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SHIVASHAKTI Um sonho Sonhado ou Um Conto Contado
Sempre tive um pouco de dificuldade para compreender a
diferença entre Shiva e Shakti e, se ela existe realmente.
Essa dificuldade foi crescendo à medida que eu ia
percebendo que todos nós somos “Um” (Shiva).
Acredito que a esta altura vocês já tenham
percebido a minha incompreensão, ou melhor, o meu
dilema: Se somos “Um” como podemos ser diferentes?
Essa era a questão, que acredito, para alguns de vocês
leitores, relevante.
Sou devoto da mãe Divina (Durga) e, como tal, canto
constantemente o seu mantra : Om Shri Durgaya namah.
Um belo dia, nas minhas práticas matinais, estava
fazendo a repetição do mantra (Japa Mala), quando de
repente surgiu à minha frente a forma da Mãe, luminosa
com seus oito braços e montada no Leão. Fiquei muito
emocionado. Ela estava de frente e olhava diretamente
nos meus olhos. Vi a paisagem em volta, o Leão, todas
as armas que Ela carrega em suas mãos, seu belo rosto
e seus olhos profundos que me olhavam fixamente com muita ternura. Fiquei extasiado
e perdi a noção do tempo.
Quando consegui recobrar a consciência, voltei a perceber o lugar onde estava e
o que estivera fazendo até aquele momento; me dei conta da hora e consegui perceber
que se não me apresasse, iria acabar chegando atrasado ao trabalho, mas, ainda
assim, lembrei dos dizeres de um Upanhisad:
“Eu te saúdo Ó Mãe,
Aquela que dispersa o medo,
Repele as dificuldades e e´
A essência da compaixão”.
Fui trabalhar, e o dia correu tranqüilo como normalmente ocorre na nossa
cidadezinha. À saída, Savitri, uma colega de trabalho, me convidou para assistir à
palestra de um grande mestre que tinha acabado de chegar de uma cidade vizinha com
a sua “entourage”. Era um mestre importante, e certamente nós deveríamos ouvi-lo,
principalmente eu, segundo ela, que tinha a mente inquieta e indagadora.
Fizemos um pequeno lanche e, embora ainda cedo, nos dirigimos para o local da
palestra porque Savitri queria arranjar um bom lugar, de preferência perto do mestre
para poder captar melhor seus ensinamentos e sua energia.
Chegamos ao templo e Savitri se apressou a ir bem para frente para arranjar um
bom lugar. Preferi ficar um pouco mais distante em um lugar em que podia perceber
bem a movimentação das pessoas sem ser incomodado. Sentei, procurei ficar quieto,
fechei os olhos e esperei.
Comecei a perceber um movimento maior de pessoas, gente que chegava, tirava
suas sandálias, falava com as outras e se acomodava. Apareceu um homem que
começou a colocar ordem na pequena multidão que se formava, colocou-os sentados
em fila, deixou um corredor aberto entre elas para que o mestre pudesse passar e
chegar ao lugar que estava reservado para ele. Alguma coisa começou a chamar a
minha atenção. Desviei o olhar um pouco para esquerda e vi uma mulher com um sari
bonito, cabelos longos arrumados em trança que iam até a cintura e, apesar do falatório
e da agitação das pessoas para conseguirem um lugar, ela se mantinha calma com um
olhar doce e sempre uma palavra de carinho para os que se aproximavam.
Percebi que toda aquela organização tinha sido feita por ela, desde o lugar onde
o mestre deveria sentar para que pudesse ter uma visão clara e total de todos os
presentes, às guirlandas de flores, o incenso, a água servida num copo de prata que
demonstrava bem o carinho e o respeito que ela dava ao visitante.
Aquele homem mantinha os olhos fixos nela como que procurando adivinhar os seus
pensamentos; num determinado momento, vi nos olhos dela um quê de preocupação e
percebi uma movimentação extra em sua volta, o número de pessoas crescia, e as
oferendas, que são sempre oferecidas ao mestre (flores e frutas) e depois de
abençoadas por ele distribuídas a todos os presentes (Prasad), eram poucas para a
quantidade de pessoas que continuavam a chegar.
