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MAYA T I W A R I
O CAMINHO
DA PRÁTICA
A cura feminina pela alimentação, respiração
e pelo som
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A autora deste livro — O caminho da prática, nos oferece
este belo e profundo trabalho apontando um estilo de vida onde a
consciência de você mesmo é o ponto de partida. Um livro
dedicado às mulheres, mas onde os homens também são bem-
vindos, que oferece um crescimento emocional e total à medida
que você consegue perceber você mesmo, como pessoa e
fundamentalmente.
As mulheres dentro dos Vedas, e portanto na Índia, são vistas
como a expressão da Mãe Divina, pelo seu poder inato de gerar.
O feminino é o poder de criação, de beleza, de capacidade de
acolher, além da expressão de recursos e riquezas. Nenhuma
criação é concebida sem o poder de criar que é chamado Shakti
ou Maha Shakti. Cada cultura possui mitos que permanecem no
inconsciente coletivo de seu povo. Os mitos védicos sempre
apresentam a mulher nem superior, nem inferior ao homem, nem
em busca de igualdade com ele. Ela é aquela que lhe dá potência,
que está a seu lado como um acréscimo na vida dele e que em
troca dá um apoio a ela.
Duas grandes mulheres são principais na Índia e até hoje
fontes de inspiração — Sita, do grande épico Ramayana, e
Draupadi, de outro grande épico, o Mahabharata. Ambas estão,
todo o tempo, ao lado de seus maridos, mas são também iguais a
eles em valor, conhecimento de seus deveres e direitos, ainda que
pacientes em relação a estes últimos. São nobres mulheres que
apoiam incondicionalmente seus maridos e ao mesmo tempo
comandam respeito, atenção e presença. Estas até hoje estão vivas
como modelo para as mulheres.
Agradeço à Maya Tiwari por nos oferecer este livro que
mergulha profundo no universo das dificuldades e oferece meios
para um crescimento além dos obstáculos, que é, como ela mesma
chamou — uma vida de sadhana.
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Obrigada a Holly Hammond por seu apoio e inestimável
ajuda na edição do texto; a Leslie Hawkins pela ajuda com o
manuscrito; e a Marnie Mikell pela perícia do traço na execução
dos desenhos.
Finalmente, minha gratidão e estima à minha mãe biológica,
Kalidevi, e a minha mãe mais velha, Jayadevi, pelo apoio amo-
roso; a meu irmão Chandra, cujo sacrifício possibilitou que eu
trilhasse meu caminho espiritual; e a meu irmão Subhas, cujo
apoio espiritual me ajuda a permanecer no caminho espiritual.
INTRODUÇÃO
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trutores espirituais cujo trabalho contribuiu para as minhas prá-
ticas é composta de homens.
Além disso, eu dirijo a Missão Mãe Om, uma organização de
caridade cujo propósito é educar comunidades de risco
informando-as sobre as variedades da sadhana, familiarizando
homens e mulheres com o poder primordial de cura que todo ser
humano possui. Também viajo pelo mundo promovendo
workshops para aqueles que se interessam em aprender o
caminho da prática, ou sadhana.
Sadhana é um termo sânscrito cuja raiz, sadh, significa
resgatar aquilo que é divino em nós, nosso poder de cura, nosso
poder de servir, de nos alegrarmos, ou de elevarmos nosso espí-
rito. As práticas da sadhana englobam todas as nossas atividades
diárias, desde as mais simples até as mais sublimes, desde a
preparação das refeições até a exploração de nosso ser interior na
meditação. A meta da sadhana é permitir o resgate de nossos
ritmos naturais e o realinhamento da vida interior e dos hábitos
cotidianos com os ciclos universais. Quando começamos a viver
e a nos mover de acordo com os ritmos da natureza, nossa mente
se torna mais lúcida e mais pacífica, e a saúde imediatamente
melhora. Toda a nossa vida se torna então mais fácil.
Quando iniciamos a jornada no caminho da prática, preci-
samos prometer a nós mesmos que teremos a coragem de nos
olharmos de forma clara, inclusive nos permitindo reconhecer os
vários disfarces e os falsos rostos que assumimos ao longo dos
anos. À medida que admitimos e reconhecemos cada um deles,
enxergamos além e conseguimos ver o ser verdadeiro. E à
medida que descobrimos mais sobre nós mesmos, sobre nossas
forças e fraquezas, também aprendemos mais sobre o corpo, a
mente e o espírito, e seu poder. Percebemos nossa capacidade
inata de cura. Quaisquer que sejam os tratamentos médicos
convencionais e ocidentais que você esteja usando, sempre po-
derá utilizar simultaneamente sua habilidade natural para a cura.
No caminho da prática, adotamos a convicção de que a
doença se origina dentro de nós, portanto a cura deve vir do
mesmo lugar. Concluímos que a falta de paz, o desconforto ou a
doença são razões suficientes para penetrarmos mais fundo
dentro de nós mesmos, examinando onde é preciso fazer
alterações para curar nossos corpos, nossos sentimentos ou
nossas vidas. Aceitamos a dor ou o desconforto como um
trabalho a ser feito, sabendo que para levá-lo a cabo precisaremos
pesquisar o assunto e a nós mesmos. Cada um de nós é um ser
único, ninguém pode fazer o dever de casa em nosso lugar. Não
podemos sequer depender da benevolência do universo para nos
salvar. O universo nos dará apoio, e nos ajudará, revelando seus
ritmos sagrados. Ele nos fará enxergar onde foi que saímos do
ponto de equilíbrio, e sempre nos permitirá o realinhamento com
este ponto. Mas é preciso fazermos o trabalho de
autoquestionamento e de cura apropriado para nossa vida interior
e exterior. Em nossa senda individual na jornada humana cada
um de nós precisará aprender determinadas verdades sobre sua
vida física, mental e espiritual, tanto naquilo que se refere
exclusivamente a nós como no que é compartilhado com os
outros. Estas verdades acabam por nos unir a nossas famílias,
tribo, à raça humana e ao universo em geral.
Muito cedo na vida eu descobri por mim mesma que doenças
sérias trazem grandes oportunidades de cura e de
autoconhecimento. Quando eu tinha vinte e três anos de idade —
no auge de meu sucesso pessoal e profissional como estilista de
moda na cidade de Nova York — fui diagnosticada com câncer
de ovário em estágio terminal. Dominada pela ambição, eu
estivera vivendo uma vida agitada, com muito trabalho de dia e
festas à noite. Estivera também fugindo de minha criação e
herança indianas tradicionais. A doença acabou por me forçar a
perceber que toda a dor é um lembrete de que nos afastamos dos
ritmos naturais da vida. Mas antes de ser capaz de aceitar esta
simples verdade eu me exauri em anos de luta contra o câncer,
por meio de tratamentos e cirurgias invasivos. Finalmente,
abandonei a luta, deixei minha vida e meus amigos em Nova
York, e fui para o interior gelado de Vermont, para me preparar
para morrer. Em vez disso, ao longo dos três solitários meses de
inverno, fui apresentada à oportunidade de admitir as mudanças
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que precisaria fazer em minha vida. Descansei, jejuei e sonhei, e
pouco a pouco comecei a ver onde havia me iludido; onde me
permitira o desequilíbrio.
Também chorei até não ter mais lágrimas para verter. Manti-
ve um diário, onde descrevi página após página a minha história
pessoal e espiritual. Tendo aprendido a meditar na infância,
lembrei-me novamente de como fazer isso. Em meditação, em
oração e em sonhos revivi a angústia de meus antepassados que
haviam sido arrancados de sua terra natal, a Índia, e trans-
plantados para uma terra estranha, a Guiana. Recebi a visita
espiritual de meu pai, que vivia longe, e que me convenceu a
recuperar minha vida e a realizar meu propósito neste mundo.
Também tive visões da Mãe Divina, a energia feminina infini-
tamente benevolente que todos nós podemos invocar para ajuda,
orientação e cura. Orei para recuperar minha fé em mim mesma e
no divino.
Quando as neves começaram a derreter do lado de fora da
cabana de toras, despertei para os sons e a beleza da natureza.
Ouvi cervos pastando na vegetação rasteira ao redor da cabana.
Um cardeal de peito vermelho brilhante cantava. A sinfonia da
primavera me despertou da reclusão, e me trouxe para o sol.
Naquele momento, como em tantos outros mais tarde, parecia
que o câncer me havia derrubado e arrancado todas as minhas
defesas apenas para que eu parasse de atrapalhar a mim mesma.
Ele me forçou a recuperar minha conexão com os antepassados,
com os ritmos naturais do universo, e com a luz infinitamente
amorosa e curadora da Mãe Divina.
Quando emergi da reclusão e retornei à cidade, os médicos
ficaram espantados. Disseram-me que não conseguiam encontrar
sinais de câncer em meu sangue ou nos nódulos linfáticos.
Decidida a viver uma vida saudável e serena, comecei a estudar
ioga, medicina oriental e o cultivo de alimentos naturais. No
outono de 1986, conheci meu guru, Sua Santidade Swami Daya-
nanda Saraswati, um monge e erudito do sul da Índia. Sob a
orientação de Swami Dayananda estudei intensivamente sâns-
crito e Vedanta, a parte dos Vedas que lida com o
autoconhecimento.
Entretanto, a minha intenção ao escrever este livro não é
convencer o leitor a se tornar um monge védico ou um instrutor
espiritual como eu. Também não recomendo o abandono de seu
atual estilo de vida nem a interrupção dos tratamentos que possa
estar fazendo. O que desejo compartilhar com todos é a minha
compreensão de algumas verdades profundas sobre o processo de
cura, obtidas através de minha própria doença e do curso tomado
por minha vida depois disto. O caminho da prática se destina a
guiar a todos em seu caminho de cura, especialmente as
mulheres. E um curso rápido sobre cura e sobre maneiras de
viver. Quer você esteja com boa saúde e deseje apenas atingir um
equilíbrio maior, quer tenha sido diagnosticado com alguma
doença — crónica ou aguda —, o livro mostra como promover
mudanças graduais na forma como conduzimos a vida cotidiana,
para que possam ocorrer mudanças profundas a curto e a longo
prazos. Como resultado destas práticas, você será mais feliz,
mais saudável, mais calmo e terá maior poder de recuperação. Na
verdade, perceberá que os efeitos destas práticas alcançam muito
além da vida individual. Como as mulheres sempre foram
consideradas guardiãs das práticas que conduzem a uma vida
mais saudável, quando fortalecemos nossa saúde e nosso poder
espiritual estamos também fortalecendo a saúde e a sabedoria dos
homens, das crianças e das comunidades que nos cercam.
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verdade, buscando informações diretamente do universo para o
bem-estar de suas comunidades. As visões dos antigos iogues
criaram as artes curativas da ioga, meditação, japa (entonação
repetitiva de palavras sânscritas sagradas, ou mantras), e exercí-
cios respiratórios, além de produzir os Vedas, que são os textos
sagrados dos povos hinduístas da Índia.
O hinduísmo, a religião de meus antepassados, surgiu dos
textos védicos e das tradições que promovem a harmonia e a
união entre os povos. A cultura védica não é um conjunto de
crenças religiosas ou fdosóficas, mas uma forma universal e
sagrada de viver, baseada na ideia de que cada um de nós tem o
potencial para atingir a meta da moksha — a liberação do ciclo
de renascimento, a conquista da auto-realização e o reconhe-
cimento da imortalidade do espírito. A tradição védica não busca
converter pessoas de outras tradições e religiões, mas nos ensina
a descobrir nossa verdadeira essência e nosso propósito na vida.
Também ajuda as pessoas a encontrar o caminho de volta para as
autênticas tradições de sua herança cultural e ancestral.
Os Vedas consistem em quatro partes — Rig, Yajur, Sarna e
Atharva — e delineiam as leis sagradas do universo, além da
mitologia dos deuses e deusas e das energias criativas do univer-
so. Eles ensinam que a saúde é um estado que corresponde a
viver em harmonia com a natureza como um todo, e com nossa
natureza básica em particular. Como fomos formados pela natu-
reza e temos uma ressonância inata com ela, só a natureza pode
nos curar quando ficamos doentes. Ao comer quando sentimos
fome, descansar quando estamos cansados, e criar quando a
inspiração chega, vivemos em sincronia com os ritmos da na-
tureza. A doença não irá durar muito em um corpo-mente que
flui em harmonia com os ritmos do universo, os mesmos que
fornecem energia ao plano material.
De acordo com a Bhagavad Gita, um grande texto espiritual
indiano, a única forma de viver em harmonia com o universo é
"fazer o que tem de ser feito" no presente. Este é o coração da
sadhana — as práticas que refletem e recriam dentro de nós os
ritmos e energias do universo. Na índia contemporânea, a palavra
sadhana é geralmente empregada para descrever práticas
mecânicas, decoradas, rotineiras. Entretanto, por intermédio dos
ensinamentos que recebi e pela prática de minha vida, redefini o
termo sadhana, restaurando seu significado original, o das ações
que resgatam o divino dentro de nós. Praticar sadhana é agir por
meio de formas que nos conectem aos ritmos e à inteligência da
natureza. A sadhana recria a sagrada natureza por meio das
práticas cotidianas, que nos colocam em harmonia com os
grandes ciclos do universo e que nos reconectam com o divino
que está em nós: nosso poder de curar, de servir, de regozijar-se e
de elevar o espírito. Neste livro, as práticas da sadhana giram em
torno de exercícios respiratórios e meditação, canto e entonação
de sons naturais, e nutrição por alimentos naturais. Este caminho
liga a consciência interna aos ritmos externos, e mais cedo ou
mais tarde abrirá o portal de nossa própria sabedoria interior — a
certeza de que o que está dentro de nós e o que está fora existem
como um todo indivisível.
A JORNADA DE CURA
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nos circundam: a serenidade do lugar onde moramos depois de
um dia de trabalho; a beleza do crepúsculo visto através das
janelas; a doçura do canto dos pardais; o calor das cores nas
folhas de outono.
Quando temos consciência da harmonia interna, nossa in-
tuição se torna mais ativa. Tornamo-nos mais expressivos, mais
vivos, mais alinhados com nossos corpos e com as energias de
cura. Esta intuição, juntamente com nossa mente racional, nos
ajudará a encontrar a cura e a equilibrar melhor nossas vidas. A
mente racional é útil e tem sua função, mas ela é incapaz de nos
ajudar a promover a cura a partir de dentro. A cura profunda —
processada na fonte interior do desequilíbrio ou doença — não é
exatamente um processo racional. Por que uma doença surge, por
que bactérias ou vírus vitimam uma pessoa e não outra, são
mistérios que a medicina convencional alopática não pode
resolver. A medicina ocidental pode nos ajudar a lidar com os
sintomas físicos, proporcionando tempo para encontrarmos a
causa profunda da doença, mas ela não pode nos ajudar a
enxergar o sentido e a oportunidade contidos no desequilíbrio.
Porém sua intuição, que você descobrirá ao praticar as sadhanas
descritas neste livro, é capaz de fazer isso.
O caminho da prática aqui descrito foi inspirado por esta sa-
bedoria e representa o resultado de três importantes marcos em
minha vida. O primeiro foi quando me lembrei, mediante minhas
próprias experiências dolorosas e por meio da oração e da
concentração, das experiências de meus antepassados exilados.
Suas experiências foram importantes para mim porque a energia
de seus espíritos, seus desapontamentos e seus traumas foram
passados para mim, da mesma maneira que a forma, a cor e a
estrutura celular de meu corpo físico também foram passadas
para mim. Você, também, precisará explorar sua herança espiri-
tual e física para poder encontrar o melhor caminho na direção do
equilíbrio, da paz e da cura. Tentarei oferecer formas de revelar
aquilo que chamo de memória ancestral — as formas nas quais o
legado de seus antepassados afetam sua saúde e seu bem-estar.
O segundo marco foi minha jornada com o câncer, durante a
qual descobri que podia curar minha dor vivendo de acordo com
os ritmos do universo, despertando minha intuição, e seguindo
práticas capazes de me curar e me manter saudável.
A terceira passagem surgiu quando comecei a ajudar mu-
lheres, homens e crianças nos seus momentos mais escuros e
mais repletos de medo, colaborando para que restaurassem a fé
na intuição e redescobrissem seus ritmos naturais e sua herança
de harmonia, cura e paz.
A natureza se expressa oferecendo alimento a todas as espé-
cies, criando o ar e os meios de respirar, e movendo-se em ritmos
e ciclos para manter a vida em harmonia. As práticas de sadhana
da Wise Earth relativas à alimentação, respiração e sons nos
permitem manter a saúde, nos realinhar com os ciclos da natureza
e descobrir a maravilhosa dimensão interna da sabedoria. Elas
nos ajudam a "sentar em nós mesmos", a permanecermos
centrados em nossa consciência durante cada coisa que fazemos.
Ao encontrar harmonia espiritual nas rotinas diárias, podemos
encontrar esta paz também em outros lugares — em todos os
lugares. Se não formos capazes de encontrar harmonia em nossa
vida cotidiana, não a encontraremos em nenhum outro lugar.
