O chamado da Ayuhasca chegou muito sereno em minha vida, alguns
anos atrás quando comecei meu processo de autoconhecimento. Mas ainda não era o tempo, porque é preciso se preparar para se “tomar um gole de si mesmo” como diz o amado Xamã Jota, grande mentor do Instituto Leão do Norte, do qual eu tive a honra de testemunhar tanta beleza e respeito pela espiritualidade. Após anos de cursos, terapias e limpezas, chegou a grande oportunidade de consagrar essa medicina. A palavra “consagrar” faz muito sentido, porque de fato, é realmente um elixir sagrado a Ayuhasca. Uma sabedoria recebida pelos ancestrais índios, que tiveram o merecimento de serem os guardiões deste portal multidimensional para o segredo do infinito amor de Deus. Confesso que a vontade de desistir foi muito grande, um medo profundo queria tomar conta, dores de cabeça durante semanas antes de consagrar me atormentaram, choros velados brotavam do meu rosto durante o caminho rumo ao Instituto. Minha alma já sabia que um grande encontro estava prestes a acontecer. Quando cheguei no local, uma chácara muito distante, em meio as arvores, logo percebi que tudo ali era preparado com muito amor para receber aqueles que estavam sedentos por si mesmos. Um lugar sem fronteiras para o acreditar, pois todas as crenças ali são bem-vindas. Ao ver aquele templo, que tinha a representação de todas as divindades, eu aprendi que a espiritualidade é tão plural quanto todos nós somos, afinal, não existem condições para o amor de Deus. Quando me acomodei, e senti a energia daquele lugar, a voz do coração começou a abafar a voz do medo, eu ouvia “aqui você está segura” e comecei a confiar na minha intuição. Após um momento de silêncio, nos reunimos em oração para receber a medicina sagrada e meu coração batia tão acelerado, que parecia que todos iriam ouvir, mas me mantive respirando fundo e me permitindo confiar na voz da alma. Quando senti o gosto do chá em minha boca, me surpreendi com o sabor, pois era leve, era um convite para mergulhar em mim e assim pensei: “agora a jornada começa, não tem como voltar.” Os minutos foram passando, e aparentemente nada acontecia, olhava para os lados para ver como os outros estavam, fechava os olhos, tentava deitar na cadeira, sentava de novo, e nada. Uma mulher cujo nome é uma pedra preciosa porque faz jus a beleza da sua essência, Rubi, me olhava com ternura e me acalmava dizendo para me concentrar no meu processo. Essa mulher cuidou de mim mesmo quando não estava do meu lado, e eu já começava a agradecer pela sua vida. Passados uns trinta minutos, a ansiedade começou a me incomodar, uma inquietação muito grande surgiu, não tinha mais posição pra sentar na cadeira, eu queria levantar e andar, mas não sabia se podia fazer isso. O querido Xamã veio até mim com seu olhar de amor e força, me ancorando a confiança pra poder caminhar naquela jornada e disse: “deixa a medicina agir, solta o controle.” Então eu me levantei e comecei a caminhar em círculos no templo, junto com uma doce menina que pegou em minha mão e caminhou comigo. Eu nem sei quantas vezes eu andei em círculos, andei e andei, e os pensamentos viam como uma enxurrada, comecei a chorar, sentia minhas pernas querendo ceder, até que me sentei do outro lado da sala, ao lado do altar, abracei meu travesseiro e chorei copiosamente, eram involuntárias as lágrimas, e os pensamentos de não merecimento, de desvalor e de pena de mim saiam junto com essas lágrimas. A doce menina se sentou nos meus pés e segurou minhas mãos com toda sua delicadeza, e eu comecei a sentir ela como se fosse um filhote de onça e ao mesmo tempo ela era as raízes de uma velha e sábia árvore, senti minhas pernas como raízes também e me ancorei no centro da terra. Passado esse choro, me levantei de novo e caminhei mais um pouco, agora com uma moça que tinha uma tatuagem do olho egípcio de hórus em seu peito, eu confesso que sonhei com esse símbolo uma semana antes de consagrar, o que fez todo sentido naquele momento e revelou como os sinais conversam conosco o tempo todo, só precisamos estar atentos para perceber. Depois de um tempo, me sentei de novo, e comecei a sentir um sono, depois meu estômago começou a se revirar, parecia que uma onda do mar passava por todo o meu corpo e senti de vomitar, não saiu quase nada, mas foi como se algo tivesse saído, porque o alívio foi imediato. Enfim, comecei a me concentrar na música, que tocava o tempo todo. Cada música que surgia, era como se fosse uma bússola para me guiar naquela jornada, e finalmente senti que estava permitindo a medicina agir. Eu fechava os olhos e via muitas cores, cores tão lindas que não tem como descrever. Eu abria os olhos e via que estava ali na sala ainda. Eu fechava os olhos e as cores dançavam na minha frente, parecia que me convidavam para dançar com elas. No meio dessa beleza, vi o mar e Iemanjá a me convidar para brincar com ela no mar, ela me dizia “até que enfim você chegou, agora se divirta”, e golfinhos apareceram, me saudavam e diziam que estavam com saudades. Senti muito amor e paz ao brincar com eles na beleza do mar. Novamente, as cores dançavam na minha frente e eu