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ENTREVISTADA:

Alice Sophia, 32 anos.


Psicóloga Clínica.

Pode me chamar de Sophia, atuo profissionalmente como psicóloga


clínica, meus hobbies são a dança do ventre e as artes plásticas, mas, dançar é
infinitamente mais prazeroso.
Conheci a ayahuasca através de uma amiga, que frequentava uma
religião chamada União do Vegetal. Para adentrar no contexto e compreender
melhor minha experiência, é importante antes, falar um pouco sobre minha busca
pelo autoconhecimento.
Desde minha tenra infância tenho tido experiências que são desenhadas
como exóticas e incomuns, refiro-me a clarividência em certos aspectos e uma
busca inconsciente por compreensão dos fenômenos não explicados da
natureza. Sou filha de pais católicos com inclinação ao kardecismo, o que de um
lado trouxe certa repressão diante de questionamentos teológicos desafiadores
num âmbito familiar e certa curiosidade estimulada pela literatura espírita
guardada de forma sedutora em certas prateleiras das estantes cheias de livros
numa sala de minha casa, início de uma orgulhosa biblioteca que mantenho até
hoje.
Aos 13 anos tive minha primeira projeção lúcida. Em outras palavras,
pude ver-me fora do meu corpo e contemplar tal experiência em meu quarto.
Não foi sonho e nem delírio, foi uma experiência espontânea, que hoje consigo
provocar com relativa facilidade. A partir dessa experiência, sonhos e
acontecimentos foram ocorrendo obedecendo certo sentido e sincronicidade.
Comprei livros, revirei a internet e busquei pessoas que pudessem explicar o que
se passava comigo. Era o estágio de neófita. Sinais e pessoas, encontros e
reuniões. Aos 20 anos, com uma base ainda frágil de conhecimentos dessa
natureza, fui iniciada na Antiga e Mística Ordem Rosacruz, escola que responde
a todas as perguntas que um ser humano pode trazer em si. Estimulada ao
autoconhecimento, como iniciada da AMORC, fui mais profundamente em meus
estudos, ampliando saberes e adquirindo novas práticas. Passei a fazer parte
também do grupo dos estudantes da Sociedade Teosófica e o vasto jardim
cultivado pelas flores de Madame Blavatsky me conduziram a Haja Yoga, a teoria
do ocultismo verdadeiro que pude constatar, estavam plenamente alinhadas as
práticas rosacruzes e sua bela alquimia secreta. Paralelo a essas escolas que
pertenço, estudei com muito afinco o reiki, a cura prãnica, a magia sexual pela
escola tântrica, o tarot e seus símbolos, a astrologia e toda a ciência velada por
cada configuração astronômica e também a importância das ervas. Conhecendo
a Conscienciologia compreendi ainda mais aspectos do reiki e a manipulação de
energia na prática, onde estudei transversalmente o mesmerismo e o
magnetismo animal, a hipnose, e percebi que tudo estava perfeitamente
explicado nos ensinamentos do Hermetismo, sintetizados pelos princípios
contidos no Caibalion e nas obras da Doutrina Secreta, com muita similaridade
dentro dos ensinamentos do budismo tibetano. Aqui estou com os meus 32 anos
e com muito a explorar e aprofundar.
Antes que me pergunte pela ayahuasca, digo que soube a respeito
durante uma viagem a Recife com mais duas amigas para um encontro da
Tradicional Ordem Martinista e posteriormente, uma iniciação em uma Ordem
Hermética, também em Recife. Os eventos caíram no mesmo período e
estávamos as três nesse percurso esotérico. Fomos no carro de Ana e enquanto
essa dirigia, Olga, nossa companheira, falava de uma viajem que programara
para o México, na busca em conhecer o mescalito, peyote, após ter lido “A Erva
do Diabo”, de Carlos Castañeda.
O relato de Olga despertou minha curiosidade e não pude deixar de
relatar o depoimento dela para outra amiga, semanas depois já em Maceió.
Charlene e eu fomos iniciadas juntas na Ordem Rosacruz, mas o
destino, ou melhor, seu coração, como disse Dom Juan em “A Erva do Diabo”,
escolheu outro caminho: “Se o caminho que você busca tem coração, então esse
é seu caminho”. O caminho da União do Vegetal. Charlene não se identificou