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librei a respiração interior com os movimentos circulares de
moagem dos temperos, harmonizei os sentidos e calei a mente
com a música resultante de separar e peneirar feijão em uma
cesta. Nos capítulos 11 e 12 descreverei este processo com
maiores detalhes, e discutirei como é possível transformar sua
cozinha para uma abordagem mais orgânica e saudável da ali-
mentação e do preparo das refeições. Apesar de não ser necessá-
rio moer grãos para fazer farinha, descreverei alguns exercícios
de moagem para fortalecer seus ritmos interiores. Também ex-
plicarei a classificação ayurvédica dos tipos humanos, ou doshas,
e quais são os alimentos mais benéficos para cada tipo. Também
estão incluídos, a título de menus, exemplos e receitas fáceis de
fazer, adequados às pessoas de cada dosha, em cada uma das seis
estações. Ao contrário da ideia ocidental das quatro estações, o
calendário ayurvédico descreve seis estações para refletir os
estágios da jornada anual da Terra ao redor do Sol (falaremos
mais sobre as estações em capítulos posteriores).
A sadhana do alimento é parte inseparável de uma vida fa-
miliar feliz. Muitas culturas usaram e usam estas práticas para
unir família, amigos e comunidade. Há pouco tempo ouvi as
lembranças carinhosas de uma escritora das longas horas pas-
sadas fazendo o dever de casa na mesa da cozinha, enquanto sua
mãe preparava o jantar. Até os mais difíceis problemas de
álgebra ficavam mais fáceis, disse ela, quando os cálculos eram
pontuados pelos sons reconfortantes e familiares de sua mãe
picando vegetais, lavando arroz ou descascando batatas.
Eu não tenho videocassete, filmes gravados, videogames,
fastfoods, nem nada daquelas coisas que dizem que as crianças
gostam. Mas as minhas sobrinhas e sobrinhos, além dos filhos de
meus alunos, a maioria dos quais de famílias sofisticadas, adoram
me visitar porque mal conseguem esperar para enfiar as mãos na
minha massa, minhas especiarias e meus grãos. Minha sobrinha
de sete anos costuma pedir para deixá-la sovar a massa de
chapati, moer temperos para as masalas, e limpar os sabugos de
milho. Um outro menino amigo meu, que tem dois anos, ficou
tão encantado com o processo de sovar a massa que lavamos seus
pés, lhe demos uma enorme panela de massa, e deixamos que ele
se divertisse. Com o rosto radiante de prazer, ele imediatamente
começou a dançar na massa. Juntos, criamos refeições deliciosas
que alimentam o corpo e o espírito.
A vida física é sempre composta pelos mesmos elementos.
Terra, água, fogo, ar e espaço, contidos nos alimentos, nutrem a
terra, a água, o fogo, o ar e o espaço contidos em nossos corpos e
mentes. Enquanto permanecermos conscientes desta ligação
maior, cada pedaço de alimento ingerido se transforma em uma
bênção da Mãe Natureza. Com esta simples consciência, você
estará dando início à sadhana, seu caminho de prática. Quando
permanecemos conscientes de nossa alimentação, ela nutre e
influencia a força vital, os movimentos e a vida interna — os
ritmos pessoais, ou sons. Desta forma, o alimento se torna
consciência manifesta como pensamento e ação. Cada pensa-
mento e cada ação se transformam, portanto, em expressões da
nossa unidade com a Mãe Natureza.
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particularmente infeliz, uma vez que as pesquisas já demons-
traram o enorme valor terapêutico da música, como veremos
mais adiante).
"Então por que você não faz biscoitos para o seu pai?" su-
geri. "Você pode tocar o tambor entre os atos de peneirar, sovar e
dar forma à massa, para que o som penetre nos biscoitos."
Sasha já chegara ao ponto em que não conseguia mais aguen-
tar a dor da longa separação, e gostou da ideia de nutrir o pai
desta forma, talvez pequena mas certamente plena de significado.
Quando voltou para casa, assou uma batelada de biscoitos
ayurvédicos de aveia, usando o tambor e cantando ao longo do
processo. Enviou os biscoitos para ele, juntamente com fotos
recentes de si mesma. Logo após, ela telefonou para ele. A voz
dele parecia mais animada do que o habitual, e a primeira per-
gunta dele foi, "O que você fez com aqueles biscoitos? Nunca
comi nada tão gostoso. São tão bons que me fazem querer
cantar."
Quando praticamos sadhana como Sasha, exercitamos nossa
escolha divina de abraçar o caminho da prática em nossa vida
cotidiana. A sensação de bem-estar que obtive com minha
sadhana da alimentação me levou a praticar a respiração cons-
ciente, o segundo pilar da sadhana da Wise Earth. Os ensina-
mentos védicos nos dizem que a respiração não consiste apenas
de ar, mas ela é força vital, prana, a energia orgânica que com-
põe as correntes do corpo sutil. O corpo sutil é nosso corpo não-
físico, que inclui a força vital do corpo, o intelecto, a mente e o
ego. O corpo sutil é a nossa energia vital. O prana é gerado
dentro dos chacras, os sete centros de energia distribuídos ao
longo da coluna vertebral.
De acordo com o antigo folclore indiano, a linda donzela
Savitri estava sentada à beira de um lago tocando sua vina, um
instrumento musical de cordas. Enquanto tocava, os cisnes que
deslizavam pelo lago cantarolavam a melodia. Um eremita que
passava não conseguia acreditar em seus ouvidos. "Que poderes
você tem para cantar e tocar de forma tão divina?" perguntou ele
a Savitri e seus cisnes. Ela sorriu e respondeu, "Minha respiração
é completa." Os cisnes responderam, "Nós comemos o grão
sagrado." O sopro divino nos dá vida e nos inspira, permitindo
que vibremos em harmonia com a natureza e nos comuniquemos
por meio de seus ritmos (os cisnes), como também o fazem os
alimentos que vêm da natureza (o "grão sagrado").
A força vital de toda a criação, o prana, faz com que a Terra
gire em torno do Sol, e que a Lua orbite ao redor da Terra. O
prana movimenta o ar, a água, os nervos, as células de memória,
e as marés oceânicas. É a base do pensamento e da consciência
que habita dentro do corpo, e também a base de todas as criações.
A respiração consciente ajuda a acalmar a mente, para que nossos
pensamentos possam entrar em harmonia com a intuição.
Mais adiante neste livro, aprenderemos sobre o pranayama, o
controle e a expansão da respiração, uma das práticas centrais da
ioga. Descreverei diversas técnicas respiratórias especialmente
projetadas para controlar nossas energias mentais e físicas. A
consciência da respiração é a base da meditação. Quando a
respiração está agitada ou irregular, nossos pensamentos ficam
dispersos e as ações, confusas. Quando a respiração está firme, a
mente e o corpo a acompanham. Como você verá, a meditação
não é um ato da vontade ou simplesmente a prática de se sentar e
observar a respiração enquanto ela flui de forma calma e regular.
O propósito da meditação é acalmar a mente, proporcionar ao
sistema nervoso uma energia focada, e transcender a realidade
visível, audível e tangível. A consciência momento-a-momento,
cultivada pelas práticas de sadhana, constitui a meta verdadeira
da meditação.
Um grande obstáculo enfrentado pelos ocidentais que que-
rem atingir a harmonia com as forças da natureza é o hábito de
depender apenas da mente racional. Na tradição védica, o plano
mental é apenas um entre vários componentes de nossa inteli-
gência, aquele que nos ajuda a criar, a assimilar as experiências,
a analisar as situações, e a resolver os problemas da realidade
física. Entretanto, o pensamento sozinho não pode nos conectar
às dimensões interiores nem à consciência cósmica. Na verdade,
os julgamentos e os preconceitos da mente racional muitas vezes
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nos afastam da Fonte Divina. A meditação, a contemplação, e as
práticas espirituais diárias nos permitem conectar nosso pen-
samento à consciência, ativando a intuição, ou buddhi.
No final da década de 1960, Herbert Benson, M.D., conduziu
uma pesquisa na Universidade de Harvard para medir as
respostas fisiológicas dos praticantes de meditação. Para sua
surpresa, Benson descobriu que a meditação desacelerava as
batidas cardíacas, a velocidade respiratória, e o metabolismo em
geral. Ele chamou este estado de reduzido estresse, exercendo um
sem-número de efeitos positivos nos diversos sistemas do corpo,
de "reação de relaxamento". As experiências de Benson
provaram às comunidades científicas e médicas aquilo que os
videntes védicos já sabiam há milhares de anos: a meditação faz
bem à saúde física e à saúde espiritual.
O uso do som é o terceiro pilar da sadhana da Wise Earth.
Os iogues empregam o som para despertar a consciência. De
acordo com os Vedas, o som é a origem de toda a vida. Apesar
de percebermos nossos corpos como matéria sólida, cada célula é
formada por vibrações e interações de energia. Somos feitos de
sons vivos, e nossos ritmos individuais dependem das vibrações
maiores do universo, que os alimentam. Nós carregamos o som
primordial do universo, dentro de nossos centros de energia, ou
chacras, também chamados de núcleos vibratórios de
consciência.
Os videntes védicos nos dizem que o som mais sagrado do
universo, o Om, vibra no espaço do sexto chacra, localizado na
altura das sobrancelhas, entre os olhos, na área conhecida como
"terceiro olho". "O Om é a essência do pensamento, da palavra e
do som", diz a Chandogya Upanishad. O Om representa a
consciência pura. Pelo emprego de cantos védicos e de palavras
sagradas sânscritas, conhecidas como mantras, cada uma das
quais começando ou terminando com "Om", podemos acessar o
poder interior da intuição.
Por meio da entonação de sons, o praticante evoca o enorme
poder que reside dentro dele, fortalecendo a respiração,
energizando a mente e imunizando o corpo. Os videntes védicos
definiram mantra como sendo tanto o meio sonoro empregado na
meditação que usa sons quanto a forma de invocar a energia
divina das deidades. E não sou apenas eu a acreditar que a terapia
do som é uma poderosa medicina. Na verdade, existe uma
enorme variedade de comprovações científicas a demonstrar o
poder curativo do som.
Na Wise Earth School usamos diferentes formas de sons e
cantos com a intenção de intensificar nossa sadhana, como será
explicado nos capítulos 9 e 10. Um bom exemplo da energia
universal do som funcionando a nível vibratório foi dado por
Joey, o filho de três anos de Marian, uma de minhas alunas. Joey
nasceu completamente surdo. Depois de várias baterias de
exames clínicos, os médicos declararam que sua condição era
irreversível e que ele nunca reagiria aos sons. Mas certa manhã,
enquanto Marian tocava tambor e cantava acompanhando uma de
minhas fitas de cantos védicos, Joey entrou no quarto e começou
subitamente a dançar, perfeitamente em harmonia com o ritmo
do canto. Perplexa com o comportamento dele, Marian chamou
seu nome alto. Joey não deu sinais de ter ouvido, mas continuou
a dançar pelo quarto. Tão logo ela desligou a música, ele parou
de dançar. Quando ela voltou a tocar a fita, ele recomeçou a se
movimentar no ritmo do tambor.
É claro que Joey não conseguia ouvir a música, mas conse-
guia sentir a vibração do tambor, e respondia no ritmo do canto.
O sorriso em seu rosto era a prova de sua excitação por ter
encontrado um jeito de "ouvir". Sons de cura, portanto, podem
ter um efeito muito mais profundo do que o que é apenas audível.
Da mesma forma que a Terra se move em harmonia com as
vibrações da música celestial, nós também podemos nos tornar
conscientes destes ritmos e nos movermos em harmonia com o
todo. Basavanna, um poeta espiritual que viveu em Karnataka,
Índia, em torno de 1200 d.C, declarou: "Façam de meu corpo a
trave de um alaúde. De minha cabeça, a cabaça de ressonância.
De meus nervos, as cordas. De meus dedos, as cravelhas. Então
abrace-me com força e toque, toque sua canção, oh Senhor dos
rios que se encontram."
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SEGUINDO O PRÓPRIO CAMINHO
25
exercício que se segue. Cozinhe uma refeição por semana
segundo os princípios ayurvédicos. Ouça música enquanto pre-
para a refeição; não importa se ouve cantos védicos, Chopin ou
Coltrane, desde que a música fale ao seu coração. Cante os sons
primordiais simples e monossilábicos om e ham, e os outros
mencionados no capítulo 10. Você verá que a prática da
alimentação, respiração e som são três aspectos de um todo in-
divisível, três manifestações diferentes da nutrição do espírito.
Eventualmente, estas três sadhanas alimentarão seu desejo de
intensificar a prática.
Enquanto lê O caminho da prática, lembre-se de que a sa-
dhana na verdade é uma jornada. Comece quando e onde puder,
com as práticas de que gosta. Você pode progredir tão devagar
quanto quiser. Pode, por exemplo, decidir passar um mês tra-
balhando em cada sadhana separadamente, e depois juntar as
três. Ou talvez prefira começar com as três ao mesmo tempo.
Abra a mente e o coração, e veja o que acontece. Talvez descubra
que o caminho da prática irá conectá-lo a um rico passado
ancestral, e a uma nova vida de alegria e saúde perfeita.
PRIMEIRA PARTE
ENCONTRANDO O
CAMINHO D A CURA
27
CAPÍTULO 1
ESPÍRITO IMIGRANTE:
AS MINHAS JORNADAS DE CURA
Meu bisavô pelo lado paterno veio para a Guiana em 1889, não
apenas porque queria uma vida económica melhor para a sua
família, mas também porque era um pujari, um sacerdote hindu.
Os ingleses haviam concordado em trazer alguns pujaris, em
resposta à convicção dos imigrantes indianos de que os sacerdo-
tes poderiam acabar com a grande seca de 1889 se executassem o
Chandi Homa, um ritual védico para chamar as chuvas. Não
obstante os sacerdotes jejuarem por dois meses e executarem
diversos rituais religiosos considerados indispensáveis para cha-
mar as chuvas, os céus continuaram secos sobre nossas cabeças.
Entretanto, meu bisavô perseverou. Recém-chegado a Port
Mourant, entrou no fosso cavado para os rituais védicos do fogo
e jejuou sozinho por mais dois meses, até que os céus finalmente
se abriram. Os aldeões levantaram seu corpo emaciado do fosso e
colocaram em seu lugar um Shiva lingam, a antiga "marca de
Shiva".
O primeiro mandir, ou templo, da Guiana foi construído
naquele local. Meu bisavô serviu como sacerdote chefe no Tem-
plo Shivala, como foi chamado, até sua morte, pouco após o fim
da seca.
Meu pai, Bhagwan Rampersaud Tiwari, era o filho mais
novo de uma família grande, e se tornou um grande professor.
Sua pele dourada, seu abundante cabelo negro e corpo musculoso
evocavam a beleza e o brilho de Surya, o deus sol védico.
Quando tinha dezoito anos, sua mãe adoeceu de forma terminal.
O pai tinha morrido havia poucos anos, por isso ele teve de
32
cuidar de sua mãe durante os últimos dias da vida dela. Esta
experiência teve um profundo efeito sobre ele, gerando uma
enorme compaixão.
Entretanto, meu pai tinha um lado rebelde, e acabou
arranjando duas esposas, o que, apesar de fazer parte da antiga
tradição, não é bem-visto entre os indianos modernos. Por isso
vivia tendo de acalmar as sensibilidades ultrajadas de suas duas
orgulhosas mulheres, Jayadevi, que eu chamava de "mãe mais
velha", e Kalideva, minha mãe biológica.
Depois do nascimento do primeiro filho, meu pai se
tornou menos rebelde e começou a se conectar mais à cultura
natal. Estudou as escrituras indianas e praticou as pujas, ou
sacrifícios rituais, que são observados em todos os lares indianos
ortodoxos. Um leitor constantemente interessado em tudo o que
havia disponível, além de um grande intelectual, ele fez cursos
por correspondência em universidades de diferentes países, além
de se formar como técnico dentário em uma conhecida escola
odontológica nos Estados Unidos. Ele fabricava até mesmo os
próprios instrumentos odontológicos. Vinham diplomatas das
ilhas próximas, inclusive Trinidad e Jamaica, para que meu pai
tratasse de seus dentes. Além disso, ele também era conselheiro
familiar, casamenteiro local, astrólogo, e um ávido tocador de
bandolim, cuja canção ocidental preferida era "Red River
Valley".
Nas horas vagas, meu pai construiu um templo indiano
em nossa aldeia. Era exímio no uso do sânscrito, do urdu e do
hindi. Depois de estudar as escrituras indianas, começou a
estudar a Bíblia e o Corão. Como resultado de sua compreensão
destas religiões, ele conseguia aconselhar o clero em nossa
região, diminuindo as diferenças entre hindus e muçulmanos,
africanos e indianos, ao citar suas escrituras e mostrar que, atrás
das aparentes diferenças, o Espírito era o mesmo. Enquanto per-
manecia firme como devoto da tradição hindu, administrava a
educação dos filhos para que crescêssemos com as mentes aber-
tas e tolerantes para com outras culturas, vivendo em amizade
com nossos vizinhos africanos.
