesma região
daqueles que celebraram o Tratado Regional.

Posto isto, podemos concluir dizendo que relativamente ao direito convencional a hierarquia das
normas deve ser estruturada da seguinte forma:

Normas do ius cogens universal contidas na CNU ou em qualquer Tratado universal ou para-
universal:
Normas do ius cogens regional
Normas dispositivas da CNU
Normas dos Tratados gerais
Normas dos Tratados regionais
Normas dos Tratados bilaterais

HIERARQUIA DAS NORMAS: ATOS UNILATERAIS


Uma hierarquização completa das normas implica falar e integrar nelas os atos unilaterais. Os atos
unilaterais não podem contrariar as normas das convenções – os Tratados – ou as do direito costumeiro
– o Costume – precisamente porque tais atos devem ser praticados com respeito pelo direito
convencional ou costumeiro, não restam dúvidas que esses atos se encontram hierarquicamente
subordinados ao Tratado e ao Costume e devem ser colocados na base da pirâmide hierárquica das
normas.

PROPOSTA DE HIERARQUIZAÇÃO
Numa visão conjunta do direito convencional e do direito costumeiro, e tendo em conta os argumentos
aqui aduzidos, a hierarquia das normas deve ser a seguinte:

Normas do ius cogens universal de origem costumeira, contidas na CNU, ou em qualquer T


universal ou para-universal:
Normas do ius cogens regional – costumeira ou pactícia

Normas dispositivas da CNU

Normas dos Costumes Gerais ou Tratados (universais)

Normas dos Costumes Particulares ou dos Tratados Regionais

Normas dos Tratados bilaterais

Atos unilaterais

Nesta hierarquização fica em pé de igualdade os Tratados Gerais e os Costumes Universais, o mesmo


acontecendo com os Tratados Regionais ou Particulares e os Costumes Regionais ou Particulares, dado
que em cada uma daquelas categorias – Tratados Gerais/Costumes Gerais, Tratados
Particulares/Costumes particulares – aqueles Tratados podem ser revogados por estes Costumes e vice-
versa.

VI. OS SUJEITOS
DO DIREITO INTERNACIONAL

ESTADO
O Estado deve ser visto como um fenómeno politico e jurídico. Existem várias conceções sobre o
Estado,

CONCEÇÃO POLÍTICA DO ESTADO


O Estado é uma superestrutura que tem de assegurar a coesão e a unidade de uma formação social.

O Estado é uma superestrutura específica – jurídico-política – determinada pelas relações sociais e de


produção, com a principal função de assegurar a coesão e a unidade de uma formação social, para
garantir as condições de reprodução daquelas relações.

Teoria de Hans Kelsen


Para definir o Estado sem personificação, dizemos que é uma ordem social, ou uma comunidade
constituída por tal ordem. Esta ordem é de coerção. Contudo, Kelsen não explica em que consiste essa
ordem, nem como surge nem como se afirma. Torna-se necessário analisar a coerção:

MATRIZ DO ESTADO E A FORMA COMO ESTE SE ARTICULA


COM OUTRAS INSTÂNCIAS DE UMA FORMAÇÃO SOCIAL

A relação do Estado com todos os níveis de uma formação social é uma relação de interioridade –
produz-se no interior das relações sociais e de produção, o Estado não pode ser colocado fora e acima
da formação social para entrar em contacto com a sociedade civil.

Por outro lado, a interioridade implica que a extensão do campo de ação do Estado dependa das formas
de articulação desta superestrutura com as outras instâncias regionais de uma dada formação social –
trata-se de um campo cujos limites constituem e especificam o Estado como instância regional e
condicionam as formas e os graus de intervenção dessa instância nos outros níveis de formação social.

Não existe uma linha rígida de separação entre o Estado e os demais níveis de uma formação social,
que demarca e isola os espaços específicos de cada um desses níveis, que os obriga a agirem no
interior dos respetivos espaços e a não penetrarem na esfera própria dos outros. No entanto, existem
diferentes planos que cada nível ocupa, que devem ser articulados, condicionando a extensão dos
respetivos campos de ação. Todos têm o mesmo lugar de constituição – as relações sociais e de
produção – o que determina o grau de autonomia de cada um deles, bem como as formas específicas
como se articulam.

Assim, a relação do Estado com outras instâncias regionais não é arbitrária e a intervenção ou a não
intervenção do Estado nas outras instâncias não é fruto do acaso ou do voluntarismo dos detentores do
poder → é uma relação bem definida e caracterizada por graus e formas específicas de intervenção ou
de não intervenção de uns nas esferas próprias dos outros.

OSSATURA MATERIAL DA SUPERESTRUTURA JURÍDICO-POLÍTICA – ESTRUTURA INTERNA

A estrutura interna é produto da combinação dos diversos modos de produção coexistentes, sob a
dominância de um deles, numa dada formação social e da evolução do modo de produção dominante.
Assim, a organização interna dessa estrutura e o papel que cada elemento que a compõe exerce em
cada momento varia com a variação daquela combinação e da evolução do modo de produção
dominante, o que gera formas diferentes de articulação desses elementos e do Estado com a sociedade
civil.

