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A MÃE
COMO ME FOI REVELADA

Sri Jyotish Chandra Ray


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A MÃE
COMO ME FOI

REVELADA

Sri Jyotish Chandra Ray


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A MÃE, COMO ME FOI REVELADA

pg

Prefácio……………………………………………………………04

Introdução………………………………………………………...06

Poder Mântrico…………………………………………………...18

Poder do Pensamento…………………………………………….22

Poderes Yóguicos…………………………………………………28

Estado de Samadhi……………………………………………….35

A Mãe e Sua Lila …………………………………………………40

Ashram……………………………………………………………57

A Caminho de Uma Nova Vida………………………………….67

Até Terras Distantes……………………………………………...74

Sri Sri Ma…………………………………………………………76

Nota………………………………………………………………..80

Glossário…………………………………………………………..81
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PREFÁCIO

O autor deste livro, Sri Jyotish Chandra Ray, comumente conhecido como
“Bhaiji” (irmão maior), era enormemente querido e reverenciado pelos devotos de Sri
Anandamayi Ma. Realmente, poderíamos chamá-lo o Príncipe dos Bhaktas. Quem quer
que o conhecesse ficava impressionado pela visível nobreza do seu caráter, sua absoluta
simplicidade e seu extraordinário espírito de serviço. Graças à sua destacada pureza e
modéstia lhe foi possível alcançar uma introspecção de profundidade fora do comum. O
que faz com que “Matri Darshan” seja tão valioso é que foi escrito por alguém dotado de
um alto grau de compreensão, a quem, de fato, Mataji havia revelado a Si mesma.

O que Bhaiji sentia, se pode expressar melhor em suas próprias palavras:


“Ainda que diminutas porções do amplo céu se reflitam nos lagos e tanques, estes
reflexos não podem nos dar uma idéia da imensidão do firmamento. De modo similar, é
impossível apreciar a magnitude infinita do verdadeiro Ser de Sri Ma tendo em conta o
que se há refletido de sua graça através deste instrumento tão imperfeito”.

Não obstante, através da narrativa de Bhaiji chegamos a sentir algo do amor de


Sri Ma por todos os seres, de Sua Sabedoria não proveniente de leituras e livros, nem de
sectarismos, de Sua Alegria sempre radiante, que não é deste mundo.

Sri J.C. Ray nasceu em 16 de Julho de 1880, em Chittagong e recebeu ali sua
educação. O próprio livro dará ao leitor uma acertada idéia dos acontecimentos essenciais
da vida de Bhaiji, no que concerne a sua relação com Sri Ma.

Em 1937, pouco depois de completar o manuscrito de Matri Darshan,


acompanhou Sri Ma e Bholanathji numa peregrinação ao monte Kailash, junto com Sri
Gurupryia Devi e seu pai, Swami Akhandananda. Conforme se aproximavam de seu
destino, aconteceu um fato muito notável, que nos dá uma idéia da verdadeira estatura de
Bhaiji. Ele e Bholanath tinham ido à frente do grupo. Ao chegar ao lago Mansarovar, o
espírito de suprema renúncia deteve Bhaiji. Atirando suas roupas e seu cordão sagrado ao
lago, adentrou as águas geladas. Com as mãos unidas pediu a Bholanath que lhe
abandonasse para vagar pelas montanhas. Bholanath, não obstante, não quis escutá-lo.
Mandou que ele pusesse as roupas e esperasse Mataji. Quando ela chegou, umas duas
horas depois, vieram a seus lábios, espontaneamente, samantasa mantras. Desta forma tão
pouco comum, Bhaiji recebeu samantasa (iniciação) e foi, daí em diante, chamado Swami
Mounananda Parvat.
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A pedido de Mataji, Bhaiji aceitou acompanhar o grupo de volta a Almora. No


caminho de descida contraiu febre alta e, alguns dias depois de chegar a Almora, em 18
de Agosto de 1937, Jhulan Dvadasi morreu. Ao longo de sua enfermidade Mataji cuidou
de Bhaiji com muita ternura. Não dormiu as noites que passaram juntos e, não obstante,
a serenidade de Seu semblante não se alterou. Seu costumeiro sorriso sempre estava ali
e Sua presença preenchia a habitação de paz e calma. Quando perguntaram a Bhaiji
como seria possível dirigir o Ashram de Dehradun sem sua ajuda e guia, ele disse: O
trabalho não é meu, mas de Sri Ma. Tudo continuará bem por Sua Graça; não somos
senão ferramentas em suas mãos.”

Com referência à morte de Bhaiji, Bholanath escreveu o seguinte: “Até o final


Jyotish esteve consciente. Pouco antes de sua morte me disse: ‘Olhe, Baba, neste mundo
não se pode dizer que ninguém seja Real, só Sri Ma é Real.” Depois de cantar “Ma, Ma” e
“Om”, chamou a Bholanath e disse: “Escute, somos só um. Ma, e eu somos um, Pitaji e
eu somos um.” Então, fixando o olhar em Mataji e pronunciando “Ma, Ma”, deu
lentamente o último suspiro.

Antes de sair para o monte Kailash, Bhaiji havia deixado o manuscrito em


bengali de Matri Darshan com o tradutor. Era seu desejo que o livro fosse publicado
simultaneamente em bengali, híndi e inglês. Sua inesperada morte, porém, alterou todos
os planos. O original bengali foi publicado primeiro, em 1937, pouco depois da sua morte.
A tradução em híndi não apareceu até 1951, e em inglês até 1952. Bhaiji foi o primeiro a
dar a conhecer ao mundo algo do incomparável Lila (jogos ou movimentos do Ser
Supremo, que são livres por natureza e não estão sujeitos a leis – N do T) de Sri
Anandamayi Ma. Buscadores de todo o mundo tem expressado seu apreço e profunda
gratidão a Bhaiji por esta obra de amor.
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INTRODUÇÃO

Escrever uma biografia de Sri Anandamayi Ma ou atrair a atenção do mundo até


seus poderes infinitos, não é o objetivo deste débil intento de minha parte. Neste
pequeno esboço, descrevi unicamente uns poucos fatos de minha própria experiência
direta para mostrar como Ela abriu uma fonte de vida em minha quase ressecada alma.
Todas as faltas que houver neste trabalho são atribuídas às minhas próprias limitações
pessoais, pelas quais imploro sinceramente Seu perdão.

Perdi minha mãe quando não era mais que um garotinho. Escutei meus parentes
dizerem que meus olhos se enchiam de lágrimas quando ouvia as outras crianças
balbuciarem “ma, ma” e que tranquilizava meu coração lançando-me ao chão, chorando
em silêncio.

Meu pai era uma pessoa piedosa. Durante minha primeira infância, o profundo
espírito religioso de sua vida implantou em mim sementes de aspiração divina. Em 1908
fui iniciado pelo guru de nossa família em Sakthi Mantra (representação sonora da
Deusa do Universo ou Mãe do Mundo). Consequentemente, tive que render culto à Mãe
Divina. Quando pude expressar efusivamente todo meu fervor devocional com “Ma,
Ma”, durante meu tempo de oração, encontrei grande alívio e felicidade. Inclusive, só
então podia dar-me conta que a Mãe é a fonte-origem da suprema alegria e felicidade
para todos os seres vivos. Havia em mim um desejo incontrolável de encontrar uma
Mãe viva, que, com seus olhares amorosos, pudesse transformar minha alma
tempestuosa. Dirigi-me a muitas pessoas piedosas e estava tão desesperado a ponto de
consultar os astrólogos em busca de uma resposta a minha dúvida: terei a sorte de
encontrar semelhante mãe? Todos me davam grandes esperanças.

Com esse objetivo em mente, visitei muitos lugares santos e tive a oportunidade
de encontrar numerosas personalidades espirituais; mas nenhuma satisfazia meu desejo.

Trabalhei num escritório do governo em Calcutá. Fui transferido a Dacca em


1918. Ao final de 1924 fiquei sabendo que Mataji estava vivendo em Shahbag, perto da
cidade, guardando silêncio há muito tempo, sempre sentada em alguma postura yóguica.
Em raras ocasiões, desenhava uma linha no chão ao redor do seu assento e tinha breves
diálogos com as pessoas, depois de recitar alguns mantras ou textos sagrados.

Uma manhã fui até lá com espírito devocional e tive bastante sorte de poder ver
a Mataji, por cortesia de seu marido, a quem as pessoas se referiam como Pitaji, ou Pai.
Meu coração estremeceu ao ver Sua serena postura yóguica junto a toda modéstia e
graça de uma jovem recém-casada. Em seguida, invadiu minha mente a idéia de que a
pessoa de quem meu coração havia tido saudades todos esses anos e por cuja busca eu
havia viajado a tantos locais sagrados, se encontrava revelada diante de mim.
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Todo meu ser ficou inundado de prazer e cada fibra do meu corpo bailava em
êxtase. Senti-me impulsionado a lançar-me e prostrar-me a seus pés, gritando entre
lágrimas “Ma, por que tens me mantido afastado de Ti todos estes longuíssimos anos?”

Depois de algum tempo lhe perguntei: “Tenho alguma possibilidade de elevar-


me espiritualmente?” Ela respondeu: “Teu apetite pelas coisas espirituais ainda não é
suficientemente grande.” Havia ido com um monte de pensamentos que lutavam por
expressar-se, mas foram todos acalmados sob o feitiço de Sua graça tranquilizadora.
Sentei-me ali estupefato e mudo. Ma, tampouco disse uma só palavra. Pouco depois,
inclinei-me diante d’Ela e fui embora. Não pude tocar Seus pés, ainda que tivesse um
grande desejo de fazê-lo. Não foi por temor ou delicadeza; algum poder misterioso me
afastou de Sua presença.

Durante muito tempo depois não fui à Shahbag. Pensava da seguinte maneira:
“Enquanto Ela não me atraísse até Si como se fosse minha própria Mãe, retirando seu
véu, como poderia render-me a Seus pés? Havia um grande conflito dentro de mim. Um
intenso desejo de vê-La e uma dor aguda por sua frieza. Ambos eram igualmente fortes
e opostos entre si. Parecia que nenhuma forma de aproximação era possível. Entretanto,
costumava ir ao templo Sikh vizinho e, de pé, junto à parede do jardim, olhava a Mãe à
distância, de modo que ninguém pudesse perceber. Durante aqueles dias de indecisão,
analisava os movimentos de minha mente e me perguntava aonde iriam parar as coisas.

Mas não tinha força para tomar uma decisão. Recebia frequentemente todo tipo
de notícias sobre Mataji e escutava com atenção todas as histórias sobre Sua Lila. Desta
maneira passei sete meses entre o estrondo e o burburinho da vida diária. Um dia,
trouxe Mataji à minha casa. Uma intensa alegria comoveu meu ser por inteiro ao
encontrar-me com Ela depois de tanto tempo. Mas minha felicidade durou pouco.
Quando estava a ponto de sair, inclinei-me para tocar Seus pés, mas Ela os afastou.
Senti-me transpassado por uma dor repentina. Tentei então aliviar as pontadas da luta
que havia em meu coração lendo vários livros sobre religião. Decidi-me a publicar um
pequeno livro sobre religião e práticas religiosas. O livro foi escrito e publicado com o
titulo de “Sadhana” e enviei uma cópia para Ma, através de SJ. Bhupendra Narayan Das
Gupta. Ela lhe disse secamente: “Peça ao autor que venha ver-me.”

Ao receber este chamado da Mãe, fui a Shahbag uma manhã. Vi que o silêncio
que Ela havia observado durante os últimos anos havia terminado. Ela veio e Se sentou
perto de mim. Li para Ela o livro inteiro e, depois de escutar falou: “Devido aos três
anos de silêncio, as cordas vocais não me funcionam adequadamente e, entretanto, as
palavras se esforçam para sair da minha boca hoje. Seu livro é bastante bom. Tente
desenvolver ainda mais a pureza de pensamento e ação.”

Durante aquela entrevista com Ela, Pitaji estava presente. Comecei a sentir que
um novo mundo estava se abrindo diante de mim e que eu estava sentado como se fosse
um menino diante de seus pais.

Desde então me acostumei a ir a Shahbag frequentemente. Solicitei a minha


esposa que fosse ver Mataji com algumas oferendas. Nessa época Sri Ma costumava
colocar um anel dourado no nariz. Minha esposa levou de presente para Sri Ma um
grande prato de prata, um pouco de requeijão, flores, pasta de sândalo e um anel de
diamante para o nariz e, com grande satisfação e respeito, os ofereceu a Seus pés.
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Depois se soube que neste período Mataji comia no chão e não utilizava nenhum
tipo de prato. Pitaji lhe havia dito, certo dia: “Não pegas a comida em pratos de latão
nem de bronze, comerá num de prata?” Ma riu e disse: “Sim, mas não fale a ninguém
sobre isso nos próximos três meses e, por favor, tampouco faça você nenhum intento de
procurar para mim pratos de prata.” Pois bem, antes que houvesse passado os três
meses, lhe demos o prato de prata, como mencionei anteriormente.”

Um dia Mataji me disse: “Lembre-se, você é realmente um brahman; há um sutil


e próximo laço espiritual entre este corpo e você.” (Anandamayi costumava referir-se a
Si própria como ‘este corpo’). Desde aquele mesmo dia tentei conservar meu corpo puro
em todos os sentidos.

Soube por várias fontes que muitos dos devotos de Sri Ma haviam sido bastante
afortunados a ponto de encontrar imagens de vários deuses e deusas revelados em Seu
corpo. Mas, como eu via com meus próprios olhos, em Sua vida cotidiana,
manifestações de grandes poderes sobrenaturais, não me preocupava em buscar alguma
revelação em especial. Minha humilde aspiração era que, se pudesse modelar minha
vida servindo os ideais de paciência e serenidade, n’Ela sempre manifestos, seria mais
do que suficiente para mim.

E, ainda assim, o impulso natural do homem por ver alguma manifestação


material de poderes divinos na vida humana, me inspirou a perguntar, num dia em que
A encontrei sozinha: “Mãe, te peço, diga-me, o que você é em realidade?” Ela riu
sonoramente e disse, com afeto: “Como podem despertar-se em seu coração perguntas
tão infantis? As visões de deuses e deusas aparecem de acordo com as disposições
herdadas por cada um (samskaras). Sou o que era e o que serei, sou aquilo que você
conceber, pensar ou dizer. Mas é um fato supremo que este corpo não veio a ser para
recolher os frutos do carma passado. Por que não aceita que este corpo é o envoltório
material de todas suas aspirações e ideais? Todos assim desejaram e agora o tem. Então,
brinque com esta boneca por mais algum tempo. Mais perguntas seriam infrutíferas.”
Eu disse: “Estas palavras são suas, Ma, não satisfazem meu desejo.” Ao escutar isso,
falou com certa veemência: “Diga-me, diga-me o que mais desejas?” e imediatamente
uma explosão deslumbrante de luz celestial resplandeceu em Sua face. Fiquei mudo,
paralisado de temor e assombro. Todas minhas dúvidas se tranquilizaram.

Uns quinze dias depois, fui a Shahbag uma manhã e encontrei a porta da casa de
Mataji fechada. Sentei-me diante da porta, a uns 25 ou 30 cm de distância.
Repentinamente, a porta se abriu de todo. Encontrei, para meu desconcerto, a figura de
uma deusa divinamente bela, tão genialmente resplandecente como o sol ao se pôr,
iluminando em sua totalidade o interior da casa. Num abrir e fechar de olhos se retirou
toda irradiação do interior do Seu corpo e Mataji estava ali, de pé e sorrindo em sua
forma habitual.

Num segundo a visão havia desaparecido completamente, como por obra de


magia sobrenatural. Senti-me como se houvesse caído do país dos sonhos. Lembrei em
seguida que Sri Ma havia se revelado em resposta ao que eu lhe havia dito alguns dias
atrás. Comecei a recitar um hino e rezei: “Seja eu um filho digno de Vós, digno de ser
abençoado com toda Vossa material munificência e graça.”
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Depois de algum tempo Mataji se aproximou de mim. Colheu uma flor e umas
poucas folhas de erva de dhurba e os colocou sobre minha cabeça, ao mesmo tempo que
eu caía aos Seus pés.

Fiquei louco de alegria. Os dias que vão nunca mais voltam. Como desejaria que
retornasse aquele bendito momento!

Desde aquela vez se foi enraizando em minha mente uma profunda convicção de
que Ela não era somente a mãe, mas sim a Mãe do Universo. Voltei para casa. Tão logo
me aquietei, resplandeceu em minha mente a mesma imagem luminosa de Mataji e as
lágrimas rolaram por minha face. Desde aquele mesmo dia Sua Graça provocou tal
mudança em mim, e de modo tão natural, que Sua figura ocupou o lugar da deusa a que
havia venerado naqueles 18 anos, desde minha iniciação, no começo da juventude. Esta
mudança às vezes gerava algumas dúvidas na minha cabeça, sobre se eu seguia o
caminho correto ou não. Mas em poucos dias Sri Ma ocupou Seu legítimo lugar em
minha alma, assumindo-a por completo.

Sri Anandamayi Ma (Seu nome original era Nirmala Sundari Devi) nasceu no
povoado de Kheora, distrito de Tipperah, em 1318 da Era Saka (30 de Abril de 1896),
nas primeiras horas de uma sexta-feira, uma hora e doze minutos antes do amanhecer.
Recentemente descobriu-se o local exato do Seu nascimento. Quando foi a Kheora, em
17 de Maio de 1937, pressionada por Seus devotos, indicou o local exato onde Seu
corpo tocou o solo pela primeira vez. Seu pai, Bepin Behari Bhattacharji, era
descendente da conhecida família brâmane Kashyapa, do povoado de Vidyakut, no
mesmo distrito. Passou a primeira parte de Sua vida na casa do seu tio materno. Tanto o
pai quanto a mãe de Sri Ma, Sm Mokshada Sundari Devi, tinham naturezas muito
amáveis e caridosas. Sua devoção a Deus, sua simplicidade e o nível de vida social eram
quase ideais. A casa materna de Mataji, em Sultanpur, Tipperah, teve um status social
muito alto durante gerações. Havia muitos pandits (pessoas instruídas em sânscrito e nas
escrituras hindus) cultos e devotos na família. Relata-se que uma piedosa mulher da
mesma família montou a pira funerária de seu marido cantando hinos alegremente. Sri
Ma casou-se com Sainut Ramani Mohan Chakravarti, do povoado de Atpara, de
Vikrampur, quando contava com apenas 12 anos e dez meses de idade. Ele pertencia à
conhecida família brâmane Bharadwaj, deste povoado. Dedicou sua vida ao bem estar
dos demais. Mais tarde ficou conhecido como Bholanath, Rama Pagla ou Pitaji.

A primeira parte da vida de Sri Ma passou despercebida nos povoados de


Kheora e Sultanpur. Depois do seu casamento, passou algum tempo em Sripur e
Narundi, onde trabalhava o irmão maior de Bholanath; também passou alguns meses no
lar de seu marido, em Atpara. Antes de vir a Dacca permaneceu uns três anos em
Vidyakut e seis anos (1918-1924) em Bajitpur, com Bholanath.