Meu pai construiu praticamente sozinho nossa casa de
madeira, com suas amplas varandas, feitas de acordo com os pre-
ceitos da arquitetura védica. O tradicional fogão de barro, por
exemplo, ficava na parede oriental. Eu sempre penso em minha
33
mãe, com o rosto banhado pela dourada luz matinal, de pé em
frente ao fogão cozinhando o dhal, ou o feijão moyashi do café
da manhã. Nosso dia começava cedo, com os galos cantando às
quatro da manhã (hoje em dia, os galos cantam o dia todo, triste
prova de que também perderam sua conexão com os ritmos da
natureza). Depois que as mães nos acordavam, elas executavam
seus rituais matinais, enquanto papai liderava o canto em nossas
orações. O café da manhã era preparado na lareira de lenha, com
uma amostra da refeição sempre oferecida ao fogo
(representando o sacrifício para o Divino) antes de nos servirmos.
Então trocávamos nossos pijamas indianos pelo desconfortável e
rígido uniforme escolar — saias pregueadas azul-marinho, blusas
brancas engomadas, gravatas listradas. Com nossos pés descalços
envolvidos em sapatos pretos de verniz, saíamos para um dia
escolar totalmente inglês. Só ao voltar para casa retomávamos
nossas identidades indianas, com as lições de hindi e das
escrituras dadas por meu pai ou pela mãe mais velha.
Meu pai tentou preparar seus filhos (onze ao todo,
incluindo meu primo Mahendra, que foi criado em nossa casa
como irmão) para a vida na Guiana e no mundo fora de nossa
pequena comunidade. Pontuou nossa educação inglesa com as
âncoras de nossa própria tradição, porque entendia que só pela
formação acadêmica poderíamos romper os grilhões de dor
herdados das gerações anteriores.
Certas tardes, cansada da escola e de brincar, eu deitava a
cabeça no colo de minha mãe enquanto ela passava os dedos em
meu cabelo procurando piolhos, um problema recorrente em
nossa escola rural. As mulheres da aldeia, confortavelmente
sentadas em suas varandas, limpavam e peneiravam grãos e dhals
nas cestas feitas em casa. Shi, shi, shi, o sussurro reconfortante da
tarde que passava. Eram os sons da vida, as harmonias naturais,
os ritmos que nos uniam.
A atmosfera comunitária englobava a preparação das
refeições e todas as atividades da cozinha, como bater os grãos e
os temperos, bem como as outras preparações que eram parte de
nossa vida diária. A comunidade inteira encontrava-se ligada à
terra de maneiras que seriam difíceis para os moradores urbanos
de hoje imaginar. Do lado de fora de nossas casas havia grandes
pântanos recobertos de capim alto, onde os grous e outras espé-
cies selvagens se multiplicavam. Ainda posso sentir o cheiro da
34
lama da Guiana, que é diferente do cheiro da lama de qualquer
outro lugar no mundo. Era espessa, escura e aveludada, e quando
a chuva caía sobre ela fazia um som redondo e musical, como
sapos pulando em um lago. Eu tinha total consciência da
variedade dos sons da Guiana, e, apesar de haver visitado e
vivido em áreas rurais de diversas regiões, ainda não ouvi o tipo
de sons que podem ser ouvidos naqueles terrenos mistos de
oceano e selva. A Guiana era uma terra misteriosa, cheia de
acordes indianos, ritmos africanos e hierarquias inglesas.
Esta forma de vida, conectada aos ritmos e à sabedoria
da terra, plantou em mim as sementes da minha redescoberta da
sadhana muitos anos mais tarde. Apesar do sofrimento de meus
pais, avós e bisavós, de seu distanciamento da terra natal, não
obstante as realidades brutais da vida em uma sociedade colonial,
eles conseguiram preservar as formas antigas que estavam, já
naquele tempo, se perdendo na índia e no resto do mundo. Eles
entrelaçaram os ritmos do plantio, da colheita, do cantar e dançar,
e os teciam numa vida que acontecia ao redor do lar. Apesar de
tradicionalmente serem as mulheres as curandeiras e as
instrutoras das práticas antigas, meu pai fez questão de que suas
filhas recebessem uma boa educação formal — o que era pouco
convencional naquele tempo — e sempre deu prioridade aos
nossos deveres escolares em detrimento das tarefas da cozinha.
Depois que nosso país ficou independente dos ingleses
em 1966, irrompeu a guerra civil entre os guianenses das etnias
africana e indiana. Sessenta e cinco por cento da população in-
diana fugiu do país. A história se repetiu para minha família.
Meu pai planejou cuidadosamente a saída dos cinco filhos mais
velhos, inclusive eu, para três países diferentes — a Inglaterra, os
Estados Unidos e o Canadá — onde ele pretendia que conti-
nuássemos nossos estudos. O respeito que tinha pelas pessoas
independente da cor ou da raça acabou salvando sua vida e as
vidas de seus familiares. Quando a guerra civil se agravou e as
milícias negras do novo governo começaram a assassinar
indianos, os africanos da comunidade de meu pai o ajudaram a
fugir para o Canadá.
A imigração para Nova York em 1968 foi o início de mi-
nha escapada da tristeza que permeava minha família e meu país.
Fiquei triste em deixar a família, mas entusiasmada com a grande
aventura que se estendia à minha frente. Levada por um profundo
35
desejo de construir uma vida nova e independente para mim,
virei as costas ao passado. Eu evitava a crescente colônia de
imigrantes guianenses estabelecida em Queens, preferindo viver
em Greenwich Village, onde achei um apartamento na rua
Horatio. A Lancaster Village, onde eu crescera, era uma
comunidade de talvez 500 pessoas. Minha nova aldeia tinha mil
vezes mais habitantes, mas eu me senti confortável ali desde o
primeiro dia.
CONSTRUINDO A MÁSCARA
A JORNADA DO CÂNCER
O CONFORTO DA NEVE
47
CAPÍTULO 2
OS DIVERSOS ROSTOS DA MÃE DIVINA
O ESPÍRITO DE PROTEÇÃO
49
decepções e fracassos, que tendem a nos impedir de nos mo-
vermos, e de caminharmos para a frente. Estas forças negativas e
destrutivas, quer se manifestem como turbulência externa ou
interna, podem ser percebidas como oportunidades espirituais
para promover mudanças construtivas em nossa vida. Elas assi-
nalam a época de fazermos uma pausa, examinarmos a nós
mesmos e nossas motivações, e nos reorientarmos. Todos temos
que lutar para entender o sentido dos chamados desastres, que
são, apesar de difíceis de reconhecer de imediato, expressões do
grande amor e do espírito nutriente da Mãe. Quando nos
afastamos do caminho divino, a Mãe responde com um amor
duro, com sua força e seus atos. Da mesma forma que nos envia
situações e desastres que nos apavoram, ela também nos dá
coragem para vencer nossos medos.
Há alguns anos, recebi um telefonema frenético de
Gloria, uma aluna de origem inglesa que estava retornando aos
Estados Unidos depois de várias semanas na Inglaterra. Apesar
de ter um visto válido para entrar nos Estados Unidos, as
autoridades de imigração do aeroporto de Heathrow, a pequena
distância de Londres, haviam se recusado a permitir que ela
entrasse no avião. Desesperada para obter ajuda, ela me chamou
da sala de imigração do aeroporto, perguntando o que fazer.
"Existe uma razão para isso acontecer", disse eu a ela. "O
que você tem que fazer ainda na Inglaterra?"
Gloria começou a chorar e por cerca de um minuto tudo
o que ouvi foram seus soluços. Finalmente, ela conseguiu se acal-
mar o suficiente para me dizer que havia perdido contato com sua
família há sete anos. Durante a infância de Gloria seu pai era um
alcoólatra, e apesar de estar sóbrio agora, ela ainda trazia dentro
de si as cicatrizes psíquicas de suas fúrias durante as bebedeiras.
Ela prometera a si mesma que nesta viagem procuraria a família,
mas os dias passaram e sua intenção se enfraqueceu, e ela nunca
chegara a telefonar para eles.
A solução me parecia óbvia. "A Mãe Divina não vai
deixar você sair da Inglaterra enquanto não restabelecer contato
com a família", disse eu. "Acho que você não tem escolha —
volte para Londres e telefone para eles."
Relutantemente, Gloria concordou em seguir minha
sugestão. Da próxima vez que deu notícias, estava de volta a San
Francisco e sua voz parecia leve e cheia de entusiasmo. "Não
50
apenas telefonei para eles, mas cheguei a passar uns dias com
eles", disse ela. "Ficaram tão contentes de me ver, e consegui
trabalhar diversos sentimentos negativos do passado. Foi óti-mo
passar uns dias com meu pai sem ter que me preocupar se ele ia
ter um acesso de fúria. Você deve ter razão sobre a Mãe Divina,
porque quando apareci em Heathrow uma semana depois, não
houve nenhum problema com a imigração."
Eu invoquei a Mãe Kali para me ajudar a vencer a dor da
convalescença e os obstáculos de minha vida espiritual. Há vinte
anos, procurei um astrólogo védico que me deu um mantra de
Kali, que uso até hoje para convidar a energia curadora da Mãe
Divina a fazer parte de minha vida. A Mãe Kali já me ajudou
diversas vezes a vencer diferentes medos e limitações.
Para utilizar este poder feminino, imagine-se como uma
guerreira feminina, e passe alguns minutos todos os dias invo-
cando a presença de Kali em sua vida. Encontre um lugar calmo,
onde você sabe que não será interrompida, e repita o mantra de
Kali quantas vezes achar que é apropriado (uma jovem aluna
minha, que é corretora de imóveis, canta o mantra de Kali ao
fazer o percurso de quarenta minutos entre sua casa e o escritório.
Ela diz que o mantra a prepara para lidar com as diversas crises
que inevitavelmente ocorrem no trabalho).
51
Depois da visualização, recite o mantra de Durga para selar as
lições da Deusa Guerreira e a proteção dela dentro de você.
Talvez queira arranjar um póster da Guerreira Kali e pendurá-lo
em um lugar onde possa contemplá-lo em silêncio, olhando para
seu semblante marcante. Ao meditar, invoque dentro de si os
cinco aspectos da deusa, de forma a remover as barreiras de seu
caminho físico, emocional e es-pi ri tual.
52
representa a Manifestação Divina através da qual a alma evolui.
Portanto, seria útil repetir o mantra pelo menos dezoito vezes.)
53
da Mãe. Entendi que cada gesto que fazemos pode fluir em
harmonia com as energias da Mãe Divina, invocando-as, se
tivermos consciência da sua imensa presença em nossas vidas.
Durante o período inicial de minha recuperação, também busquei
conforto na leitura da "Canção do Senhor", a Bhagavad Gita,
composta há 2.500 anos. A Gita abriu outros caminhos para mim
e me fez descobrir as gerações mais recentes de místicos
indianos, como os Alvars e os Bauls, que compuseram o
Bhagavata-Purana e a Gita-Govinda, obras que falam sobre a
redenção pelo amor e pela devoção a Deus. No Bhagavata-
Purana o Senhor é tratado como se fosse um amante: "Da mesma
forma que o fogo alto reduz a madeira a cinzas, a devoção a Mim
remove todos os pecados." A Gita-Govinda usa metáforas
sensuais para demonstrar a paixão física que um devoto
experimenta quando ele ou ela contemplam o Divino: "Ele me
deitou em uma cama de cachoeiras. Por um longo tempo, des-
cansou em meu peito, enquanto eu o acariciava e beijava.
Abraçando-me, ele bebeu de meu lábio inferior."
Tendo a Mãe como guia, comecei a experimentar uma
profunda paixão, um senso de propósito, e a rezar muito.
Comecei também a me religar à minha família e sua reverência
pela Mãe Natureza, pelas práticas tradicionais de danças
espirituais, poesia, canções, posturas de ioga e preparação de
alimentos naturais. Mediante estes atos de devoção para com a
Mãe, a debilidade de meu corpo e de meu espírito começaram a
sarar. Por meio desta prática inicial de sadhana, comecei a
entender que nunca mais estaria sozinha, porque agora a Mãe
Primordial estava comigo.
A medida que minha fé na Mãe crescia, comecei a
entender que era preciso reconhecer meus pontos vulneráveis —
aqueles momentos quando eu me sentia mais ferida e indefesa do
que nunca. Aprendi que eu podia me voltar para a Mãe para que
ela me ajudasse a obter nova compreensão e força — em resumo,
era preciso permitir que um renascimento ocorresse. Esse foi meu
primeiro pressentimento do real significado de minha
feminilidade — a energia que os mestres védicos chamam shakti,
a energia feminina primordial dentro de todos nós, sempre capaz
de emergir para nutrir e curar todas as coisas.
De acordo com os videntes védicos, a feminilidade da
mulher não pode existir separada de sua shakti — a energia una
54
de onde emergem todas as coisas. Shakti é o poder da Mãe por
trás da criação, englobando os mistérios sagrados da criação,
regeneração e destruição — uma metáfora para a feminilidade.
No início da criação, conforme descrito no Shakta Advaita, a
Mãe Divina tomou forma e colocou em andamento a roda da
manifestação. Ela outorgou seu espírito de cura ao útero e às
energias regeneradoras de todas as fêmeas de todas as espécies
do universo. Nós recebemos a energia shakti, transmitida pela
linhagem feminina, como parte de nossa memória ancestral, pelo
útero de nossa mãe. As sagradas escrituras do Tantra nos
informam que esta energia primordial permanece em sua forma
potencial nos homens, e está ativa nas mulheres. Para crescer
espiritualmente, para evoluir em nosso nível de consciência, os
dois sexos precisam reverenciar e refinar a shakti dentro deles.
A Mãe Divina concedeu dois dons a todas as mulheres: o
poder de nutrir e o poder de proteger. A shakti é mais do que
apenas a energia de reprodução. E o espírito que protege o que é
sagrado, que coleta os alimentos, que reverencia o divino, que dá
à luz as crianças, as inspirações, as ideias e a arte. O Atharva
Veda fala do espírito que nutre: "A Deusa cujo nome é 'Nutrição'
habita em sua própria ordem cósmica. E por causa dela que as
árvores são verdes, e verdes suas guirlandas de flores."
Como Aditi, a Mãe alimenta os deuses com seu leite e
lhes ensina os segredos de cura contidos na memória celular das
plantas, ervas e minerais. No ayurveda, as ervas representam a
Deusa. Desde o início dos tempos, as curas que ajudam e dão
suporte à vida sempre vieram do lado feminino. Ela faz voltar ao
corpo a alegria, a saúde e a sabedoria, por meio de suas ervas,
chás, unguentos, alimentos e rituais. Todas as mulheres levam a
nutrição de Aditi em sua memória maternal, sua intuição e seu
espírito.
Você pode iniciar o processo de nutrir a si mesma,
nutrindo também indiretamente seu marido, filhos e todas as
outras cria turas ao invocar o poder da shakti. Vandana Shiva
conta uma história fascinante que ilustra esta verdade em Non-
violence in Animais. Uma mulher na índia protestou contra a
abertura de uma pedreira, e continuou a protestar mesmo depois
de apanhar e de ser apedrejada. Perguntaram a ela, "O que lhe dá
toda esta shaktiT Ela respondeu: "Está vendo o capim crescendo?
Nós cortamos este capim todos os anos, e ele cresce novamente.
55
O poder do capim é o mesmo poder que está em mim. Está vendo
as árvores crescendo? Elas têm duzentos anos. Todos os anos
cortamos estas árvores para alimentar o gado e manter vivos
nossos filhos, para que eles possam ter leite para beber, e as
árvores continuam crescendo e é esta shakti que está em mim.
Está vendo o riacho de água limpa? Esta água me dá vida e
também me dá shakti."
O primeiro passo para invocar a sua shakti é admitir que
você já a possui. Reconheça-a dentro de si, em seus sentimentos
e suas ações. Preste atenção à Mãe. Comece a perceber sua pre-
sença em tudo o que a cerca. Uma boa forma de iniciar é encon-
trar uma imagem ou aspecto da Mãe que a atraia — Aditi, Gaia,
Istar, Afrodite, a Virgem Maria, Avilokiteshvara, ou qualquer
outra forma da Mãe Divina — e mantenha-a perto de seu cora-
ção. Você pode vê-la em seus sonhos ou pode virar uma esquina
e encontrá-la no gesto de bondade de um estranho, em um ensi-
namento especial de um professor, ou no parceiro de seus sonhos.
Sua imagem pode aparecer onde você menos espera, para
proteger, confortar ou redirecionar você a novos níveis de rea-
lização.