O Estado não pode ser concebido como entidade historicamente imutável com campo de ação
invariável, com uma relação sempre igual com os outros níveis de formação e com uma estrutura cuja
organização interna é sempre a mesma → o Estado deve ser visto como um fenómeno que
reveste formas necessariamente diferenciadas nas diversas fases da evolução histórica das
sociedades.

 Ponto de vista estrutural: o Estado é constituído por conjunto de aparelhos, que são instituições
onde o poder se materializa e se concentra para nelas prosseguir os objetivos que propõem realizar
ou, para nelas exercer o seu domínio.

Estas instituições são centros de poder, concentram o poder (relação de força entre detentores do
poder e entre estes e os destinatários do poder), mas não são meros instrumentos que os
detentores do poder podem utilizar a seu belo prazer. Os centros são atravessados pelos conflitos
entre esses grupos gerados pela luta pela conquista do poder ou pela luta pela hegemonia no seio
do poder.

Estas instituições estão dotadas de autonomia e encontram-se organizadas hierarquicamente,


hierarquia que reflete o poder dos grupos que constituem o bloco no poder e que pode caracterizar-
se por uma maior ou menor centralização.

APARELHOS REPRESSIVOS APARELHOS IDEOLÓGICOS


Constituídos pelo exército, polícia, prisões, Gramsci integrou-os na superestrutura, ao procurar um
instituições coercivas, certos ramos conceito integral do Estado, defendendo que não podia
especializados do Governo e da Administração. ser concebida apenas como conjunto de aparelhos
Fortemente centralizados. Direção unificada e repressivos, mas sim como sociedade política e
exercida pelo grupo que detém a hegemonia no sociedade civil – hegemonia revestida de coerção. O
bloco do poder. Estado é, para além do aparelho governamental,
Alguns podem ser dotados de autonomia, e até também o aparelho privado de hegemonia ou
podem ser autónomos do aparelho ideológico, sociedade civil, integrando nas estruturas estatais os
uma vez que esta não quebra a unidade da aparelhos ideológicos.
estrutura estatal nem do poder, mas:
 permite um funcionamento mais eficaz; São os meios de informação (rádio, televisão,
 oculta a verdadeira natureza dos conflitos no imprensa), a Igreja, a Escola, a Família, e tanto podem
seio do poder; pertencer ao domínio público como ao privado –
 torna mais maleável a organização do poder executam tarefas complementares às do Estado,
possibilitando a deslocação da dominância de veiculando rituais, códigos sociais, modelos de
um para outro aparelho; comportamento e atitudes.
 reajustamento do conjunto dos aparelhos Não são, regra geral, organizadas de forma
repressivos, sem quebra radical do bloco no centralizada e a sua autonomia relativa é maior do que
poder ou sem deslocação da hegemonia. a dos aparelhos repressivos, o que não significa que
São o núcleo central do poder político com função não sejam também unificadas funcionalmente pela
dominantemente coerciva e são, no conjunto, ideologia dominante.
aparelhos dominantes. Aparelhos que funcionam dominantemente pela
Função dominantemente repressiva, mas por ideologia, embora também funcionem pela repressão.
vezes exercem função ideológica, quando através Não têm poder próprio e não elaboram a ideologia,
deles se veiculam atitudes, comportamentos, mas são os lugares onde se materializa e de onde se
códigos sociais, etc. irradia a ideologia ou as diversas regiões ideológicas
dos detentores do poder.

Há duas séries de aparelhos que existiram sempre em todos os Estados e constituem a verdadeira
estrutura política desta superestrutura. O Estado no sentido político (que nos aparece na cena política
internacional) é exatamente esta superestrutura que acabamos de descrever: não deixa nem pode
deixar, mesmo na sociedade internacional, de usar, conjunta ou isoladamente, aqueles
aparelhos.

Na sociedade internacional o Estado aparece como ordem política unitária, que visa assegurar e
garantir a coesão de uma dada sociedade, a unidade de uma dada formação social. A sua expressão
política não se limita ao caráter coercivo, mas também abrange a relação de poder entre os diversos
grupos sociais, que reconduz à relação de domínio e de hegemonia. Nessa relação não está apenas
presente a coerção como também a ideologia, pelo que o Estado não pode deixar de ser visto como
uma ordem (organização) política global, na qual a ideologia e a repressão se articulam.

Melhor conceção política do Estado para compreender o papel político-ideológico deste na sociedade
internacional, que pode ter natureza dominantemente repressiva ou ideológica: dupla dimensão –
repressiva e de domínio / ideológica e de hegemonia; a superestrutura do Estado funciona tanto pela
ideológica como pela coação.