Em Astagram manifestou-se, pela primeira vez, de forma proeminente, o gosto


de Mataji pela música religiosa. Em Bajitpur essa disposição de ânimo só foi percebida
às vezes, mas o tom dominante de Sua mente durante esse período era a expressão
natural do simbolismo mântrico e das práticas yóguicas. Quando veio a Shahbag, em
Dacca, em 1924, seu estado de quietude e silêncio continuou. A intensa paz e a piedade
se converteram na característica onipresente de Sua vida. É impossível expressar em
palavras uma idéia da profundidade deste estado. Que interação de estados e expressões
divinas chegaram a manifestar-se em todas as formas de Sua vida durante este período!
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Naquela época os devotos começaram a congregar-se ao redor d’Ela. Muitos


deles participavam do culto, canções devocionais e ritos sacrificiais. É difícil descrever
como suas almas chegavam a impregnar-se de uma tranquila felicidade em Sua
presença. Todo mundo se dirigia a Ela como “Mãe do jardim de Shahbag” e
expressavam seu deleite, dizendo que nunca, em todas suas vidas, haviam desfrutado de
uma riqueza tal como a da graça de Sri Ma.

Enquanto estava em Bajitpur, Ela tinha presente na mente a história completa do


templo de Siddheswari Kali, em Dacca.

Durante Sua residência em Shahbag, o finado Rai Bahadur Pran Gopal Mukherji
era o Diretor Geral dos Correios, em Dacca. Ele e Sri Baul Chandra Basak encontraram
meios para levar a cabo a conservação do templo de Siddheswari.

A primeira vez que conheci Sri Ma, ela deu-me uma indicação, dizendo: “Tua
sêde pelas coisas espirituais não é suficientemente forte.” Mas para alguém agitado pela
confusão dos desejos mundanos, tal ânsia por uma vida mais elevada não era possível a
não ser que pudesse aprender a dirigir até Seus pés todas as incontroláveis ondas de
emoções e impulsos. Sempre rezava silenciosamente e em segredo em meu coração “Oh
Mãe, te manifestas como fome em cada ser, desperta em mim uma fome real pelas
coisas imutáveis e imperecíveis.”

Na continuação se narra como Mataji, em sua infinita misericórdia, dirigiu


minha disposição sempre flutuante, até Sua Onipresente presença:

1) Uma noite, eu ia e vinha sobre o balcão aberto de minha casa; havia um


resplendor de luz da lua sobre todos os objetos que me rodeavam. Percebi algum
movimento ao meu lado e me virei. Para meu assombro, encontrei uma imagem
de Sri Ma deslizando-se ao meu lado. Vestia uma camisa vermelha e um sári
com uma série de finas linhas vermelhas na borda. Este detalhe me fez duvidar
da exatidão da minha visão. Entretanto, quando fui vê-la, bem cedo, na manhã
seguinte, a encontrei vestida exatamente como a havia visto na noite anterior.
Disseram-me que um devoto tinha vindo ao Ashram depois que eu saí e a fez
colocar esta roupa. Quando contei a Mataji minha visão, ela disse, do modo mais
natural: “Fui ver o que estavas fazendo.”

2) Um dia Sri Ma veio a minha casa e estava conversando conosco no primeiro


andar. De repente chegou um automóvel para levá-la a outro local. Eu não sabia
que isto havia sido combinado previamente. Mataji preparava-se para sair, mas
eu senti uma grande angústia ao ver que Ela abandonava minha casa depois de
uma visita tão curta.. Com o coração aflito, desci as escadas para vê-la partir.
Subiu no carro, mas este não se moveu, ainda que o motorista houvesse dado a
partida. Ela me olhava, Seu rosto brilhando com um sorriso afável. Quando
todas as tentativas do condutor resultaram inúteis, trouxeram um taxi para Ela.
Era penoso pensar que Sri Ma tivesse que ir num carro de aluguel, quando havia
um carro pronto para Ela. Justamente neste momento o carro começou a mover-
se, para minha surpresa, e Sri Ma se foi.”
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3) A pressão das multidões em Shahbag aumentava dia a dia, conforme Mataji


chegava aos ouvidos das pessoas. Numa ocasião não pude vê-la por quatro dias.
Na manhã do quinto dia decidi ir vê-la, mas mudei de idéia. Sentei-me
desesperado em minha casa. Para minha surpresa, vi a imagem inteira de Sri Ma
aparecendo sobre a parede em frente, como se fosse um fotograma de cinema.
Parecia bastante triste. Ao voltar-me, encontrei a Sj Amulyaratan Chowdhury de
pé, junto à minha cadeira. Disse: “Mataji enviou uma carruagem para levá-lo até
Ela.” Quando cheguei ao jardim de Shahbag, Sri Ma disse: “Percebi seu
desassossego durante estes últimos dias. A paz e a tranquilidade não podem
chegar a não ser que exista um desassossego no começo. Deverias acender o
fogo por qualquer método, seja com manteiga refinada, madeira de sândalo ou
até mesmo palha. Uma vez aceso, o fogo perdura, todas as preocupações,
obscuridades e pessimismo desaparecem gradualmente. Reduzirá a cinzas todos
os obstáculos. Sabes, uma chispa é suficiente para começar um incêndio,
reduzindo centenas de casas e até palácios a brasas.”

4) Uma noite, quando regressei do meu escritório, disseram-me que uma pessoa
desconhecida havia deixado um peixe grande em minha casa, dizendo que
voltaria em breve. Mas ninguém apareceu. O peixe estava sobre o saco. Ao
anoitecer, como não apareceu ninguém, o peixe foi cortado em postas e eu o
enviei à Mãe, em Shahbag. Na manhã seguinte, quando fui para lá, Pitaji me
disse: “Tua Mãe me disse, na noite passada –‘Olhe aqui, Jyotish é meu Deus.”
Ao perguntar, soube que, na manhã anterior, umas poucas pessoas participaram
do kirtan (cântico dos nomes e da magnificência de Deus, realizado por uma
pessoa ou por um grupo de pessoas). Todas elas desejavam ter Seu prasad
(comida oferecida a uma deidade ou santo, e depois consumida pelos devotos).
Não havia, porém, provisões. Justo na hora que Mataji estava preparando os
condimentos para cozinhar, meu servente Khagen chegou com o peixe e outros
artigos necessários. Isto A fez exclamar as palavras repetidas por Pitaji. “Fiquei
surpreso” contou Bholanath “ao saber que um desconhecido havia trazido peixe
à sua casa e como foi enviado, junto com outras coisas indispensáveis, para
satisfazer o clamor dos devotos pelo prasad de Sri Ma.” Tais incidentes foram
numerosos. Em Shabag, um homem solicitou prasad de Sri Ma, mas não havia
frutas e doces. Quando meu servente chegou com as coisas viu que,
aparentemente, Mataji já estava esperando por elas

5) Uma noite, lá pelas 3 da manhã, eu estava sentado em minha cama, bastante


desperto. Veio-me à mente a imagem de que Sri Ma estava dormindo com Sua
cabeça na direção oposta à qual costumava fazer. Ao amanhecer, quando fui vê-
la, a encontrei nessa mesma posição. Ao perguntar, soube que Ela havia saído às
3 da manhã e, ao regressar, mudou a posição de dormir. Muitas vezes acontecia
que, desde minha própria casa e desde meu escritório, podia ver claramente o
que Sri Ma estava fazendo em Sua casa. Isto acontecia sem nenhum esforço de
minha vontade; às vezes tais imagens cruzavam repentinamente minha cabeça,
sem que nunca pensasse sobre elas. Bhupen costumava ir a Shahbag diariamente
e eu pude comprovar a veracidade de minhas visões através dele. Havia apenas
algumas diferenças. Muitas vezes Mataji me dizia: “Tua verdadeira casa está em
Shahbag, você só vai para sua casa para dar um passeio.”
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6) Ao meio dia, no escritório, ou a meia noite, em minha casa, quando um desejo


muito forte de ver a Sri Ma me deixava intranquilo, Ela, em muitas ocasiões me
aparecia, dizendo:”Me chamaste e Eu vim.”

7) Certa vez, por volta do meio dia, eu estava ocupado em meu escritório. Bhupen
veio e me disse: “Mataji te pede para ir a Shahbag. Eu Lhe disse que o Diretor
de Agricultura estará ausente hoje, mas Ma respondeu: ‘ Deves levar-lhe esta
mensagem, deixe que ele faça o que considerar mais apropriado.”
Sem pestanejar, deixei todos os papéis esparramados sobre minha mesa e, sem
informar a ninguém do escritório, saí para Shahbag. Quando cheguei, Sri Ma
disse: “Vamos até o Ashram de Siddheswari.” Acompanhei Mataji e Pitaji.
Havia um pequeno buraco exatamente onde hoje se levanta um pequeno pilar e
um Shiva Lingam. A Mãe sentou-se neste buraco e Seu rosto resplandecia com
um sorriso radiante, transbordando de felicidade. Exclamei ante Pitaji: “Desde
hoje chamaremos a Ma com o nome de Anandamayi.” Ele respondeu: “Sim, que
assim seja.” Ela me fitou com um olhar fixo, sem dizer uma palavra.
Quando estávamos a ponto de partir, as 17:30, Ela perguntou: “Você estava todo
o tempo tão cheio de júbilo, como pode ser que agora esteja tão pálido?”
Respondi que o pensamento de ir para casa me faz lembrar o trabalho inacabado
no escritório. Ela disse: “Isto não tem importância.” No dia seguinte, quando fui
ao escritório, o Diretor não disse nada sobre minha ausência do dia anterior.
Perguntei a Mataji por que havia me chamado tão inesperadamente no dia
anterior. Ela respondeu: “Para avaliar o quanto você evoluiu nestes meses.”
Acrescentou, com um sorriso afável: “Se você não viesse, quem haveria dado
um nome a este corpo?”

8) Numa ocasião, Sua Excelência o Governador de Bengala veio a Dacca. O


Diretor pediu que eu chegasse mais cedo no escritório, as 09:30, já que ele iria
visitar o Governador. Prometi-lhe que o faria. Na manhã seguinte cheguei tarde
de Shahbag e, quando entrei no escritório eram 09:50. Estava um pouco nervoso
sobre o que aconteceria com meu chefe. Enquanto pensava no assunto, ele me
telefonou de sua casa, para dizer-me que seu carro estava quebrado, que sentia
ter me causado aborrecimentos e que iria à casa do Governador somente as
11:00. Quando Sri Ma ouviu a história disse, entre risos: “Isto é novidade para
você? Outro dia arrebentou a engrenagem do carro no qual eu iria sair…”

9) Numa ocasião Mataji veio a nossa casa. No decorrer da nossa conversa, eu


disse acidentalmente: “Parece, Ma, que para Ti o frio e o calor sejam o mesmo.
Se caísse sobre Seu pé um carvão aceso, não sentirias dor?” Ela respondeu:
“Faça então o teste.” Não insisti mais neste assunto. Poucos dias depois,
retornando o fio de Sua conversa anterior, Sri Ma colocou um pedaço de carvão
em brasa sobre Seu pé. Saiu-lhe uma profunda chaga. Durante um mês não se
curou. Senti-me arrependido pela idéia tonta que havia tido. Um dia a encontrei
sentada na varanda, com as pernas esticadas, o olhar fixo no céu. Na chaga havia
se concentrado algo de pus. Prostrei-me a Seus pés e lambi a chaga. No dia
seguinte, a chaga começou a curar-se.
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Perguntei a Mataji como Ela havia se sentido quando o carvão aceso estava
queimando-lhe a carne. Ela disse em resposta: “Não fui consciente de nenhuma
dor. Não parecia outra coisa senão diversão: contemplei com alegria o que o
pobre carvão estava fazendo com meu pé e observei que começou a queimar
primeiro os pelos, depois o pé. Cheirava a queimado e o carvão foi gradualmente
apagando, depois de fazer seu trabalho. Quando, mais tarde, formou-se uma
chaga, esta continuou seu curso. Porém, tão logo se despertou em você um forte
desejo de que a ferida se curasse, houve uma mudança repentina para melhor.”

10) Era o mês de Magh, no meio do inverno, com um frio penetrante. Ao amanhecer
me encontrava andando descalço com Sri Ma sobre os campos de erva de
Ramna, molhados pelo orvalho. Vi ao longe um grupo de mulheres que se
dirigia ao nosso encontro. Pensei que, logo que chegassem, levariam Ma ao
Ashram de Ramna. Conforme me passavam estes pensamentos pela cabeça, o
campo inteiro ficou coberto por uma névoa muito espessa e não se podia
enxergar as mulheres. Depois de umas três horas, quando regressamos ao
Ashram, ouvimos que o grupo de mulheres havia se cansado de tentar encontrar-
nos e se viram obrigadas a regressar, decepcionadas. Os campos eram muito
grandes. Quando informei a Sri Ma de meus pensamentos, ela disse: “Seu forte
desejo foi satisfeito.”

11) Numa ocasião Mataji sofria um forte resfriado, com tosse. Encontrando-A muito
mal, lhe roguei, com voz trêmula e suplicante: “Ma, que Sua saúde se
restabeleça prontamente.” Ela me olhou fixamente e disse com um sorriso: “A
partir de amanhã estarei bem.” E assim foi.

12) Certa manhã encontrei Mataji com febre. Regressei a minha casa e de noite rezei
fervorosamente para que sua febre passasse ao meu corpo. Ao começar o dia,
tive febre e dor de cabeça. Quando fui ver Ma, pela manhã, como costumava
fazer, Ela logo falou: “Estou bem, mas você tem febre. Volte para sua casa, tome
um banho e coma sua comida habitual.” Assim o fiz e, de tarde, já estava bem.
Sri Ma sempre diz: “Com a força da concentração tudo é possível.”

13) Chegou à minhas mãos um livro chamado Sadhu Jivani ( Vida dos Santos). Ali
encontrei esta frase: “Ele – um Sadhu – costumava aconselhar seus devotos para
que sempre dessem comida aos pobres.” Escrevi a seguinte nota, na margem:
“Dar só comida não satisfaz a alma humana.” Este livro foi levado a Sri Ma, em
Shahbag e um dos Seus devotos leu em voz alta meu comentário. Ma não disse
nada. Poucos dias depois fui, bem cedo, a Shahbag. Neste momento, um homem
que parecia ter um ataque de loucura, veio a mim e disse: “Dê-me algo de comer
ou morrerei de fome.” Mataji buscou o que pôde conseguir na despensa e deu ao
homem. Ele quis água para beber e Mataji me disse para dá-la. Fiquei sabendo
que o homem era muçulmano, havia jejuado três dias e havia entrado no Ashram
pulando a cerca. Mataji me disse que ele tinha vindo me ensinar a importância
de dar de comer e beber a quem o necessita. Cada coisa tem seu lugar e
momento adequado. Nada se perde na divina economia do mundo.
14

14) Um dia, disse a Mataji: “Ma, todos estes dias, surgem em meu interior sons
mântricos, numa onda contínua. Durante o dia e também ao cair da noite a
corrente de sons brota naturalmente do meu coração, com um jorro que sai aos
borbotões de uma fonte.” Ao dizer isto, um ligeiro matiz de satisfação pessoal
ficou escondido no mais recôndito do meu coração. Ma me olhou em silêncio.
Quando cheguei em casa, o som cessou e, apesar dos meus melhores esforços,
não pude reavivá-lo. Transcorreu o dia e a noite avançava, mas a corrente
jubilosa de melodia mântrica não pôde ser restaurada. Na manhã seguinte,
solicitei a Bhupen que informasse a Mãe sobre minha triste condição. Bhupen a
encontrou no caminho, enquanto Ela se dirigia à casa de um devoto, numa
carruagem. Ela começou a rir. Eram dez da manhã. Bem neste horário senti que
a corrente obstruída começava a fluir com sua cadência anterior. Depois, soube
por Bhupen a hora em que ele havia se encontrado com Sri Ma. Em conexão
com este fato, A escutaram comentar que o menor matiz de “eudade” (egoísmo)
atrasa o próprio progresso espiritual.

15) Em seguida, dou outro caso da prontidão com que a influência benigna de Sri
Ma ajuda o crescimento de nossa vida interior. É uma pena que deixemos de
reconhecer seu valor e não o utilizemos para nossa elevação espiritual. Ao
passar o primeiro entusiasmo, recaímos em nossa condição anterior.
Certo dia Sri Ma disse, entre risos: “Quando se cantam os nomes divinos, ou
mantras, a mente se purifica gradualmente, o amor e a reverência pelo Ser
Supremo se despertam e os pensamentos se tornam sutis e refinados. Então se
começa a vislumbrar planos mais altos de existência, o que favorece a elevação.”
O dia em que escutei estas palavras, sentei-me num canto solitário da casa para a
oração da noite; para minha surpresa, experimentei um novo regozijo devido ao
fluxo de nomes divinos. Continuaram sem parar; chegou o sono e, tão logo
acordei, as jubilosas vibrações estremeceram meu ser uma vez mais. No dia
seguinte, a mesma onda regozijante continuou em voz baixa, durante a pressão
da rotina do escritório. Ao anoitecer, quando coloquei minha mente no estado
propício à oração, a felicidade da noite anterior enchia meu coração, de modo
que eu não tinha nenhuma vontade de dormir. Ao cair da noite o fluxo era tão
intenso que cheguei a pensar que me sentiria aliviado se houvesse uma pausa.
Mas tudo continuou com o ímpeto que lhe era próprio. Nunca havia tentado
sentar na postura de Gomukhi. Nas primeiras horas da manhã, antes do sol sair,
encontrei a mim mesmo fazendo esta postura. Durante estas horas meu corpo e
minha mente estavam imersos num mar de inexprimível alegria. As lágrimas
brotavam dos meus olhos sem parar. Num período de meditação, passei todo o
tempo imóvel e estive completamente absorto.

16) Uma manhã, naqueles primeiros dias de auto-renúncia, sentei-me em silêncio.


Meu coração estava tomado de uma profunda emoção pela divina graça de Ma.
Tomou forma uma canção bengali, cuja tradução é a seguinte:
15

Que Tua veneração, Teus hinos de louvor


sejam o eterno prazer da minha vida
Que minha vida transborde de canções
Em adoração a Ti, pensamentos de Tua divina graça.

Não pedirei favor algum


não direi nenhuma palavra
unicamente me prostrarei a Teus pés
com lágrimas de felicidade.

Navegarei em Tua infinita extensão celestial


distribuindo canções como flores
que representam Tua Glória
Impregnarei-me de Tua felicidade,
cantando Teus sagrados nomes
e enviando seus ecos através do universo.

Todas minhas ações, todos meus pensamentos


são Tua adoração
Oh Mãe, dai-me bhakti, uma fé firme
de forma que possa fazer de Teus pés
uma âncora de esperanças em minha vida.

A esta canção dei o titulo de “Canção de um Homem Louco” e enviei uma cópia
impressa da mesma a Sri Ma. Depois, soube que quando a recebeu, Ela estava cortando e
podando, com uma podadeira, uma cabaça para a cozinha. Enquanto lhe recitavam a
canção, lhe caiu da mão a cabaça e Ela sentou-se imóvel durante um tempo. Depois,
quando A encontrei, Ela disse: “O mundo é a encarnação de bhava (o amor divino).
Todas as coisas criadas são sua expressão material. Se alguma vez puderes despertar
para este amor divino, verás em todos os lugares do universo o jogo do Um. Isolando-se
deste amor divino o homem vai às cegas e perde o verdadeiro sentido da vida.”