Ontem apanhei um galho caído em meu jardim e vi,
naturalmente gravado no padrão da madeira, um claro retrato da
deusa Saraswati, sentada com sua vina, um antigo instrumento de
cordas, no colo. Algumas semanas atrás, eu estava mergulhada
nas fontes quentes de água sulfurosa perto de minha casa nas
montanhas Smoky. Inclinei-me para trás, entrei em silêncio
profundo, e olhei para o claro céu de outono. De repente, uma
borboleta pousou em meu rosto. Eu podia senti-la mordiscando,
quase imperceptivelmente, as gotas de água em meu rosto. Ela
ficou ali por um bom tempo antes de voar para longe. A borbo-
leta era um sinal da Mãe, um lembrete e um reconhecimento de
que tudo estava em paz em minha vida e dentro de mim.
Devemos reconhecer a Mãe em todos os seus aspectos.
Para os sábios, os rios que fluem nos Himalaias são a divindade
de Dhari Devi, a "Deusa da Corrente". Os picos himalaios como
o Badrinath e o Kadarnath são também adorados como manifes-
tações Dela. Da próxima vez que estiver em um campo aberto,
perceba como sua mente muda quando você observa o vento
soprando no capim. Quando está em uma tempestade chuvosa,
ouça seu coração bater juntamente com a pulsação das gotas e
56
com o ritmo da água. Esse alinhamento com as forças da natureza
vem de nosso shakti-prana, a respiração da Mãe movendo-se
dentro de nós.
Uma forma poderosa de cultivar o shakti-prana da Mãe
Divina é praticar a postura da deusa, a shakti asana.
Shakti asana, a
postura da Deusa.
Com a cabeça apontada para o leste, deite de costas e es-
tique as pernas, abrindo-as na largura dos quadris. Deixe os
braços esticados ao longo do corpo, com as palmas voltadas para
cima. Junte as palmas dos pés de forma que os joelhos caiam
naturalmente de cada lado, aumentando o alongamento sem
forçar demais. Sinta o alongamento da bacia, e visualize a
respiração entrando por sua vagina. Deixe que esta energia flua
até seu abdómen. A seguir solte lentamente a energia,
expulsando-a pela vagina. Com cada inspiração, imagine a shakti
na forma de uma luz branca que inunda seu abdómen. Ex-
perimente o esplendor da shakti dentro de você. Mantenha a
postura por aproximadamente 5 minutos, a menos que sinta al-
gum desconforto. Gradualmente, aumente o tempo de pratica
desta postura, ficando cada vez mais confortável nela.
É importante lembrar que o shakti-prana não é exclusivamente
para mulheres, mas que pode ser experimentado por homens,
crianças, e por todas as formas de vida.
57
Seu corpo é o templo de seu espírito. Ele se compõe do
corpo sutil e do corpo físico. O corpo sutil é uma rede complexa
de energia dentro de nós, constituída por respiração, memória,
mente, intuição e consciência. Nossa alegria e bem-estar não
dependem do corpo físico, mas de aprender mais sobre o espírito
dentro de nós e da força vital maior do universo. Este conheci-
mento sobre o espírito nos ajuda a cuidar melhor de nossos
corpos e de nós mesmos de forma geral. Depois de meu câncer,
ao estudar as energias sutis, entendi que nunca poderia retornar a
uma vida baseada apenas no mundo material. Apesar de ainda
passar muitas horas por dia desenhando roupas, já não me
identificava com minha carreira. Agora o trabalho havia se
tornado uma forma de pagar as contas.
Quase sete anos após ter sido diagnosticada com câncer pela
primeira vez, comecei gradualmente a perder meu equilíbrio e a
reverter ao estilo de vida frenético de antes. Apesar de estar
saindo aos poucos da indústria da moda, ofereceram-me a opor-
tunidade de desenvolver uma franquia internacional de minhas
roupas, e mais uma vez caí nas malhas do desejo de deixar uma
marca como estilista. Durante uma conversa telefónica com meu
pai, admiti que estava tentada pela perspectiva de expandir meu
negócio em outro país. Percebendo que eu corria o perigo de
retornar à antiga forma de ser, meu pai veio me visitar. Ele me
ajudou a ver que eu estava sucumbindo às forças que já me
haviam derrubado antes, e lembrou o quanto me custara
reaprender as verdades de minha alma. Ele também me preveniu
que eu ficaria irreparavelmente ferida nesta vida se abandonasse
a sabedoria e o aprendizado que conquistara, para perseguir
metas mundanas.
A estadia de meu pai foi se prolongando de semanas para
meses enquanto ele se dispunha a aprofundar meu conhecimento
da vida holística, ensinando-me as escrituras védicas e diversas
formas de nutrição. Todos os dias quando eu voltava do trabalho,
fazíamos compras nos mercados chineses e nas lojas de comidas
naturais. Apesar de ambas as minhas mães, assim como suas
próprias mães, serem boas cozinheiras, eu realmente só aprendi a
cozinhar naqueles meses com meu pai. Ele me ensinou como
usar os antigos princípios ayurvédicos de equilíbrio cósmico em
cada refeição. Minhas horas de trabalho reduzi-ram-se ao mínimo
enquanto eu corria para casa todos os dias para as lições de
ayurveda e da sublime filosofia do Vedanta — os ensinamentos
da mãe índia desenvolvidos ao longo de milénios. Eu costumava
encontrar meu amado pai com o rosto tingido pela luz rósea do
crepúsculo de Manhattan, preparando o jantar ou afundado em
suas queridas escrituras. Da mesma forma que fizera durante as
visões que tive com ele em Vermont, ele me explicou a
Bhagavad Gita e as Upanishads, expandindo as explicações para
62
incluir os significados mais profundos de conceitos como carma
e darma.
Tivemos grandes conversas sobre o conhecimento
transmitido por ele naquela cabine em Vermont. Como turistas
excitados que voltavam de uma viagem a um país fascinante,
comparamos impressões sobre nossas jornadas visionárias. Pelas
visões que tivera de mim naquela época, ele sabia tudo sobre
minha luta contra o câncer, e contou-me que, exatamente na
época em que ele aparecera para mim, eu também aparecera para
ele no plano astral — o plano mais elevado que nossa
consciência e nosso espírito podem visitar — e ele conseguiu ter
ideia de minha dor e minha culpa. As datas, horas, e os conteúdos
de nossas visões mútuas coincidiam extraordinariamente. Meu
pai sabia até mesmo o momento exato em que eu finalmente me
livrara do câncer. Ele estava em seu jardim em Lancaster, Guia-
na, quando uma enorme gaivota — outro emissário da Mãe
Divina — pousou ao lado dele. Naquele momento ele soube, e
ficou feliz com minha cura.
Agora, disse meu pai, minha vida estava novamente
envolvida com um excesso de atividades, especialmente mentais.
Por isso ele tratou de replantar as sementes da tradição védica nas
profundezas de minha alma. Contou-me muitas histórias sobre
sua mãe, que era uma grande devota da Mãe Divina. Uma
história em particular deixou em mim uma impressão profunda.
Como eu já disse antes, meu pai tinha dezesseis anos de idade
quando sua mãe ficara doente. Seus irmãos e irmãs já estavam
casados, e ele era o único que ainda morava com ela. Ele tomou
conta da mãe enquanto o estado dela se deteriorava. Durante os
dois anos que precederam sua morte, ele a banhou, vestiu e
alimentou. "Toda a boa sorte que tive na vida se deve às bênçãos
de minha mãe", repetia ele. Sua generosidade e devoção à mãe
lhe trouxeram, realmente, uma graça imensurável, além de
aproximá-lo da Mãe Divina.
Além dos ensinamentos espirituais, meu pai me mantinha
ocupada com diversas atividades saudáveis, como moer grãos,
enrolar chapati, esmagar sementes de temperos, sovar massa e
mexer dhals. Quando eu ficava impaciente, ele me lembrava do
grande legado de sadhana que eu herdara de meus antepassados.
Uma tarde ele anunciou que iríamos ao Jackson Square
Park, do outro lado da rua em frente ao meu apartamento, para
63
assar pão. Diversas estrelas do mundo da moda e do
entretenimento moravam em meu prédio, e meu primeiro
pensamento foi, E se um de meus amigos passar e vir meu pai e
eu acocorados em frente ao fo gol
"Papai, é um parque público", protestei
desanimadamente. "Melhor ainda", retrucou ele, apanhando a
sacola de ingredientes e saindo pela porta para ir ao parque.
Minha vergonha desapareceu assim que ele se acocorou na terra
para demonstrar a arte milenar de assar pão. Vi um homem que
se recusava a restringir sua liberdade pessoal ou disfarçar a
reverência pela Mãe Terra. As pessoas começaram a se
aproximar e a observar com evidente fascinação enquanto
cavávamos um buraco, juntávamos gravetos e acendíamos o fogo
dentro do buraco. (Meu porteiro, geralmente um sujeito metido a
besta, foi ao porão de nosso prédio e retirou as pernas de madeira
das cadeiras quebradas empilhadas no canto, trazendo-as para
alimentar o fogo.) Enrolamos a massa e a colocamos sobre
alguns gravetos, que pusemos sobre a terra. Então meu pai pegou
uma pedra grande e cobriu o buraco, deixando um pequeno
espaço para ventilação. Quando o pão ficou pronto, ele se sentou
e sorridentemente respondeu às perguntas feitas pelas pessoas
aglomeradas ao nosso redor. Uma vez o pão assado,
compartilhamos o alimento com a multidão e alimentamos
nossos queridos pombos.
Papai havia surgido novamente em minha vida com um
propósito definido: religar-me ao meu passado ancestral. Ele
explicou que nossas memórias ancestrais são como um rio,
fluindo continuamente de geração a geração. Apesar de
podermos manipular o rio, não podemos alterar seu destino final.
Ele explicou que estamos de pé sobre os ombros de nossos
antepassados, mas se não nos alinharmos aos seus ritmos,
teremos de carregá-los nas costas. Entretanto, se dermos
continuidade à sadhana, esta energia nos fortalecerá. Ele me
lembrou que eu nasci em um dia auspicioso, o aniversário do
Senhor Rama, e que meu caminho na vida era um caminho
espiritual que podia ser traçado de volta por milhares de anos.
Sempre irei me lembrar de suas últimas palavras antes de
deixar Nova York: "Você é abençoada, Maya, e nunca deve
esquecer a presença de Devi — a Mãe Divina — em sua vida.
Ela a salvou para que você ajudasse os infelizes neste mundo, e
64
trouxe você de volta ao seu verdadeiro caminho." Muito tempo
depois dele haver voltado para casa, os ensinamentos de meu pai
ainda permaneciam em minha mente. Tudo o que consegui desde
então foi devido às suas palavras amorosas e ao seu profundo
amor pela Mãe, e também graças ao espírito imigrante de meus
antepassados. Meu pai fez com que eu recuperasse meu
verdadeiro propósito na vida e encerrasse o estágio dos desejos
materiais.
Enquanto esteve em Nova York, meu pai previu sua
morte iminente, que ocorreu quando ele fez setenta anos, alguns
meses depois de nos separarmos. Unidos pela tristeza comum,
minhas mães, irmãos e eu nos aproximamos, reaprendendo quem
éramos uns para os outros. A morte de meu pai foi um grande
golpe para mim, e senti o ímpeto de me jogar em seu fogo cre-
matório. Ele havia me tocado na parte mais recôndita de minha
alma, e agora partira. Eu acabara de dar meus primeiros passos
espirituais, e me perguntava como iria prosseguir sem a sua
orientação. Dois pilares me haviam sido retirados — minha
maternidade, na forma do útero, e agora meu pai.
A LUZ DO GURU
66
CAPÍTULO 3
AS ORIGENS E A
PRÁTICA DA SADHANA
Da mesma forma que existe óleo nas sementes de
gergelim, manteiga no creme, água no leito do rio, fogo
na lenha seca, também o Espírito está em nós quando
buscamos a Consciência.
- Svetasvatara Upanishad (1.1)
Jnana
mudra
A VISÃO VÉDICA
73
de práticas espirituais: dhyana (meditação), pranayama (práticas
respiratórias), hatha ioga (posturas de ioga), mantra (sons rít-
micos), mudra (gestos sagrados), sruti (orações, cantos e invo-
cações), e yajna (rituais), para mencionar apenas alguns.
Quando der início às práticas de ioga sugeridas neste
livro, por favor reconheça que as energias de Shiva e de Shakti
estão manifestas dentro de você: os princípios ha e tha
representam as forças lunares e solares. A meta básica da ioga é a
união destas duas energias primordiais e a integração das forças
vitais. O desenvolvimento da ioga constitui a sadhana, que é
também um caminho para a boa saúde e a elevação da
consciência.
Uma prática de ioga bastante simples que pode ser utilizada para
integrar nossas energias femininas (lunares) e masculinas
(solares) é a antiga e poderosa mudra. A palavra "mudra" é de-
rivada da raiz sânscrita mud ("trazer alegria"). E um gesto sa-
grado feito com a mão que usamos para fundir as duas energias
primárias, Shakti e Shiva, selando-as dentro de nosso corpo.
A mudra, como prática espiritual, pode ser encontrada
nos mais antigos rituais védicos da Deusa. Os deuses e deusas do
panteão hindu são retratados com suas mãos em diversas mu-
dras, evocando enormes poderes. A mudra nos conecta com
nossa divindade interna e leva a consciência ao corpo sutil — o
campo pessoal de energia que nos cerca, nosso duplo energético
74
ou campo vibratório. A mudra também nos torna conscientes de
nossas mãos como partes sagradas de nosso corpo que alcançam
todo o universo e conduzem a energia para dentro e para fora.
Da mesma forma que a prática do mantra, a mudra é
usada como instrumento de meditação, redirecionando a energia
da respiração (prana), aumentando a força vital, e estabilizando a
energia do corpo.
75
Encontre um local calmo e sente-se de pernas cruzadas de
forma confortável, sobre uma almofada, ou talvez com as costas
eretas em uma cadeira com o espaldar reto. Aproxime sua mão
esquerda do peito com a palma voltada para cima. Mantenha os
dedos juntos. Faça um punho com a mão direita e coloque-o bem
apoiado sobre a palma esquerda. Estique o polegar direito para
cima. A mão direita é uma metáfora para a respiração solar e a
mão esquerda para a respiração lunar. A configuração desta
mudra integra as energias de Shiva e Shakti dentro de você.
Feche os olhos e medite no deus Shiva, o Sutil. Vi suaii-ze-o
sob a forma de um linga, sentado firmemente sobre a base de
Shakti. Agora, visualize Shakti, a Formidável. Mantenha a mudra
por cerca de cinco minutos, e a seguir solte os braços. Continue
sua meditação visual izando a energia de Shakti dando suporte a
Shiva dentro de você.
Para ajudar sua visualização de Shiva, talvez você queira ter
uma representação dele, assim como um retrato ou uma pequena
estatua.
77
A SABEDORIA SIMPLES DA SADHANA
Depois que meu pai morreu, voltei à terra natal de nossos an-
cestrais na tentativa de descobrir e reviver as antigas práticas da
sadhana que constituíam a herança de meu povo na Guiana.
Entretanto, a índia que encontrei não era a índia de minhas
fantasias infantis, nem aquela que meus bisavós tinham deixado
para trás havia décadas.
Cheguei à mãe-pátria para constatar que as práticas
simples haviam diminuído, especialmente nos centros urbanos.
Elas ainda podem ser encontradas hoje em dia em algumas
aldeias das regiões rurais, mas a maioria já foi abandonada.
Precisei subir alto nos Himalaias para encontrar práticas que
satisfizessem minha intuição sobre como a sadhana deve ser
praticada, e como a Terra e a Mãe Divina devem ser honradas.
Visitei a aldeia da família de meu pai, que por acaso fica próxima
ao ashram de meu mestre. A seguir encontrei um antigo templo
de Krishna, onde meu bisavô fora pujari. Disseram-me que eu me
parecia muito com ele.
Enquanto viajava pela índia, percebi que de certo modo
eu tivera sorte de nascer fora de lá, em um lugar que mantivera as
sadhanas vivas. Como a Guiana estava cerca de cem anos atra-
sada em relação ao mundo tecnológico, conseguimos preservar as
lembranças de nossos antepassados.
Lá, meus bisavós e seus corajosos companheiros de
viagem haviam preservado as práticas que apoiam a vida,
mediante o cuidado incessante com os campos de arroz, as
plantações, as florestas, os rios e os animais. A terra era o centro
das práticas de meu povo. Através da sadhana, eles cultivaram
uma aliança com os ritmos naturais. Os rituais védicos que eles
executavam não eram repetições de ações e sílabas decoradas,
tudo o que resta atualmente na índia, mas uma recriação viva do
sagrado, ligada às dádivas da terra e ao suor das pessoas.
Ao preservar as memórias amadas da terra natal, meus
pais e avós resgataram o sagrado dentro deles e iniciaram o
processo de cura para seus espíritos alquebrados. O amor, a
redenção ou a cura que conseguiram gerar em suas vidas são
devidos ao poder da sadhana. Meu avô por parte de mãe, por
exemplo, era um agricultor devotado que passava todo o seu
tempo na plantação. Raramente ia para casa, preferindo viver à
78
sombra das bananeiras, que o protegiam do escaldante sol
tropical.