CONCEÇÃO JURÍDICA DO ESTADO


Teoria de Jellinek
A conceção jurídica do Estado tem por objeto o conhecimento de regras que emanam do Estado e que
devem reger as suas instituições

Considera que a natureza e função da superestrutura do Estado não pode ser entendida apenas
através da instância jurídica, introduzindo um ponto de vista sociológico, para ultrapassar a visão
estritamente jurídica.

Tem sido elaborada com base em três elementos: território, população e poder político.

TEORIA JURÍDICA TEORIA SOCIOLÓGICA


“tem por objeto o conhecimento das regras “tem por objeto a analise das condições
que emanam do Estado e que devem reger sociais do Estado, a sua açao própria, bem
as suas instituições e funções, bem como o como os elementos particulares e as
estudo das relações que existem entre os relações reciprocas entre estes”
factos políticos reais e as regras de direito
que devem servir para julgar estes factos”
Preocupa-se com a história da formação, das
transformações e da decadência dos
Estados.
A visão global do fenómeno Estado implica a abordagem destes dois métodos, que não
devem ser confundidos, mas também não podem ser aplicados isoladamente.

Esta conceção de Jellinek gera correntes distintas:

CORRENTE SOCIOLÓGICA
Encabeçada por Leon Duguit, que defende que o Estado é um facto social que diferencia os
governantes e os governados. Defende o abandono do Estado como pessoa coletiva pois é apenas
indivíduos e indivíduos no poder. Define o Estado: individuo ou indivíduos de facto no poder,
defendendo que este é a força que se impõe pelo constrangimento material.

CORRENTE JURIDICISTA

Apenas se pode definir o estado depois de tomar conhecimento das suas instituições de Direito Público.

Para combater o exagero sociológico radicaliza o formalismo da teoria jurídica do Estado. A natureza
sociológica do Estado deve ser tarefa dos sociólogos e historiadores, o campo jurídico não deve
abranger essa análise.

CORRENTE FORMALISTA E NORMATIVISTA

O Estado é uma ordem de coerção, o povo é o conjunto de indivíduos submetidos a essa ordem
coerciva. O território é o espaço onde esta se desenrola e o poder politico é quem assume o domínio.

Defendida por Hans Kelsen, reside na radicalização da última corrente: nega toda e qualquer
possibilidade de uma teoria sociológica do Estado. Kelsen esforça-se por libertar a teoria jurídica (e do
Estado) de toda e qualquer influência de elementos estranhos ao direito, para apresentar o Estado
como uma ordem normativa. Define o Estado: ordem juridicamente centralizada que apenas pode ser
ordem de coerção – os elementos do Estado só podem ser definidos juridicamente, isto é, apenas
podem ser apreendidos como vigência e domínio de vigência (validade) de uma ordem jurídica, pelo
que o povo é o conjunto de indivíduos submetidos a uma determinada ordem coerciva relativamente
centralizada, o território é o domínio espacial de vigência de uma ordem jurídica estadual, e o poder
político é o domínio de vigência de uma ordem jurídica estadual efetiva. Esta tese é criticada
fortemente pela generalidade da doutrina que a acusa de ser demasiado formalista e normativista.

CONCEÇÃO COMUMMENTE ACEITE

Apesar das críticas à teoria de Jellinek e das divergências relativamente à conceção jurídica do Estado,
a teoria jurídica acabou por aceitar os três elementos – população, território e poder político – que
constituem o Estado, embora se discuta se tais elementos são ou não constitutivos do Estado. Alguns
autores acrescentaram outros elementos para correta conceptualização jurídica do Estado.

 Duguit entendia que o conceito de Estado só estaria completo se aos três elementos apontados
por Jellinek fosse acrescentado: serviços públicos. São o conjunto de atividades cuja realização
deve ser regulada, assegurada e fiscalizada pelos governantes, e são elementos fundamentais
para a elaboração do conceito de Estado, uma vez que esta superestrutura é “uma cooperação
dos serviços públicos organizados e fiscalizados pelos governantes”.

 Cabral de Moncada defende que o elemento mais importante é a ideia de Estado: “não é preciso
ser-se um grande idealista para imediatamente reconhecer que o elemento ôntico mais
importante do Estado é a ideia desse Estado e não a população e o território” e, ainda, o “fim
valioso a atingir” dado que “esses elementos ônticos mais não são senão precisamente aqueles
de que sempre se falou na teoria, uma população, um território, uma ideia, uma organização
jurídica e um fim valioso”.

 André Hariou acrescenta o elemento de uma ordem social, económica, política e jurídica
que o poder se compromete a realizar – organização estável de relações.

Independentemente do número dos elementos ou a sua importância para cada autor, o conceito
jurídico de Estado unanimemente defendido é próximo daquele proposto por Jellinek:
comunidade de associação composta de homens sedentários e dotada originariamente de um
poder de dominação, caracterizada como uma unidade essencialmente teleológica e como uma
associação coercitiva de dominação, no interior da qual se inscrevem as relações
interindividuais de dominação/subordinação.