com a ritualística templária das escolas de mistério, não conseguia se
concentrar, estava em um momento difícil de sua vida. As noites e o álcool
estavam acabando com ela. Era uma perfeita praticante de ioga, mas as asanas
(posturas de ioga) mais fáceis estavam difícil de executar. Como metáfora de
sua vida: Perdeu o emprego de professora em todos os colégios que lecionava,
seu noivo a deixou e prestes a fazer uma cirrose hepática, uma prima sua a
conduziu e a apresentou na UDV. O resultado é que o vegetal, a ayahuasca,
conseguiu curar Charlene do vício e degradação. Filha de uma família tradicional
de Alagoas, chegou a ser símbolo de escândalos na época e motivo de vergonha
na família. Enfim, recuperada!
De acordo com Charlene, ela nunca aceitou as imposições machistas e
dogmáticas da UDV, sua experiência com o vegetal, sua base na ioga, foi quem
a tirou da dependência química. O contato direto com a Rainha da Floresta a
conscientizou. Seu relato me impressionava e como descrevia suas
retrocognições, regressões a vidas passadas, visões, me encantava. Era como
conversar com “Castañeda” sobre as vivências xamânicas. Eu havia estudado
um pouco de xamanismo, participei de alguns rituais, mas nunca imaginava algo
do tipo. Para adiantar o andar da carruagem, fui convidada e semanas depois eu
estava em Guaxuma, na UDV, segurando um copo americano com a mão direita,
aguardando o momento de receber o vegetal e retornar ao meu lugar ao lado da
Charlene.
A sede de conhecimento havia me levado até ali. A vontade de
conhecimento e inconscientemente a busca para integralidade do ser, me
colocou diante de um liquido de cor acastanhado e cheiro azedo, ainda capaz de
me causar repugnância, só pela lembrança do aroma.
Uma breve oração cristã e todos viramos o copo na boca, gole seguido
de gole, sem interrupção, até esvaziar o copo, diante de um gosto amargo e
horrível, uma verdadeira iniciação, aguardando para conhecer “O Mágico de Oz”,
como brincou Charlene. Sendo Alice, eu estava correndo atrás do coelho branco,
até adentrar em sua toca e desvendar o “País das Maravilhas”.
Estava frio e já passava-se quase quarenta minutos ali sentada na
cadeira preguiçosa contemplando o silêncio e uma hipótese de enjoo.
O corpo estava ficando pesado, meus olhos... no entanto minha mente
estava lúcida e presente. Senti a presença dos elementais da mata do entorno a
minha volta. De olhos fechados os vi claramente, vi a mata brilhante, mesmo
estando numa grande sala aberta, minha mente estava livre e consciente. Um
xamã diante de meu espirito entoou um mantra sagrado “Minguarana”...
Mandalas de luz infinita explodiu ao meu redor... som, cores e formas
eram um só bloco... Outra dimensão... Gratidão por ter chegado ali com uma boa
base de conhecimentos sobre as leis ocultas da natureza.
Em uma fração de segundos todos os meus conhecimentos foram
percebidos por mim de forma coesa. Coisas que eu não entendia tornaram-se
compreensíveis, tudo desvelado, tudo elucidado, não existe separatividade...
Eu havia sido aceita pela Rainha da Floresta, dentre outros aspectos de
fórum íntimo, eu estava diante da experiência mais intensa de minha vida.
Não fui buscar cura, apenas uma vivência e vivi mais do que esperava.
Dentre a UDV e outros círculos ayahuasqueiros, passei por incontáveis
comunhão com o Vegetal. Sou grata a UDV pelo acolhimento, embora nunca
tenha me associado, por entender que o livre pensamento e a religião são
antagônicos.
A prática com a ayahuasca elevou meu conhecimento a respeito de tudo,
não consigo entender essa magia libertadora dentro de um aspecto restritivo
como a religião, embora entenda essa necessidade porque é uma experiência
aberta para qualquer pessoa, e a imensa maioria das pessoas ainda precisam
da religião como elemento ameaçador para promover uma conduta humana e
pacifica.
O autoconhecimento foi minha grande motivação na senda da
Ayahuasca e ela mesma me ensinou que eu posso ser plena em minha busca,
até mesmo sem ela. E sempre bem-vinda, quando desejar voltar.

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