Vi quando o homem se virou para o lado dela, se empertigou, calçou as suas sandálias
e, sem proferir nenhuma palavra, saiu. Percebi toda a sua movimentação e me espantei
com a sua atitude, pois, naquela hora, já não se encontravam mais abertas as casas
que vendiam frutas. Alguns minutos depois, chega ele carregado de sacolas de frutas
das mais diversas variedades, as entregou a Ela e sem dizer uma palavra se retirou.
Fiquei intrigado!
Ouvi certo burburinho na entrada, ele virou para Ela, que estava um pouco afastada e a
avisou da chegada do visitante. Ela se encaminhou para porta, fez Namaskaram
(saudação) e o convidou a entrar. O mestre olhou a ante-sala, teceu alguns
comentários em voz baixa e pausada como só os mestres sabem fazê-lo. Ela o
encaminhou para o salão principal onde todas as pessoas o esperavam. O homem
saltou à frente deles e foi abrindo caminho entre os participantes até o local onde o
mestre deveria ficar. Voltou, rearrumou as pessoas e, foi para o final do salão de onde
tinha uma visão geral de tudo o que acontecia.
Continuei quieto no meu canto, agora já mais interessado na movimentação Ele/Ela do
que propriamente na palestra.
O convidado iniciou a sua fala, não antes de seus discípulos entoarem cânticos de
Bhajans e fazerem uma pomposa apresentação.
O visitante iniciou a sua palestra, e as coisas que eram ditas me soavam comuns e sem
grandes atrativos. Algumas palavras em sânscrito que eu não entendia bem e alguns
conceitos filosóficos básicos.
Procurei o homem pela sala com o meu olhar. Estava no mesmo lugar, com a mesma
fisionomia. Não consegui perceber se ele estava gostando ou não, logo após, o vi
olhando para Ela, fez Namaskaram (saudação) e sumiu como chegou, sem dizer nada
e sem se despedir de ninguém.
Ela continuava ali, no seu canto, em pé escutando.
Ao acabar a palestra as pessoas se retiraram e o convidado veio conversar com ela e
agradecer a hospitalidade. Depois de algum tempo percebi que aquele que veio ensinar
começava a escutar mais e mais o que Ela lhe falava. Apurei o ouvido, pois não dava
para escutar muito bem o que era falado; mas podia ver o olhar doce e a voz melodiosa
dEla dissertando sobre o Absoluto e o conceito de Shiva/Shakti. Em dado momento me
pareceu que Ela falava para mim, seus olhos brilhavam, e seu rosto estava iluminado.
Fiquei com a atenção presa àquela conversa e, à medida que me concentrava mais e
mais, ora via a fisionomia dEla ora, via o sorriso enigmático daquele homem que saiu
porta afora sem dizer nada.
Não sei quanto tempo permaneci ali. Em dado momento, senti tocarem no meu ombro e
chamarem o meu nome, Krishna, Krishna. Era Savitri, já cansada de esperar veio me
chamar pedindo desculpas por me incomodar, mas, como estava ficando tarde e ela
não queria voltar sozinha para casa, criou coragem para me tirar do que ela chamou
transe profundo...
Calçamos nossas sandálias e saímos caminhando, a Lua cheia iluminava o nosso
caminho. Permanecemos quase todo o percurso em silêncio, ora apreciando a
paisagem e a beleza da Lua, ora com nossos próprios pensamentos a respeito do que
tínhamos visto e ouvido.
Deixei Savitri em casa e continuei andando até a minha casa que fica um pouco mais
abaixo, já na descida para o rio. Parei um pouco no portão e fiquei admirando a beleza
da noite, a Lua, as estrelas e o reflexo nas águas do rio que pareciam estar paradas.
Uma brisa fresca começou a soprar e achei que era um convite para me sentar à beira
do rio e ficar apreciando toda essa paisagem. Fiz o que meu coração mandava, me
sentei um pouco, olhei para o céu, virei a cabeça para o lado e apreciei as pequenas
luzinhas das casas que ainda permaneciam acessas na nossa vila, escutei o barulho
das águas do rio em sua constante movimentação.