VANTAGENS DESTE CONCEITO

 Adoção justificada pela natureza didática


 Evita discussões filosóficas sobre a natureza do Estado

 Atribui relevância ao povo, ao território e ao poder político

 Inócuo e neutro

POVO TERRITÓRIO PODER POLÍTICO


Questão da Questão das suas relações com o Estado, teorias discutem a unidade do Estado
nacionalida se são de natureza real – teoria da e/ou do poder, questão que é tratado
de patrimonialidade e do direito real sob o ponto de vista da personalidade
e da institucional – ou de natureza pessoal – do Estado e da sua organização jurídica
cidadania teoria do ius imperium ou esfera local de e, ainda, sob o da soberania
competência

CONSEQUÊNCIAS DA TESE DE JELLINEK

A redução do Estado a um conceito puramente jurídico tem como objetivo escamotear a sua verdadeira
natureza e leva a três consequências fundamentais que poem em causa as justificações teóricas
apresentadas para a aceitação do conceito Jellinekiano do Estado:

Primeira Consequência – Segunda Terceira Consequência


produto das teses filosóficas de Consequên
Hegel cia
Dela resulta a completa separação A conceção A conceção jurídica leva à aceitação
do Estado da sociedade civil, o que jurídica do generalizada do critério do monopólio da
permite apresentar o Estado como Estado coerça pelo Estado como um critério universal
uma necessidade exterior à conduz à e válido para todos os tempos e para todos os
sociedade civil ou como um poder identificação tipos de Estado que existiram ou existem
superior a esta. completa historicamente, critério que Max Weber
Desta consequência resulta a deste com o retomou com a sua teses segundo a qual o
ocultação da verdadeira natureza do poder Estado detém o monopólio da violência física
Estado, na exata medida em que político, legitima. Tal critério só é valido para o Estado
este é apresentado como o fator de impossibilita moderno, não sendo possível aplica-lo a tipos
realização de interesses, cujos ndo uma de Estado diferentes.
fundamentos filosófico-políticos não análise Para alem disso, o Estado é apresentado como
são discutidos ou claramente destes dois uma máquina de repressão – fenómeno
definidos. fenómenos e exclusivamente caracterizado pelo elemento
a distinção repressivo, o que apaga a outra dimensão
teórica entre ideológica e o papel que a ideologia exerce nas
eles. relações internas e internacionais.

As teorias jurídicas assentam na combinatória dos três elementos propostos por Jellinek e concebem o
Estado como uma superestrutura exterior à sociedade civil e colocada acima desta. Isto não consegue
explicar satisfatoriamente o fenómeno Estado, mesmo quando reconhecem a importância da análise
sociológica e a introduzem na abordagem deste fenómeno.

É certo que os elementos povo, território e poder político são importantes em qualquer análise do
fenómeno Estado, mas também é certo que tais elementos não podem ser reduzidos a puros conceitos
jurídicos desconexados com a realidade histórica. É esta conexão com a dialética da história que dá
vida e sentido a esses elementos, precisamente porque não permite uma combinação sempre igual ao
longo da evolução de cada sociedade e em cada tipo de Estado. É necessária uma análise diacrónica de
cada elemento e que se estabeleça uma relação direta de cada um deles e de todos com a realidade
concreta de cada momento.

CONCLUSÃO

O Estado não pode ser visto exclusivamente como fenómeno jurídico, mas sim como superestrutura
jurídico-política onde o poder se organiza em aparelhos repressivos e ideológicos através dos quais é
exercido com o objetivo de assegurar a coesão da unidade de uma dada formação social.
OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DO ESTADO
São a população (povo), o território e o poder político. Correspondem à tripla dimensão da validade da
ordem jurídica estatal, ou seja, a validade pessoal, espacial e temporal. Estes elementos não podem
ser estudados exclusivamente sob o ponto de vista jurídica. No campo do DI têm sido estudados sob o
ponto de vista da delimitação jurídico-internacional da competência estatal pessoal, territorial e
temporal, por se entender que para o DI o que interessa é analisar o Estado já constituído.

POPULAÇÃO
Conceito bastante controverso. A variedade de aceções em que se usa o termo povo dá origem a
perigosas confusões e erros (Heller). No âmbito do DI, a ideia de povo está ligada à de cidadania e de
nacionalidade (principais elementos jurídicos de conexão entre o povo e o Estado).

É o conjunto de indivíduos, súbditos ou nacionais, de um Estado sobre o qual este exerce os seus
poderes; são destinatários da ordem jurídica estadual. Podem estar ligados pelo vínculo da
nacionalidade ou pelo vinculo da submissão à ordem jurídica estadual (Kelsen). A ideia de povo
relaciona-se com o âmbito pessoal de aplicação do direito do Estado, porque o conjunto de indivíduos
que constitui o povo é o destinatário da ordem jurídica estadual. Assim, define o povo como o domínio
pessoal da vigência da ordem jurídica estadual – existe uma relação de pertença da população ao
Estado, que se traduz na submissão de todos os indivíduos que a constituem à ordem jurídica estadual.
Não existe outro critério que ligue o povo ao Estado que não seja o da referida submissão – a relação
entre o individuo e o Estado é uma questão jurídica.