Alguns dias mais tarde, estávamos todos sentados no Ashram de Siddheswari


quando Sri Ma disse: “Cante aquela sua canção que leva o titulo de ‘Paglar Gan.” Havia
muito tempo que eu tinha abandonado a prática de cantar; ademais, havia muita gente
presente e eu hesitei. Mataji riu, dizendo: “ Você só compôs uma canção de um homem
louco. Ainda não está suficientemente louco para ignorar as críticas do mundo.” Estas
palavras tocaram profundamente minha alma e, com o coração e a voz trêmulos, cantei.

Compus muitas canções neste estilo e as ofereci a Seus pés. Expressou Seu
deleite algumas vezes e outras as deixou de lado, com uma aprovação muda. Houve
muitas ocasiões nas quais Sri Ma estava longe de Dacca e as canções brotaram de meu
coração durante minhas orações noturnas ou durante as longas meditações, à meia noite.
Podia ver a figura de Mataji de pé, diante de mim, imóvel e assistindo meu
arrebatamento. Quando regressou a Dacca, depois de viajar a distintos lugares, pediu-
me que repetisse canções que havia cantado em diferentes ocasiões, em minha própria
casa. Era realmente estranho que Ela pudesse nomear inclusive as canções que ainda
não lhe haviam sido apresentadas.
16

Meu intenso desejo de estar ao Seu lado, às vezes me transportava pelo ar até o
infinito. Durante esta etapa, as poucas canções que compus foram publicadas num
volume com o titulo de “Ao Teus Sagrados Pés.”

Além destas, foram inúmeras as canções, poemas e pequenas anotações que


escrevi sobre Sri Ma e que mais tarde dei fim. Quando Ela ouviu falar disso, falou:
“Não somente nesta vida mas também em muitos de seus nascimentos anteriores, não
se sabe a quantidade de hinos semelhantes que para mim você compôs e destruiu. Mas
você haverá de conhecer a ciência certa que, por todo este monte de resíduos, esta é tua
ultima vida sobre a terra.”

Bhaiji, Sri Anandamayi Ma e Bholanath

Inspirado no omniabarcante amor de Mataji acendeu-se em mim uma aspiração


pela Vida Divina, mas meus sentidos buscaram os prazeres ordinários em vez de
alimentos espirituais revigorantes, mais elevados e refinados. Em certo tratado
Vaishnava lemos: “O homem que se apega aos objetos materiais dos sentidos para
satisfação da língua, do estômago ou do sexo, não poderá encontrar ao Deus Krishna.”
17

Era meu caso. A ilimitada Graça de Sri Ma não pôde manter-me firme a Seus
pés em todos os momentos da minha vida e em todos meus pensamentos. Com efeito, é
difícil para um homem preso nas redes da ilusão (avidya) encontrar um refúgio
permanente de paz no Divino.

Um dia eu disse a Mataji: “Até uma pedra se haveria convertido em ouro com
um toque tão santificado quanto o Seu, mas minha vida demonstrou ser um triste
fracasso.”

Ma respondeu: “Aquilo que tarda muito tempo em chegar a ser, madura numa
beleza perdurável, depois de um igualmente prolongado período de desenvolvimento.
Por que você se preocupa tanto com isso? Agarre-se bem à mão que te guia, como um
menino confiante.” Escutei suas elucidativas palavras de ânimo com todo meu afã e,
ainda assim, senti uma secura abrasadora afetando cada fibra do meu ser. Abaixo, cito
um exemplo para mostrar como Sua penetrante visão mantinha vigilância sobre meus
conflitos.

Quando, sob impulso de uma profunda devoção, comecei a buscar Sua presença
todos os dias, soube que algumas pessoas criticaram minha conduta. Suas reflexões me
deixaram em dúvida e comecei a sentir que aproximar-se a esta ou aquela pessoa para a
própria elevação espiritual não era senão uma debilidade humana comum.

Deixei de visitar a Sri Ma, já que minha mente vacilava sob a influência da
critica. Decidi ler Yoga Vashita e melhorar minha vida interior mediante o cultivo do
intelecto. Durante sete ou oito dias dediquei-me a estudar atentamente o livro.

Uma tarde, quando estava descansando em minha casa, meu servente me


informou que um brâmane ancião desejava ver-me a sós, durante cinco minutos.
Encontrei-me com ele, que me disse ter ido às casas de meus amigos Niranjan Roy e do
Dr. Sasanka Mohan Mukheji, mas não pôde encontrar-se com eles. Por isso tinha vindo
incomodar-me. Acrescentou: “ Ouvi dizer que você é um grande devoto de Sri
Anandamayi Ma. Você poderia me fazer a gentileza de dizer-me como Ela é e quais são
Suas qualidades especiais?” Diante destas palavras me sentei, estupefato, as lágrimas
enchendo meus olhos. Falou de novo: “Recebi uma resposta às minhas perguntas mas,
por favor, diga-me por que tens lágrimas nos olhos?” “Estive ocupado estes dias com
outros assuntos – respondi – renunciando a todo pensamento em Sri Ma e você escolheu
vir até mim para indagar sobre Ela. Tenho que abaixar a cabeça de vergonha e
arrependimento. Que maravilhosos são os caminhos de Ma! Foi através de Sua
influência que você foi conduzido até mim, justo a tempo de devolver-me à meu melhor
‘eu’. Por isto, desde já, estou endividado contigo.”

Ele me disse: “Por favor, leve-me até Sri Ma.” Depois de conhecê-la, disse: “Eu
também perdi minha mãe faz muito tempo, mas tão logo conheci a Mataji, a dor da
morte de minha mãe se desvaneceu por completo.”

Narrei a Ma tudo o que havia passado pela minha cabeça e chorei a Seus pés.
Ela começou a rir e disse: “Nestes dias, a não ser que a pessoa se force a avançar por
determinado caminho, não se pode prosseguir.”
18

PODER MÂNTRICO

Que seja do nosso conhecimento Anandamayi Ma jamais recebeu iniciação de


nenhum guru, conforme era o costume social predominante. Seu campo de
conhecimento não foi iluminado por estudos de textos Sastras ou por discursos
religiosos. Muitos homens e mulheres são da opinião que Ela desceu a este mundo para
propagar a Luz Divina e o Poder para a regeneração da humanidade desta época.

Ainda menina, vários fenômenos estranhos se manifestaram em Seu corpo, mas


passaram despercebidos pelas pessoas que a rodeavam. Inclusive durante as
brincadeiras e jogos no começo de Sua juventude, Ela parecia tão desprendida e
despreocupada que muita gente chegou a considerá-la como alguém com atraso
intelectual. Até Seus pais chegaram a temer pelo Seu futuro. Às vezes acontecia d’Ela
não saber onde estava, nem podia lembrar o que havia feito ou dito minutos atrás.

Relata-se que, em Sua infância, costumava falar com as árvores, as plantas e


com as criaturas invisíveis do ar enquanto andava. Também se comunicava com elas por
sinais e gestos. Às vezes, caía repentinamente num estado de abstração, ficando sem
fala.

Entre os 17 e os 25 anos de vida começaram a se manifestar vários fenômenos


sobrenaturais. Às vezes ficava muda e imóvel depois de cantar os nomes de deuses e
deusas. Durante os kirtans Seu corpo ficava rígido e se paralisava. Depois de escutar um
discurso divino ou depois de visitar um templo, Seu comportamento parecia normal.

Com a idade de 22 anos foi com Bolanath a Bajitpur e permaneceu ali durante 5
ou 6 anos. Até o fim deste período, de Seus lábios saíram espontaneamente muitos
mantras e do Seu corpo se projetavam muitas imagens de deuses e deusas. Seus
membros adotavam espontaneamente varias posições yóguicas. Enquanto essas
manifestações divinas encontravam expressão em Seu corpo em Bajitpur, deixou de
sair-lhe a fala durante aproximadamente um ano e três meses e, quando veio a Dacca,
continuou em silêncio outro ano e nove meses, completando assim três anos inteiros.

Durante este período Seu aspecto refletia um brilho de felicidade celestial e a


serenidade da infinita extensão do céu. Fez-se evidente então que as correntes dos
mundos exterior e interior cessaram de afeta-la completamente. Parecia alguém que
repousa na calma absoluta do Si Mesmo.

Durante todos estes extraordinários acontecimentos de Sua vida, Pitaji mostrava


muitas vezes grande ansiedade sobre as consequências finais.
19

Porém, apesar de toda crítica e especulação, nunca colocou obstáculos em Seu


caminho no que diz respeito à Suas ações. Temendo que seu corpo pudesse estar
possuído por algum espírito maligno, buscou a ajuda de sadhus e exorcistas. Foi inútil:
ao contrario, quando estes homens tentaram dar-lhe algum tratamento, se viram
forçados a retirar-se com temor e assombro. Somente rezando para pedir Sua
misericórdia puderam recobrar o equilíbrio. Durante um período de cinco meses e meio
completos, manifestaram-se em Seu corpo formas de muitos deuses e deusas. Tinha
visão deles. Depois que venerava estas deidades, elas se desvaneciam por completo.
Quando terminava a veneração de uma deidade, outra aparecia. Durante a cerimônia,
geralmente sentia que Ela mesma era a veneradora, a venerada e o ato de venerar; que
Ela era os mantras, as oblações e cada um dos ingredientes.

Nestes atos de veneração não havia objetos materiais nem tampouco nenhum
desejo de sua parte de realizar tais cerimônias. Tão logo se sentava num local solitário,
todas as atividades físicas e mentais relacionadas ao cerimonial de veneração se
manifestavam por um misterioso processo de auto-surgimento. Pessoas bem versadas
em ritos e rituais Sastras descobriram depois que todos os diversos processos de
veneração realizados por Ela tinham bastante concordância com os prescritos nos
Sastras. Quando alguém perguntava como era possível que realizasse esses ritos com
tanta perfeição, Sua única resposta era: “Não me pergunte nada agora; no momento
oportuno você saberá.”

Em 10 de Abril de 1924 Mataji chegou a Dacca e, uma semana mais tarde veio a
Shahbag. Muitos devotos começaram a reunir-se ali para obter Seu Darshan (estar na
presença de um santo, sábio ou Deidade). Em 1925 alguns devotos lhe pediram que
realizasse o Kali Puja (culto cerimonial dedicado à Mãe Divina) pois tinham ouvido
falar que Sua celebração do puja era maravilhosa. Ela respondeu: “Sei pouco dos ritos e
rituais Sastras (escrituras sagradas hindus). Seria melhor que vocês conseguissem ajuda
de sacerdotes profissionais.” Mais tarde, entretanto, por pedido de Bholanath,
concordou em realizar o puja.

Quando a Mãe era venerada por seus devotos, o júbilo deles não conhecia
fronteiras. Mas quando Ela mesma elegeu venerar a uma Deusa para que os iluminasse,
a dignidade desta veneração se multiplicou por mil.

Foi demasiado profundo para contar em palavras – todos os devotos sentiram


um inexprimível prazer pela beleza e solenidade da cerimônia.

Trouxeram uma imagem de Kali. Sri Ma sentou-se no chão, numa postura


meditativa, em absoluto silêncio. Então, tomada de devoção, começou o puja, cantando
mantras e colocando flores com pasta de sândalo sobre Sua própria cabeça, em vez de
fazê-lo sobre a imagem. Todas suas ações pareciam movimentos de uma boneca, como
se uma mão invisível estivesse usando seu corpo como uma ferramenta flexível para
expressar o Divino. Ocasionalmente algumas flores foram arremessadas sobre a estátua
de Kali. Desta maneira se realizou o puja.
20

Iriam sacrificar uma cabra, que foi banhada na água. Quando a trouxeram para a
Mãe, Ela a colocou no colo e chorou, enquanto acariciava suavemente o corpo do
animal com Suas mãos. Recitou alguns mantras, tocando cada parte do corpo do animal
e lhe sussurrou algo na orelha. Depois disso venerou a cimitarra com a qual se ia
sacrificar a cabra. Prostrou-se sobre o solo, colocando o cutelo sobre seu próprio
pescoço. De Seus lábios saíram três sons parecidos com balidos de uma cabra. Quando
o animal foi sacrificado, este não se moveu, nem guinchou, nem houve rastro de sangue
entre a cabeça e o corpo separados. Somente com grande dificuldade uma única gota de
sangue saiu finalmente do cadáver do animal. Durante todo este tempo o rosto de Sri
Ma se iluminou de uma intensa e pouco comum beleza e, ao longo da cerimônia, houve
um toque de grande santidade e de profunda absorção nas pessoas que estavam
presentes.

Em 1926 os devotos rogaram a Ma que realizasse o puja mais uma vez. Não
disse nada. Mais tarde, quando a estavam levando até a casa de um devoto, levantou Sua
mão esquerda, sorriu e permaneceu em silêncio. Quando Pitaji perguntou-lhe sobre o
significado do Seu gesto, não respondeu. Quando sentou-se para comer, uma vez mais
repetiu o mesmo movimento de Sua mão esquerda. Passados alguns dias, Sri Ma
explicou que, no caminho para a casa do devoto, havia visto, a uns 12 metros à frente, a
deusa vivente Kali, flutuando no ar a um metro por cima do solo, estendendo Suas mãos
até Mataji como se desejasse ir ao Seu regaço. Esse dia, enquanto comia, a mesma se
havia colocado diante d’Ela como uma menina. Essa era a razão pela qual havia
levantado a mão esquerda.

No dia anterior ao Kali Puja, quando os devotos voltaram a fazer sua oração à
Sri Ma, Ela pediu a Pitaji: “ Já que estão tão impacientes para celebrar o Puja, podes
oficiar como sacerdote.” Ele disse então aos devotos: “Já que vossa Mãe pediu que eu
realize o puja, assim o farei. Por favor, façam todos os preparativos necessários.” Eles
perguntaram pelo tamanho da imagem e Pitaji sugeriu que deveria ser tão alta como
havia sido indicado por Sri Ma nas duas ocasiões nas quais havia levantado sua mão
enquanto estava sentada.

Mataji estava, naquele momento, deitada numa imóvel e inerte condição. Eram
11 da noite. Tomaram medidas extremas. Houve muita discussão sobre como se poderia
obter, no transcorrer de um curto dia, uma imagem do tamanho indicado. Sri Surendra
Lal Banerji saiu de Shahbag com muitas dúvidas e foi à cidade. Encontrou numa loja
uma estátua com as medidas corretas. Havia um total de doze imagens, onze das quais
haviam sido encomendadas por clientes. A peça extra havia sido modelada pelo artista
por sua própria iniciativa.

A imagem chegou a tempo. Sri Ma sentou-se para realizar o puja. Havia uma
atmosfera divina ao redor de Sri Ma. Depois de um tempo, levantou-se repentinamente
e disse a Pitaji: “ Vou para o meu lugar. Por favor, realize o puja você mesmo.”
Dizendo isto, colocou-se ao lado da imagem e, com estranhos risos, sentou-se no chão.
A atmosfera inteira da casa sobrecarregou-se de um maravilhoso êxtase divino, divino
demais para ser expresso em palavras. Sri Ma disse: “ Todos vocês, fechem os olhos e
cantem o nome de Deus.”
21

A casa estava transbordando; um homem que permanecera de pé, do lado de


fora, deu uma olhada no interior da habitação, passando inadvertido pelos demais. Sri
Ma, entretanto, o chamou pelo nome e o mandou fechar os olhos. Todos os presentes
tinham os olhos fechados, ninguém sabia o que estava acontecendo naquele momento.
Porém, quando abriram os olhos se depararam com o advogado de nome Bandaban
Chandra Basak caído no chão, inconsciente. Ele depois declarou: “Quando dei uma
olhada para o interior da casa observei um resplendor irradiando do rosto da Mãe. Era
tão poderoso que caí no chão, inconsciente. Não sei o que aconteceu depois.”

A noite terminava ao mesmo tempo em que o puja chegava ao seu fim. Não
havia provisões para o sacrifício. Quando chegou a hora da última oferenda (Arathi), Sri
Ma disse: “Não deve haver oferendas, deixem que o fogo sacrificial se preserve.” Esse
fogo é mantido aceso até hoje.

No dia seguinte seria hora de acontecer a imersão da imagem. A esposa de


Niranjan chegou com todos os artigos necessários para a cerimônia. Quando olhou a
imagem, disse à Mãe, com emoção: “Ma, não tenho coragem de submergir a imagem.”
Mataji replicou: “As palavras de teus lábios indicam que provavelmente a Deusa não
deseja ser submergida. Muito bem, façam-se preparativos para sua preservação e
veneração.” Esta estátua de argila foi mantida levantada na mesma posição durante 12
anos, nos quais houve muitas mudanças.

Podemos mencionar dois incidentes em conexão com esta imagem. Em


Setembro de 1927, Mataji saía de Chunar em direção a Jaipur. Eu estava em Chunar,
para mudar de ares, e fui me despedir d’Ela na estação. Sri Ma indicou um local exato,
perto do montículo no qual se construiu o forte e me disse que fosse ali no caminho de
volta. Lá encontraria uma guirlanda de flores de hibisco, a qual deveria levar e preservar
cuidadosamente. Fiz como dizia. Quando Ela voltou a Chunar, viu a guirlanda. Depois,
quando regressou a Ramna, descobriu-se que o dia exato em que encontrei a guirlanda
em Chunar, não se havia colocado guirlanda alguma à Deusa Kali de Ramna, ainda que
fosse prática comum do sacerdote oferecer uma diariamente à imagem.

Em outra ocasião Sri Ma estava no Cox’s Bazar, em Chittagong, no litoral.


Andava pela praia quando, de repente, disse com um sorriso: “Olhe meu braço, está
quebrado, não é verdade? Foi só olhá-lo atentamente e vi que havia uma fratura.” Nessa
mesma noite um ladrão havia entrado no templo de Kali, em Ramna e havia roubado os
ornamentos de Kali, quebrando o pulso da imagem. Esta imagem, entretanto, conserva-
se num refúgio subterrâneo do Ashram de Ramna. Todo ano, durante a cerimônia de
aniversário de Ma, a porta se mantém aberta para que todos tenham darshan. Mataji
havia disposto isto inclusive antes que os templos hindus abrissem a todos,
independentemente da casta ou credo.

Numa ocasião houve um Vasanti Puja no Ashram de Siddheswari. Sri Ma estava


presente durante a cerimônia para infundir vida à imagem. Enquanto a olhava, os olhos
da imagem começaram a faiscar, como os olhos de uma pessoa viva.

Sri Ma disse: “A Personalidade e forma dos deuses e deusas são tão reais como
teu corpo ou o meu. Podem ser percebidas com a visão interior aberta pela pureza, o
amor e a reverência.”
22

PODER DO PENSAMENTO

Cada uma das disposições de ânimo e os estados mentais de Mataji são o


resultado da Suprema Beatitude (ananda). Num exame mais atento, podemos encontar
cada fibra do seu ser vibrando de Divina Felicidade. Com o objetivo de jogar Ananda
Lila com seus filhos Ela tomou forma humana, imbuída de todos os prazeres do Divino.
Não é mais do que natural que, pelo bem de todos seres humanos, as melhores idéias
sobre a vida e a cultura espiritual devessem encontrar expressão, desenvolver-se e tomar
forma através d’Ela e finalmente desvanecer-se no desconhecido.