Meu avô passou a maior parte de sua vida em silêncio.
Quando meus irmãos e eu fomos visitá-lo em suas terras, ele nos
serviu alimentos frescos de seus campos, cozidos sobre um fogo
aberto. Ele curava muita gente por meio de um simples toque e
era famoso por reparar uma luxação ou uma fratura simplesmente
segurando a parte afetada com firmeza entre suas mãos calejadas.
Minha mãe fazia a mesma mágica, massageando gentilmente
nossas cabeças para curar dores de cabeça e tocando diversos
pontos no corpo para curar dor de estômago. Ela lavava nossos
pés à noite para que tivéssemos um bom sono, e antes das provas
colocava minha cabeça em seu colo, o que parecia permitir que
eu retivesse na memória enormes quantidades de fatos e de
informações. Todos estes confortadores atos de amor
incentivavam a energia da sadhana, passada para ela por seu pai,
e que florescia nos corações de seus filhos.
Mais tarde, quando a guerra civil expulsou grande parte
da população indiana da Guiana, parecia ser parte do Plano
Divino espalhar as sementes da sadhana pelo mundo afora.
O Buda ensinou que não existem pessoas iluminadas, mas
simplesmente ações atentas e conscientes que conduzem à ilu-
minação. Nas palavras de Swami Dayananda: "Medite em si
mesmo o tempo todo e encontrará o caminho." Para uma mente
que está sempre ligada à consciência, vivendo no momento
presente, cada pensamento é um reflexo da consciência.
Quando acolhemos cada novo momento sem ter medo do
que virá depois, passamos a viver o espírito da sadhana e todos
os instantes ficam plenos de divindade. A sadhana pode ser
praticada simplesmente respirando, tendo um pensamento com-
passivo, dizendo uma palavra bondosa, pegando uma folha de
grama, alcançando uma fruta no pé, sentando-se ao sol para sentir
seu calor ou tocando a terra com os pés descalços. Em resumo,
sadhana é permanecer consciente da ligação que nos mantém
dançando ao ritmo das vibrações cósmicas. Nossa percepção
contínua desta conexão constitui o coração da sadhana.
Uma história védica ilustra a coragem e a beleza da vida
humana quando reconhecemos o espírito que habita dentro de
nós. Um cervo saiu procurando a fonte do maravilhoso aroma
almiscarado que estava no ar. Ele procurou longe, por toda a
79
floresta, sem perceber que o cheiro, na verdade, vinha dele
mesmo. Ao contrário deste cervo que buscava a fonte do próprio
aroma, temos a capacidade de reconhecer nosso próprio cheiro
"almiscarado" — a consciência dentro de nós. Depois de
desenvolvermos esta consciência, ficamos mais atentos às nossas
atividades e a todos os momentos do nosso existir. Ao nos
aproximarmos do espírito, passamos a viver no presente, e
cessamos nossa eterna preocupação com o que virá depois.
Quando permanecemos atentos a cada instante,
preenchendo nossos dias com as práticas nutrientes que
regeneram o corpo, a mente e o espírito, curamos a nós mesmos e
ajudamos os outros a se curarem. O caminho da prática nos ajuda
a encontrar nossa própria voz e trilhar nosso verdadeiro caminho.
Só então poderemos viver uma vida de simplicidade, em real
harmonia com os ritmos cósmicos.
A natureza nos dá uma base variada para a prática
espiritual. Podemos começar a sadhana prestando atenção ao
óbvio: o som das gotas de chuva caindo no lago, o cheiro do ar
fresco em uma manhã de primavera, o gosto do primeiro pêssego
do verão, o frio dos ventos que anunciam o inverno. O som, o
cheiro, o gosto e a sensação da natureza despertam
imediatamente a nossa consciência. Podemos imitar a experiência
da natureza em nossa própria cozinha, sentindo o aroma rico da
ghi ao ser preparada (ver receita na p. 319) ou picando legumes
em suas linhas de vida (as linhas de força vital inscritas em todos
os alimentos, através das quais eles recebem energia e vitalidade
da Mãe Terra). Quando treinamos nossa mente para observar os
detalhes mais simples e evidentes, como por exemplo a "linha
vital" de um alimento, estamos vivendo espiritualmente de forma
pacífica. A escritura Tamil Tirukural aconselha: "Qual é o bom
caminho? E o caminho que tenta evitar machucar ou lesar qual-
quer ser vivo." Quando adotamos este tipo de prática, nossa
respiração se move com facilidade, a mente se torna pacífica, e a
inspiração aparece.
A sadhana é a prática da meditação em movimento, e
esta prática é como um lótus. Profundamente enraizado na lama,
o lótus expressa sua essência em uma linda flor. Como o abrir-se
das pétalas do lótus, a sadhana deve ser gradual e contínua em
nossa vida, em consonância com os ritmos da natureza. Estas
práticas podem fazer de cada momento uma meditação. Como
80
resultado, despertamos para nosso propósito e nossa memória
individual, atingindo a compreensão de que o Ser é sagrado.
Pratique sadhana como uma ação divina. Pratique para
refinar suas ações e não pelos resultados aparentes. Plante uma
semente de alegria apenas pelo prazer de plantar. Viver na sa-
dhana vivifica nossa aliança com o universo. Ao praticar de
acordo com os ritmos cósmicos e desistir de controlar nossa vida
e a natureza, o senso de separatividade da presença da Mãe
Divina se evapora, juntamente com nossa dor e nossa sensação
de luta pela vida.
Termine todas as ações que começar. Os ritmos da
natureza pedem que cada ocorrência chegue ao seu final. Ao
terminar cada ato iniciado, você pede ao universo que lhe dê
tempo para restaurar as energias naturais. A cada ação terminada
se-gue-se um sentimento de exuberância — a alegria que surge
depois de plantar os campos naquele ano, terminar um quadro, ou
lavar os pratos depois de uma refeição deliciosa e saudável. O
coração se torna leve e bem resolvido, e o prana flui suavemente
por ele. O espírito da graça, trazendo gratidão pelas dádivas
recebidas, é fortificado.
Sempre que termino um projeto, separo alguns dias para
sentar-me em silêncio ou encontro outra forma de renovar meu
espírito e minhas energias. Recentemente terminei dois pro-
gramas de treinamentos intensivos, que duravam uma semana
inteira cada um. Em vez de mergulhar de cabeça na próxima
obrigação, decidi visitar minha mãe, que vive a várias horas de
distância de mim. Ela estava no processo de se mudar para uma
nova casa, e senti-me abençoada por poder passar algum tempo
com ela, ajudando-a a empacotar os objetos e se aprontar para a
mudança.
Enquanto arrumávamos suas coisas, separando o que ela
queria manter e o que seria dado, compartilhamos muitas lem-
branças. Rimos e choramos ao rememorarmos vários incidentes
de minha infância na Guiana, e eu realmente senti a presença da
Mãe Divina em minha própria mãe. As tarefas simples que
compartilhamos — preparar o mingau de aveia matinal, lavar a
roupa, encher as caixas com roupas e objetos, todas elas ajuda-
ram a descansar minha mente e a renovar meu prana, de forma
que voltei para casa ansiosa para dar início ao próximo projeto.
Uma tarefa terminada com um "muito obrigada" se torna uma
81
invocação à Mãe Divina. Mas precisamos reservar o tempo
necessário para executar a tarefa, e também para assinalar seu
fim. O primeiro passo é reordenar e recuperar o caminho da sa-
dhana na vida cotidiana, para que possamos resgatar os padrões
universais e os ritmos necessários para a saúde e a consciência.
Apesar de nos últimos dois séculos ter havido um grande lapso
nas tradições de sadhana, ainda podemos ser catalisadores de
uma consciência mais elevada por meio do exemplo e do esforço
individual. Como escreve Robert Muller em Birth of a Global
Civilization: "A espécie humana está passando por uma enorme
transformação. Por intermédio da espécie humana, o universo se
torna consciente de si mesmo."
Você pode iniciar sua jornada visando à integração do
corpo, mente e espírito através das três sadhanas principais da
respiração, do som e da alimentação. Cada uma delas é essencial
à existência: não podemos funcionar sem a respiração; estamos
imersos no som do coração de nossa mãe e dos ritmos biológicos
desde o momento da concepção; e somos dependentes das
dádivas de alimentos que a natureza nos oferece para nosso
sustento e crescimento.
85
CAPÍTULO 4
O PODER NATURAL DO SHAKTI-PRANA
0 poder que é Consciência em todos
os seres
Reverência a Ela, Reverência a
Ela, Reverência a Ela
A força que existe como Shakti em
todos os seres Reverência a Ela, Reverência a
Ela, Reverência a Ela
- Devi Mahatmya
O PODER DA
KUNDALINI-SHAKTI
Como a força ativa de manifestação, a Mãe Divina é muitas
vezes retratada como k u n d a l i n i - s h a k t i e simbolizada pela
serpente. A palavra sânscrita k u n d a l na verdade significa
"aquela que está enrolada". A energia da serpente também
representa a respiração da Mãe e seus ritmos dentro de nós. A
serpente está associada às deusas de diversas culturas pelo
mundo afora. Coatique, a mãe das deidades astecas, é chamada
"Aquela que tem a Saia de Serpentes". A Sacerdotisa Minoana da
Cobra em Creta é uma Deusa. Na cultura maia da América
Central, a deusa da lua, Ixchel, usa a serpente como uma coroa na
cabeça. No Egito, o hieróglifo para "serpente" também representa
a palavra "deusa".
A energia da k u n d a l i n i - s h a k t i "dorme" no chacra
raiz, o centro de energia localizado na base da coluna, onde ela é
86
retratada enrolada três vezes e meia ao redor do lingam, o
símbolo de Shiva. A poderosa energia da k u n d a l i n i - s h a k t i
influencia e controla os ritmos do corpo, mente e espírito. Tanto
homens quanto mulheres podem evocar as experiências da
k u n d a l i n i , que não é de forma alguma um fenómeno
exclusivamente feminino. Antigas imagens em pedra mostram
Shakti com a serpente k u n d a l i n i emergindo de sua y o n i , ou
vagina, um símbolo poderoso da energia feminina e do potencial
de transformação espiritual. O movimento da serpente subindo
pela coluna resulta em iluminação.
Eu já tive diversos encontros pessoais com os
movimentos da k u n d a l i n i depois de anos de prática de
s a d h a n a , meditação e silêncio. Quando o s u k s h m a -
p r a n a — a respiração sutil — começou a ficar mais forte
dentro de meus chacras, minha k u n d a l i n i - s h a k t i foi
despertada e começou sua subida celestial pelo canal central de
minha coluna, um processo que durou três anos. Neste período,
todos os meus sentidos ficaram mais refinados, especialmente a
intuição, e em muitas situações eu conseguia "enxergar" a
situação de uma pessoa antes que ela ou ele me desse qualquer
informação sobre a natureza do problema.
Um dia, quando eu saí do lado de fora de minha casa para
apanhar a correspondência, meus pés de repente se elevaram do
chão, e eu flutuei até a caixa de correio. Um de meus vizinhos,
que estava passando, me cumprimentou com um aceno,
aparentemente sem achar que nada de extraordinário estivesse
ocorrendo. Eu entendi que meu corpo sutil havia se elevado, mas
o corpo físico continuava no chão. Este fenómeno aconteceu
diversas vezes durante minhas meditações. De repente eu sentia o
corpo se elevando do chão enquanto o p r a n a latejava do lado
direito de minha têmpora.
87
7.Chacra Sahasrara (o de
mil pétalas). Localizado
além do tempo, do 6. Chacra Ajna
espaço, e dos elementos. (poder infinito). Localizado
Rege a Consciência além dos elementos.
Infinita. Rege as Visões.
88
.
5.Chacra Vishuddha
(o puro). Elemento:
espaço
Rege a Expressão.
4.Chacra Anahata (o
som espontâneo). 3. Chacra Manipura (o
Elemento: Ar. Rege a local das jóias).
Intuição e a Compaixão Elemento: Fogo. Rege o
Mental.
2.Chacra
Svadhisthana (o local de
assento do eu). Elemento
1.Chacra
Água. Rege o Ego e a
Muladhara (alicerce ou
Sexual idade.
raiz). Elemento: Terra.
Rege a Sobrevivência.
89
Enquanto a k u n d a l i n i subia dentro de mim, durante
muitas semanas a parte interna de meu corpo queimou: o fogo da
Mãe limpando as impurezas de meu corpo. Muitas vezes eu a
sentia esbarrando em minhas têmporas como nuvens passando
por meu rosto, ou como a carícia de plumas macias. Vivi por uns
tempos em estado de êxtase, e nessa época tudo o que eu en-
xergava, dentro e fora de mim, era dourado. Eu via em tudo a luz
da Mãe e de seu filho celestial, Surya, o sol.
Em minha mente eu ouvia preciosas melodias védicas,
que mais tarde identifiquei como canções do A t h a r v a V e d a
e da C h a n - d o g y a U p a n i s h a d . Uma destas canções diz:
"Agora, a imagem dourada vista dentro do sol tem uma barba
dourada e cabelos dourados. Ele é lindamente luminoso, até as
pontas dos dedos. Seus olhos são como o lótus de Kapyasa. Seu
nome é o Elevado. Ele está acima de todas as impurezas do
mundo. Na verdade, aquele que tem ciência destas coisas se eleva
bem alto."
Depois que as energias da k u n d a l i n i foram se
acalmando, percebi que minha intuição espiritual havia
aumentado na mesma medida que a s h a k t i aumentara. A
s h a k t i é o espírito de nossas energias femininas internas
primordiais, e sua atividade promove a união de corpo, mente e
espírito. Os ritmos da deusa Shakti estão em movimento dentro
do corpo de cada homem, mulher, criança ou criatura, por meio
do s h a k t i - p r a n a , ou respiração da Mãe, que permeia os dois
chacras inferiores localizados perto do períneo e do osso sacro. O
s h a k t i - p r a n a é a força vital do organismo, e protege os
órgãos do sistema reprodutor, em especial a energia feminina
primordial da Shakti contida em nossos órgãos genitais, útero e
abdómen. Ele também nos confere o poder de criar a vida, mover
energia, e curar a nós mesmos. Trabalhando com mulheres no
mundo todo, tenho presenciado grandes milagres quando as
90
mulheres se tornam conscientes de seu poder de s h a k t i .
Devemos resgatar a consciência do sagrado feminino dentro de
cada uma de nós, para podermos evocar a energia curadora para
homens e crianças, por intermédio da s a d h a n a .
O poder da s h a k t i é mais do que o espaço do útero e a magia
tradicional de trazer vida nova ao mundo. O útero tem uma
função divina, que é guardar e nutrir os poderes de cura da Mãe
contidos dentro de nós. Ao trabalhar com sua s h a k t i , você
descobrirá a saúde física e espiritual. Ao fazer isso, como mulher,
você estará afetando e influenciando o bem-estar de todos os
seres vivos.
ENERGIA LUNAR
93
O CICLO LUNAR FEMININO
97
As práticas descritas abaixo a ajudarão a fortalecer seu s h a k t i -
p r a n a , reequilibrar o sistema hormonal e rejuvenescer o útero e
o espírito feminino.
98
Você deve praticar a yoni mudra juntamente com a respiração
solar, nos três dias que antecedem a lua nova e a cheia. Também
pode usá-las sempre que sentir necessidade de revitalizar o
s h a k t i - p r a n a , c o m e x c e ç ã o dos dias da menstruação.
Como um lembrete para ajudá-la a fazer esta prática todos os
meses, assinale estas datas em seu calendário lunar.
Yoni
mudra
99
A observar: Suspensão mensal das tarefas femininas Durante o
ciclo menstrual, a s a d h a n a básica consiste em permitir que a
riqueza do sangue flua de volta para a terra. Nos tempos antigos,
as mulheres se reuniam em um local que os homens haviam
preparado e destinado para este fim, e acocoravam-se no chão de
forma que seu sangue nutrisse a energia s h a k t i da terra. A
prática védica tradicional incentiva as mulheres a se revezar para
cuidar e alimentar as famílias das mulheres menstruadas. Você
também pode pedir a seu marido ou filhos mais velhos que
participem das s a d h a n a s de alimentos e tomem conta da
cozinha durante estes dias.