Para os que entendem que a nacionalidade explica a relação entre o povo e o Estado, é necessário
distinguir o povo da população, uma vez que a segunda recobre uma realidade mais ampla, por se
referir a todas as pessoas, nacionais ou estrangeiras, que vivem no território de um Estado. Assim, a
população não constitui nem pode constituir um elemento definidor do Estado.

Qualquer que seja o conceito de povo, em todos eles há dois elementos fundamentais: o poder
político e o território estatal. Em todos os conceitos jurídicos de povo: os indivíduos que o integram
vivem ou residem no espaço físico tridimensional rigorosamente delimitado que é o território, no
interior do qual do Estado exerce (sobre o povo) os seus poderes soberanos.

Quoc Dihn, Patrick Daillier e Alain Pellet dizem que a noção de povo não é suficiente para recobrir todas
as realidades que devem ser tomadas em conta pelo direito e pela politica internacional, tornando-se
necessário privilegiar o fator sociológico e político que é simbolizado pela nação. De facto, é frequente
identificar e associar a ideia de povo com a de nação, da qual tem resultado um esforço de elaboração
doutrinal do conceito de nação do qual se procura extrair a ideia de povo. Mas como não existe
nenhum critério unanime aceite para definir essa realidade sociológica que é a nação, a doutrina tem
deparado com enormes dificuldades na elaboração deste conceito e entrado em desacordo quase total
sobre essa matéria.

CONCEÇÃO OBJETIVISTA

A nação deve ser definida como um conjunto de fatores objetivos, historicamente comprovados, como
a raça, língua, cultura.

A nação deve ser definida com base num conjunto de fatores materiais e objetivos tais como a raça, a
língua, a cultura, a história comum. A individualidade de uma nação não resulta de uma opção ou de
um ato coletivo de vontade dos indivíduos que a constituem, mas daquele conjunto de fatores
objetivos, historicamente determinados e comprovados, que se produzem independentemente da
vontade da coletividade humana que constitui a nação. Esta conceção, nas suas manifestações
extremas, conduziu à proclamação da raça e da língua como os principais fatores determinantes da
individualidade de cada nação e a tese segundo a qual seria legitimo integrar num único Estado todos
aqueles que fazem parte de uma mesma nação definida com base naqueles dois fatores objetivos.

Teoria sofre grandes críticas, dado que se fosse levada à prática acabaria por introduzir um elemento
destruidor da atual divisão do mundo em Estados, obrigando a refazer o mapa-mundi, o que seria fator
de destabilização das relações internacionais e só serviria os Estados com ambições expansionistas,
por justificar anexações territoriais.
A teoria tropeça com o conceito de raça e com a qualificação desta, que não tem sido possível clarificar
na Antropologia e noutros ramos do saber, tanto mais que a miscigenação verificada em todos os
povos pôs fim à ideia de raça pura ou à que procura identificar um povo com uma raça-

O DI não impõe a obrigatoriedade dos Estados serem constituídos por uma única nação, e assim não se
vê utilidade em integrar o povo numa única nação, ou em identificar nação com povo, pois a realidade
internacional mostra Estados plurinacionais.

CORRENTE SUBJETIVISTA

A nação é o produto da vontade dos indivíduos de viver em comum.

Vontade dos indivíduos de viver em comum que constitui o principal critério de definição de uma
nação. A nação é produto da vontade dos indivíduos, para que haja nação é necessário que os
indivíduos que a compõem manifestem a sua vontade de viver em comum. É necessário consultar a
vontade da população ou comprovar essa vontade, para formar a nação. Mas Ruibola Santana defende
que este consentimento não surge do nada; não é uma mera e arbitraria eleição, pelo que os
subjetivistas defendem que a nação é um princípio universal, uma alma, que resulta das complicações
profundas da história, das tradições e recordações do passado.

Crítica: pode levar a que pequena população manifeste a vontade de se constituir em nação,
reclamando a sua independência ou a sua integração num Estado diferente daquele a que pertence.

TEORIA ECLÉTICA

A nação é uma sociedade natural de homens que, pela unidade do território, da origem, dos costumes
e do idioma, se conformam numa comunidade de vida e de consciência nacional.

Para superar dificuldades das teorias anteriores. Na formulação do conceito de nação deve ter-se em
conta os fatores objetivos e subjetivos. A nação é uma sociedade natural de homens que, pela unidade
do território, da origem, dos costumes e do idioma, se conformam numa comunidade de vida e de
consciência nacional.

CONCLUSÃO

As ideias de nação e nacionalidade não são pacíficas. A partir da ideia de nacionalidade estabeleceu-se
o princípio segundo o qual todas as nações têm o direito de se constituírem em Estados e conduziu-se à
ideia de Estado Nacional. Modernamente, esta ideia consubstancia o principio segundo o qual os povos
têm o direito de disporem deles próprios, consagrado na CNU (nº2 do artigo 1.º e artigo 55.º), principio
que tem na sua base a teoria eclética.

