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A heresia gnóstica
Nos primeiros séculos, a fé católica sofreu um duro golpe e quase foi
aniquilada pela heresia gnóstica. Deus levantou grandes santos para
combatê-la, todavia, seus resquícios são observados até os dias de hoje.
Mais do que você imagina. Quer saber se o seu pensamento é gnóstico?
Apesar da grande perseguição sofrida pelos cristãos durante o Império Romano, conforme visto
na aula passada, a Igreja continuou crescendo. Esse fenômeno foi muito bem explicado por
Tertuliano, escritor cristão do terceiro século, que viveu no norte da África: “o sangue dos
mártires é semente de novos cristãos”. Mas, a maior ameaça enfrentada pelo cristianismo
recém-nascido foi a dificuldade cultural, espiritual e religiosa do gnosticismo.
Em sua obra “A Igreja dos Apóstolos e dos Mártires”, Daniel-Rops descreveu o gnosticismo,
também chamado de heresia do conhecimento, da seguinte forma:
Assim, para os gnósticos, principalmente para aqueles que seguiam a vertente de Valentino, era
impossível que o Deus Perfeito tivesse criado esse mundo tão imperfeito e cheio de miséria.
Criaram então um sistema de degradação que justificaria o mal no homem e no mundo. Para
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eles, Deus criou pares de éons (sizígias, pares ativos-passivos, masculinos-femininos, machos-
fêmeas), os quais originaram quatro casais(octôades), degradaram-se e deram origem a outros
cinco casais (décades), novamente degradaram-se e originaram mais seis casais (duodécades).
Quanto mais degradados tanto mais distantes da divindade (éon). Na última degradação, havia
um éon passivo (feminino) chamado Sofia que, tomada pela soberba, quis dar origem a algo
sozinha. Ela criou a matéria e um outro éon muitíssimo imperfeito, chamado Demiurgo.
Daniel-Rops explica de maneira resumida:
“No meio da série, um éon cometeu uma falta: tentou ultrapassar os limites
ontológicos e igualar-se a Deus. Expulso do mundo espiritual, foi obrigado a viver a
sua descendência no universo intermediário, e foi na sua revolta que ele criou o
mundo material, obra má e marcada pelo pecado. A este éon prevaricador alguns
gnósticos chamam Demiurgo, e outros o identificam com o Deus criador da Bíblia.”
(p.285)
O Demiurgo, então, “brincando” com a matéria, criou o mundo material. Como ele estava
isolado dos demais éones acabou por crer-se o único e, ainda segundo Valentino, passou a
revelar-se aos homens, originando o Antigo Testamento. Daniel-Rops continua:
“Que acontece ao homem nestas perspectivas? Em si, ele não é integralmente mau,
visto que, como suprema emanação do éon, contém uma centelha divina, um
elemento espiritual cativo na matéria e que aspira a ser libertado. A falta é existir; o
mal é a vida. Aqueles que se contentam com existir, os ‘hílicos’ ou ‘materiais’, estão
rigorosamente perdidos; aqueles que empreendem pela gnose o caminho da salvação,
os ‘psíquicos’, podem avançar rumo à paz divina; aqueles que renunciaram a toda a
vida, os ‘espirituais’, iniciados superiores e almas muito elevadas, são os que se
salvam.” (p.285)
Para os gnósticos, Jesus não era o Filho de Deus, mas um éon que, através do conhecimento,
guiaria as pessoas presas à matéria ao verdadeiro Deus. Um psicopompo. O autor de “A Igreja
dos Apóstolos e dos Mártires”, sintetiza:
“Mesmo através de um resumo tão breve, vemos até que ponto tais especulações se
opunham ao cristianismo. A personagem histórica de Jesus desaparecia e Cristo não
era mais do que um membro da hierarquia divina de éones, e a sua carne humana
uma espécie de invólucro ilusório da centelha divina. O ideal cristão da redenção do
homem inteiro, alma e corpo, pelo sofrimento e morte de Cristo encarnado, e o da
realização do reino de Deus, eram substituídos por uma espécie de apelo ao nirvana,
pela libertação da alma arrancada às abjeções do mundo material. A moral cristã cedia
o lugar a uma outra moral que, umas vezes brutalmente hostil ao corpo, conduzia a
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Aceitar a gnose significa fazer parte de uma elite, de um grupo de ‘escolhidos’ (os pneumáticos).
A missão destes era levar o conhecimento (a gnose) ao segundo grupo, os ‘psíquicos’. Para o
terceiro grupo de pessoas, os hílicos não havia salvação, posto que não possuíam alma,
nasceram para serem destruídos.
O gnosticismo se proliferou de maneira espantosa entre o cristianismo, como bem disse Daniel-
Rops, “como um câncer espiritual”. Era necessário que a Igreja reagisse e assim se deu. “Cada
comunidade se agrupou em torno de seu bispo, que era o legítimo depositário da tradição
ortodoxa, e as instituições cristãs se tornaram mais precisas e rigorosas, para que o ácido da
heresia não as corroesse.” (p. 289) Em especial, surge a figura de Santo Irineu de Lyon, nascido
na atual Turquia, provavelmente próximo à Esmirna, que teve Policarpo como bispo. Policarpo
havia conhecido o apóstolo João que, por sua vez, havia sido o discípulo amado de Jesus. A fim
de combater a heresia gnóstica, Santo Irineu usa como argumento a sucessão apostólica.
Santo Irineu viveu depois de Santo Inácio e teve de enfrentar a heresia gnóstica que estava
seduzindo o seu rebanho. Para tanto, ele escreveu a sua maior obra intitulada “Exposição e
refutação da falsa gnose”, mais conhecida como “Adversus haereses” (Contra os Hereges), em
cinco volumes:
“(...) nos dois primeiros volumes, Santo Irineu analisa com precisão todas as heresias
de seu tempo; diz ele: “Expor os sistemas é vencê-los, assim como arrancar uma fera
das selvas e trazê-la para a luz do dia é torná-la inofensiva. Por outro lado, nos
últimos três volumes, apresenta a doutrina ortodoxa de tal forma que os erros
heréticos não mais serão possíveis. Assim surge um pensamento filosófico e teológico
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não tão novo quanto sólido, e que no futuro servirá de base para todo o pensamento
cristão. (...)
Materialmente, não é uma sequência qualquer de pretensos iniciados cujo
pensamento não se pode determinar; é a tradição da Igreja, que todos podem
conhecer, a dos bispos, cuja lista se pode estabelecer, a de Roma, que desempenha
aqui um papel eminente. Espiritualmente, não é um dado fossilizado, que maltrata a
inteligência; é um princípio de vida ‘que o Espírito rejuvenesce sem cessar’, que
orienta a razão e lhe determina o fim.” (p. 292)
Um outro fator explorado por Santo Irineu de Lyon no combate às heresias, especialmente ao
gnosticismo, foi a chamada Regula Fidei, ou seja, a Regra de Fé, a reafirmação da fé primeira de
que Deus é um só e é Ele o criador do céu e da terra. Não há outro Deus e se o mundo está mal,
não é por causa da matéria - que é boa -, mas por causa do diabo, seus demônios e dos
próprios homens. Para a Igreja Católica o pecado não tem origem na matéria.
Deste modo, com os três pilares descritos: os bispos (sucessão apostólica), a regula fidei e a
Sagrada Escritura, a Igreja foi respondendo aos poucos a grave dificuldade em que se constituiu
a heresia gnóstica
Bibliogra a
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