Se a estudarmos atentamente, encontraremos que Ela se desdobra de Si Mesma


de duas maneiras: a beleza do Seu comportamento exterior até todas as pessoas e as
graças de Sua vida interior. A atitude perfeitamente calma, doce e natural que manifesta
com toda classe de pessoas, tanto com os mais piedosos como com os mais pecadores,
com as crianças pequenas e os jovens inquietos tanto quanto com os anciãos dobrados
pela idade e os achaques, revela uma maravilhosa graça, beleza e dignidade que cativa
todos os corações. Seu outro modo de vida que tem relação com as forças e poderes do
mundo invisível – esses agentes celestiais, seres incorpóreos, que trazem para a
humanidade a felicidade e a miséria, bênçãos e maldições. A interação destes dois
aspectos de Sua vida é maravilhosamente coerente e estreita.

Durante seus anos mais jovens, assim como depois de vir a Dacca, Sri Ma
permaneceu a maior parte do tempo quase imóvel. Soubemos que, durante horas, caía
absorta num êxtase divino que nenhuma palavra podia explicar. Às vezes passava vários
dias neste estado e, durante o kirtan, Seu corpo adotava várias posições, todas elas
indicativas da Suprema Felicidade.

Em 1926 houve uma festa de kirtan no Jardim de Shahbag, na ocasião do


Uttarayan Sankranti (solstício de inverno). Era a primeira celebração pública de kirtan
na presença da Mãe. Mais ou menos nesta época Sri Shashibhushan Das Gupta veio de
Chittagong. Ao ver a Sri Ma pela primeira vez, seu coração encheu-se com um espírito
de profunda devoção. Houve agitação na multidão, naquele momento. Ele olhava a face
de Sri Ma e as lágrimas lhe caíam pelo rosto. Disse-me “Encontro diante de mim o que
não pude ver durante toda minha vida. Parece ser a encarnação visível da Mãe do
Universo.”

O kirtan começou às dez da manhã, enquanto Sri Ma colocava o vermelhão na


testa das mulheres reunidas. De repente, a caixa de vermelhão caiu de suas mãos. Seu
corpo se afundou até espalhar-se sobre o chão e começou a rodar sobre ele. Então,
lentamente se levantou e se pôs na ponta dos dedos maiores dos pés. Ambas as mãos
estavam firmemente levantadas, Sua cabeça ligeiramente inclinada para o lado e um
pouquinho para trás e seus olhos radiantes miravam firmemente, com um olhar sereno, a
parte final do céu.
23

Um pouco mais tarde, começou a mover-se nessa postura. Seu corpo parecia
estar cheio de uma presença celestial. Não prestava atenção às roupas que caíam
folgadamente sobre Sua pessoa. Ninguém tinha o poder nem estava disposto a detê-la.
Seu corpo inteiro continuava bailando com um compasso medido da maneira mais
delicada e chegou ao lugar onde o kirtan estava acontecendo; então foi como se o Seu
corpo se fundisse sobre o solo sem fazer ruído. Conduzido por algum poder misterioso,
continuou rodando, como folhas secas de uma árvore movidas lentamente por uma
suave brisa.

Depois de algum tempo, enquanto ainda estava caída sobre o chão, saíram de
Seus lábios uns acordes musicais muito suaves “Hare Murare Madhukeitabhare.” As
lágrimas lhe escorriam pela face ininterruptamente. Depois de algumas horas recobrou
Sua condição normal.

Seu rosto resplandecente, Seu olhar doce e inefável, Sua terna e suave voz
transbordando de divina emoção, fazia com que todas as pessoas ali reunidas
recordassem as imagens de Caitanya Deva, tal e qual estão descritas em suas biografias.
Todas as mudanças físicas observadas no Senhor Gouranga há muitos e muitos anos se
manifestaram novamente sobre Sua pessoa naquela ocasião. Ao entardecer, quando Sri
Ma entrou no hall do kirtan, todos os sintomas do êxtase do meio-dia reapareceram.
Depois de algum tempo, pronunciou algumas palavras com um acento tão claro e suave
e com tão doce sensação de divina emoção que a audiência emudeceu de arrebatamento
celestial.

Depois que os doces foram repartidos, ao final do kirtan, Sri Ma distribuiu Ela
mesma prasad com tanta graça e beleza e houve tal expressão de divina maternidade em
Seus modos, que as pessoas sentiram que Ma Lakshimi devia estar encarnada em Seu
corpo. Shashibhushan e outros compreenderam esse dia que o corpo de Sri Ma não era
senão um veiculo para a infinita Graça de Deus.

Naqueles dias Niranjan veio a Dacca como Comissário Assistente de Impostos.


Uma noite fui a Shahbag com ele, quando estavam cantando o kirtan da lua nova.
Conforme o kirtan se desenvolvia, se fizeram visíveis muitas mudanças em Sri Ma.
Sentou-se muito ereta, depois inclinou gradualmente a cabeça para trás, até tocar os
ombros; girou e entrelaçou as mãos e os pés até que o corpo inteiro caiu, estendido
sobre o chão.

Seu corpo foi lançado num marulhar rítmico, seguindo Sua respiração, e, com os
membros estendidos, rodou sobre o solo ao compasso da música. Do mesmo modo que
as folhas caídas de uma árvore são movidas pelo vento, assim, ligeiros e delicados eram
Seus movimentos. Nenhum ser humano, apesar de seus esforços, poderia tê-los imitado.
Todos os presentes sentiram que Sri Ma estava brilhando sob efeito de forças celestiais
que moviam todo Seu ser com uma sensação como de ondas. Muitos tentaram detê-la,
sem êxito. Por fim Seus movimentos cessaram e Ela permaneceu imóvel como um
pedaço de argila. Parecia impregnada de uma felicidade que a tudo penetra e que a tudo
se estende. Seu semblante estava iluminado com uma luz celestial. Seu corpo inteiro
transbordando Ananda divino.
24

Niranjan permaneceu de pé, mudo, contemplando a visão pela primeira vez em


sua vida. Estava recitando um hino em louvor da Deusa do Universo. “Hoje – exclamou
– vi a uma verdadeira Deusa.”

Em outra ocasião havia uma grande multidão durante o kirtan de Shahbag. Sri
Ma entrou num estado similar ao que acabamos de descrever. Porém, desta vez,
reclinou-se sobre o solo a partir de uma postura sentada. Tinha a respiração quase
suspensa. Estendeu as mãos e os pés e largou-se sobre o chão, com o rosto voltado para
baixo. Depois, rodou agilmente, num movimento como o de uma onda. Aos poucos,
como alguém que é arrebatado por um impulso ascendente, levantou-se do chão com
lentidão, sem apoio, e se manteve sobre os dois dedos gordos dos pés, tocando o solo
de leve. Sua respiração parecia haver parado completamente e tinha as mãos levantadas
para o céu. Seu corpo tinha só um ligeiríssimo contato com o chão, tinha a cabeça
dobrada para trás e os olhos dirigidos até a metade do céu, com um olhar fixo,
resplandecente. Avançou, dando alguns passos, como uma marionete de madeira se
move, levada pelas cordas ocultas do seu operador, que está atrás do cenário. Seus olhos
estavam radiantes de luz divina. Seu rosto sorria alegremente, com um riso
celestialmente doce e seus lábios faiscavam de gozo. Depois de um tempinho, apoiando
seu corpo inteiro sobre os dedos gordos dos pés e mantendo-se ao compasso do kirtan,
moveu-se como uma criatura do ar, como se todo o peso do seu corpo houvesse sido
retirado por um poder invisível.

Permaneceu nesta postura durante muito tempo. Depois fechou lentamente os


olhos e caiu no chão, como uma massa de carne, com a cabeça dobrada para trás. Na
manhã seguinte, perto das dez horas, voltou ao Seu estado normal.

Um dia houve um kirtan na casa de Niranjan. Todos os residentes,


especialmente sua idosa mãe, estavam impacientes para ver Sri Ma num estado
sobrenatural. A anciã rezou silenciosamente para ser agraciada com a visão. Sri Ma
estava deitada no chão do quarto vizinho. De repente, correu para o quarto onde o kirtan
estava ocorrendo e, com sua divina voz, participou do cântico e começou a bailar com o
grupo. Depois de um tempo, deixou-se cair ao solo. Quando recobrou Seu estado
habitual, permaneceu calada por muito tempo.

Além dos sintomas aqui mencionados, Seus estados exaltados encontravam


expressão de tantos modos que é impossível descrevê-los em palavras. Quando Seu
corpo rodava sobre o chão, às vezes se esticava numa longitude não usual, outras, se
encolhia a um tamanho muito pequeno, às vezes se enroscava até tornar-se uma massa
redonda; em outra ocasião parecia não ter ossos, pulando como uma bola de goma
enquanto bailava.Mas a velocidade de todos os movimentos tinha a rapidez de um raio,
o que tornava quase impossível acompanhá-los, mesmo com o olhar mais agudo.

Durante este período nos sentimos convencidos de que Seu corpo estava
possuído por forças divinas, que o faziam bailar numa variedade de preciosas posturas.
Parecia estar tão cheia de gozo extático que inclusive as raízes dos pêlos do Seu corpo
se engrossavam, ficando de pé. Sua tez tornava-se carmesim. Todas as expressões de
auto-inicio de um estado divino pareciam estar aglutinadas no estreito espaço do Seu
corpo; manifestavam as preciosas belezas do Infinito em incontáveis formas, elegantes e
rítmicas.
25

Mas dava a impressão de estar afastada, completamente independente de todas


estas manifestações e insensível às sensações produzidas pela interação. Estas pareciam
chegar naturalmente, através do Seu corpo, desde alguma elevada esfera de existência.

Um dia perguntei a Mataji: “Quando Teu corpo está fisicamente dormindo, em


Samadhi, aparece diante da tua vista alguma Presença divina?” Sua resposta foi: “Como
não tenho objetivo fixo, não é necessário; este corpo não atua com nenhum propósito.
Vosso forte desejo de ver a este corpo em estados de Samadhi faz com que às vezes se
manifestem seus sintomas. Quando quer que um pensamento alcance sua completa
intensidade, sua expressão física se sucederá invariavelmente. Se perdermos nosso ser
na contemplação do nome Divino, podemos submergir no oceano da Beleza celestial.
Deus e Seus nomes simbólicos são um só e o mesmo; logo que a consciência do mundo
exterior desaparece, o poder auto-revelador do nome encontra sua expressão objetiva
inevitavelmente.”

Durante o kirtan, um estado divino e sobrenatural costumava apoderar-se do Seu


corpo. Ouvimos de Seus próprios lábios que houve uma época que via fogo, água, céu e
outras visões não usuais. Em tais ocasiões, Seu corpo tendia a se transformar em
qualquer um desses elementos. Na presença de uma lufada de vento, sentia o impulso de
deixar seu corpo voar como um pedaço de pano fino; ou quando escutava o profundo e
prolongado som de uma concha, Seu corpo inteiro tentava congelar-se, tornando-se
estático como uma lousa de mármore. Sempre que uma onda de pensamento passava
por sua mente, a expressão física correspondente arrastava todo o Seu corpo.

Numa ocasião incorporou-se aos jogos e risos de algumas crianças e começou a


rir com tanta efusividade que, inclusive uma hora depois de fazer esforços para parar,
não havia ainda conseguido. Parou um minuto ou dois, para voltar a rir em seguida.
Ainda que estivesse sentada na mesma postura, havia uma expressão sobrenatural em
Seu aspecto. Muitos dos presentes estavam assustados. Depois de um tempo recuperou
gradualmente Sua compostura normal.

Outro dia ia para Dacca, saindo de Calcutá. Muitos meninos e meninas, senhoras
e cavalheiros, foram à estação para despedirem-se d’Ela. Todos estavam chorando
diante da perspectiva da separação. Sri Ma uniu-se a eles e também começou a chorar,
tão amargamente que foi impossível pará-la. Uma multidão havia se reunido. Disseram:
“O mais provável é que a mulher que chora seja uma noiva recém-casada que estão
levando embora da casa de seus pais para a casa do marido.” O impulso continuou
desde o meio dia até o anoitecer.

Um dia, me perguntou: “Onde está o centro do seu riso e do seu pranto?” Minha
resposta foi: “Ainda que todo estímulo proceda do cérebro, o verdadeiro centro está em
algum ponto perto do coração.”

Sri Ma disse:”Quando existe um sentimento verdadeiro detrás do teu riso e do


teu pranto, ele busca expressão através de cada fibra do teu corpo.” Não pude entender o
sentido de Suas palavras e permaneci calado. Depois de alguns dias fui ao Ashram, de
manhã cedo. Encontrei-me com Sri Ma e dei um passeio com Ela. Perguntei-lhe:
“Como estás hoje?” Me respondeu: “Estou muito, muito bem” com tal ênfase que todo
meu corpo, da cabeça aos pés, palpitou e bailou com a vibração de Suas palavras e, de
repente, me detive no caminho.
26

Mataji se deu conta de minha confusão e disse: “Percebeu agora onde reside o
centro de nosso riso e de nosso pranto? Quando um sentimento ou pensamento é
expresso por uma só parte do nosso corpo, não atua com toda sua força.”

Escutei Sri Ma dizer que quando todos os pensamentos do devoto fluem numa
corrente para Deus, as vibrações discordantes do mundo exterior, ao serem opostas às
suas aspirações, resultam dolorosas ao aspirante. Se, neste momento, alguém faz dano
inclusive a um animal ou planta, a vibração alcança o sadhaka, causando-lhe sofrimento
mental. Ondas adversas ou sensações de prazer golpeiam contra a firme corrente de sua
devoção a Deus. Enquanto o sadhaka está fortemente vinculado ao mundo exterior,
pensará que o que percebe pelos sentidos está totalmente dentro do seu “eu.” Nesta fase
até a queda de uma folha da árvore cria ondas no campo da sua consciência.

Durante as primeiras etapas da vida da Mãe, tudo o que ocorria em Seu mundo
exterior encontrava espontaneamente uma resposta n’Ela.

Depois de um profundo transe, tão logo Sri Ma recobrava Sua serenidade


habitual, manifestavam-se muitos processos yóguicos de forma automática. Nessa época
se podiam escutar sons de cantorias pouco discerníveis emanando d’Ela. Pouco depois
se seguiam notas estrondosas como o avanço de ondas levantadas por uma tormenta;
depois disso, um fluxo ininterrupto e sumamente melodioso de hinos sânscritos. Parecia
como, desde o eterno céu e através da fala de Sri Ma, as verdades divinas estivessem
tomando forma em símbolos profundos. Tão impecável pronunciamento e um fluxo de
melodia tão livre que tocava os recantos mais escondidos dos ouvintes, recebiam o
encanto somado da radiação divina de Sua face. Inclusive pessoas cultas e eruditas nos
Vedas, apesar de seus melhores treinamentos e práticas, dificilmente haveriam podido
adquirir Seu estilo solto e natural.

A riqueza de significados de todas estas manifestações espontâneas de Sri Ma


tem sido uma surpresa para os sábios. A linguagem na qual expressava os versos não
era facilmente compreensível e, portanto, não era possível transcrevê-los com exatidão
ou por completo.

Foram deixados 4 de tais hinos sagrados, que puderam ser escritos por partes.
Quando nos dirigimos a Mataji para sua correção e verificação Sua resposta foi: “Se há
de ser, um dia ocorrerá. Não neste momento.” Um dos 4 hinos é o seguinte:

“Luz do universo e espírito que o controla e o guia, aparece entre nós. Desde Ti
uma teia de mundos se estende a cada momento. Dispersador de todos os temores,
aparece entre nós! Semente do Universo, Ser no qual resido. Estás presente nos
corações de todos os devotos. Tu, a quem tenho presente diante de mim, desvaneces os
temores de todos os seres criados. Encarnação de todos os deuses e muito mais. Tu hás
saído de mim e eu sou a epítome do mundo criado. Contemplemos a fundação mesma
do Universo, através de quem o mundo busca libertação. Tu te alças sobre Tua própria
natureza eterna e básica. Tu hás saído do Pranava, a semente do mundo e fundamento
de toda existência e da verdade de tudo. Os Vedas não são senão chispas de Tua eterna
luz. Tu simbolizas a parelha celestial, Kama e Kamesvari, que se acham dissolvidos
juntos na felicidade suprema que tudo impregna e representados por Nada e Bindu,
quando se diferenciam para conservar Tua Lila. Dispersa, Tu, os temores deste mundo!”
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“Em Ti busco refúgio. És minha proteção e meu lugar final de descanso. Leva
Tu todo meu ser dentro de Ti. Como Salvador, aparece em duas formas: o libertador e o
devoto que busca libertação. Só por mim todos são criados a minha própria imagem; por
mim são todos enviados ao mundo; em mim encontram todos refúgio final. Sou a causa
primeira indicada nos Vedas como Pranava, sou Mahamaya e Mahabhava, todos em
um. A devoção a mim é a causa de Moksha (libertação). Todos são meus. Rudra deve
todos seus poderes a mim. Assinalo a glória de Rudra que se faz manifesta em todas as
ações e em todas as causas.”

Desta tradução se faz evidente que o pensamento-corpo de Sri Ma se expressou


em palavra falada para o bem estar, paz e progresso no mundo. Seu ilimitado amor e
compaixão por todos os seres vivos se irradia em todas as direções e Ela se alça ao
cume, abraçando o Universo.

Em conexão com esses hinos, Sri Ma disse certa vez: “A Causa primeira do
Universo é a Palavra Eterna única; com a evolução dessa palavra sempre perdurável, o
progresso da vida material da criação continua por linhas paralelas.”

Durante esta fase da vida de Mataji em que se revelaram muitos desses hinos,
Sua voz se tornava às vezes aguda e penetrante como uma espada; outras vezes era tão
doce como uma brisa da noite; em determinados dias respirava uma força cheia de
tranquilidade e profunda felicidade, como um influxo de um céu de lua cheia no meio
da noite. Com as mudanças nas melodias, a expressão de Seus olhos e de Seu rosto
sofria as transformações correspondentes.

Em algumas ocasiões os hinos saíram de Seus lábios acompanhados de um


incessante rio de lágrimas; um doce sorriso, maravilhosamente luminoso, com um jogo
alternado de riso e pranto, como o sol e a chuva, davam a Seu rosto um encanto e uma
serenidade celestiais. Quando terminava de cantar os hinos, ou permanecia em silêncio
durante muito tempo ou se recostava no chão numa postura de absorção interior.
28

PODERES YÓGUICOS

Sri Ma disse que durante um tempo Seu corpo atravessou uma etapa na qual as
diferentes posturas yóguicas (asanas, mudras, etc) se manifestavam de forma natural.
Geralmente apareciam também quando estava recolhida, longe da vista dos homens. Em
conexão com isto Mataji declarou certa vez: “Do mesmo modo que uma semente deve
manter-se na escuridão, sob a terra, antes que saiam brotos, assim também, em
consequência das práticas de um sadhaka, produzem-se muitas mudanças sutis que
passam bastante despercebidas.”

Às vezes Suas mãos, pés e pescoço se dobravam com uma volta tão rígida que
parecia não haver possibilidade que voltassem a sua posição normal.