É difícil elaborar o conceito de povo ou de nação. Apesar disso, não é possível conceber o Estado sem
uma população, quer se entenda por esta um conjunto de indivíduos juridicamente ligado ao Estado
por um vinculo de nacionalidade, quer se entenda que se trata de todos os habitantes – nacionais ou
estrangeiros – que se encontram submetidos à ordem jurídica estadual.

TERRITÓRIO
Espaço geográfico concreto no interior do qual a ordem jurídica estatal é exercida, bem como as
competências do Estado.

Andre Haurriou diz que os Estados são formações territoriais – não há Estado sem território. A doutrina
e a prática jurídico-internacional consagram o princípio segundo o qual a perda total do território
estatal tem como consequência o desaparecimento do Estado. O fenómeno Estado não é concebível
sem território.

O território exerce uma importante função político-jurídica e sociológica: primeiro, George Bourdeau diz
que ao determinar o quadro territorial, o poder inscreve a nação na realidade permitindo a síntese do
solo; segundo, o território é uma condição da independência do Estado; terceiro, o território é o espaço
geográfico concreto no interior do qual a ordem jurídica estatal é exercida. Kelsen: o território do
Estado apenas pode ser definido como o domínio espacial de vigência da ordem jurídica estadual.
MODOS DE AQUISIÇÃO DO TERRITÓRIO

Princípios com relevo na classificação dos modos de aquisição do território.

 Princípio da efetividade: a soberania territorial nasce do exercício efetivo dos


poderes/funções estatais;

 Princípio da relatividade da efetividade: as características do exercício das funções estatais


devem ser apreciadas de acordo com as circunstancias historias concretas;

 Princípio Uti possidetis: os Estados devem respeitar e manter a fronteira colonial herdada, no
momento da independência, pelo novo Estado.

Tipos de aquisição:

 Aquisição originaria: modo originário de aquisição; quando o território sobre o qual se


estabelece a soberania não se encontra submetido a nenhum outro Estado, sendo uma res
nullius;

 Aquisição derivada: quando o território se encontrava submetido a outro Estado; modos de


aquisição que resultam do exercício de competências sobre territórios que já se encontram
submetidos à soberania de outro Estado no momento em que se inicia aquele exercício de
competências;

 Cessão de administração ou de arrendamento: forma derivada de aquisição de território


que tem na sua base um acordo entre o Estado cedente e o cessionário, através do qual se
transfere a supremacia territorial, conservando a soberania do território cedido;

o Cessão de administração: transferência temporária dos poderes de um Estado sobre


um território para outro Estado, que passa a exercer sobre o território cedido a
supremacia territorial, mantendo-se a soberania territorial do Estado cedente;

o Cessão de arrendamento: transferência de supremacia territorial, mas mediante o


pagamento de uma renda. O Estado cedente, pela transferência feita por tempo
indeterminado, passa a receber do cessionário uma renda, mantendo a soberania
territorial.

 Protetorado: o protetor passa a exercer poderes sobre o protegido; relação entre dois Estados,
protetor e protegido, nos termos do qual o primeiro passa a exercer poderes sobre o segundo
em sede da politica externa ou até mesmo interna deste. Esta relação é estabelecida por
tratado, no qual são indicados os poderes do Estado protetor e as limitações à soberania do
Estado protegido.

 Condomínio: 2 ou + estados exercem as funções num dado Estado, mas nenhum tem a sua
soberania, apenas a “gestão”;

 Ocupação militar: presença de forças estrangeiras sobre um território;

 Servidão: limites impostos pelo DI à soberania territorial de um Estado a favor de outro, que no
território do primeiro pode exercer certos direitos territoriais. Pode ser positiva (quando um
Estado exerce sobre o território de outro certos direitos e este é obrigado a tolerar o exercício
desses direitos) ou negativa (o Estado titular da soberania territorial é obrigado a abster-se, total
ou parcialmente, do exercício da sua soberania territorial).

NATUREZA JURÍDICA DO TERRITÓRIO

Teoria do território sujeito

Sem o território, o Estado não consegue exprimir a sua vontade, é o elemento da sua
personalidade. Jellinek, Haurriou e Carré de Malberg defendem que sem o território o Estado não
pode exprimir a sua vontade.

Teoria do território objeto


O território é propriedade do Estado que sobre ele exerce um direito real (de propriedade). Laband
defende que a relação entre o Estado e o território é uma relação jurídica de direito real, idêntica
àquela que o proprietário estabelece com os seus bens imoveis.

Teoria do território limite

Para os defensores desta teoria, como Duguit, o território é o limite material dentro do qual o Estado
exerce a sua competência. Ligação direta entre o poder do Estado e o seu território.

Teoria do território competência:

Esta teoria, formulada por Radnitzky e por Kelsen, Verdross e Delbez, defende que o território é a esfera
local de competências, o espaço geográfico no interior do qual a ordem jurídica estatal vigora e é
aplicável. Teoria mais acolhida.