A postura de
cócoras
100
A Prática: A postura de
cócoras - abertura do
feminino
Nos tempos antigos, as mulheres
ficavam de cócoras durante o
ciclo menstrual para devolver
seu sangue ã terra. Nossas
ancestrais femininas conseguiam
controlar o fluxo menstrual
porque estavamem perfeito al
inhamento com o poder da
shakti. Entretanto, o shakti-
prana das mulheres de hoje é
mais fraco, porque não fazemos
um uso adequado dele. Por esta
razão, é bom evitar fazer
pressão sobre o útero ou gerar
um fluxo de sangue
demasiadamente forte
acocorando-se durante a gravi-
dez ou o ciclo menstrual. A
postura de cócoras é
especialmente benéfica no
tratamento de doenças como
câncer de útero, ovários ou
mama, ciática, inferti1idade,
disfunções sexuais, disfunções
menstruais, infecções, dores de
cabeça, hemorróidas, prisão de
ventre, ressecamento excessivo
da pele; e na saúde materna em
geral após o parto. Mantenha-se
na postura de cócoras,
posicionando os pés a um
quadril de espaço um do outro,
separados e paralelos, e
dobrando os joelhos. Se não
conseguir que os calcanhares
permaneçam no chão, coloque
uma pequena almofada por
baixo dos calcanhares para dar
apoio. Incline-se levemente para
a frente, e descanse as palmas
das mãos no chão. A seguir,
expire vigorosamente pelas duas
narinas. Depois de haver
esvaziado os pulmões, inicie
uma série de inspirações e
expirações suaves, mantendo a
postura. Continue por cinco
minutos. A seguir, passe para a
próxima prática.
A Prática: Kapalabhati -
a respiração do fogo
A respiração ê um exercício de
purificação para todas as
102
pessoas, e especialmente
benéfica para as mulheres. 0
abdómen funciona como um fole
que alimenta o fogo interior.
Para recarregar o shakti-
prana e a energia sexualmente
regeneradora, sente-se no chão
em uma posição confortável,
com as pernas cruzadas. Expire
forçando o ar para fora pelas
duas narinas por dezoito vezes,
de forma rápida e rítmica. Para
se assegurar de que está
expirando completamente,
coloque sua mão direita sobre a
barriga e sinta omovimento de
bombeamento do diafragma.
Depois, inspire profunda e
lentamente, e inicie uma nova
série de expirações rápidas.
A respiração
Kapalabhati é uma prática
poderosa que ativa o poder
magnético do bindu, a
shakti do chacra raiz. Ela
puxa a essência da lua cheia
para o seu útero e alinha suas
energias femininas com os
ritmos da lua. Você pode
126
praticar esta respiração nas
semanas da lua cheia, mas deve
evitar fazer isso na lua nova.
104
sentamos em um círculo, em um
local onde a lua cheia possa ser
claramente vista, tocamos o
d h o l a k (tambor tradicional do
norte da índia, semelhante a um
barril), e cantamos canções
védicas para a Mãe Divina.
Depois, observamos silêncio. Eu
incentivo as mulheres a
continuarem esta prática em
minha ausência, e muitas de
minhas alunas mulheres se
reúnem em pequenos grupos
para homenagear a Mãe Lua
com o ritual da Lua da Terceira
Noite.
O LEGADO DE NOSSAS
MÃES
126
dores) em nosso espírito, e seus
padrões de respiração e memória
celular em nosso s h a k t i -
prana.
Eu nunca havia dado
grande valor à minha mãe,
achando que ela estava lá e
pronto, mas depois da morte de
meu pai comecei a cultivar um
relacionamento mais íntimo e
mais caloroso com ela, e
também com minha mãe "mais
velha". Hoje em dia, amo
sinceramente as duas, e sinto-me
próxima delas. Muitas vezes nos
sentamos juntas para observar
cerimónias tradicionais, cantar
canções, ou simplesmente para
tocar o d h o l a k e o harmónio.
Suas energias e experiências
estão na raiz de minha intuição e
minha força.
Cada mãe teve um papel
diferente em minha infância: a
106
mãe mais velha tinha mais
autoridade dentro de casa. Ela
recebera mais educação formal
do que minha mãe biológica, por
isso me ajudava com meus
trabalhos de casa e com meus
diversos passatempos, inclusive
desenhando roupas e pintando
aquarelas. Minha mãe biológica
guiou meu desenvolvimento
espiritual e me ensinou as
orações diárias e os rituais. Ela
costumava me dar banho e
massagens, ensinando-me
também a plantar, colher e tomar
conta do jardim e da horta.
Se eu tivesse
permanecido mais próxima dela
durante meus primeiros anos
com certeza teria sido uma
pessoa mais saudável e mais
gentil. Quando conversamos
sobre o câncer de ovário,
126
descobri que ela também tivera
diversos problemas sérios no
útero. Quando eu nasci ela só
tinha dezessete anos, e foi um
parto longo e doloroso. Depois
disso ela teve um aborto natural,
dois partos por cesariana, e uma
histerectomia.
Eu já observei diversas
vezes que as mulheres que têm
relacionamentos difíceis com
suas mães também têm
deficiências em seu s h a k t i -
p r a n a e não conseguem se
conectar à energia purificadora
da Mãe Divina. A sensação de
separação da Mãe pode causar
raiva e frustração — dois
sentimentos que debilitam a
pessoa. Essas emoções
bloqueiam a capacidade de se
comunicar e de tocar a vida para
a frente. Você pode dar o
108
primeiro passo no sentido de
dissolver estas barreiras
emocionais reconhecendo que
grande parte da raiva e da
frustração vem de seus próprios
sonhos não realizados e de
desejos frustrados, assim como
de escolhas de vida que nunca
foram feitas, ou da necessidade
de viver a visão de uma outra
pessoa sobre como você deveria
viver sua vida. Por exemplo, eu
tentei ignorar meu chamado
espiritual escondendo-me atrás
do intelecto e de uma carreira
que exigia muito de mim.
Mantive-me distante de minha
mãe — a única pessoa que
sempre conheceu meu
verdadeiro propósito — porque
eu evitava meu próprio caminho.
Depois de minha recuperação,
entendi que a completa
126
honestidade de minha mãe me
incomodara — a mesma hones-
tidade que é hoje a origem de
meu espírito e do meu propósito.
Antes de podermos
começar a alterar nossa rota para
navegarmos em direção à luz, é
preciso primeiro d e s e j a r ir
além da raiva e do ressentimento
que sentimos contra nossas mães
ou outras ancestrais femininas.
Para iniciar o processo de
recuperação da confiança e do
amor maternos, recomendo um
exercício respiratório simples
chamado s i t a l i , ou respiração
da serpente, que esfria a
respiração e dissipa a raiva.
A Prática: O exercício da
respiração da serpente
Enrole sua língua formando um
U e inspire, o que produzirá um
chiado quando você inspirar.
Mantenha a respiração presa
110
por cerca de 20 segundos ou
mais, e a seguir expire através
das narinas. A respiração sitali
é excelente para começar a
resolver relacionamentos
difíceis com a mãe e para
diminuir a quantidade de fogo
no corpo e na mente.
Outro método simples de
dissolver a raiva é dizer a si
mesmo: "Não vã para este lugar.
Um pensamento raivoso é um
pensamento tóxico." Depois de
alguns anos de prática, a mente
começa a se policiar, e fica
difícil registrar um pensamento
raivoso.
Antes de podermos lidar
com as dores de nossas feridas
maternas, é preciso ser capaz de
apreciar as coisas femininas. A
natureza nos mostra a toda hora
como a energia feminina
permeia tudo que nos cerca. Nas
matas perto de minha casa,
observei uma corça
mordiscando porções de capim
fresco cheio de orvalho, e
gentilmente alimentando seu
126
filhote. Também fiquei olhando
encantada enquanto uma mãe
pintassilgo construía um ninho
no parapeito de minha janela
para colocar seus quatro ovos.
Depois que os filhotes saíram
dos ovos, ela os manteve sob
vigilância, só deixando o ninho
ocasionalmente para buscar
comida. Dez dias mais tarde, ela
levou os pequenos pássaros para
lhes ensinar o primeiro vôo. Eles
voltaram para o ninho naquela
noite pela última vez. Na manhã
seguinte, ao raiar do dia,
haviam partido. Estas criaturas
me mostraram a força e
vitalidade naturais de Shakti.
Todas as mães de todas as
espécies sabem instintivamente
quando suas crias precisam de
ajuda. Recentemente, escorre-
guei e rolei por uma encosta
cheia de lama. 0 telefone tocou
no instante em que entrei em
casa. Era minha mãe, dizendo:
"Tive um impulso de telefonar e
saber se tudo estava bem com
você." Talvez vocês tenham
112
histórias parecidas a contar
sobre seus encontros com a Mãe
Divina na natureza, ou com sua
própria mãe.
Apesar de algumas mulheres
serem mais prejudicadas do que
nutridas pelo contato com suas
mães, tais casos são exce-ções.
Em quase todos os casos, o
conflito pode ser resolvido e o
relacionamento refeito mediante
a observação de praticas
espirituais que mantêm o
coração aberto e a energia
desimpedida. Tente colocar de
lado as suas expectativas em
relação a quem você pensa que
sua mãe deveria ser, e "veja-a"
como ela realmente é. Este ato
sagrado de simplesmente "vê-la"
dissolverá a negatividade entre
vocês. Você pode cultivar
compaixão por suas ancestrais
femininas e reconhecer seus
esforços na vida se puder
enxergá-las como os
maravilhosos espíritos que
realmente são.
Você ficaria surpresa em ver
126
como gestos simples ãs vezes
podem significar tanto para
quem os recebe. Todos os
outonos, por exemplo, eu faço
buques de ervas de meu jardim e
distribuo para as mulheres que
me são mais caras. Ãs vezes eu
seco as ervas e faço saches,
borrifando neles óleos
essenciais. Também faço
preparados naturais para lavar
o rosto, usando mung dhal e sal
do Mar Egeu. Eu os coloco em
pequenos sacos de papel pardo,
e os amarro com folhas de
capim compridas e secas de meu
jardim. Um presente não precisa
ser caro, quando a intenção ê
transmitir ã pessoa presenteada
nosso carinho e atenção.
Você pode desejar recitar a
invocação que se segue em lou-
vor ã Mãe Terra, aquela que nos
alimenta, ou então rezar para
outra divindade pela qual tenha
devoção, para evocar a força
feminina que nos cerca.
114
que nos dá
sustento, saúde e
sabedoria,
Guardiã dos
segredos mágicos
da Terra! Que eu
possa sempre
celebrar sua
beleza, sabedoria
e graça,
Que eu
possa sempre
encontrar a saúde
dentro de mim.
Preencha-me com
sua divindade e
sua visão, para
que eu possa
apreciar o
sagrado feminino,
presente em tudo o
que nos cerca.
CONECTANDO OS PONTOS
DA CADEIA DA SAÚDE
126
físicos da saúde delas. Como
conselheira espiritual de
centenas de mulheres com cistos,
tumores e câncer, notei que suas
doenças muitas vezes se relacio-
nam com a condição do útero
maternal durante a gravidez. As
mulheres podem se beneficiar
muito conhecendo as ligações
possíveis entre suas questões de
saúde e as das mulheres da
família, retornando no tempo
pelo maior número possível de
gerações.
A história de Claire é
uma ilustração disto. Conheci
Claire sete anos atrás quando ela
foi a um workshop para
mulheres dado por mim no New
York Open Center. Ela estava
então com trinta anos de idade.
Seis meses antes disto havia
descoberto um fibróide do
tamanho de uma g r a p e f r u i t ,
que continuava a crescer em seu
útero. Foi uma das primeiras
116
pessoas a se aproximar de mim
no intervalo do almoço. "Eu
queria evitar a cirurgia" disse
ela, depois de descrever o
tamanho e a localização do
fibróide. "Que terapias
ayurvédicas você pode me reco-
mendar?"
Perguntei se alguma
coisa difícil ou fora do habitual
ocorrera em sua vida nos últimos
dois anos. Seus olhos
imediatamente se encheram de
lágrimas. "Eu estava vivendo
com alguém, já fazia quatro
anos. Nos separamos há um ano,
por vontade dele."
A seguir perguntei,
como sempre faço ao tentar
diagnosticar a origem dos
problemas femininos, sobre o
relacionamento de Claire com
sua mãe. "Nós nos damos bem",
126
disse ela. "Mas ela é difícil às
vezes. Desde que se divorciou de
meu pai há cinco anos, ficou
nervosa e deprimida, e agora
toma medicação para
depressão."
Como parte de um
regime não-invasivo para ajudar
a reduzir o tamanho do tumor,
sugeri que Claire passasse algum
tempo conversando com a mãe
sobre as três últimas gerações de
mulheres da família, e as
dificuldades que pudessem ter
tido para dar à luz. Também
recomendei um regime nutritivo
da Wise Earth que inclui
vegetais orgânicos e ervas tais
como couve, endívia, radite e
mostarda, grãos integrais,
especialmente cevada e painço, e
feijões, tais como feijão
moyashi, aduki, soja, grão-de-
118
bico e feijão-preto, todos muito
bons no tratamento de fibrói-des.
Sugeri que tomasse banhos de
imersão em água morna com pó
de t r i p h a l a e gel de a l o e
v e r a , e também que tomasse
chá de framboesa, pétalas de
rosa e cravo vermelho.
Um mês mais tarde
Claire escreveu documentando
suas recentes descobertas. A
bisavó havia feito uma
histerectomia após dar à luz o
segundo filho, e a avó havia sido
submetida a uma cesariana no
nascimento da mãe de Claire. A
própria Claire era prematura,
tendo nascido cinco semanas
antes do prazo.
Da mesma forma que
suas ancestrais do lado materno,
Claire carregava uma fraqueza
no útero. Apesar de não haver
126
dito que se sentia solitária, isso
me pareceu óbvio, uma vez que
ainda lamentava a perda do
parceiro. Ela também
mencionara seu desejo de
encontrar um novo
relacionamento, mas dissera que
não havia encontrado ninguém a
quem quisesse se ligar. Sua dor
era aumentada pela depressão e
pelos desejos não satisfeitos da
mãe. Depois de vários anos
conversando com mulheres que
têm fibróides, não pude deixar
de perceber que todas comparti-
lham uma profunda solidão, quer
admitam isto ou não. Claire
tinha também linhas profundas
que iam dos cantos do nariz até
abaixo da boca, o que, de acordo
com o diagnóstico ayurvédico, é
uma clássica indicação de dor e
solidão ancestrais. Desta forma,
120
ela havia preenchido o vazio em
seu útero com um fibróide.
Claire conseguiu acessar
as lembranças ancestrais da
linhagem materna por meio de
situação de seu próprio útero.
Seu processo de cura teve início
apoiado pelas práticas de
s a d h a n a da Wise Earth, e
dentro de um ano havia se
livrado do fibróide. Da outra vez
que a vi, ela irradiava boa saúde,
e as linhas do rosto mostravam-
se consideravelmente menos
pronunciadas. Pareceu alegre e
vibrante enquanto falava das
aulas de desenho que estava
frequentando. Já não se
lamentava mais por não ter um
parceiro, e em vez disso buscava
formas de expressar a si mesma.
Claire também
influenciou a cura da mãe,
126
depois que as duas tomaram
consciência de que a sensação de
perda e solidão as havia tornado
vulneráveis à doença. Ela
compartilhou com a mãe o
regime da Wise Earth e lhe
ensinou as posturas de cura
aprendidas no workshop, além
da dieta ayurvédica. Ao
reconhecerem suas
vulnerabilidades, as duas
conseguiram redi-recionar o
relacionamento de forma a
cultivar o amor e a expressão
criativa.
REACENDENDO O FOGO
INTERIOR
Para recapturar o s h a k t i -
p r a n a é preciso cultivar uma
visão mais ampla de quem
somos. Você não é apenas uma
mãe, esposa, filha, irmã, amiga
122
ou uma mulher de carreira neste
mundo. Você também vive no
plano sutil, o plano do espírito.
Desde tempos imemoriais, os
rituais têm sido usados para
invocar nossa consciência do
plano sutil e nossa conexão com
ele. Y a j n a , a antiga prática de
reverenciar as divindades e suas
energias por meio do ritual de
fogo, é observado em milhões de
lares indianos. Na verdade, o
fogo é a energia elementar em
todos os rituais védicos
devotados a apaziguar deuses e
deusas. 0 R i g V e d a nos diz:
"Os devotos que executam
cerimónias solenes são levados
ao limiar do santuário interno do
Divino. No sacrifício do fogo,
conchas colocadas ao leste
alimentam o fogo com manteiga
derretida, assim como a vaca
lambe seu bezerro, ou como o
rio acaricia os campos."
Rituais de fogo,
combinados com meditação,
geram calor dentro do corpo para
126
queimar as impurezas físicas,
iluminar a mente e facilitar nossa
comunhão com os seres celestes.
O ritual de fogo de Devi,
descrito abaixo, é um poderoso
rito védico feminino que
aumentará sua consciência da
Mãe Divina e também de sua
mãe terrena na vida cotidiana.
Ele também pode ajudar a
restaurar a saúde e as lembranças
ancestrais da linhagem materna.
Devi é outro nome para a Mãe
Universal, mas no ritual você
pode contemplar qualquer
imagem ou aspecto da Mãe com
que se sinta confortável, seja
Devi, Virgem Maria, Gaia,
Gwan Yin, Avilokiteshvara,
Nammu, Hahai'i Wuhti, Au
Sept, Mawu, Ishtar, Akua'ba, ou
qualquer outra.