abri os olhos e via o Xamã dançando também, achei aquilo de uma poesia linda. E assim, de repente uma forte vontade de rir tomou conta de mim, comecei a gargalhar, me escondia no travesseiro e ria muito, porque parecia que eu via o Circo do Solei na minha mente, com toda a música, cores, beleza e movimento. Nessa hora, ainda restava um pouco de ego, e eu ficava com vergonha de estar rindo tanto, tive medo de acharem que estava zombando daquela beleza, mas o riso era involuntário, e me permiti rir. Após ver tantas cores lindas e gargalhar com minha alma, de repente a música adotou um tom solene, eu ouvia o Xamã e seu filho entoar cânticos indígenas e parecia que me convidavam a saudar a beleza junto com eles, e foi assim, que eu senti uma energia indescritível tomar conta do meu corpo, senti que eu me transformava em um ser felino, em um lobo da noite, e involuntariamente um uivo magnifico saiu pela minha garganta, eu senti que levantava os braços e reverenciava toda aquela beleza. Eu não era mais eu, o ego finalmente tinha cedido. A partir dai, minha voz era a voz do lobo, meu corpo era o lobo, eu sentia meu rosto como um lobo, e uivei, uivei e uivei em reverência a Deus, em reverência a natureza, em reverência a cada pessoa que estava ali, era a celebração de uma grande festa divina, era a celebração do Criador e do seu amor por todas as suas criaturas. Eu senti tanto amor, tanto amor, como nunca senti em toda minha existência, eu reverenciava o sagrado em tudo porque eu sentia que tudo era sagrado. Um respeito profundo por todos que estavam ali, um amor imensurável e eu pensava: “não quero que isso acabe, quero sentir isso pra sempre.” Outra voz muito suave falava: “não se apegue as experiências, se permita fluir nelas, outras virão.” E assim, foi uma sequência de uivos, eu não conseguia pensar de forma humana, eu só conseguia uivar a poesia do lobo que estava em mim. Me lembro de pessoas que chegavam até mim e eu tentava falar português, mas só uivava e elas entendiam o que eu falava, acenavam com amor e gratidão e eu sentia um amor genuíno por cada uma delas. Me lembro do Xamã chegando até mim, com seu olhar de força, respeito, amor e eu queria agradecê-lo, mas uivava em vez de falar e ele entedia o que eu falava. Algumas mulheres dançavam em roda, o Xamã e seu filho João entoavam cânticos de amor, a música tinha sabor de avelã e a cor rosa, tudo tinha cor, sabor, cheiro, era uma sinestesia de beleza e amor. Eu só conseguia pensar em agradecer e toda vez que agradecia a Deus em minha mente, saia um uivo profundo da minha garganta e eu só conseguia sentir amor, um amor que não tem como explicar em palavras. O tempo não existia, era realmente uma outra dimensão, eu olhava para o meu corpo e ele parecia pedra, e eu sentia que saia do corpo quando fechava os olhos e dançava com aquelas mulheres em reverência a Deus. Nesse momento eu era nada e era tudo ao mesmo tempo. Eu era uma só com a música, uma só com o lobo, uma só com o Xama, uma só com cada uma daquelas pessoas, eu era amor com Deus. Eu senti o que significava “Eu sou o que SOU”. Eu olhava para as pessoas ao meu lado e uivava agradecendo, sentia o carinho da joia Rubi em minhas mãos, sentia o carinho de outras mulheres que volta e meia me cumprimentavam e me senti profundamente amada por cada uma delas. Uma moça muito bonita veio até mim e me abraçou fortemente, dizia que meu uivo chamava por ela e me agradecia emocionada, eu queria dizer que a honra era minha e que eu me sentia lisonjeada com seu relato, mas só conseguia uivar ao invés de falar. Depois ela me contou o quanto fez sentido para ela aquele uivo, e eu agradeci profundamente o espírito sagrado do lobo, por ter usado a minha voz para entoar seu amor. Eu era curada e curava, eu era a sagrada medicina, e eu reverenciava com uivos profundos o quanto a Ayuhasca era divina por ser esse portal de encontro ao Criador. Me lembro que agradecia a querida Luma, que foi a ponte para eu me conectar com essa sagrada medicina e uivava seu nome na língua dos lobos. E foi assim, uma grande consagração de amor, de paz e de beleza a minha experiência com essa medicina santa. Minha conexão com Deus agora já não tem mais barreiras, porque eu sei que ele está em tudo e em todos e profundamente dentro de mim. Eu reverencio o espírito do Lobo, que me honrou com sua força, com sua poesia e com sua beleza, ele me mostrou a essência da natureza e a essência de Deus através do seu uivar, e eu jamais esquecerei dessa experiência. Eu quero deixar meu mais profundo agradecimento ao Xamã Jota, por ser o grande Pai, o Guardião desse portal, aquele que fala de amor só com o olhar. Sua missão é nobre, seu respeito e beleza transbordam e transformam a vida daqueles que tem a honra de estar na sua presença. Eu te saúdo grande Xamã, eu saúdo o Instituto Leão do Norte e saúdo todos que fazem parte desta sagrada missão.
É uma honra. É uma dádiva. E assim eu finalizo esta carta com a
reverência do espírito sagrado do Lobo para todos que lerem essas palavras: Auuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuuu.
Com todo o amor que as palavras não conseguem traduzir.