COMPOSIÇÃO DO TERRITÓRIO ESTATAL

O território estatal é composto pelo:

TERRITÓRIO TERRITÓRIO TERRITÓRIO MARÍTIMO TERRITÓRIO AÉREO


TERRESTRE FLUVIAL E
LACUSTRE
Solo e subsolo, Rios e lagos Mar territorial, mares Atmosfera superior aos
que pode ser nacionais e interiores, estreitos, canais, domínios terrestre, fluvial,
contínuo ou internacionais golfos e baias marítimas e a lacustre e marítimo
descontínuo ZEE pertencentes ao território do
Estado

PROCESSO DE FIXAÇÃO DAS FRONTEIRAS: A DELIMITAÇÃO E A MARCAÇÃO

A definição de limites do território estatal importa para saber qual o espaço geográfico no interior do
qual o Estado pode exercer as competências e poderes. A fronteira é a linha ideal que separa o
território de dois Estados ou de um Estado do da terra nullius.

Para Silva Cunha, a linha ideal não é a fronteira, mas sim o limite. Contudo, a doutrina adota ambas as
designações para o mesmo efeito.

Para se determinar os limites do território de um Estado torna-se necessário proceder a duas operações
que constituem o processo de fixação ou determinação dos limites.

DELIMITAÇÃO DEMARCAÇÃO
Objetivo de fixar o âmbito espacial dos poderes e Processo puramente técnico, através
competências dos Estados, mediante acordo entre estes. do qual as partes executam o acordo
Fixa os limites dos territórios destes Estados. Fixam os estabelecido. Fixam materialmente,
limites e o traçado, bem como os critérios naturais no terreno, os limites previamente
(mediante acidentes geográficos do solo – rios e estabelecidos por acordo de
montanhas), artificiais ou imaginários (linhas astronómicas delimitação, não podendo ser feita
ou geométricas) que devem ser adotados para a definição qualquer alteração.
das linhas fronteiriças. Concluída esta fase, inicia-se a
demarcação.

PODER POLÍTICO
CONCEITO

Não existe unanimidade nas opiniões relativas ao conceito de poder político: uns autores identificam o
poder com o Estado (Bonaudi), outros entendem que o poder político é algo exterior ao Estado, mas
que nele se institucionaliza (Bourdeau) e ainda há quem entenda que o situem fora do Estado por
entenderem que é um fenómeno relacional, e materializam-no nas instituições estatais (Weber,
Lowenstein, Poulantzas).

Entendemos segundo esta última conceção: o poder político é um fenómeno relacional entre
grupos antagónicos/contraditórios (dirigentes e dirigidos), que realizam os seus interesses
numa relação simultânea de hegemonia e de domínio.

HÁ QUE DISTINGUIR PODER POLÍTICO DE ESTADO

O poder politico tem tendência a materializar-se nas instituições estaduais, pois nelas existe maior
capacidade para realizar os seus interesses. Isso leva à identificação entre poder e Estado. Contudo,
são realidades distintas e a sua identificação reduz a conceção de poder político, porque nem todo este
se encontra incorporado no Estado.

PODER POLÍTICO COMO ELEMENTO CONSTITUTIVO DO ESTADO: SEU SENTIDO

No DI, o poder político é um elemento do Estado, que só tem relevância jurídico-internacional enquanto
organização institucional, que efetivamente exerce domínio sobre população e território e defende
os interesses do Estado no exterior. O poder só interessa ao DI quando materializado em instituições.

Na ótica do DI, o poder politico é:

 O conjunto de órgãos, instituições e autoridades que exprimem a soberania do Estado e


garantem o cumprimento das obrigações internacionais. Por isso, o DI exige a efetividade do
poder político, ou seja, a capacidade real de este exercer todas as funções estatais, a de
manter a ordem e segurança internas e a de fazer respeitar os compromissos internacionais;
 Fenómeno organizacional e de domínio efetivo

ESTATUTO INTERNACIONAL DO ESTADO


O Estado como sujeito de DI goza de Estatuto Internacional que tem como pedras angulares dois
princípios fundamentais, o da soberania e o da igualdade. Estão consagrados no artigo 2.º da CNU.
São os garantes das relações pacíficas entre os Estados.

PRINCÍPIO DA SOBERANIA
A soberania é a fonte sociológico-política de onde brotam as competências do Estado. No âmbito do DI,
a soberania reconduz à ideia de independência do Estado na ordem jurídica internacional, que lhe
confere direitos e lhe atribui obrigações. Kelsen defende uma relação de subordinação, onde o Estado
se submete à ordem jurídica internacional.