Minha memória mais antiga de
124
minhas duas mães é de seus
rostos iluminados pelo fogo dos
rituais de manhã cedo. O ritual
de fogo de Devi serve para todas
as mulheres, não importando o
tipo de relacionamento que
mantêm com a mãe. Homens e
crianças também podem
participar, mas as crianças
devem ser mantidas a uma
distância segura do fogo. Pode
haver momentos em que você
desejará invocar a energia
s h a k t i da Mãe mesmo sem
executar a cerimónia. Você pode
fazer isso mantendo a imagem
da Mãe na tela de sua mente
enquanto recita a oração de sua
escolha, ou cantando o mantra
de Devi que é dado a seguir.
Outra forma de fazer o ritual é
simplesmente visualizar a g h i
sendo oferecida e derramada no
126
fogo (manteiga sacrificial, ver
receita na p. 319), em vez de
fazer isso fisicamente. Os sábios
muitas vezes conduziam a
cerimónia desta forma.
Todos os dias são o dia
da Mãe, mas 3- e 6- feiras são os
melhores da semana para fazer
oferendas à Mãe, pois são aque-
les que os videntes devotaram a
ela. Eu reverencio a Mãe todos
os dias, e você pode fazer a
mesma coisa, se quiser, com o
ritual de fogo de Devi que se
segue:
126
em lojas de comida integral.
• uma imagem da Mãe
• um pequeno pote de barro,
com 15 cm de diâmetro
• uma concha pequena
• alimento para o fogo, como
resina de cânfora*, sálvia seca,
dhup* ou outro material
combustível.
• ghi* (uma garrafa, a ser usada
apenas em rituais e orações)
• pétalas de flores vermelhas ou
rosas (opcional)
• fósforos
Se possível, faça este ritual ao ar
livre. Se não, lembre-se de abrir
as janelas para não disparar o
alarme de incêndio. 0 chão, um
rio ou o mar são os locais mais
auspiciosos para dispor das
cinzas rituais sagradas, mas
você também pode colocá-las em
vasos de plantas.
Instruções:
Escolha um local tranquilo em
sua casa, preferivelmente de
frente para o leste, e prepare
uma bandeja com todos os in-
gredientes e utensílios. Coloque
uma imagem da Mãe onde possa
126
vê-la claramente. Derrame
dentro do pote um pouco de
combustível para o fogo, por
exemplo sálvia ou um cubo de
cânfora, e acenda o fogo. Com a
mão direita, use a concha para
derramar uma colher de sopa de
ghi no fogo, juntamente com
as pétalas de flores (se as estiver
oferecendo). Deixe o com-
bustível queimar completamente.
Enquanto a oferenda queima, ol
he di retamente para o rosto da
Mãe e recite o mantra de Devi
(abaixo). Concentre-se naquilo
que deseja dela. Você saberá
quando ela estiver satisfeita com
seus esforços. Algumas vezes ela
sorri. Outras vezes, pisca um
olho.
128
lheres que serve como
instrumento para a cura de todas
as coisas de dentro e de fora. A
história da Rainha Madalasa, dos
P u r a n a s , mostra o poder e a
sabedoria que existem no amor
de uma mãe. Madalasa era uma
mulher iluminada, e todos os
seus filhos se tornaram santos.
Quando estava grávida, ela
passava muito tempo meditando
e adorando o Espírito Que
Habita em Nós (Atman). Depois
do nascimento de cada filho,
ninava a criança cantando a
canção do espírito:
Shuddhoshi Buddhoshi
Niranjanoshi Samsara
Maya Parivarjitoshi
126
perdendo o contato com o
Espírito Divino que existe em
nós.
130
criaturas, machos ou fêmeas, de
todas as espécies.
126
SEGUNDA PARTE
A RESPIRAÇÃO DA VIDA
132
CAPÍTULO 5
A ANATOMIA E A PRÁTICA
DA RESPIRAÇÃO
135
estômago para dentro para parecer magra, estará
roubando respiração, oxigénio e prana de si mesma.)
Permita que a respiração viaje lentamente até o
diafragma, depois até o peito, e finalmente até as
clavículas. Seu peito deve permanecer relativamente
parado. Quando terminar a inspiração, comece a expirar
devagar, e sinta a barriga se contraindo ã medida que o
diafragrama sobe. Continue esta prática por vários
minutos até que o processo comece a lhe parecer natural.
Agora que começou a respirar lenta e profundamente,
permita que a respiração viaje coluna acima, e sinta-a
circulando em todo o seu corpo. Estenda os braços ao
longo do corpo, com as palmas para cima. Estique as
pernas e separe-as um pouco, deixando-as paralelas uma
â outra. Feche os olhos e visualize a respiração como um
fluxo de luz dourada, tranquila e fresca, que sai do co-
ração e se irradia para todos os pontos do corpo. Sinta-a
nas pontas dos dedos das mãos e dos pés, em cima da
cabeça, em cada uma das vértebras, atrás das pálpebras,
e na garganta.
Descanse a mente com a serenidade desta respiração. Per-
mi ta-se rei axar nesta postura, respi rando devagar e paci
fica-mente, por uns quinze minutos. (É melhor ficar
acordada, mas se adormecer na postura, é evidente que você
precisa do descanso, por isso aproveite a soneca!) Agora abra
os olhos, e suavemente sacuda as mãos, os braços e as
pernas. Olhe ao redor da sala, e preste atenção ao que vem ã
sua mente enquanto observa este local familiar. Permita-se
uma transição gradual até estar totalmente desperta,
sentando-se devagar e demorando o tempo que for necessário
antes de recomeçar suas atividades habituais.
136
Estes exercícios respiratórios se baseiam na compreensão
de como o prana flui através do corpo, tendo sido projetados
para aumentar a energia prânica. Lily, a esposa de um enge-
nheiro mecânico de uma comunidade indiana de Toronto que
eu visito com frequência, experimentou há pouco tempo os
efeitos poderosos de uma cura pelo prana. Lily estava se sen-
tindo muito bem ao entrar com o carro em uma rua
superlotada perto de casa em uma bela manhã de outubro. Ela
havia acabado de comprar uma estátua de Saraswati e estava
contente com a aquisição. A estátua se encontrava no banco,
ao lado do motorista. Ela comprara a estátua em honra ao
Dipavali, o festival indiano das luzes. Logo as ruas estariam
iluminadas com fileiras de luzes brilhantes em honra ao
festival. Quando ela freou no sinal amarelo de um
cruzamento congestionado, sua mente estava preocupada
com o jantar e os preparativos para a festa.
A seguir, quando abriu os olhos, estava em uma cama de
hospital, o braço direito engessado e latejando de dor. Ela não
tinha nenhuma lembrança de como ou por que fora parar na-
quele hospital, e ficou chocada quando seu marido lhe disse
que um carro batera nela por trás, com tanta força que o carro
dela deslizara sem controle para dentro do cruzamento,
capotara, e terminara com as rodas para cima. O carro ficara
destruído, e ela fora retirada das ferragens com ferramentas
especiais. O pessoal da emergência declarou sua surpresa por
ela não ter sofrido mais do que uma concussão e um braço
quebrado.
Cerca de quatro semanas após o acidente, o gesso foi
removido e Lily passou a usar o braço na tipóia. Começou um
tratamento de fisioterapia por duas semanas e meia, mas foi
ficando desanimada rapidamente, porque mal conseguia
mover o braço. Lily esperava fazer parte das aulas de ioga
que eu daria no centro comunitário indiano local. Devido à
dor e ao pouco movimento do braço, ela não podia fazer nem
sequer as posturas mais simples.
Expliquei a Lily que quando sofremos um trauma grave
em qualquer parte do corpo, precisamos nos preocupar não
137
apenas com a dor e a lesão muscular, mas também com a
lesão emo cional que a acompanha — todos os medos e
ansiedades que aparecem naturalmente em uma situação de
trauma. O prana dela havia ficado bloqueado pelo choque do
acidente, e o fluxo de prana precisava ser restabelecido antes
que a cura física pudesse ocorrer.
Com a ajuda das outras alunas da turma, pedi a ela que
deitasse sobre o lado esquerdo, na postura da lua adormecida.
Esta é uma postura bastante simples: a pessoa se deita sobre o
lado esquerdo, em posição fetal, com a testa quase tocando os
joelhos, e respira normalmente. A postura da lua adormecida
pretende fazer a pessoa voltar a um estado psíquico
semelhante ao do feto no útero da mãe. Ajuda a restaurar o
shakti-prana e é muito útil para mulheres que tiveram aborto
ou mesmo outros tipos de trauma, como por exemplo o
acidente de Lily.
Cobri-a com uma manta leve e disse-lhe que fechasse os
olhos, inspirasse profundamente enchendo a barriga, e a
seguir expirasse totalmente, dirigindo a respiração para o
braço. Enquanto ela seguia minhas instruções, expliquei que a
cada expiração ela estava enviando uma mensagem do útero
— a parte mais profunda da barriga — para o braço. Seu
rosto se desanuviou e o corpo relaxou, enquanto ela
permanecia calmamente na postura, e sua respiração profunda
era o único som que se ouvia na sala.
Depois de cinco minutos, fiz com que ela se sentasse,
envolvesse o braço direito com o esquerdo, e ninasse o braço
como se fosse um bebê. A seguir pedi que inspirasse
profundamente e expirasse lentamente, enquanto ao mesmo
tempo emitia um som semelhante a um zumbido. Esta
respiração imita o zumbido de uma abelha grande ou zangão,
e constitui uma técnica poderosa. A respiração e o som,
trabalhando juntos, aliviam o medo, a ansiedade e a exaustão.
Empreguei uma determinada combinação de zumbidos e
pranayamas — minha própria técnica respiratória, que ensino
a todos os meus alunos de ioga.
138
Depois de fazer este tipo de respiração por vários
minutos, Lily parou de repente e apontou para o braço direito.
"Está tremendo!" disse ela nervosa. "Estou sentindo algo
latejando dentro do braço." Respondi que não se preocupasse,
que era exatamente esta reação que desejávamos. O prana
parado havia sido desperto e estava circulando ao longo do
braço.
Lily praticou laboriosamente os dois exercícios
respiratórios durante os sete dias que se seguiram. A cada dia,
o tremor no braço aumentava, mas a dor e a falta de
movimentos diminuíam. No final da semana, ela entrou
correndo na aula de ioga e anunciou: "Vejam o que posso
fazer."
Lily agora podia fazer a torção da coluna, uma postura na
qual era preciso estender o braço sobre a cabeça por trás das
costas, colocando a palma no chão enquanto torcia o corpo na
direção do braço estendido. A seguir ela repetiu com o outro
braço. A dor desaparecera, e a mobilidade do braço pratica-
mente voltara ao normal. Em poucas semanas estava comple-
tamente boa.
Como prova da sincronicidade divina, a estátua de
Saraswati também sobrevivera ao acidente de carro,
absolutamente intacta a não ser pelo braço direito quebrado.
Lily pretendia jogar a estátua fora, mas eu disse a ela que
amarrasse o braço da estátua com uma atadura de pano e
recitasse orações de cura para a estátua durante o próximo
mês. Ainda estou esperando para saber se o braço da estátua
ficou bom.
Como os exercícios respiratórios fizeram com que Lily se
curasse tão depressa? Os Vedas nos dizem que a respiração
não é apenas um fluxo de ar que constitui o subproduto do
processo respiratório. A respiração é também a força vital ci-
nética que liga a interação dinâmica entre toda a criação. Este
conceito foi lindamente descrito pelo Mestre Grande Nada de
Sung-Shan, no Cânone Taoísta da Respiração, quando ele
diz: "Ninguém tem forma sem a respiração. Portanto, a
139
respiração e a forma devem ser atingidas juntas. Isso não é
evidente?"
E o prana que impele a órbita terrestre ao redor do Sol e
a órbita da Lua em redor da Terra. Ele anima os ventos e a
água, assim como as marés cheias e vazantes. As ondas de
prana no corpo formam a base da consciência. A memória
navega nas ondas da respiração.
Quando o prana está equilibrado, as memórias são abun-
dantes. Prana e memória juntos formam a segunda camada
de nossa anatomia — o pranamaya kosha, ou corpo de
respiração. Quando a respiração está desequilibrada, a
memória sofre, e vice-versa. Ao restaurar o fluxo de prana,
Lily forneceu a seus tecidos corporais a nutrição necessária
para vencer as lembranças de medo e do ferimento que
sofrera, restabelecendo a memória celular de um braço
saudável.
Prana
A primeira das cinco subenergias, ou ares, que constituem o
prana é também chamada igualmente de prana. Os antigos a
chamavam de "alma do corpo assentada no trono do
140
coração", e o prana é a testemunha silenciosa de todas as
nossas jornadas. O prana inunda a região entre a laringe e o
coração, dando apoio ao coração, à voz, à inteligência e à
respiração. O prana faz com que possamos acalmar a mente,
entrar no universo interno, e descobrir nossa verdadeira
natureza. Quando o prana não está funcionando bem, nossa
força vital encontra-se ameaçada.
Udana
O segundo ar, chamado udana, ou ar que sobe, sustenta nossa
voz ou som individual, bem como a memória cósmica do
universo. O udana funciona por meio da respiração. Quando
a respiração está calma, fria e rítmica, conseguimos aumentar
a duração de nossa vida e servir melhor ao nosso propósito na
Terra. Quando a respiração é superficial, apressada e fatigada,
encurtamos nossa estadia aqui e deixamos a jornada
inacabada.
A nossa voz deveria ser um lembrete de nossa origem sa-
grada, uma vez que ela expressa, por meio da respiração, o
som do criador. Produzir sons harmoniosos permite vibrar em
harmonia com a vasta consciência imutável. Produzir sons
que contêm desarmonias interrompe nosso ritmo respiratório
e nos aliena dos ritmos sonoros da natureza. O udana também
ajuda a produzir e preservar nossa voz interior ou nosso som,
aquele que nos permite cultivar a percepção das coisas.
Samana
O terceiro dos ares do prana é samana, o mantenedor do
equilíbrio. Samana estimula nosso espírito de discernimento e
nossa flexibilidade, regendo o metabolismo e os processos
digestivos. Quando samana está bem equilibrado, temos
equanimidade e satisfação. A razão do corpo então surge,
ajudando-nos a determinar o que é válido e o que não é, o que
tem valor e o que não tem, o que é sagrado ou o que é
sacrílego. Samana nos permite a consciência do Divino e da
141
santidade da vida dentro de nós e, como resultado, atingimos
uma vida de equilíbrio com a natureza.
Apana
O quarto ar é apana. Este ar preserva nossa capacidade de
reproduzir e nutrir a vida. Apana regula nosso desapego aos
objetos materiais, e nos ensina a nutrir a nós mesmos sem
incorrer em excessos. Sendo o ar dominante no corpo de uma
mulher, apana flui para baixo para ajudar a preservar a saúde
do sistema reprodutor e dos tecidos, inclusive as glândulas
mamárias e o útero. Prana e apana trabalham juntos. Quando
o shakti-prana, que funciona por intermédio do apana, está
impedido de fluir, o apana também fica enfraquecido. O
apana funciona como um receptor para o prana na parte
inferior do corpo. O apana rege os intestinos e promove a
descarga de tudo o que é tóxico ou excessivo em nossas
vidas, retendo ao mesmo tempo os nutrientes. Para manter a
boa saúde da região pélvica, o prana e o apana devem fluir
harmoniosamente.
Vyana
O quinto ar é chamado vyana, e se manifesta nos corações de
todas as coisas vivas. Vyana ajuda a distribuir a energia
extraída da respiração do universo e dos alimentos nutrientes
dentro do corpo. Vyana é o poder de circulação, e faz surgir o
desejo de liberdade pessoal. Ele também é a origem do
movimento para fora que nos leva a fazer caridade e a
cultivar boa vontade com tudo o que é vivo. Suave e
onipresente, o movimento encorajador do vyana torna
possível agir harmoniosamente dentro da família e da
comunidade, e cumpre nossa parte no Plano Divino.
142
ajudam a mastigar e engolir a comida e levam nutrição a
todos os tecidos do corpo. Eles também mantêm a vitalidade
de nosso espírito, sendo os "porteiros do mundo celestial",
nas palavras da Chan-dogya Upanishad, porque permitem
transcender a ideia da dualidade e eventualmente atingir a
fusão com o Uno Universal.
143
Tanto a respiração solar quanto a lunar também têm
funções específicas em nosso corpo emocional. A respiração
direita controla as atividades rotineiras e racionais —
trabalhar, pensar, fazer exercícios, planejar, ou aquilo que
chamamos de funções do hemisfério cerebral esquerdo. Esta
respiração fica naturalmente aumentada durante atividades
cansativas ou agressivas. A respiração esquerda controla
nossas funções criativas — meditação, oração, canto,
escrever, ou tudo o que chamamos de atividades do
hemisfério cerebral direito. Esta respiração geralmente é
aumentada durante atividades agradáveis, pacíficas ou
relaxantes.