Numa ocasião, Sri Ma disse: “Este corpo reluzia com uma luz tão brilhante que
se iluminou todo o espaço ao redor dele. Essa luz parecia estender-se gradualmente,
envolvendo todo o universo.” Neste estado, Ela precisava cobrir o corpo com uma roupa
ou pano extra e retirar-se durante muito tempo para um canto solitário da casa.

Durante este período Seu corpo emanava tal poder divino que, diante de Seu
olhar, as pessoas esqueciam tudo sobre si mesmas e ficavam impregnadas de prazer
celestial. Ao tocar Seus pés, alguns caíam inconscientes. Os locais onde Ela se sentava
ou encostava se esquentava intensamente.

Em Dacca presenciei a Sri Ma em varias posições yóguicas. Às vezes Sua


respiração ou bem se suspendia totalmente durante muito tempo ou se fazia tão tênue ou
flutuante que temíamos que Sua vida se extinguisse por asfixia.

Um dia, quando lhe mostrei ilustrações de algumas posturas yóguicas de um


livro, assinalou certos defeitos nelas, relacionados com posições específicas da cabeça,
pés, músculos ou outras partes do corpo.

Aqueles que foram suficientemente afortunados para estarem próximos d’Ela


durante algum tempo, tiveram que dar-se conta de como se sentava numa posição
particular durante várias horas seguidas sem o mais insignificante movimento, ou caía
em absoluto silêncio no meio de uma conversa. Neste estado Seu corpo ficava como
uma estátua. Seus olhos quietos, sem piscar, voltados para um lado longínquo do céu e
seu aspecto era encantadoramente doce e sereno. Em todos estes estados era bastante
evidente que Sua alma estava impregnada de supremo prazer, enquanto Seu corpo
realizava mecanicamente a rotina de obrigações diárias de Sua vida social. Durante
aqueles estados de absorção no Divino, não sentia nem fome nem sêde, nem os
extremos de calor e frio, a não ser que dirigisse especialmente a atenção até eles.
Inclusive quando lhe voltava a consciência física, tardava muito tempo em recuperar
Seu estado normal.
29

Também observamos em várias ocasiões que se, durante aquelas fases de auto
absorção, Ela era deixada consigo mesma durante vários dias seguidamente, geralmente
esquecia como falar ou rir ou inclusive esquecia como diferenciar entre diferentes
utensílios de comer ou beber. Muita gente deseja presenciar exemplos de seus poderes
ocultos. A eles sugeria-se que ficassem alguns dias perto d’Ela e experimentassem as
maravilhosas influências espirituais que irradiam d’Ela em cada momento, pelas quais
inclusive os corações mais estéreis floresciam com uma nova vitalidade. As pessoas são
imperceptivelmente guiadas à órbita de Sua expansiva vida espiritual por Sua vontade
natural de assegurar o bem estar de todos os seres sensíveis.

Uma tarde fui a Shahbag com Niranjan. Sri Ma e Bholanath estavam sentados.
Havia alguns desenhos no chão. Bholanath disse: “Tua Mãe desenhou estas figuras dos
centros vitais do corpo humano.” Ao ouvir isto Ela disse:

“Enquanto passeava, ao meio dia, sentei-me aqui numa postura yóguica, quando
observei alguns centros vitais em forma de lótus, desde o centro mais alto no cérebro,
descendo ao longo da coluna até o mais baixo, separados poucas polegadas uns dos
outros. Vi claramente como desde a ponta mais baixa da espinha dorsal até acima
estavam colocados muitos centros, mais e mais finos, dos quais somente os seis
principais foram aqui desenhados. Não os desenhei deliberadamente, minha mão
moveu-se por si mesma sobre o solo e assim saíram estes desenhos.”

“Você deve notar que, através destas áreas vitais de nervos entrelaçados,
funcionam os impulsos herdados, as propensões adquiridas, emoções, diferentes
instintos, ciclos de pensamentos e noções sobre a vida e a morte, etc, que encontram seu
caminho até embaixo desde o centro mais alto, no cérebro, em resposta ao estímulo
recebido de todos os órgãos dos sentidos. Correntes de vida e de fluido vital circulam
veloz ou lentamente através desses canais e guiam os processos vitais e correntes de
pensamento do homem. Tal como a terra, a água, o fogo, o ar e o espaço além da
atmosfera se interpenetram uns aos outros, assim também estes seis centros principais se
encontram dentro do corpo aparentemente um em cima do outro, mas funcionando em
mútua interdependência, como uma cadeia vital. Uma pequena reflexão os convencerá
de que o jogo da vida tem lugar nos centros altos de vossos corpos, quando vossos
pensamentos são puros e estão cheios de gozo. Assim como os mananciais de água
situados no fundo de um poço ou de um depósito mantém seu constante abastecimento,
ou igual à seiva da vida das plantas se encontra sob a terra, na parte profunda perto das
raízes, também no extremo mais baixo da espinha dorsal (muladhara) se encontra
adormecida a fonte de gigantescas forças vitais, derivadas, em última instância, do sol,
desde onde se emitem as correntes de vossa vida. Quando, com grande paciência e
pureza, vocês se esforçam em limpar seus veículos interiores e exteriores, as vibrações
resultantes de seus pensamentos se encontram com centros cada vez mais altos,
liberando sua tensão, soltando a força vital reprimida no centro mais baixo para buscar
saídas mais acima. Então todo o torpor, instintos originais e samskaras (disposições
mentais herdadas de encarnações anteriores) se desvanecem gradualmente, como a
névoa sob os raios do sol. Junto ao desatar do obstáculo, nosso apego aos objetos dos
sentidos começa a relaxar-se e a vida interior começa a tomar forma.”
30

“Quando o avanço ascendente da força da vida alcança o centro vital entre as


sobrancelhas, a corrente interior de fluído vital flui bastante uniformemente, com
facilidade e pureza, por todo sistema humano, com o resultado de que o devoto começa
a compreender a natureza do Ego, do mundo e da criação. Se o homem continua nesta
fase durante um longo período, todas suas disposições e instintos pré natais e herdados
se fazem gradualmente mais e mais débeis; sua mente alcança níveis de contemplação
cada vez mais altos e centros cada vez mais profundos de força vital.”

“Quando o devoto chega mais além do centro vital mais alto, percebe
interiormente diferentes sons e o devoto chega a sentir sons de conchas, flautas,
campainhas, etc, todas se submergindo no ritmo cósmico de uma grande voz de infinito
silêncio. Neste estado nenhum pensamento ou objeto do mundo exterior pode distrair
sua atenção. Enquanto avança, seu ser se dissolve na profundidade sem fundo dessa
musica prazerosa que impregna o universo inteiro e encontra repouso eterno.”

Dois ou três anos depois desta declaração de Mataji, mostrei-lhe os desenhos de


seis centros vitais publicados no “Poder da Serpente”, de Justice Woodroffe. Sri Ma
nem sequer os olhou e disse, rindo-se as gargalhadas: “Escute o que te diz este corpo.”
Então descreveu cada um dos centros, a natureza dos lótus, sua cor e o número de
pétalas com seus correspondentes yantras (diagramas geométricos) e mantras. Descobri
que os desenhos do livro representavam exatamente o que Sri Ma descreveu.
Acrescentou: “Não li sobre estes centros em livro algum, nem tinha ouvido antes nada
sobre eles de ninguém. A descrição que te dei é de minha experiência real.” A
posteriores perguntas, respondeu: “As cores desses centros vitais que você encontra nos
desenhos não são senão seu timbre externo. A mesma substância da qual está feito
nosso cérebro forma também estes plexos, mas suas formas, estruturas e funções
variam. Cada um tem suas características especiais e qualidades distintas, tal como o
olho, a orelha ou o umbigo ou inclusive as linhas da palma das mãos. Neles está o
sempre mutável jogo de várias cores e sons e seus símbolos chamados mantras-semente,
sendo todos eles o resultado natural do movimento da força da vida e do correr do
fluido vital. Durante os estágios mais iniciais, quando estes lábios emitiram vários
mantras acompanhados por transformações na respiração, se cruzaram por minha mente
perguntas como: ‘o que são?’ A resposta veio de dentro e a estrutura interior de todos
aqueles plexos se fez claramente visível, tal como os desenhos que coloquei na sua
frente. Quando uma pessoa reza regularmente, realiza pujas e práticas yóguicas, medita
e reflete nas verdades mais elevadas da existência com suficiente concentração e
regularidade, a substância mental se purifica, os pensamentos se tornam refinados e os
centros se desenvolvem. De outra forma, nenhum ser humano pode escapar da tormenta
e da tensão dos impulsos físicos como a luxúria, a avareza ou a cólera.”

Um dia Sri Ma foi ao Siddheswari Ashram com todos os que estavam presentes.
Esse lugar estava então muito abandonado. Havia uma base com um altar de um quarto
de metro por meio metro quadrado de altura. A Mãe sentou-se nela. Todos os devotos
sentaram-se ao redor em silêncio, absortos em seus próprios pensamentos. Seu corpo se
encolheu gradualmente a um tamanho tão pequeno que todo mundo tinha a impressão
de que só sobraria Seu sári sobre o altar. Ninguém podia vê-la. Todos se perguntavam o
que aconteceria. Gradualmente houve uma agitação sobre o tecido e muito lenta e
suavemente um corpo tomou forma e Ela apareceu, sentada em posição ereta. Durante
quase meia hora olhou o céu, com olhar fixo, e disse então: “Como ocupação de suas
vidas, vocês reduziram este corpo.”
31

Sri Ma disse: “Tal como uma pipa de papel voa alto no céu, contando com uma
fina linha, assim o yogue, contando com sua respiração vital e uma fina corda de
samskara, pode flutuar no ar, pode encolher seu corpo físico ao tamanho de um grão,
assumir um tamanho enorme ou inclusive desvanecer-se.”

Ouvimos que muita gente recebeu iniciação de Sri Ma durante o sonho enquanto
outros obtiveram flores junto com mantras e encontraram depois estas flores ao
acordarem.Mas nenhum de nós tem conhecimento algum de que Mataji houvesse
iniciado a um devoto em forma física.

Também ouvimos de muita gente que, em suas próprias casas, longe de Sri Ma,
ficaram sobressaltadas ao encontrar sua figura presente ante seus olhos por um período
muito curto.

Enquanto eu estava em Dacca, gravemente doente, com ataque de tuberculose,


Sri Ma estava no noroeste da Índia. Quando regressou a Dacca, disse-me: “A meia
noite, em dias específicos, este corpo entrou em teu quarto por determinada porta de tua
casa e saiu por outra. Teu estado era muito crítico.”

Ao consultar o livro de contas, onde os gastos, inclusive com honorários


médicos, estavam registrados, descobri que, com efeito, esses dois dias haviam
chamado os médicos, no período da noite.

Também havia casos nos quais Sri Ma passava perto de um grupo de homens,
mas só um ou dois deles podiam vê-la. Disse: “Estou sempre presente com todos vocês,
mas vocês têm pouco desejo de me ver. Que posso fazer? Estejam seguros, tenho meus
olhos fixos no que fazem ou deixam de fazer.”

Numa ocasião Sri Ma devia pegar um trem em Goalundo. O degrau da porta do


trem estava alto demais. Ela tinha, nesta época, uma rigidez reumática em Sua mão
direita. Quando, a seu pedido, Gurupriya Deva a pegou pela mão esquerda e a alçou até
o compartimento, o corpo de Sri Ma parecia ser tão leve quanto o de um bebê. Por outro
lado, em algumas ocasiões, pareceu ser extremamente pesado.

Sri Ma nos disse que estando se movendo ou estando em repouso, nada muda
n’Ela. Está sempre muito desperta. Às vezes, depois de levantar-se da cama, disse ter
visto certos incidentes que aconteceram em determinados locais. Posteriormente, ao se
investigar, pode-se confirmar a exatidão de Suas declarações.

Eu costumava ver Sri Ma ao meu lado, bem como uma luz de relâmpago ou
como uma indefinida figura imóvel; às vezes tomava uma forma definida e condensada
e se deslocava ao meu redor, dando algumas voltas que duravam às vezes até Seu
desaparecimento.

No fim de 1930, Sri Ma se alojava no Cox’s Bazar, umas 300 milhas de Dacca.
Eu estava sentado em minha cama, em Dacca, durante as primeiras horas da manhã,
pensando n’Ela, quando a ouvi sussurrar: “Levante um templo dentro da área do
Ashram.”
32

Voltei a mim bruscamente quando a escutei. Sabia que Sri Ma nunca ordena a
ninguém que faça nada. Meditei uma e outra vez sobre isso. Achei que tais sussurros
tinham que ter vindo de Sri Ma. Mas uma dúvida não saía de minha cabeça: “Por que
Seu sussurro era tão indistinto?” Sua voz normal era inconfundível, bem definida,
ressonante, vital. Mas quando escrevi uma carta para o Cox’s Bazar, soube que Ela
havia estado guardando silêncio alguns dias e, exatamente nesta manhã, às oito horas,
havia começado a falar. Quando Sri Ma regressou a Dacca, me informaram que havia
murmurado algumas palavras pela manhã, mas poucas pessoas tinham podido distingui-
las. Depois de escutar esse mandado de Sri Ma, empreendeu-se a construção do templo
com grande fervor.

Ela sempre disse que pode ver os corpos etéreos de santos que morreram há
muito tempo. Um dia falou: “Tal como vocês estão sentados ao meu redor, há muitos
espíritos incorpóreos congregados aí. São tão reais quanto vocês mesmos.”

Disse também que pode ver as diferentes formas que tem as diferentes
enfermidades. Quando buscam admissão em Seu corpo, Ela lhes permite entrar. “Como
só há Uma vida neste universo, as enfermidades não são nem chamadas nem afastadas
por mim. Tal como vocês são uma fonte de alegria para mim, elas também são.”

Em Maio de 1929 Sri Ma partiu de Dacca mas, por alguma razão, vários
obstáculos impediram Sua livre travessia. Quando retornou a Dacca, em Agosto, tinha
febre. Em Seu corpo começavam a aparecer muitos sintomas sobrenaturais. Mandou
que permitissem a Seu corpo adotar vários asanas, sentada ou estendida sobre o chão, de
acordo com Seus impulsos espontâneos. Isto continuou durante uma hora completa. Sri
Ma disse depois que todas elas haviam sido posturas yóguicas. Ao ver estas
manifestações as pessoas temiam que Ela renunciasse a Seu corpo. Em outra ocasião
aconteceu que a Seus membros faltavam coesão; tanto de pé como sentada, Seus
membros pendiam soltos e não podiam mover-se a não ser que fossem adequadamente
sustentados. Junto a estas reações, teve febre alta, frouxidão no ventre e todos os
sintomas de hidropisia. Passaram-se três ou quatro dias desta maneira, quando
Brahmacharini Gurupriya Devi lhe implorou: “Ma, não podemos mais nos organizar
para cuidar do Seu corpo, tem compaixão de nós.” Depois desta oração, a debilidade
desapareceu do corpo de Sri Ma, mas a febre e outros sintomas continuaram, como
antes. Durante uns seis dias se verteram sobre Sua cabeça 60 ou 70 cubos cheios de
água, entre as 11:00 e as 17:00 horas, mas a temperatura nunca abaixou. Ela não queria
tomar medicamentos. Chamaram um doutor ayurvédico que a examinou e disse:
“Podemos tratar seres comuns, normais, mas os sintomas de Ma são totalmente
diferentes.” Ao encontrá-la prostrada sobre a cama, todos os devotos se encheram de
profunda inquietude e rezaram para que curasse Seu próprio corpo.

Na manhã seguinte Sri Ma disse: “Preparem um prato de arroz para este corpo.”
Ela, que havia estado obrigada a ficar de cama, com febre alta e hidropisia, prostrada
seguidamente, sem nenhum movimento durante 17 ou 18 dias, estava receitando a Si
mesma Sua dieta normal de arroz, lentilhas e verduras! Todos estavam surpresos.
Assim pois, segundo Suas instruções, preparou-se arroz, lentilhas e verduras. Três ou
quatro pessoas estiveram atarefadas mantendo Seu corpo na posição e introduzindo
comida em Sua boca. Comeu uma pequena quantidade de cada prato. Depois de uma
febre prolongada, muitos teriam sofrido sérias complicações como resultado de uma
dieta assim, mas Ela, gradualmente, se recuperou.
33

Em respeito ao desarranjo físico acima citado, Sri Ma disse: “Este corpo se


move no compasso da natureza; de algum modo seu curso de funcionamento normal foi
impedido. Para que vocês se dessem conta das infelizes consequências de causar
obstrução aos seus impulsos naturais, se manifestaram transtornos de todas as suas
funções vitais. Se houvesse alguma doença real, este corpo ou pereceria ou ficaria
incapacitado.”

“Enquanto estive de cama, não era consciente de nenhum incômodo ou mal


estar. Sentia-me normal. Entre seus movimentos de inquietude, de um lado para o outro
e as mudanças que aconteciam no interior deste corpo, escutava uma sinfonia de musica
e prazer.”

Em todas Suas ações parece que a natureza, obediente à Sua vontade, ajuda Seu
corpo a funcionar. Estou convencido de que, se prestarmos atenção à expressão natural
de Sua vontade, nos absteremos de perturbar a atmosfera ao redor d’Ela com vibrações
de nossas predileções e aversões individuais e, se fizermos somente o que Ela diz,
poderemos desfrutar de uma ilimitada felicidade presenciando o belo funcionamento de
Sua vontade. Ao mesmo tempo, teremos a boa sorte de obter muitas oportunidades para
nos auto-cultivarmos.

Em nossa infância brincávamos com bonecas, seguindo nossos caprichos;


construíamos pequenas casas de areia e barro para satisfazer nosso prazer momentâneo
e então voltávamos em busca de novos jogos. Todavia, ainda jogamos o mesmo jogo
em nossas relações com Sri Ma, com a mesma inconsciência e impulso. Às vezes estes
temores se juntam em minha mente.

No Ashram de Vindhyachal, durante uma conversa, Mataji disse a Brahmachari


Kamalakanta: “Ainda depois de tantos anos, muito poucos se dão conta do que desejo.
Se se dessem conta não fariam perguntas tão irrefletidas como: ‘O que queres? Qual é
teu desejo?’ Deveriam tentar entender-me sinceramente, na medida em que esteja ao
alcance de suas capacidades e, para poder captar o que quero, é preciso liberar a mente
do orgulho, do desejo de fama e glória, da ira e da dor, da vaidade e, finalmente, da
vontade própria, que conduz o homem a sentir que ele é livre agente de suas ações.”

Se, sob Sua inspiradora influência, pudéssemos purificar-nos seguindo


silenciosamente o que nos diz que façamos, haveríamos realizado nossa missão ao
encontrar em nossas próprias vidas uma oportunidade para ver a glória de Sua
Maternidade Universal.

Um dia eu estava passeando com a Mãe no Ramna Maidan. Ela não falou. Dei-
me conta que o espírito do silêncio absoluto havia se apoderado d’Ela. Voltou depois de
andar um tempo sem direção. Durante oito ou dez dias esteve absolutamente muda.
D’Ela não emanavam nem sinais, nem gestos, nem sugestões, nem sequer um sorriso.
Costumava sentar-se caladamente absorta em Seu próprio Ser interior. Se alguém lhe
falava, nem Seus olhos nem Sua atenção eram atraídos para ele. Estava sentada,
concentrada no interior, como a estátua do Senhor Buda. Quando comia, Seus lábios se
separavam só um pouco, para fecharem-se de novo pouco depois de tomar um pequeno
bocado.
34

Durante este estado de silêncio parecia que Sua conexão com o mundo exterior
se havia cortado completamente. Depois de uns dez dias começou a cochichar umas
poucas palavras quebradas. Tivemos a impressão de que estava reaprendendo a utilizar
Seus órgãos vocais e a recobrar o poder da fala. Assim passaram três dias, até que
gradualmente reassumiu Sua forma normal de falar. Tive a boa sorte de ver Sri Ma duas
ou três vezes neste estado.