Fechei os olhos e comecei a cantar o mantra “Om Shri Durgaya namah”. Fiquei em
silêncio. Algum tempo depois veio à minha mente tudo o que se passou comigo naquela
noite, principalmente, as atitudes daquele homem e daquela mulher que, sem saber por
que, acabou sendo o alvo de toda a minha atenção. Senti, repentinamente, que toda
aquela história, na verdade, era uma maneira de Durga Mataji me transmitir
conhecimento, mas ainda não conseguia ver com clareza o âmago da questão.
Neste momento, surgiu a figura de Ardhanareshwara (ShivaShakti) e clareou a minha
mente, foi um “vrtti vyapti” (um tipo de movimento da mente).
Percebi que Shiva, que na figura está relacionado ao direito, representa as
características masculinas da nossa personalidade, como pensamento lógico e racional
e aspectos tais como assertividade, agressividade, competitividade, etc.
A Shakti, relacionada ao lado esquerdo da figura, representa as características
femininas da nossa personalidade, como pensamentos criativos e intuitivos, qualidades
como emotividade, passividade e aspectos receptivos, conservadores, holísticos, etc.
Compreendi, também, a importância dos nossos Rsis (sábios) e a tradição deste
conhecimento que vem sendo passado de geração em geração, (Guru shisya param
para) sempre da mesma maneira, sem necessidade de qualquer modificação, através
de textos, de imagens e de sons e que estão à disposição de todos nós.
Fiz uma reverência à Durga Mataji, agradeci a possibilidade que tinha me
proporcionado de dissipar da minha mente mais esta dúvida e voltei para casa feliz,
embora cansado.
No outro dia, levantei cedinho e fui trabalhar. No caminho, encontrei Savitri e fomos
conversando caminho afora, mas isso, já é outra história.
O PÁSSARO E EU
Era uma vez um pássaro tão belo que, ao perceber a sua beleza e grandeza espiritual,
quis mantê-lo junto a mim aprisionando-o numa gaiola.

Consegui durante anos mantê-lo no cativeiro o qual procurei construir o mais bonito,
agradável e aconchegante possível. Dia após dia, ao mesmo tempo em que cuidava
dele e o protegia, também, sem perceber, cerceava seus movimentos, restringindo-os
àquele pequeno espaço que o cercava e não o deixava alçar vôos mais altos. Era difícil
para mim dividi-lo, deixar que abrisse suas asas e voasse mais longe. Tinha receio de
que não voltasse, tinha medo de perdê-lo; mas, com essa atitude, não percebia que não
só o prejudicava como também impedia outras pessoas de ver a beleza e escutar o
canto libertador desse pequeno grande pássaro. Ele veio para anunciar a aurora de um
novo dia, dar uma nova mensagem com o seu canto diferente, bonito, mas ao mesmo
tempo ameaçador; porque ensinava a todos que a liberdade vinha através do
conhecimento de quem somos e este conhecimento independe de credo, raça ou cor.

Passei anos escutando este canto, mas ainda assim não conseguia libertar o pássaro;
cada vez o queria mais junto a mim, mais próximo, como se nessa proximidade eu me
tornasse pássaro também. Algumas vezes abria a porta da gaiola e permitia pequenos
vôos, sempre restritos a ambientes fechados para que ele, ao exercitar suas asas,
tivesse a impressão de liberdade.

Um belo dia, Nataraja, o Senhor da Dança, sem que eu percebesse, escutou o seu
canto e se enamorou. Viu que este canto libertador precisava ser ouvido por mais
pessoas e não poderia ficar confinado naquele pequeno espaço e, então, iniciou a sua
dança; e a cada passo que dava ia abrindo sulcos na terra e destruindo as grades da
gaiola. À medida que o pássaro iniciava seu vôo eu ia caindo nos sulcos abertos na
terra pelos pés de Nataraja, o que me impedia de manter o pássaro aprisionado. Cada
vez afundava mais e mais, parecia estar num grande cânion sem fim e, por mais que eu
me debatesse e tentasse segurar nas bordas ou nas fendas da terra, afundava cada
vez mais.