Quando alinhamos nossa respiração com os ritmos
diários lunares e solares, cultivamos a boa saúde e uma maior
consciência, que são a base de nosso trabalho espiritual e os
fatores que, em última análise, nos conduzirão à harmonia
interior. Ao equilibrar os dois canais de prana, a meta é
alinhar nosso ritmo respiratório com a respiração cósmica, ou
o prana universal.
ATIVANDO A RESPIRAÇÃO
SOLAR E LUNAR
144
ativa a partir do pôr-do-sol e por toda a noite. Em um
organismo saudável, a respiração solar tende a ser mais ativa
durante a noite, mas existem alguns casos em que a
respiração lunar deveria ser ativada durante a noite. Por
exemplo: antes de beber fluidos, porque a respiração lunar
resfria os tecidos digestivos, permitindo uma absorção
otimizada do líquido; e antes de urinar, para resfriar o canal
urinário e permitir que o apana colete todos os resíduos
líquidos e os retire do corpo de forma eficiente.
Quando o corpo não está bem, ou quando está ocupado
em convalescença, a respiração esquerda tende a se tornar
mais ativa, porque o corpo precisa usar mais energia para
facilitar a recuperação. Entretanto, no caso de uma doença
séria que exija um longo processo de recuperação, o padrão
normal da respiração esquerda ativada durante o dia deve ser
mantido tanto quanto possível. Depois que você consegue
ativar a respiração esquerda durante o dia, a respiração direita
entrará automaticamente em alinhamento durante a noite.
Apesar da respiração solar ser mais fácil de ativar ao pôr-
do-sol, para equilibrar as energias lunares, certas
circunstâncias podem exigir que a respiração solar seja
ativada durante o dia.
Algumas destas circunstâncias são: imediatamente antes
de comer, para fortalecer o fogo digestivo; imediatamente
antes de defecar, para que o apana possa eficientemente
coletar os resíduos e levá-los para baixo e para fora do corpo;
e imediatamente antes de atividade sexual, para fortalecer o
fluxo descendente do apana em direção aos genitais,
aumentando assim a fertilidade e o prazer da união sexual.
Depois do ato sexual, a respiração esquerda deve ser ativada
para recarregar o prana e trazer o corpo de volta a um estado
de tranquilidade.
Ao redirecionar o fluxo da respiração dos canais
esquerdo e direito para o canal central, você une as duas
respirações e provoca um estado interno de vitalidade e
harmonia. Esta prática a protegerá contra a ansiedade, o
desespero e a doença. Ela também lhe proporcionará a base
145
necessária para a meditação, explicada mais adiante neste
capítulo. A prática das respirações lunar e solar também
constitui uma forma poderosa de integração das energias
feminina e masculina. Depois que os canais do prana estão
equilibrados, eles naturalmente se harmonizam com os ciclos
universais de prana.
146
Joanie estava frequentando um psiquiatra, porque tinha
alterações abruptas de humor que muitas vezes resultavam
em explosões de fúria durante as quais telefonava para os
amigos a qualquer hora do dia ou da noite fazendo acusações
infundadas contra eles. O médico havia receitado medicação
para o que ele denominava episódios "maníaco-depressivos",
mas Joanie achou que sua situação piorara depois dos
remédios. Ela também tinha medicação contra a ansiedade,
para a claustrofobia. Nos dias piores, bastante frequentes, ela
engolia pílulas como se fossem balas.
Certo dia, desesperada, engoliu um vidro inteiro de
calmantes. Uma amiga por acaso passou na casa dela,
encontrou-a inconsciente, e imediatamente chamou uma
ambulância. Joanie saíra do hospital havia menos de um mês,
e ainda se sentia muito instável e dolorida. "Eu teria morrido
se minha amiga não passasse por lá, e ultimamente fico
pensando que seria melhor se ela não tivesse ido lá naquele
dia", disse ela.
Eu disse a Joanie que conhecia uma prática respiratória
simples que eu tinha certeza que poderia aliviar seus sintomas
mais dolorosos. Expliquei que se equilibrasse a respiração
lunar e a solar ela recuperaria o alinhamento adequado entre o
ritmo interno e o ritmo universal. Pedi que praticasse todos os
dias por um mês, mesmo que se sentisse extremamente
deprimida ou zangada. "No início, talvez seja difícil cumprir
sua promessa, mas logo você experimentará os primeiros
resultados, e isso vai reforçar sua determinação", disse eu.
Joanie concordou em praticar os exercícios respiratórios
solares e lunares, inclusive a respiração por narinas
alternadas, três vezes por dia (ver a seguir as instruções).
"Obrigada", disse ela levantando-se para ir embora. "Eu
realmente aprecio sua ajuda. Além do mais, nessa altura não
tenho mais nada a perder, e não custa tentar, especialmente
porque não implica tomar mais um remédio."
Um mês mais tarde, recebi uma carta de Joanie. "Não
consigo acreditar direito, mas estou me sentindo muito
melhor. Estou bem menos deprimida, e tenho mais energia.
147
Na verdade, os sintomas melhoraram tanto que quando fui ao
psicanalista na semana passada ele reduziu pela metade a
dose do remédio — e eu continuo me sentindo bem. Até meu
marido notou a diferença. Outro dia, ele e eu fizemos uma
caminhada de três milhas, algo que no passado fazíamos o
tempo todo. Foi ótimo estar de novo ao ar livre, e ele ficou
espantado por eu conseguir acompanhá-lo."
Depois disto Joanie se matriculou na Escola Wise Earth.
Já se passaram três anos, e ela continua sua prática
respiratória diária e também já incorporou as sadhanas do
som e da alimentação à sua vida. Hoje em dia não toma
medicação alguma, voltou a dar aulas para a sexta série, e
está totalmente saudável e funcional.
148
(veja o desenho do punho colocado sob a axila, a seguir).
Usando a mão direita (veja a seguir a imagem da mudra feita
com a mão), alterne a respiração de narina para narina
durante alguns minutos, ou até sentir que a respiração
esquerda adquiriu um volume maior do que a direita (ver a
seguir o exercício para al ternar as nari nas). Ti re a mão da
axi 1 a e torne a veri f i car a respiração. Agora a respiração
lunar e fria deveria estar mais ativa. (Mesmo que não esteja,
não faça este exercício por mais de quinze minutos. Como
regra geral, você não deve executar exercícios com prana por
mais de quinze minutos, porque pode gerar estresse e
enfraquecer, em vez de fortalecer, os canais solar e 1 unar, e
consequentemente a respiração.)
149
até sentir que a respiração direita adquiriu um volume maior
do que a esquerda. Tire a mão da axila e torne a verificar a
respiração. Agora a respiração solar e quente deveria estar
mais ativa. (Não faça este exercício por mais de quinze
minutos.)
150
Respiração por narinas alternadas
A Prática: Equilibrando a Respiração Solar e a Lunar
Como já mencionei, a respiração de um corpo saudável tende
naturalmente a entrar em equi 1 íbrio durante as quatro junções do
dia - nascer do sol, meio-dia, pôr-do-sol e meia-noite. Durante
estes breves períodos de transi ção, tanto a respi ração solar
quanto a lunar fluem na mesma proporção. Por esta razão, os
momentos diários de junção são considerados momentos
auspiciosos para praticar ioga e meditação.
Atingir e manter um estado de equilíbrio interior pode ser uma
experiência extremamente regeneradora, mas as pessoas que estão
envolvidas e ativas no mundo não devem tentar manter
indefinidamente um estado equilibrado de prana. De forma geral,
a respiração segue o ritmo dos movimentos da pessoa. Quando
você está em atividade, a respiração fica mais ativa, porque o
prana é o combustível de sua atividade. Se você tentar impor
práticas que levam a respiração a um estado inerte de equilíbrio, e
se ignorar a ideia de viver realmente assentado em seu próprio
Ser, ideia que é inseparável da respiração equilibrada, você estará
usando a sagrada intenção do prana de uma forma errónea. A
atividade mundana cria um certo caos no corpo, e forçar a
respiração a estar sempre em equilíbrio só aumenta este caos.
Estamos praticando o alinhamento da respiração aos ritmos
solares e lunares, e agora veremos como o universo nos oferece a
oportunidade, por ocasião das junções, de atingir o equi 1 íbrio
interior. Ao nascer do sol, ao meio-dia ou ao pôr-do-sol, sente-se
em uma postura confortável, de frente para o sol. Ao nascer do
sol, sente-se de frente para o leste (o sol está se levantando); ao
crepúsculo, vire-se para o oeste (o sol está se pondo); ao meio-dia,
volte-se para o norte (o sol está diretamente acima de você, e o
norte simboliza o sol diário do planeta, que não vemos). Caso
esteja acordado à meia-noite, volte-se para o sul (o sul representa
o sol "no-turno": a lua). Verifique sua respiração para saber qual
das duas é preponderante.
151
A exi stênci a de uma respi ração cl aramente domi nante
durante uma das junções é uma clara indicação de que a saúde
está desequilibrada. Se este for o caso, faça um punho com a
mão que está do mesmo lado que a narina bloqueada e
coloque-a debaixo da axila oposta. Faça a respiração das
narinas alternadas por dez minutos. A respiração que estava
bloqueada ou diminuída deve agora se tornar mais ativa.
Pratique isso ao nascer do sol, ao meio-dia e ao pôr-do-sol,
quando as duas respirações deveriam estar praticamente
equilibradas. Não se esqueça de voltar-se na direção certa ao
praticar os exercícios. Lembre-se de que, quando o corpo está
saudável, o prana será 1igeiramente mais forte no canal
esquerdo durante as junções.
Uma vez que o prana esteja equi 1 ibrado, você pode
usufruir do estado de serenidade natural, sentindo a perfeita
harmonia de seus ritmos internos.
Uma advertência: se o seu prana estiver cronicamente fora
de sincronia com os ciclos cósmicos, não passe mais de
quinze minutos exercitando-o nos períodos de junção. A
pratica da meditação e as sadhanas do som e da alimentação
descritas em outros pontos deste livro, juntamente com os
exercícios respiratórios, gradualmente promoverão a
tranquilidade do corpo, da mente e do espírito.
153
CAPÍTULO 6
A ARTE VÉDICA DA
MEDITAÇÃO
- Chandogya Upanishad
155
14Ô
A explicação védica para "meditar" é "discernir, medir, ponderar,
contemplar e finalmente libertar-se de todas as limitações e
padrões pelos quais estamos acostumados a nos avaliar". A
meditação nos conduz à consciência universal que reside dentro
de nós, à percepção não-egóica daquilo que é maior do que nosso
corpo-mente, e a uma realidade e uma dimensão que estão além
da riqueza e do sucesso materiais. Através da meditação,
conseguimos intuir nosso propósito individual, e aprendemos a
nos afastar das atraentes miragens e ilusões que entulham nossa
vida cotidiana.
Os videntes védicos nos dizem que devemos proteger, nutrir e
preservar tanto a verdade interior do ser quanto a verdade
cósmica da natureza. Parte de nosso propósito espiritual tem a ver
com encontrar coragem para mostrar ao mundo nosso verdadeiro
rosto. Eu aprendi esta lição sob a mais extrema das cir-
cunstâncias, e compreendo muito bem como é difícil e doloroso
optar pela autenticidade. Todos nós provavelmente nos lem-
bramos de ocasiões em que tínhamos medo de perder um em-
prego ou de ferir os sentimentos de alguém, ou de não sermos
aprovados por uma pessoa. Para manter a paz, sacrificamos nossa
verdade interior. Com o passar dos anos aprendemos a fazer isso
quase que naturalmente, porque estamos acostumados a
desempenhar certos papéis e a nos esconder atrás de uma
variedade de disfarces.
A meditação pode nos ajudar a redescobrir quem somos,
retirando as máscaras que nos afastam de nossa natureza essencial
e de nossos desejos mais profundos. Ao nos ajudar a descobrir a
verdade mais recôndita, a meditação faz com que integremos as
energias da mente, corpo e espírito, transforman-do-as em saúde e
unidade interior. A meditação também implica a tarefa maior de
servir ao Ser Universal. A verdadeira prática da meditação
implica nada menos do que a observância diária, a todos os
instantes, da s a d h a n a .
Durante a meditação, viajamos internamente para explorar a
verdadeira natureza da mente, e não as distrações mundanas ou
obsessivas que nos assaltam. Meu mestre, Sua Santidade Swa-mi
Dayananda, diz que os videntes que elaboraram a ideia da
157
meditação "meditavam em si mesmos", e isso permeava todas as
suas palavras e atos. A meta suprema da meditação é ultrapassar
as percepções, os pensamentos, a imaginação, e até mesmo as
visões e revelações. A meditação conduz a pessoa além das
informações dadas à mente pelos cinco sentidos. Para chegar ao
universo interior, é preciso ir além das percepções visuais e
auditivas, além dos elementos, além até mesmo daquilo que a
inteligência propicia, e entrar na dimensão da consciência pura,
que os r i s h i s chamavam de a n a n d a m , "a alegria infindável e
a plenitude completa".
Durante os mais de vinte anos durante os quais venho
praticando a meditação, já experimentei diversos saltos de
consciência. As vezes, em meu universo interior, as divindades
adquirem vida, e ocasionalmente falam comigo. Já vi espetáculos
de luzes maravilhosos, acompanhados de instrumentos de sopro
de tom agudo. A medida que fui me tornando experiente, um
silêncio e serenidade maiores surgiram dentro de mim. Na medida
em que você intensifica sua prática de meditação, descobre que
sua consciência adquire vida própria, e então começa a ansiar
pelos momentos de meditação. Haverá longos momentos de
lucidez e clareza. Sua intuição aumentará, e você saberá quem
está telefonando antes de pegar o telefone. Quando o inesperado
acontecer, você não se surpreenderá.
Hoje em dia, uma quantidade cada vez maior de médicos
e terapeutas importantes começa a reconhecer o valor da medi-
tação. Em maio de 1998, o Beth Israel Medicai Center de Nova
York convidou Sua Santidade o Dalai Lama, líder espiritual do
Tibet, para falar para um grupo de famosos neurocientistas,
médicos e clínicos do corpo/mente sobre as possibilidades do uso
de práticas meditativas em hospitais e outros locais do sistema de
saúde.
Os médicos e pensadores ocidentais estão começando a
reconhecer aquilo que os rishis viram há milénios: a natureza é um
campo unificado e o corpo e a mente humanos estão inse-
paravelmente ligados a ela e entre si. As práticas milenares da
ioga e da meditação estão atualmente sendo usadas pelos neu-
rocientistas para mapear os caminhos bioquímicos do cérebro.
E eles estão descobrindo aquilo que os videntes védicos já sa-
biam: a meditação estimula o conhecimento, a intuição e a cura.
A meditação é eficaz para qualquer pessoa disposta a dedicar
algum tempo à prática. Patanjali, o erudito do século III,
professor e autor dos I o g a S u t r a s , o texto mais antigo e
clássico sobre ioga e meditação, escreveu: "Através do foco, da
concentração e dos processos meditativos, podemos ir além das
percepções sensoriais." Você também pode viajar para além da
mente alimentada pelos cinco sentidos. No mínimo, você chegará
a um ponto onde poderá observar como a mente funciona.
Para um iniciante, uma meditação bem-sucedida é simples-
mente aquela que o faz se sentir tranquilo e descansado. En-
quanto a mente se esvazia das distrações, as energias internas
começam a fluir em harmonia umas com as outras. Do período de
meditação, você obtém uma capacidade maior de se concentrar
completamente na atividade que estiver desempenhando no
momento.
A S v e t a s v a t a r a U p a n i s h a d diz: "Mediante um esforço
consciente, mantenha os sentidos sob controle. Controlando a res-
piração, regule suas atividades vitais." A medida que o fluxo
respiratório se torna mais controlado, o coração passa a bater
mais lentamente e as emoções se acalmam. Navegando nas ondas
da respiração, nossos pensamentos se tornam menos frenéticos e
prolixos, e a mente se aproxima de uma quietude maior.
O exercício que se segue é uma excelente preparação para a
meditação, porque faz a pessoa ter mais consciência dos mo-
vimentos da respiração. Esta prática também será útil quando
você estiver ansiosa, com raiva, ou sentindo qualquer emoção
perturbadora. A beleza desta prática é sua simplicidade. Ela pode
ser feita em qualquer lugar, a qualquer momento, para relaxar e
preparar a mente e o corpo para a meditação. Lem-bre-se:
qualquer que seja sua situação, onde quer que você esteja, é
sempre possível respirar e prestar atenção à respiração.
COMO MEDITAR
DESPERTANDO A INTUIÇÃO
O CAMINHO DA B U D D H I I O G A
CARMA, RENASCIMENTO E
O CAMINHO PARA AS
MEMÓRIAS ANCESTRAIS