Nestas fases de silêncio Seu aspecto transbordante, Sua sólida mas serena
compostura, Seu aspecto afável e rosto resplandecente, todos eles despertavam nosso
amor e reverência. Quanto mais a olhávamos, com Seus olhos pensativos, maior se fazia
o desejo de olhá-la. No começo, quando após Seu matrimônio, Sri Ma guardou silêncio
durante três anos, muitos expressaram sua tristeza, pensando que Ela havia ficado
completamente muda e diziam: “Ai, é uma pena, uma grande injustiça de Deus; fez com
que esta bela jovem ficasse muda, ainda que lhe houvesse dado as melhores virtudes do
sexo feminino.”

Sri Ma disse: “ Se você deseja guardar verdadeiro silêncio, teu coração e tua
mente devem fundir-se tão estreitamente em contemplação que toda natureza, tanto
dentro quanto fora, fique congelada, como se fosse uma pedra. Mas se você deseja
meramente abster-se de falar, isso é outra questão.”

Há disponíveis quatro fotos das posturas yóguicas de Sri Ma. Da primeira se


falou no primeiro capítulo; a segunda foi tirada depois de um longo período de
enfermidade. Mas quando se tirava a terceira e quarta fotos, a princípio se sentou de
forma natural e logo começaram as expressões do Seu estado supramental de absorção.
35

ESTADO DE SAMADHI

Quando nos aproximamos de Sri Ma com o pedido de que nos fizesse saber os
diferentes estados de Samadhi, Ela nos indicou quatro níveis:

1) Concentração do intelecto num ponto focal – É como atear fogo a um


combustível seco. Quando a madeira molhada se seca ao calor do fogo, as
chamas se acendem vivamente. De modo similar, quando nossa mente é
liberada da névoa e umidade dos desejos e paixões pela força da
contemplação do Divino (Kamana Vasana) ela se torna rápida. Trata-se de
uma condição de pureza mental que induz, em certos casos, a um estado de
silencioso emergir a um humor particular ou a um excesso de emoção e
agitação além da capacidade de controle da pessoa. Todos esses humores se
expandem desde uma suprema existência em direções especiais.

2) Concentração de nossos poderes emocionais – Induz a um estado de corpo


inerte, de absorção num sentimento sagrado, que sai de um só estado
supramental indivisível. Nesse nível o corpo pode ser comparado com um
carvão queimado que tenha o fogo completamente apagado. Neste estado o
devoto passa horas numa condição de imobilidade exterior; mas, nas
entranhas do seu coração, se agita uma corrente incessante de sublime
emoção. Quando este estado amadurece, o sentimento atrai fortes poderes da
alma universal e, tal como uma vasilha transborda quando se coloca água
demais em seu interior, este se espalha pelo mundo numa enorme extensão
sob a intensa pressão de sua expansividade.

3) Fusão da vida interior e exterior – Este estado é exatamente igual ao do


carvão aceso. O fogo impregna cada átomo das cobertas internas e externas,
todas estão diante de uma só luz divina. O devoto vive, se move e tem seu
ser num oceano de luz.

4) Plena concentração – Estado em que o devoto perde toda consciência de


dualidade, do funcionamento das três gunas (movimento, inércia e
equilíbrio). É como o estado do carvão reduzido a cinzas. Não há distinção
entre o interior e o exterior, entre aqui e ali; é um estado de absorção no
Supremo, de total Unidade. As vibrações de pensamento, sentimento ou
vontade desaparecem por completo. Assemelha-se à tranquilidade perfeita de
um lago que repousa sob o céu azul.

O Samadhi de Sri Ma apresenta uma visão maravilhosa: fui extremamente


afortunado em poder presenciar um Samadhi assim em várias ocasiões. Descrevo abaixo
algumas de minhas experiências.
36

Certo dia, enquanto Ela andava pela casa ou estava sentada, depois de entrar nela
com ar de naturalidade ou depois de rir-se ou falar umas poucas palavras, Seus olhos se
abriam muito, com um olhar vazio, e todos os Seus membros relaxavam-se de modo tão
sobrenatural que Seu corpo parecia derreter-se sobre o solo.

Podíamos então observar que, tal como o suave disco dourado do sol poente,
todo resplendor de Seus modos e expressões habituais se desvaneciam pouco a pouco de
Seu semblante, para dentro de misteriosas profundezas.

Pouco depois Sua respiração diminuía, às vezes detendo-se totalmente; cessava


de falar. Seus olhos permaneciam fechados. Seu corpo esfriava. Às vezes Suas mãos e
pés ficavam tão rígidos quanto troncos, outras vezes pendiam soltos como pedaços de
corda, ficando em qualquer posição que fossem colocados.

Seu rosto ficava iluminado de um tom carmesim, devido à intensidade do


Ananda interior: Suas bochechas estavam acesas com luz celestial, brilhante e serena,
com uma paz divina. Todas Suas expressões físicas ficavam suspensas; no entanto, cada
poro do Seu corpo irradiava uma luz especial – uma eloquência muda de silêncio em
discurso interior. Todos os presentes sentiam que Sri Ma estava se fundindo nas
profundezas da comunhão divina. Assim se passaram dez ou doze horas e depois se
fizeram esforços para devolvê-la ao plano físico, com kirtans e coisas similares, mas foi
tudo em vão.

Eu mesmo não podia despertá-la desse estado de auto-absorção. Não havia


nenhum tipo de resposta quando esfregávamos as mãos ou os pés, ou quando os
espetávamos com algum objeto pontudo. Quando chegou o momento adequado, Sua
consciência regressou. Não dependia de nenhum estímulo externo.

Quando Sri Ma voltou à consciência física, Sua respiração voltou a ser mais e
mais profunda e com ela reviveram todos os movimentos dos Seus membros. Em
determinados dias, pouco depois deste despertar, Seu corpo recaía uma vez mais na
condição inerte anterior, com tendência a congelar-se uma vez mais no estado de
Samadhi. Quando lhe abríamos os olhos com a ponta dos dedos, havia um olhar vazio
em Seus olhos e, em seguida, as pálpebras se fechavam de novo automaticamente.

Quando se manifestavam uma série de sintomas de Seu despertar à vida normal,


lhe ajudávamos a colocar-se numa postura sentada e, chamando-a em voz alta, fazíamos
esforços para devolvê-la ao mundo dos sentidos e a induzíamos a falar. Neste estado de
ocaso da consciência, somente respondia à chamada do mundo exterior durante um
período muito breve de tempo, para, em seguida, fundir-se nas profundidades mais
recônditas do Seu Ser. Neste estado, lhe custava muito tempo recobrar Sua condição
normal.

Numa ocasião, depois de um período assim de Samadhi, conseguimos fazê-la


andar com grande dificuldade. Depois de comer um pouco recaiu num estado inerte e
inconsciente durante várias horas.
37

Quando, depois do Samadhi, recuperou Seu estado normal, Seu corpo inteiro
parecia estar inundado de alegria. No umbral do despertar, às vezes ria ou ria e chorava
ao mesmo tempo.

Durante o Samadhi Seu rosto perdia toda vivacidade, o corpo parecia estar muito
frágil e débil e em Seu aspecto geral não havia, em absoluto, expressões nem de alegria
nem de dor. Neste estado tardava muito mais em recobrar Seu Ser normal. Em 1930,
quando veio ao Ramna Ashram, sempre parecia haver perdido todo sinal de vida
durante o Samadhi e passava quatro ou cinco dias seguidos sem resposta a nenhum
estímulo exterior. Durante todo o evento, do princípio até o final do Samadhi, não havia
indícios de que estivesse viva ou pudesse jamais voltar a estar. Seu corpo ficava tão frio
quanto o gelo e permanecia frio durante muito tempo depois que lhe voltava à
consciência.

Depois de recobrar totalmente a consciência, quando lhe perguntavam como


havia se sentido durante o Samadhi, respondia simplesmente: “É um estado mais além
de todos os planos de consciência e supra-consciência – um estado de completa
imobilização de todo pensamento, emoção e atividade física e mental – um estado que
transcende todas as fases da vida aqui embaixo. O que se chama Sarvikalpa Samadhi
não é senão um meio de alcançar também esse objetivo final, é somente um estado
passageiro do sadhana.”

“Uma profunda concentração em qualquer dos cinco elementos dos sentidos –


ouvido, tato, olfato, gosto e visão – derivados fundamentalmente do ar, terra, água, etc,
nos conduzem a submergir nossa identidade nele e, conforme se vai aprofundando a
concentração, o corpo vai se congelando gradualmente com ela. Então este sentido
particular impregna por completo nosso ser e o ego gradualmente se dissolve nele e se
funde com uma Entidade Universal. Quando este estado se estabelece, também se
desfaz a consciência de um Ser Universal e o que permanece então está além das
palavras, da expressão ou da experiência.”

Às vezes, sem nenhuma causa aparente, muitos sintomas anormais se faziam


visíveis em Sua pessoa. Sua respiração se fazia profunda e prolongada; Seu corpo
inteiro girava à direita ou à esquerda, com uma expressão de languidez e fadiga. Então
caía no chão ou rodava como um fardo. Nesses momentos tinha consciência física e
quando se lhe perguntava alguma coisa, respondia com uma ou duas palavras, numa voz
muito tênue e suave.

Ao perguntar-lhe, mais tarde, soubemos que enquanto estava neste estado, sentia
uma corrente de vida fina como se fosse um fio, fluindo desde o extremo inferior da
espinha dorsal diretamente até o centro mais alto do cérebro e, junto a ela, uma sensação
de satisfação percorria cada fibra do Seu corpo, até os poros dos pêlos. Nesses instantes
sentia que cada partícula de Sua armação física bailava em infinitas ondas de felicidade.
Tudo aquilo que via ou tocava lhe parecia ser uma parte vital de Si mesma. Seu corpo
físico gradualmente deixava de funcionar. Se, naquele momento, sua coluna vertebral
ou as articulações eram massageadas por um longo período, permanecia quieta durante
um tempo e recobrava Sua condição normal. Era nesta fase que a encontrávamos
transbordando de felicidade celestial e Seu aspecto tinha todo o indício de alguém que
se havia perdido no amor universal.
38

No meio da rotina da vida diária, enquanto a Mãe estava caída, sorrindo e


falando com as pessoas que vinham vê-la, Seus membros ficavam frios como gelo e as
unhas e os dedos dos pés e das mãos se tornavam azuis. Não havia maneira de diminuir
a rigidez dos Seus membros, nem sequer com massagens vigorosas, ainda que as mãos
que lhe esfregavam os membros ficassem intumescidas de frio. Um dia levou quase 12
horas para recobrar o calor habitual.

Certa vez, ao cair da noite, Sri Ma estava prostrada num estado de Samadhi.
Nossa Didima estava sentada sobre a cama, ao seu lado. Pitaji também estava no
quarto. Lá pelas duas da manhã eu estava sentado no terraço, meditando sobre os pés de
lótus da Mãe. Senti uma emocionante sensação em meu coração, produzida pelo som de
seus passos. Abri os olhos mas não pude ver nada. Escutei um leve som dentro do
quarto. Quando deixei meu assento observei duas pequenas marcas dos pés de Mataji.

Ao entrar no quarto encontrei Sri Ma na cama. Perguntei a Didima se Ma havia


saído dali. A resposta foi negativa. Passou a noite. Na manhã seguinte Ela esteve no
plano da consciência física um breve intervalo. Ainda que estivesse de volta no dia
seguinte, lhe custou mais três ou quatro dias recobrar Seu modo habitual de vida.

Poucos dias mais tarde, disse a Mataji: “Ouvi falar que não é possível para
ninguém deslocar-se com o corpo físico durante o Samadhi. Como pude ter sentido
Teus passos naquela noite?” Sri Ma disse: “É possível que um homem possa explicar
todas as coisas com palavras?” e continuou em silêncio.

Em outra ocasião lhe perguntei: “Quais são os sinais de um sadhaka?” Ela disse:
“quando um devoto alcança certo nível de pureza mental, pode vir a se comportar como
um menino ou que se torne insensível aos estímulos do mundo, como um coágulo de
matéria inerte, ou que viole todos os cânones da vida social como se fosse um louco, ou
que, às vezes seja sacudido por rajadas de pensamentos e emoções elevadas e passe por
santo. Mas, através de todas estas diversas formas de vida seu propósito permanece fixo
no objetivo central. Se, nesta fase, se esquece de sua intenção final, seu progresso se
detém aí.”

“Mas, se com um intenso esforço, continua as tentativas até seu objetivo, todas
suas atividades se centrarão ao redor do objetivo supremo. Sempre se verá que,
inclusive ainda que pareça uma massa de matéria inerte, indiferente a estímulos
externos, estará pleno de alegria e felicidade, tão logo recupere sua consciência física.
Gradualmente, segundo vá estabelecendo nele este humor jubiloso, sua relação com as
pessoas e as coisas irá se tornando imbuída de um espírito de alegria e prazer, que o faz
querido e adorado por todos. Sua vida interior e exterior se converte numa expressão da
única Felicidade Suprema.”

“Na fase seguinte, o devoto alcança um nível onde inclusive o conceito de uma
existência universal desaparece. Então sua forma de vida não pode ser explicada pelos
cânones normais do raciocínio humano. Neste estado, todas as vibrações de sua mente-
corpo ficam suspensas e há muita probabilidade de que a alma saia de sua estrutura
mortal. Mas se há um resíduo de um samskara forte, que assegure o bem estar humano,
é possível que continue vivendo durante certo período de tempo. Permanece, entretanto,
inalterável, em todas as circunstâncias da vida, ainda que pensemos que é suscetível de
mudar simplesmente porque retém seu corpo.”
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“A única diferença entre este devoto e o yogue que abandona o corpo é que este
último deixa o corpo pelo esforço de sua própria vontade. Inclusive no momento da sua
saída do corpo físico, retém a consciência de que tem um corpo que está abandonando,
enquanto que a pessoa que abandona seu corpo num estado de completo Samadhi não é
consciente de seu corpo individual nem de esforço algum ao abandoná-lo. Os samskaras
da vida e da morte deixam de funcionar nele e tão logo o carma de suas vidas passadas
se esgota, o corpo se desprende de modo natural.”

Em outra ocasião, Sri Ma disse, no curso de uma conversa:

1) “A pureza do coração e da mente chega através da concentração num objeto de


acordo com a disposição particular de cada um.
2) Gradualmente, conforme se progride, todas as idéias dispersas e as ambições
chegam a unficar-se com este objetivo.
3) Na continuação, quando várias correntes de pensamento fluem através do
mesmo canal, o devoto fica aparentemente imóvel e inerte.
4) Depois disso, encontra um lugar de descanso no Ser Universal e é submergido
numa existência unitária.”

Normalmente Sri Ma não diz estas coisas para todas as pessoas.

Às vezes se detém repentinamente no transcorrer da conversa. Habitualmente


está rodeada de muitos bhaktas. O que diz para o bem estar deles nem sempre pode ser
registrado e muitas de Suas palavras não são inteligíveis para todos.

Suas instruções são do tipo universal, pensadas para todos os homens. Ainda
assim sua importância real nem sempre é compreendida por pessoas como nós. Apesar
disso, quando algumas de Suas palavras iluminam a mente de uma pessoa específica, a
consciência que esta alcança por seu próprio conhecimento limitado encontra expressão
em sua vida de acordo com sua própria capacidade de avançar. Não é fácil imaginar
quão infinitamente variados são os riachos que fluem desde o Himalaia até as planícies
da Índia, através das geleiras, cataratas, rios e fontes, enriquecendo e fertilizando muitas
regiões estéreis. Ainda que o Himalaia não perca nada enviando estas correntes
perpétuas, o bem estar do mundo se assegura com elas. Um caso similar é o de Sri Ma e
Seus devotos.

É difícil encontrar palavras para expressar as mudanças que pouco a pouco


chegam, em cada momento das nossas vidas, através do Seu contato, Suas sugestões,
palavras e sorrisos. Há uma falsa impressão entre nós de que, se tentássemos expressar
como Suas bênçãos tem moldado muitos pequenos incidentes de nossa vida cotidiana,
estaríamos minimizando Sua graça ou influência. Mas me inclino a pensar que com tais
esforços somente estaríamos cantando hinos a Sua Glória, além de avançarmos em
nossa elevação espiritual em grande medida. Ao mesmo tempo seria uma maneira de
vincular nossas almas agradecidas com Sua Graça em cada momento de nossas vidas.
40

A MÃE E SUA LILA

Aqueles que têm observado a face reluzente de Sri Ma, sempre com um sorriso
radiante, Sua ilimitada simplicidade quase infantil, Seus chistes brincalhões, fluindo de
um coração transbordante de emoção divina, devem ter ficado encantados muito mais
do que se pode imaginar. Em todas Suas palavras e expressões, em cada um de Seus
olhares e gestos, reina uma doçura que não tem igual em nenhum outro local. Uma
fragrância divina emana de Seu corpo, de cada uma de Suas expirações e de Seus
aparatos e roupas de cama. Quando canta, pensamentos e idéias divinas emanam da
fonte interior de nossos corações.

Vive uma vida de completo desapego, completamente livre de toda atadura.


Como o céu sereno e azul lá em cima, muito longe do mundo que está abaixo e ainda
assim derramando uma serenidade tranquila sobre as coisas da terra e produzindo
reflexos celestiais sobre lagos e tanques, assim como sobre um copo de água. Envolve a
todas as coisas criadas e as atrai mais e mais próximo do Seu coração. Reconhece o jogo
de uma vida absoluta nas pessoas de todas as raças e credos, em cada animal e planta.
Considerando a todos os seres como manifestações de uma glória universal os trata com
igual amor e reverência. Sua visão não estava colorida pela distinção de alto e baixo,
rico e pobre.

Mataji sempre disse: “Não tenho nada novo para ver, ouvir ou dizer.” Não
obstante, ocorre que até as coisas mais simples parecem atrair Sua atenção até um grau
que faz com que nos sintamos inclinados a compará-la a uma menina encantada com
sua preciosa boneca.

Não há fim as divertidas brincadeiras que mantém com Seus devotos. Numa
ocasião desejavam vê-la vestida como Krishna menino e também de jovem, no começo
da adolescência. Os devotos se organizaram para vesti-la. Há duas fotografias que
mostram estas caracterizações. Que impressionantes são as expressões de Sri Ma nestas
duas diferentes poses! A beleza de Seu rosto revela o encanto de Sri Krishna quando
menino e ao converter-se em jovem. É realmente inconcebível de que oculta fonte saiu
um resplendor divino semelhante para dar a Seu aspecto tanta ternura, a Seu semblante
uma expressão tão sossegada e afável, a Seu rosto um halo assim de pureza e doçura e a
Seus membros uma flexibilidade tão ágil. Não é só algo estranho, mas sim sobrenatural
e sem precedentes.