Em um dado momento, percebi que quanto mais tentava me segurar, mais profundo me
parecia o cânion e mais dolorosa a queda e o sentimento de perda que ele
representava. Perdi literalmente o chão e não conseguia visualizar terra firme, perdi as
forças e deixei de lutar. Abandonei-me, a essa altura, às lembranças dos sons do canto;
comecei a ser envolvido pela beleza e a graça dos movimentos da dança da criação e
da destruição do Senhor Nataraja; à medida que me abandonava àquele ritmo
contagiante, as fendas foram pouco a pouco se fechando e fui começando a escutar os
sons do pássaro de uma maneira mais abrangente e, na profundidade do meu Ser, já
não chorava mais pela perda. Ao contrário, sorria de alegria por poder, agora sim,
compreender a liberdade que o canto do pássaro me propiciava e dançar livremente ao
som dele como fazia o Senhor da Dança e do Conhecimento.

Hoje em dia, o pássaro consegue levar o seu canto libertador por todos os rincões do
nosso país; mais pessoas têm acesso ao conhecimento, e eu, continuo dançando como
Nataraja, ao som dele, podendo vivenciá-lo em todos os momentos da minha vida, pois
agora, trago o pássaro e o seu canto no meu coração.
SVARGA LOKA (Céu) Shri Nisargadatta Maharaj
Nasci em uma família de tradição Shakta. Nesta tradição damos muito valor à
mulher: mulher esposa, mulher mãe, mulher amiga, mulher companheira.
A figura da mulher para nós representa a Mãe, aquela que tudo dá e nada pede, nas
palavras de meu pai. Ela é a encarregada, desde nossa infância, de nos passar os
valores morais, a religião e os usos e costumes da nossa terra. Normalmente fazem
isso contando-nos historinhas que levamos vida afora e, às vezes, somente depois de
muitos anos nos damos conta da importância e dos valores embutidos nessas histórias,
como a que agora vou contar a vocês.
Minha mãe me contou que algum tempo atrás morava em nossa cidade um mestre
muito conhecido que tinha diversos shelas (discípulos). Um belo dia o mestre tinha
acabado de fazer as suas práticas matinais, quando se acercou dele um jovem
discípulo que se chamava Vajra e perguntou o seguinte: “Mestre é verdade que existe
Svarga Loka?” O mestre respondeu: “Vajra, você precisa realmente saber disso?”
Vajra ansiosamente respondeu: “Sim, Mestre.”
Então o mestre disse: “Ramachandra, meu primeiro discípulo se encontra lá.” Fechou
os olhos e voltou às suas práticas.
Vajra sabia que o mestre iria demorar muito e resolveu se dirigir a outros discípulos
mais antigos para tentar descobrir onde morava Ramachandra. Perguntou a um e a
outro até que finalmente falou com um discípulo muito antigo do mestre que lhe disse:
“Sei onde ele mora, embora nunca tenha estado lá, então descreveu o caminho para
Vajra e disse a ele que ficava um pouco longe dali de onde estavam. Vajra não se
importou muito c/ a distância tal era a sua vontade de encontrar a casa de
Ramachandra.
No outro dia pela manhã, cedinho, Vajra, procurou o mestre e lhe disse que tinha
vontade de visitar Ramachandra. O mestre aquiesceu e sem perda de tempo Vajra se
pôs a caminho.
Procurou andar o mais rápido possível. Então, o caminho tornou-se mais difícil, cheio
de pedras, galhos de árvores com espinhos, subidas longas e íngremes e, com o
passar do tempo, cada vez mais, seu andar ficava lento. Parou em uma pequena
cidade para reabastecer-se e descansar um pouco, porque dali em diante não
encontraria mais nenhuma cidade. Seguiu em frente, atravessou um pequeno rio e
finalmente subiu a última colina antes do vale onde encontraria Ramachandra. Lá de
cima avistou um bonito vale verde, deu uma parada e olhou em volta para finalmente
poder fixar bem em sua mente Svarga Loka.