A independência caracteriza-se, na opinião de Charles Rousseau, pela:

 Exclusividade de competências: o Estado monopoliza, no interior do território, o exercício dos


poderes (legislativo, administrativo, jurisdicional e coercivo); dentro do seu território só o Estado
exerce competências; Kelsen diz que esta exclusividade só é absoluta no âmbito do poder coercivo,
uma vez que nada impede a ordem jurídica internacional de exercer no interior do território estatal
competências;
 Autonomia de competências: o Estado, no interior do seu território, pode e deve agir com
independência, sem estar dependente de ordens ou instruções de outros Estados ou outros entes
jurídico-internacionais. O Estado pode e deve decidir com plena liberdade sobre a sua organização
político-constitucional, sem ser obrigado a respeitar comandos, direitos ou indiretos, de outros
Estados.
 Plenitude de competências: no interior do seu território, a competência do Estado é ilimitada, no
sentido que este pode livremente determinar a extensão da sua competência material. A
competência estatal é plena e tem como única limitação as obrigações por ele assumidas
internacionalmente. A sua competência é ilimitada dentro do seu território;

O princípio da soberania consagra a liberdade de ação do Estado, entendida como ausência de


subordinação a outros Estados ou outros sujeitos e como autonomia de organização das suas
estruturas jurídico-constitucionais e de ação no interior do seu território, e estabelece a presunção da
regularidade de todos os atos praticados pelo Estado no interior do seu território.
PRINCÍPIO DA IGUALDADE
Com origem no pensamento jusnaturalista, os Estados são juridicamente iguais, ou seja, todos têm os
mesmos direitos e obrigações. Este princípio assinala a inexistência de autoridade superior aos Estados
na cena internacional. Negação pelo DI de concessão de tratamento diferenciado aos Estados.

Kelsen advoga que nem todos os Estados têm os mesmos direitos e obrigações. No entanto, qualquer
que seja o sentido atribuído, este princípio implica a reciprocidade de direitos e obrigações, a
reciprocidade de vantagens, a não discriminação e a igualdade perante a lei.

DIREITOS FUNDAMENTAIS DOS ESTADOS


Da igualdade soberana decorrem direitos e deveres. A ordem jurídica internacional reconhece
direitos fundamentais, que decorrem da personalidade jurídica do Estado. A doutrina entende que
existem os seguintes:

 Direito à autoconservação;
 Direito à igualdade;
 Direito aos signos e símbolos nacionais;
 Direito ao comércio.

Porém, como alguns direitos acima mencionados não têm como correlativos deveres fundamentais,
autores como Verdross entendem que só são fundamentais aqueles direitos que têm frente a eles
deveres fundamentais, uma vez que só os direitos a que correspondem deveres é que são direitos
plenos. Verdross apenas considera os seguintes: direito à independência; direito à supremacia
territorial e o direito à honra.

DIREITO À INDEPENDÊNCIA

Direito que os Estados têm de, no interior do seu território, e com respeito pelo DI, decidir com plena
autonomia a sua política interna e externa e de ver respeitadas as suas decisões. A este direito
corresponde o dever de não ingerência nos assuntos internos, que é o respeito reciproco pela
independência política e organização jurídico-constitucional interna de cada Estado. Proíbe-se a
intervenção nos assuntos internos dos outros.

DIREITO À SUPREMACIA TERRITORIAL

Faculdade que o Estado tem de decidir autorizar ou não, no interior do território, a prática por outros
Estados, de atos de caráter oficial. Assim, só um Estado detentor da supremacia territorial pode exercer
no espaço geográfico poderes e autorizar a prática de atos por outros Estados. A este direito
corresponde o dever de não ingerência na supremacia territorial dos Estados, que consiste no
dever imposto a cada Estado de não praticar atos que denunciem o exercício de poderes públicos no
território do outro, sem o consentimento deste.

DIREITO À HONRA

Direito que cada Estado tem de fazer respeitar a sua honra, isto é, o seu bom nome, a sua dignidade e
a consideração de que goza na sociedade internacional. Nenhum Estado tem de tolerar as ofensas à
sua honra. A este direito corresponde o dever de os Estados se absterem de praticar atos que atentem
contra a honra de outros e de garantirem o respeito pela honra dos outros Estados.

DEVERES DE COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

Do princípio da igualdade soberana dos Estados decorre o dever de cooperação internacional para a
manutenção da paz e da segurança internacional e o do respeito pelo DI.

ORGANIZAÇÕES INTERNACIONAIS
Permanentes e autónomas, porque tal como os Estados podem assumir os comportamentos que
quiserem.

Podem ser de fins e objetivos gerais e especiais.


O âmbito territorial corresponde à jurisdição dos Estados.

A personalidade jurídica depende do conhecimento constitutivo por parte do Estado.

Os membros podem ser originários ou admitidos.

Características: são dotadas de mecanismos de controlo da legalidade e validade dos atos (direito
derivado – deriva de um Tratado).

Tipos de Direito derivado:

1º regulamentos (União Europeia; qualquer pessoa coletiva)

2º decisões (UE)

3º recomendações (ONU)

4º pareceres (TIJ)

5º diretivas (UE)

Os membros podem ser expulsos e suspensos.

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