Em Seu riso franco as fibras do Seu Ser se juntavam e dançavam. Aqueles que
estavam presentes nesse momento puderam ver o brilho de luz sagrada que iluminou
Seu semblante; um riso tão puro e sincero é difícil encontrar num ser humano. A
fotografia revela muito imperfeitamente só uma fração de Sua expressão real.
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Onde quer que Sri Ma vá, Sua presença leva uma doçura delicada, impregnando
os pensamentos e idéias das pessoas que se congregam ao Seu redor. Qualquer que
possa ser a natureza de nossos pensamentos, sempre nos sentimos agradavelmente
surpresos ao ver que nossa mente está sendo purificada e refinada por Sua sutil
influência. A visão de Sri Krishna despertou um efeito maternal em Yashoda,
sentimentos amorosos em Sridama e Sudama e um amor desinteressado nos corações
das vaqueiras de Brajadhama. A presença de Sri Ma também induz a diversas fases de
amor e adoração devocional em diferentes almas.

Desde Sua tenra infância esteve jogando com as principais fontes da vida
humana. Seus camaradas não conhecem alegria sem Sua companhia. Quem quer que
entre em contato com Ela, crianças, jovens, velhos, ficam tão encantados que
normalmente perguntam, ao ir embora: “Quando voltaremos a nos encontrar?” Aonde
quer que vá uma multidão se reúne em deleite. Uma onda de prazer intoxicante agita
com nova inspiração a centenas de milhares de homens e mulheres e suas almas dançam
em resposta a Suas doces palavras e expressões. No momento em que deixa o local,
sentimos a sensação de vazio. Houve também pessoas que, ao vê-la com o cabelo
desarrumado, o jeito despreocupado de se vestir e os modos descuidados, chegaram a
considerá-la uma mulher excêntrica e tentaram evitar Sua presença, mas, sem querer, já
não podiam desgrudar seus olhos d’Ela.

Incontáveis e múltiplos são os poderes extraordinários que constantemente se


manifestam através de Suas atividades lúdicas. Ao perguntarmos sobre eles, disse: “Este
corpo está sempre no mesmo estado, sem nenhum tipo de mudança, já vossa mente os
leva a considerar uma fase particular como ordinária ou extraordinária.” Acrescentou:
“O universo é um Drama Divino; vocês têm vontade de brincar e por isso todas as
atividades brincalhonas deste corpo, em seus sorrisos e divertimentos, são interpretados
por vocês de acordo com suas próprias luzes. Se houvesse assumido uma postura grave
e imóvel, vocês se afastariam de mim. Aprendam a submergir no Gozo Divino em todas
suas manifestações e vocês alcançarão o objetivo final de todo o drama.
Compreendem?”

O que está além da experiência da pessoa normal é o que se chama


extraordinário. Para aquele que dissolveu todos os pensamentos e emoções na felicidade
suprema e absoluta do Atman, que às vezes apresenta o papel de um ser individual, às
vezes de Ishvara, o Governante Supremo do Universo e outras do absoluto impessoal
Para-Brahman, todas estas fases não são senão manifestações fortuitas do Drama Divino
auto-iniciado. Sri Ma não tem desejos, nem coisas das quais goste ou desgoste. Às vezes
os poderes sobrenaturais jogam seu papel de despertar atitudes devocionais ou de
levantar pensamentos piedosos em seus devotos. Às vezes a tremenda atitude de oração
dos devotos induz às manifestações correspondentes em Seu simples comportamento.
Sri Ma disse: “Este corpo é como um instrumento musical: o que você ouve depende de
como toca. Percebo que não há senão uma melodia mestre ressoando por todo
universo.”
42

Em junho de 1932, um dia antes de abandonar o Ashram de Ramna, em Dacca,


as 17:00h, estava sentada com muitos devotos num recinto aberto, para comer o prasad.
De repente o céu se cobriu de nuvens escuras e começou uma tormenta,com relâmpagos
e trovões. Todos os presentes pressentiram uma chuva imediata. Nesse momento
chegou outro grupo que também se sentou para tomar prasad. A Mãe pediu para que os
que haviam terminado de comer saíssem, mas Ela ficou. Quando todos terminaram,
levantou-se e disse: “Agora vou tomar banho grátis.” Muitos tentaram dissuadi-la de
tomar um banho numa hora tão avançada. Mas Ela permaneceu firme quando começou
a cair uma forte chuva; o recinto inteiro se inundou. Sri Ma corria com grande deleite,
sob a chuva, como uma menina brincalhona e cheia de vida. Muitos anciãos e anciãs,
meninos, meninas e jovens se uniram a Ela com todas suas finas roupas e começaram
um kirtan, que continuou até as 21:00h. Entre eles havia alguns com muito má saúde,
mas ninguém se resfriou.

Vimos muitos exemplos onde, com um mero olhar, Sri Ma deteve a chuva ou,
com um leve sorriso ou com uma ruidosa gargalhada, colocou fim a todas as disputas ou
demonstrações de má vontade entre Seus devotos.

Sri Ma, por Sua própria natureza, tomava muito pouca comida. Chega a ser
difícil imaginar como uma pessoa possa viver com uma dieta tão escassa. Nas primeiras
etapas da Sua vida, quando se manifestaram em Seu corpo muitos processos yóguicos,
passou muitos dias sem tomar sequer uma gota de água. Não sentia nenhuma inclinação
a comer até que não cessassem os processos yóguicos. Durante estes dias de jejum
completo ou parcial, Seu aspecto era reluzente e alegre, Seu corpo ágil, cheio de saúde e
vigor habituais.

Desde muito cedo se ajustou a uma dieta muito restrita. Passou cinco meses
comendo só um punhado de comida, logo antes do anoitecer. Durante uns oito meses
somente comia três bocados de arroz de dia e três à noite. Durante cinco ou seis meses
viveu a base de um pouco de frutas e água, que tomava duas vezes ao dia. Houve uma
ocasião em que passou cinco ou seis meses comendo uma pequena quantidade de arroz
somente duas vezes por semana; nos outros dias, um pouco de fruta.

Desde 1926 já não pode comer com Suas próprias mãos; sempre que tentava
levar comida à boca Sua mão se afrouxava e grande parte da comida caía entre Seus
dedos. Isto não era devido a nenhuma enfermidade. Nessa época decidiu-se que a
pessoa que costumava alimentá-la devia, uma vez de dia e outra à noite, dar-lhe somente
tanta comida quanto pudesse pegar com as pontas dos dedos. Desta maneira passaram
uns cinco meses. Em dias alternados bebia uma quantidade pequena de água. Durante
seis meses comeu três grãos de arroz fervido pela manhã e três à noite e duas ou três
frutas maduras, que haviam caído das árvores de modo natural. Às vezes acontecia que
a comida lhe tocava somente os lábios e depois caía. Durante uns três meses comeu
tanta comida quanto era possível colocar em Sua boca de uma só vez. Durante oito ou
nove meses comeu somente cinquenta gramas de arroz misturado com lentilhas
(fervidas no tacho sacrificial) ou uma pequena quantidade de sopa de verduras
misturadas com um pouco de arroz fervido. Durante vários dias seguidos viveu de uma
pequena quantidade de leite ou de uma ou duas fatias de pão sem levedura. Também
passava vários dias completamente sem comida.
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Depois de deixar de comer arroz por alguns dias, não podia nem sequer
reconhecê-lo. Havia uma servente de Kahar em Shahbag, que estava comendo arroz.
Quando Sri Ma a viu, disse: “O que você está comendo? Eu também comerei com ela.”
Um dia encontrou um cachorro que estava comendo arroz e começou a dizer
lastimosamente: “Quero comer, quero comer!” Quando lhe impediam tais impulsos,
costumava jogar-se no chão durante um tempo, como uma menina irritada. Uma vez Sri
Ma disse espontaneamente: “O homem tenta abandonar seus velhos hábitos. Meu
costume é totalmente diferente. Penso em modos de recuperar os velhos hábitos. Vocês
têm que alimentar-me com três grãos de arroz fervido por dia, de outro modo perderei o
hábito de comer arroz, tal como esqueci como usar as mãos para pegar a comida.”

Aqueles que costumavam alimentá-la tinham que estar alertas para comprovar
que não lhe fosse dada nem uma partícula de comida a mais do que Ela queria. Tinham
que levar uma vida pura, de autocontrole; os utensílios de cozinha e os talheres tinham
que estar escrupulosamente limpos e puros. Não sendo assim Ela não podia engolir a
comida ou virava o rosto ou levantava-se automaticamente. Costumava dizer: “Não há
diferença entre este corpo e um torrão de argila. Posso comer a comida posta no chão ou
em qualquer outro lugar, da forma que eu queira; mas respeitem a higiene; a limpeza e
outras regras e obrigações sociais são necessárias para vossa educação, por isto este
corpo segue automaticamente esses regulamentos.”

Durante os longos períodos de abstinência das quantidades normais de comida,


não diminuíam Suas tarefas domésticas habituais nem Seu corpo perdeu a formosura
natural. Depois, gradualmente, todas as atividades de Sua vida familiar começaram a
reduzir-se.

Quando tentava realizar o trabalho doméstico, seu corpo deixava de funcionar e


costumava cair ao solo quase paralisado. Às vezes as mãos ou os pés se queimavam no
fogo da cozinha; em outras ocasiões se lesionava por outras causas; mas não era
consciente destes acidentes.

Sri Ma disse: “Ninguém pode deixar de trabalhar com a força da sua vontade.
Quando seu carma se esgota, todo trabalho cessa automaticamente.”

A partir de Maio de 1926 as regras mais rígidas relacionadas com Sua dieta se
relaxaram . Mas o que Ela comia, a despeito de tudo, era extremamente pouco.
Poderíamos dizer que era a ração de um bebê! Quatro ou cinco anos depois de haver
deixado de comer com Suas próprias mãos, alguns devotos expressaram sua grande
ilusão de vê-la comendo sozinha de novo, como antes. Por pedido deles, aceitou tentar e
sentou-se com os pratos colocados à Sua frente. Mas, depois de colocar um bocado de
comida na boca, deu um pouco aos outros e esfregou o resto sobre o chão. Não podia
comer nada. Depois disso, ninguém mais pediu que comesse com Suas próprias mãos.
Disse: “Considero todas as mãos como minhas: de fato, sempre comi com minhas
próprias mãos.”

Desde o começo todo mundo havia observado Suas primorosas habilidades


caseiras e na arte de cozinhar e Sua elegante maneira de entreter os hóspedes. O que
quer que fizesse, fazia perfeito. Sabia fiar e tecer roupa num tear manual. Sua costura e
produção de meias e cestas era magnífica, mostrando um grau extraordinário de
inteligência e destreza.
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Quando via que outros eram incapazes de fazer algum trabalho, ia em sua ajuda
e, para surpresa de todos, o resolvia com facilidade. Os pratos de comida preparados por
Ela eram deliciosos e portanto, quando havia uma festa, era requisitada para dirigir a
cozinha.

Sri Ma gostava muito de distribuir comida entre todas as pessoas, tanto adultos
quanto crianças. Ela podia privar-se de comer e de qualquer conforto pessoal, desde que
pudesse satisfazer aos demais. Numa ocasião um sadhu foi do Gujarat à Shahbag, em
Dacca. Com a borda do Seu sári, Ela limpou seu assento e o entreteve com Sua habitual
humildade e doçura. O prato de comida estava tão esmeradamente servido que parecia
estar, por assim dizer, santificado por seu grande amor e desinteressado espírito de
serviço. Ao ir embora o sadhu disse: “Hoje recebi comida da Mãe do Mundo. Nunca em
minha vida me haviam servido com tanto cuidado e pureza.”

Sempre que podia, cozinhava para todos os devotos de pouca idade e, com afeto
maternal, lhes servia a comida. O prasad recebido de Suas mãos despertava um júbilo
sem precedentes no coração de Seus devotos. Muitos incidentes misteriosos ocorriam
quando o prasad era distribuído. Um dia a esposa do finado Niranjan Roy trouxe umas
laranjas para Sri Ma. Ela mesma as distribuiu, pois todo mundo ali presente exclamava:
“Quero prasad das mãos de Mataji!” A quantidade de laranjas era muito pequena para o
grande número de pessoas que as pedia. Tudo indicava que faltariam laranjas. Mas os
modos de Sri Ma são inescrutáveis; todo mundo recebeu uma laranja e não sobrou
nenhuma. Num outro dia houve uma festa de kirtan na casa de Niranjan, em Dacca.
Preparou-se comida para umas 60 pessoas mas o número de convidados aumentou até
aproximadamente 120. Sri Ma se deu conta e permaneceu no canto da casa em que
estava a comida até que se terminou de servir. Depois de todos comerem se comprovou
que ainda restava comida.

Grandes quantidades de comida e roupa chegavam ao Ashram como


oferendas a Sri Ma. Depois de tomar um pouco daquela comida ou de levar alguma
prenda para vestir por um curto tempo, Ela distribuía tudo entre as pessoas ali
congregadas. Ria então alegremente. As pessoas lhe ofereciam preciosos adornos de
ouro e prata, pulseiras de ouro e de conchas e muitas outras coisas. Às vezes estes
adornos se empilhavam em Seus antebraços. Todas as coisas, grandes ou pequenas,
preciosas ou triviais, as recebia com o mesmo gosto. Mas nunca se preocupava em saber
quem as havia dado ou de quem seria depois. Muitos adornos eram posteriormente
doados e o que restava era fundido e se usava para fazer adornos para as deidades do
Ashram.

Ela nunca tinha mais do que duas mudas de sári para usar. Normalmente dava
uma das duas, mas acontecia de tal modo que, tão logo presenteava uma delas, lhe
ofereciam outra.

Quando ia de Calcutá a Dacca costumava hospedar-se na casa de Sri Jnanendra


Nath Sem. Ele era para mim mais que um irmão mais velho. Sua esposa, a finada Mrs.
Hiranmayi Devi, me considerava como seu irmão mais novo. É raro encontrar uma alma
tão amorosa, de tão extraordinária simplicidade, pureza, devoção ao marido e com uma
discrição tão pouco frequente, que a fazia ser muito querida por seus convidados e
membros de sua família. Atraída por sua bondade, Sri Ma costumava ir vê-la de vez em
quando.
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Uma vez que Sri Ma parou em Kalighat e eu fui vê-la, um devoto a fez vestir um
sári de fino tecido de Dacca. Haviam decidido que Ma iria até a casa de Jnan Babu. Ao
saber que Mataji iria antes a outro lugar, me adiantei. Comprei um sári de uma
qualidade intermediária com a idéia de que, quando Ma chegasse à casa de Jnan Babu,
lhe dariam esse novo sári e, deste modo, Ela poderia deixar o mais fino e caro para a
esposa de Jnan Babu. Não revelei meu propósito para ninguém. Sri Ma chegou à casa de
Jnan Babu. Mas, para minha consternação, vi que havia colocado um sári muito normal,
pois o de tecido fino de Dacca, que tinha posto antes, já havia deixado no lugar que
tinha visitado antes. Eu estava surpreso, mas Ma ria toda vez que me olhava. Nenhum
dos presentes podia compreender o significado do Seu riso. Mais tarde, lhe confessei o
propósito tão ridículo com que eu havia comprado o sári.

Dei antes alguns exemplos da extraordinariamente pobre dieta de Sri Ma. Outros
poucos exemplos podem ser dados, mostrando como às vezes consumia quantidades
descomunalmente grandes de comida.

Após haver comido diariamente, durante aproximadamente nove meses,


cinquenta gramas de arroz com dal (lentilhas), um dia decidiu que tomaria uma
quantidade de comida normal. Mas todo mundo a pressionou para que comesse mais.
Ela pediu que lhe trouxessem toda a comida que havia preparado, o suficiente para oito
ou nove pessoas. Comeu tudo. Em outra ocasião, sorridente, comeu uns setenta puris e
uma quantidade correspondente de dal e verduras, seguidas por uma grande taça de
arroz fervido em leite espesso. Houve uma vez na qual comeu pudim de arroz preparado
a partir de uma quantidade equivalente a vinte quilos de leite e, quando terminou,
exclamou: “Quero mais, por favor, dêem-me mais pudim!” Segundo a superstição
popular, umas gotas do prato doce salpicaram o sári que lhe cobria a cabeça, mas a
influência do olho maligno das pessoas que presenciaram o acontecido não causou o
menor dano a Mãe. Logo se descobriu que os locais onde as gotas caíram pareciam estar
queimados pelo fogo.

Alguns minutos após haver tomado comida em quantidades descomunais, tinha


no rosto uma expressão extraordinária. Em tais ocasiões costumava dizer: “Não sabia
que estava comendo uma quantidade tão grande. Foi graças a vocês que me dei conta
disso pela primeira vez. Naquela ocasião, qualquer coisa que me ofereciam, boas ou
más, inclusive ervas e folhas, seriam comidas.” Contudo, não se percebia nenhum mal
estar físico depois de tais refeições. Muitas vezes realizava estranhas proezas que lhe
vinham à cabeça naquela hora e, ainda que anormais, não terminavam em
consequências nefastas.

Do mesmo modo que as oferendas a Deus santificadas pelos mantras, flores,


pasta de sândalo e coisas do tipo, e dedicadas com seriedade, inundam a mente com
uma serena paz, assim também os presentes a Sri Ma, quando são oferecidos com uma
devoção de todo coração, trazem uma imensa satisfação e alegria ao devoto. Vimos que
Ela aceitava as coisas normais, comuns, como pipoca de arroz e frutas correntes como
se fossem um tesouro. Ela comia com grande prazer um curry de verduras comuns, sem
sal, ou arroz fervido em leite sem açúcar, pela grandeza de Seu coração, inclusive
convidando os demais a participar do prazer de comer. Por outro lado, em muitos casos,
quando alimentos raros e apreciados, conseguidos com grande dificuldade, chegavam a
Seus lábios, sua boca se fechava ao tocá-los.
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O finado Sri Tarak Bandhu Chakravarty, inspetor de escolas jubilado, que vivia
em Gandaria, Dacca, veio caminhando aproximadamente cinco milhas com uns doces
preparados em sua casa, com leite de sua própria vaca. Ainda não havia amanhecido
quando chegou. Sri Ma estava, contudo, na cama. Como uma criança impaciente o
ancião exclamou: “Ma, Ma, te trouxe uns doces preparados com especial esmero, não os
vai comer?”

Mataji sentou-se na cama e, sem que houvesse lavado o rosto, a boca ou as


mãos, se pôs a comer os doces das mãos do ancião e, com grande prazer, bateu palmas.
As maçãs do rosto de Tarak Bandhu se encheram de lágrimas de alegria e gratidão.

Outro dia Baby vinha ver a Mataji com alguns doces que havia ela mesma feito.
Quando esta se encontrava a quase meia milha de distância Sri Ma, de repente, riu
fortemente e disse: “Chegam doces para mim.” Sentou-se como uma criança, desejosa
de comê-los.

Havia ocasiões nas quais, ao chegar alguém, exclamava: “Mostre o que você
trouxe para mim.” Assim expressava Sua alegria pelos regalos, com brincadeiras e com
muita felicidade. Por outro lado,os incidentes não eram raros, quando as pessoas tinham
que esperar muito tempo com suas oferendas, mas Sri Ma nem sequer os percebia.