Achou um lugar bonito com rios que desciam da montanha, árvores, pequenos arbustos
floridos, mas nada que já não tivesse visto em outros lugares. Num canto do vale, no
sopé da montanha, se encontrava uma casinha: era onde Ramachandra morava.
Rumou até lá e se apresentou, dizendo que era discípulo do mesmo mestre de
Ramachandra.
Ramachandra conversou longamente com Vajra procurando saber notícias do mestre,
do ashram e dos amigos que tinha deixado lá. Depois de ter passado uma semana e
Vajra ter recuperado suas forças, ele resolveu deixar o tão sonhado Svarga Loka.
Depois de enfrentar o árduo caminho de volta ele se sentou aos pés do mestre e falou:
“Mestre, você disse que Ramachandra estava em Svarga Loka, mas o que verifiquei é
que ele se encontra num lugar muito comum.”
O mestre fechou os olhos, observou o silencio e depois respondeu:
“Vajra, se você tivesse sido um pouco mais explícito na sua intenção, no momento de
sua partida teria lhe dito a verdade.”
“E qual é a verdade,” perguntou Vajra?
- A verdade é que Ramachandra não está no paraíso, o paraíso é que está em
Ramachandra.
Anos mais tarde, quando estive em visita a Mumbai, um amigo me disse que perto do
centro existia um mestre muito especial um Jnani, um Maharaj, e que nós não
poderíamos deixar de ouvi-lo. Compramos flores e frutas para presentear o mestre
como manda a nossa tradição e à tardinha rumamos para sua casa. No caminho
encontramos diversos estrangeiros que, como nós, também estavam procurando por
ele. Era uma casa humilde de dois pavimentos. Havia alguns carros parados à porta.
Subimos a escada, nos acomodamos numa pequena sala. O mestre entrou, sentou,
fechou os olhos por alguns instantes e ao abrir perguntou se alguém desejaria fazer
alguma pergunta, não sem antes advertir que não fizéssemos perguntas como um ser
humano que está centrado em um objeto fenomênico e disse: Recordem-se que não
estou falando a entidades individuais, é a consciência falando à consciência sobre ela
mesma.
Gostamos muito do mestre e também da maneira, clara, lógica e direta como ele
apresentava o conhecimento do Eu. Durante a semana que permanecemos em Mumbai
não perdemos nenhum momento de beber esse ensinamento tão precioso de uma fonte
tão pura. A clareza de suas colocações mexia conosco, não conseguíamos deixar de
prestar atenção e a cada vez que retornávamos parecia que as coisas ficavam mais
claras para cada um de nós, e, num desses dias, não pude deixar de lembrar-me de
minha mãe com suas histórias quando o mestre falou:
“A visão total é tão clara que o indivíduo não pode mais que rir, até em aparência ser
irreverente, quando vê a fantástica superestrutura de superstição e mistério que se há
erigido sobre e em torno à simplicidade elementar que é a Verdade”.

ROSA Uma experiência Cromoterápica


Savitri e eu tínhamos um grupo de amigos, um pouco mais velhos do que nós,
muito místicos e com os quais nos reuníamos sempre para conversar e contar nossas
experiências pessoais e nossas histórias de vida.
Sushila, amiga de Savitri, retornou de uma viagem a Mumbai (Bombay) e um dia nos
convidou para nos reunirmos em sua casa para sabermos das novidades e de uma
experiência que ela tinha vivido intensamente e que era muito interessante.
Não preciso dizer que ficamos curiosos. Primeiro porque Mumbai é considerado o maior
centro industrial e comercial do nosso país além de ser considerada a Hollywood da
Índia. Devido a todas essas coisas e porque tudo acontece nesta cidade frenética e
maravilhosa, ficamos muito excitados aguardando o dia do encontro. Além disso, havia
ainda a experiência interior que Sushila tinha vivido e que era o grande chamariz da
nossa reunião. Para vocês compreenderem bem o nosso interesse devo informar-lhes
que Sushila é uma pessoa estudiosa e que se interessa por diversos ramos do
conhecimento filosófico como Yoga, Vedanta, Mitologia, Cromoterapia etc. Na verdade
ela chegou a ensinar a alguns de nós aulas práticas de Yoga.
No sábado combinado, passei na casa de Savitri e a apanhei para irmos juntos. No
caminho encontramos alguns amigos e conversando fomos direto ao encontro com
Sushila, diga-se de passagem, cada um mais curioso do que o outro. A pergunta que
sempre saía dos nossos lábios era: Que experiência foi essa que Sushila teve?
Após os cumprimentos iniciais nos acomodamos nos almofadões coloridos que ela
tinha trazido de Mumbai. Sushila começou o seu relato: Contou-nos primeiro da beleza
da cidade, dos filmes que estavam passando e que ela tinha conseguido ver, das praias
maravilhosas, de sua ida até à ilha de Gharapuri, onde fica a Gruta Elefanta, e dos
diversos locais visitados por ela.
Depois deste preâmbulo, que a todos pareceu longo demais, ela nos disse que, através
de uma amiga, tinha sabido que um grande mestre de Vedanta, Swami
Chinmayananda, tinha voltado de uma viagem ao exterior. Ele se encontrava no seu
ashram, perto do aeroporto da cidade e que seria muito bom conhecê-lo, pois ele era
considerado um dos grandes homens-santos da atualidade. Ela se dirigiu pela manhã
ao Sandipani Sadhanalaya (assim se chama o ashram de Swamiji). Lá chegando ficou
deslumbrada porque todas as paredes internas, o quarto onde ficavam os estudantes e
os salões de aula eram pintados na cor Rosa. Ela não titubeou em afirmar que
certamente um homem sábio como Swamiji deveria ser um profundo conhecedor de
Cromoterapia e por isso tinha mandado pintar todo o seu ashram com a cor rosa. Ela
começou aí a enumerar uma série de vantagens desta cor para promover a paz e a
tranqüilidade naquele ambiente que era dedicado inteiramente ao estudo de Vedanta (O
conhecimento do Ser).
Ela participou à noitinha de uma palestra do mestre que achou maravilhosa, nos
informou que ele possui uma voz potente e vibrante e que consegue penetrar nos
nossos corações, remover as nossas dúvidas e nos motivar no caminho do
autoconhecimento, aí colocou na eletrola um disco gravado pelo Swami
Chinmayananda que se chama Bhaja Govinda para ouvirmos. Colocou a capa do disco
com o retrato de Swamiji de frente para nós, fechamos os olhos e escutamos em
silêncio. A voz dele era realmente poderosa e penetrava profundamente no âmago do
nosso ser. Foi uma experiência inesquecível que certamente nos ajudou a dar um rumo
às nossas vidas.
Despedimos-nos de Sushila e rumamos em silêncio para nossas casas, cada um com
seus próprios pensamentos, no final só restou da turma Savitri e eu que morávamos
mais longe. Seguimos em frente, e eu tomei a iniciativa de falar e dizer que tinha
gostado muito das informações e mais ainda de ter tido a possibilidade de escutar
aquele que, embora não o conhecesse pessoalmente, sentia ser um grande mestre.
Conversando chegamos à conclusão que, se os nossos pais deixassem, seria
interessante podermos pintar a nossa casa de rosa, pois certamente essa era a cor que
poderia nos ajudar a acalmar as nossas mentes e propiciar a aprendizagem do
conhecimento contido nos Vedas.
Fomos dormir com aqueles pensamentos e no meu íntimo um forte desejo de ir a
Mumbai conhecer Swamiji e participar daquele ambiente coberto de OM, Shanti, Prema.
(Luz, Paz e Amor).
Conversando com meu pai sobre a reunião que tivemos com Sushila e como tinha
ficado impressionado com as informações recebidas, meu pai lembrou-se de que tinha
um amigo que era discípulo de Swamiji. Iria falar com ele para tentar ver se poderia nos
receber para conversarmos um pouco sobre o mestre e sua obra.
Dias depois fomos recebidos pelo amigo do meu pai que ficou impressionado como eu,
ainda adolescente, me interessava por assuntos filosóficos. Certamente o Mestre, de
alguma forma, tinha me tocado através do seu retrato ou através de sua apaixonante e
vibrante voz, como tinha ocorrido com ele.
Começou a falar da vida de Swami Chinmayananda, seus estudos, seus mestres e da
importância que ele tinha por ter disseminado o conhecimento de Vedanta, de uma
forma tradicional, até para pessoas estranhas à nossa cultura, que eram estudantes
ocidentais.
Na época o estudo de Vedanta era muito tradicional e só era possível para pessoas que
possuíssem um profundo conhecimento de Sânscrito.
O amigo de meu pai nos contou então a seguinte história:
“Swamiji teve um problema cardíaco um pouco antes de viajar para os Estados Unidos
e os médicos não recomendavam que tal viagem fosse realizada. Por esse motivo
Swamiji pediu ao Swami Dayananda para substituí-lo na viagem e ele ficaria
encarregado, nesse período, de ministrar as aulas para os estudantes do Sandipani
Sadhanalaya. Assim foi feito.
Era verão, estava muito quente em Mumbai, nesta época estava em visita ao ashram
uma devota de Swamiji que morava em Uttar Pradesch (região do Himalaia), ela tinha
ficado muito preocupada com a saúde e o bem estar dele. Numa noite quando Swamiji
estava acabando de falar para os alunos, a senhora pediu licença a todos e convidou-o
para passar uns dias em Uttar Pradesch enumerando as vantagens que seria ir
repousar num lugar de temperatura amena e sem a poluição de Mumbai. Certamente
ele se recuperaria com mais rapidez e estaria de volta para dar continuidade às aulas
prontamente.
O Mestre agradeceu mas lembrou a todos que tinha assumido um compromisso com
seus filhos, como ele chamava os seus alunos, de continuar o curso na ausência do
Swami Dayananda, que já tinha viajado para os Estados Unidos.
A senhora então perguntou: E se seus filhos também forem?
Swamiji não teve mais como dizer não e aceitou o convite.
Swamiji e a devota seguiram de avião. Antes de partir, ela acionou seus assessores
que providenciaram junto à estrada de ferro o aluguel de um vagão e a alimentação
para os estudantes em todo o percurso. Ao chegarem à Nova Deli, onde deveria haver
uma espera longa para troca de trens, foi servido na própria estação um banquete
somente de comidas Sattvicas para os alunos. Nesse ínterim, o Mestre já tinha sido
acomodado e a casa transformada em um pequeno ashram com a compra de camas,
cobertores etc para o recebimento de todos.
A chegada dos alunos foi comemorada c/ uma pequena festa. Swamiji se dirigiu a todos
perguntando se tinham sido bem alimentados e, em uníssono, todos afirmaram que sim.
O grupo permaneceu até o final do verão quando então voltou para Mumbai e continuou
seus estudos.”
Fiquei maravilhado com a história e pude sentir o carinho que aquele homem sentia
pelo seu mestre, seus olhos brilhavam e muitas vezes sua voz ficava embargada pela
emoção. O tempo passou e não sentimos. À saída, lembrei da cor rosa e não resisti de
perguntar-lhe:
Senhor, soube que Swamiji, profundo conhecedor de Cromoterapia (pelo menos era o
que eu pensava), pintou o ashram todo com essa cor tão auspiciosa “Rosa”. O Senhor
poderia me informar o porquê?
Ele deu um breve sorriso e disse: Meu filho, o Mestre tem um discípulo comerciante que
vende tintas e, vendo que o ashram precisava de pintura, ofereceu uma partida de latas
de tinta rosa que não tinham sido vendidas. Swamiji prontamente aceitou o presente e
mandou pintar todo o ashram de rosa.
Não pude conter a surpresa e por que não dizer, o riso. Meu quarto continuou
amarelinho como sempre foi.

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