Numa ocasião, eu estava de cama devido a uma grave enfermidade. De modo


bastante inesperado, me passou pela cabeça o desejo de enviar a Ma um pouco de Khir
(espécie de leite condensado). Quando estava pronto, provei algumas gotas para
comprovar se estava bem feito. Minha irmã mais velha estava presente e disse: “Não
podemos enviar este khir a Sri Ma; as coisas oferecidas a Deus não podem ser provadas
pelos homens de antemão.” Eu respondi: “Por favor, enviem.” Mais tarde soube que Sri
Ma havia comido tudo.

Em outra ocasião, disse para minha esposa: “Por favor, prepare comida Sati para
a Mãe”. Foi feita de má vontade e enviada a Sri Ma. Logo soubemos que Ela nem as
tocou.

Está fartamente comprovado que algumas pessoas que, com grande devoção e
amor para Sri Ma, esperaram a certa distância e em silêncio lhe ofereceram todos os
seus melhores sentimentos, sentiram suas bênçãos no mais profundo do coração. Em
troca, havia outras que traziam montes de oferendas, rezavam e vertiam lágrimas para
obter Sua graça, mas não recebiam nem Seu ensinamento nem Sua atenção. Todo
mundo obtém uma resposta d’Ela de acordo com a sinceridade e a intensidade de sua
devoção. Suas bênçãos não dependem da natureza das coisas materiais que lhe são
oferecidas.

Todas as pessoas, piedosas ou ateus, ricos ou pobres, jovens e velhos, homens e


mulheres, inclusive crianças, tem livre acesso a Ela. Várias vezes ouvimos exclamar,
com uma gargalhada: “Por que vocês se preocupam com o momento e a oportunidade
de me ver? Não se dão conta que minhas portas estão sempre abertas? Ainda que,
devido às atrações ilusórias do mundo, geralmente vocês esquecem a esta sua pequena
filha, podem estar tranquilos de que tenho sempre em vista suas preocupações e
tribulações.”
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Nada aparece como estranho a Sri Ma, que vê todas as coisas sem a ajuda do
olho físico, que pode ler todos os pensamentos sem ser ajudada por palavras faladas,
que vê e ouve tudo, que vai e vem como o que está elevado nas alturas, completamente
alheio aos assuntos deste mundo e, entretanto, em vivo contato com eles. Dia e noite
esquecida de Seu conforto ou fadiga pessoal, Ela parece estar sempre esperando a todos
os homens, estejam estes aflitos ou à vontade.

O povo se congrega ao Seu redor desde a manhã bem cedo até tarde da noite.
Algumas pintam sua testa com vermelhão, outras decoram Seu cabelo e outras lhe
propõem dar-lhe banho e lavar-lhe o rosto ou a boca, ou lavar-lhe os dentes com pasta
de dentes. Pode ser que algumas lhe peçam permissão para trocar o sári, outros
expressam o desejo de colocar um doce ou uma fatia de fruta em Sua boca, algumas lhe
sussurram ao ouvido orações secretas, outras estão desejosas de que lhes conceda uma
entrevista privada. Alguns podem inclusive atrever-se a dispersar a multidão que a
rodeia dizendo: “Por favor, afastem-se, não molestem a Mãe deste modo.”

Mas, olhem a Sri Ma! Ela se senta, hora após hora, dia após dia, de forma
maravilhosamente tranquila, em meio a todo este ruído, tumulto e pelejas. Ela
permanece quieta e firme, com o rosto transbordando felicidade, atendendo a todo tipo
de pedidos ou rogos com tão amorosa graça que a atmosfera parece inundada de divino
gozo e felicidade. Pode ser que os corações das pessoas congregadas não estejam todos
igualmente atraídos por Sua dignidade, mas Seus olhares doces e compassivos se
depositam com igual ternura sobre todos os seres humanos, do mesmo modo que os
raios do sol do amanhecer. Entretanto, nunca se viu ninguém que se tenha afastado de
Sua presença desesperado ou desanimado.

Disse: “O mundo de Deus está feito de ambos, pessoas que entendem e que não
entendem Sua natureza. Ambos têm que ficar satisfeitos com os jogos que quiserem.”
Por esta mesma razão ninguém ainda foi capaz de dizer: “A Mãe não é minha, senão
tua.” Qualquer um que tenha a sorte de entrar em contato íntimo com Ela pode vir a
pensar: “Ma é minha, somente minha.” As pessoas têm aberto o mais profundo do
coração e, em consequência, tem encontrado uma nova esperança e uma nova paz.

Está além da nossa capacidade de entender a Lila de Sri Ma. A vimos


respondendo a duas emoções opostas, do nascimento de um filho e da dor pela morte de
uma criança, com a mesma calidez. Também a vimos chorar como uma mãe aflita e rir
alegremente, como uma pessoa feliz. Tais emoções contraditórias encontram uma
maravilhosa síntese n’Ela. A vimos empregar doces e consoladoras palavras de alívio
aos desesperados que imploram Suas bênçãos, enquanto retira Seu pé do alcance deles.
Ela se mostrava bastante alheia quando alguém caía prostrado a Seus pés durante muito
tempo. Um dia uma senhora que havia perdido seu filho caiu aos pés de Ma
lamentando-se amargamente. Mataji começou a chorar e verteu lágrimas tão
profusamente junto à mãe aflita, agarrada a seu braço, que a outra chegou a esquecer
todas suas penas. Pelo contrário, mostrou tanta preocupação pelo pranto de Sri Ma que
exclamou: “Ma, alivie-se, não chores mais pela morte de meu filho.”

Muitos de nós temos encontrado uma imensa alegria só de olhá-la, tocar o pó


dos Seus pés e escutar Suas doces palavras, que causam uma afluência de sentimentos
puros em nossos corações.
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Um dia, um amigo que havia regressado da Inglaterra havia pouco tempo, com a
cabeça embebida de idéias ocidentais, veio ver Sri Ma a meu pedido. Ele disse que, ao
vê-la, o mantra que havia recebido do seu guru muito tempo antes de viajar ao
estrangeiro e que havia quase esquecido, se reavivou em sua memória. Há muitos
exemplos que mostram como, só de sentar-se a Seus pés, as pessoas adquiriam o poder
de concentração e devoção que lhes permitia venerar a Deus e contemplar a divindade.

Mantendo-a como um ideal a seguir de todo coração, com uma consideração


sagrada por Sua pessoa, muita gente tem avançado no caminho espiritual. No templo de
Siddheswari, quando Sri Ma estava em transe, uma menina de uns dezessete anos estava
tão emocionada de admiração e alegria que abraçou Mataji. Ao contato com Ela, a
menina foi invadida pelo êxtase e rodou pelo solo, dizendo repetidamente: “Hari, Hari.”
Este estado de felicidade durou uns quatro dias.

Também ouvimos falar de muita gente que, com a mera visão de Sri Ma ou ao
tocar Sua mão, se arrependeu dos pecados passados e avançou na vida espiritual. Numa
cidade grande de Uttar Pradesh uma senhora muito respeitável, a esposa de um oficial
do governo, veio ver Mataji. Depois de haver se sentado a Seu lado por um tempo, se
arrependeu tão profundamente de alguns de seus pecados passados que, ao voltar para
casa, confessou toda sua culpa ao marido, pedindo que a expulsasse e pusesse fim à sua
conduta viciosa. A Mãe chegou a saber disso, chamou os dois, marido e mulher e
encontrou os meios para restaurar suas relações domésticas normais. É bem sabido que
pessoas que normalmente eram menosprezadas por todos como pecadoras ou seres
desprezíveis, podiam encontrar a Sri Ma facilmente acessível e eram induzidos a
recuperar-se de seus costumes ruins. Mataji sempre disse: “Quero especialmente a
aquelas pessoas que não tem apoio que as sustente no caminho até uma vida pura.” Não
são raros os exemplos de pessoas completamente ignorantes da vida espiritual que
puderam sentir um impulso que os elevou, mediante a atitude de render-se a Ela. Por
outro lado, se comprovou que muitos pandits instruídos ou adeptos de práticas religiosas
vieram vê-la por alguns dias e logo voltavam cheios de vaidade. Sri Ma disse: “Nada
acontece a menos que haja chegado sua hora: todo mundo obtém o que merece.”

Durante o kirtan encontramos animais tais como cachorros e gatos apertando-se


contra o corpo de Ma, colocando suas cabeças sobre Seu colo ou dando voltas perto
d’Ela, comendo as sobras dos doces que estavam esparramados no recinto do kirtan,
buscando-os como se fossem homens. Podiam-se ver inclusive serpentes venenosas
rastejando ao seu redor. Um dia Girijaprasanna Sarkar observou uma serpente
levantando sua cabeça sobre a de Ma, enquanto estava sentada debaixo de uma árvore
do complexo de Siddheswari, ainda que o espaço ao redor estivesse arrumado e limpo.
Na sala de Niranjan Roy uma serpente seguiu os passos de Sri Ma num quarto do
primeiro andar, iluminado com luz elétrica.

O que Ma diz é tão universal e tão atrativo que as pessoas sentem os desejos e
aspirações mais sublimes expressos em Suas palavras. Cada uma das frases que sai de
Seus lábios ilumina de forma natural um novo horizonte que é glorioso e perdura para
sempre. Ela não entra em nenhuma discussão elaborada ou argumento teórico, nem
tampouco dá com gosto nenhuma instrução ou ordem a ninguém. Uma pessoa obtém
d’Ela tanto quanto seja a intensidade do amor e devoção que a inspiram.
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Há muitos casos nos quais pessoas que se aproximaram d’Ela com problemas
encontraram, para surpresas suas, a resposta para suas dúvidas e dificuldades no curso
da conversa d’Ela com outras pessoas. Numa ocasião Sri Ma foi a Baidyanath Dham e
Brahmachari Balanandi lhe disse: “Ma, abra o tesouro do Teu peito.” A resposta foi:
“Sempre está aberto para todos.”

Alguns de Seus ditos foram publicados em Sad Vani. No decurso de Suas


conversas diárias expressa idéias e pensamentos sobre a vida e a religião em forma de
parábolas e sugestões que provocam sorrisos; que, se fossem recolhidos num volume,
constituiriam um maravilhoso tesouro espiritual. Sri Ma elege os pequenos incidentes
da vida diária como veículos para expressar verdades sublimes e princípios de conduta
humana. Que nossa pequena unidade social seja uma parte e parcela da grande família
de imensos mundos, que todas as criaturas que habitam aqui embaixo se movam através
das tormentas e tensões da vida até a busca do Senhor Infinito da Criação, são verdades
que sempre encontraram expressão através de Suas palavras, sorrisos, canções e hinos,
além de todos os doces aspectos da Sua vida. O que diz ou faz está cheio de sinais para
guiar-nos e é aplicável à nossa conduta em ambas as vidas, a religiosa e a do mundo
cotidiano. Converter uma de suas muitas virtudes no ideal de nossa vida é suficiente
para guiar-nos até a auto-realização. Para aqueles que têm um grande desejo de elevação
espiritual, lhes parece que Ela tomou esta aparência física para o bem estar do homem e
para ajudá-lo em sua luta pela libertação das misérias e aflições que o tem preso aqui
durante séculos.

O tema central de suas palavras e expressões é este: vida e religião são uma só
coisa. Tudo o que faças para manter sua vida, trabalho e atividades diárias, todos
intentos de ganhar a vida, devem ser feitos com sinceridade, amor e devoção, com uma
firme convicção de que a verdadeira vida, na prática, consiste em aperfeiçoar a própria
existência espiritual em harmonia com o universo. Para levar a cabo esta síntese a
cultura religiosa deveria ser tão natural e fácil como comer ou beber quando temos fome
ou sede.

Disse: “Realize com seriedade, amor e boa vontade as tarefas diárias da vida e
tente se elevar passo a passo. Faça com que em todas as atividades humanas exista um
contato vivo com o Divino e não terá que renunciar a nada. Seu trabalho estará então
bem feito e estarás no bom caminho para encontrar o Senhor. Tal como uma mãe
alimenta seu filho com todos os cuidados e afetos possíveis e o faz crescer para que seja
um menino saudável e um jovem formoso, assim também encontrará que os sutis toques
da Divina Mãe modelam sua vida interior e o faz alcançar altura e estatura completa.
Qualquer que seja o trabalho que tenha que fazer, faça com resolução, satisfação,
simplicidade e toda alegria de que seja capaz. Somente assim poderá recolher o melhor
fruto do trabalho. Com a plenitude do tempo, as folhas secas da vida cairão de forma
natural e outras novas brotarão.”

Muitas vezes ouvimos Sri Ma dizer que quando costumava atender Suas
obrigações familiares estava completamente absorvida no trabalho e não tinha o menor
pensamento em seu vestido, comida ou corpo. Dedicava-se por completo as tarefas que
estavam designadas e levava a cabo o cumprimento das ordens de Seus maiores na
família com cuidadoso escrúpulo. Seus vizinhos sempre diziam: “A esta mocinha
recém-casada falta todo sentido comum.”
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Sri Ma disse: “Tal como há um horário para trabalhar no colégio, no escritório


ou na loja, também deveríamos guardar uns poucos minutos das 24 horas do dia para a
contemplação divina, preferivelmente pela manhã e pela noite. Deve-se tomar uma
resolução firme para que este pequeno tempo seja dedicado a Deus por toda a vida.
Durante este período não se deve permitir a nenhuma atividade mundana interferir na
contemplação de Deus. Deve-se determinar uma hora fixa a todos os membros da
família, incluindo os serventes, para a oração ou a meditação. Se esta prática se continua
por longo período, a contemplação divina formará parte da natureza. Uma vez que se
estabeleça o hábito, o curso futuro da vida resulta fácil. Você sentirá a corrente da
misteriosa Graça Divina alimentando todos seus pensamentos e lhe dando nova força.
Depois de duros anos de trabalho você obtém uma pensão ou bônus, de modo que já não
tem mais que ganhar a vida. No reino espiritual a recompensa é muitíssimo maior e
pode ser obtida mais facilmente. Tua pensão terrena expira com tua vida, mas a pensão
divina continua muito além da morte. Aqueles que guardam dinheiro, o armazenam em
alguma câmara escondida de suas casas; somam o que podem juntar de vez em quando
e guardam constante vigilância sobre seu tesouro. Assim também reserve um pequeno
local em tua mente e coração para Deus e sempre arranje uma oportunidade para somar
ao que tem armazenado, na forma de invocação de Seu nome ou de algum trabalho
piedoso ou pensamento divino.”
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Um dia Sri Ma estava ensinando os vários modos que há para saudar a Deus e
disse: “Quando você se inclinar para Deus, deixe-se perder completamente com uma
devoção firme e você obterá alegria e poder. Se não pode fazer outra coisa, pelo menos
pela manhã e pela noite, na hora assinalada, prostre teu corpo, tua mente, tua vida, ante
Ele, como saudação e entrega, e pense n’Ele, ainda que seja só um pouco.” Em conexão
com isto acrescentou: “Há duas classes de pranamas (reverência): uma é oferecer-Lhe o
corpo inteiro e a mente com todos os pensamentos, desejos, impressões dos sentidos,
amor, afeto, devoção, exatamente como ao esvaziar o conteúdo de um jarro inteiro, até
sua última gota. A outra forma é como ao espargir sal através dos buracos diminutos de
um saleiro: a maior parte dos teus pensamentos e desejos fica retido numa câmara
escondida da sua mente e somente se deixa escapar um pouco de sal.”

Pramatha Babu foi transferido de seu posto em Dacca como Chefe Geral dos
Correios. Foi ver Sri Ma para despedir-se d’Ela. A Mãe lhe disse: “Quem saúda quem?
Te inclinas ante ti mesmo.” Ele ficou cheio de assombro e alegria ao ouvir tal
comentário. Em outra ocasião o professor universitário Atal Behari Bhattacharji caiu
enfermo em Shahbag durante a folga do puja. Desejava ardentemente que Sri Ma viesse
vê-lo e lhe desse uma massagem em sua dolorida cabeça, como se fosse sua mãe. Mataji
foi e passou Suas mãos por cima de todo seu corpo, da cabeça aos pés. Uma vez
recuperado, regressou a Rajshahi, seu local de trabalho. Depois de alguns dias
discutiram este incidente em Shahbag. Eu comentei: “Ao cavalheiro faltava sentido
comum e sua inteligência era igualmente pobre. Não vejo com que propósito fez Sri Ma
realizar este serviço durante sua doença.” Tão logo Mataji escutou meu comentário, Seu
rosto mudou de cor. Disse: “Quem quer que eu faça uma massagem nos pés?” Com
estas palavras avançou até mim. Saí de perto e Ela me seguiu. Pitaji interviu e a deteve.
Até agora recordo a cara de menina de Sri Ma iluminada com calor maternal, sempre
ansiosa de atender, tranquilizar e servir a todos Seus filhos. Nesse momento Sj
Shashanka Mohan Mukherji gritou: “Ma, Ma” e caiu a Seus pés.

Em relação a este evento Sri Ma disse: “Do mesmo modo que um corpo humano
tem partes diferentes, como cabeça, mãos, pés, músculos, dedos das mãos e dos pés,
sinto que vocês representam meus diferentes membros. Todos pertencem a um só corpo,
cada um tem um trabalho para fazer, todos da mesma importância.”

Em outra ocasião, o finado Nirmal Chandra Chaterji, de Benares, ofereceu umas


flores aos pés de Sri Ma. Neste exato momento passava um homem que levava flores
numa cesta para celebrar o culto a sua deidade em outro local. Mataji pegou as flores
que havia ganhado e as colocou na cesta. Nirmal Babu lhe perguntou por que havia feito
aquilo. Sua resposta foi: “Todas as pessoas estão adorando a um só Ser, todas as mãos e
pés pertencem a Um Corpo.”

Um dia, ao golpear o chão com um pedaço de bambu, uma mosca morreu


acidentalmente pelo golpe. Com grande cuidado e pesar, Sri Ma a recolheu e a guardou
em Seu punho fechado. Havia muitas pessoas presentes. Passaram-se quatro ou cinco
horas de conversa. Então Sri Ma abriu a mão e falou: “Podes fazer algo pelo bem estar
desta mosca que se foi para o outro mundo?” Eu respondi: “Ouvi dizer que há um céu
dentro do corpo do homem” e engolí a mosca.
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Mataji começou a rir e disse: “O que você fez? Não fica doente uma pessoa ao
comer uma mosca?” Respondi: “Se por Tua boa vontade, a mosca passa a uma melhor
vida, não sofrerei nenhum dano.” E eu não fiquei doente.

Comentando este incidente, Sri Ma disse: “Os insetos, as moscas, aranhas e os


homens, todos pertencem a uma família. Ninguém sabe o que foram, são ou serão e
como chegaram a relacionar-se uns com os outros.”

Eu tinha um amigo muçulmano muito piedoso, o finado Moulvi Jainudd


Hossain. Costumava passar quase todo o tempo em divina contemplação. Uma quinta-
feira à noite fui com ele e Niranjan a Shahbag. O kirtan estava em plena atividade no
Nat-Mandap. Nós três nos mantivemos a certa distância, sob uma árvore, para que não
pudessem nos ver do lugar do kirtan.

Depois de uma meia hora vimos, para nossa surpresa, que Sri Ma saía do hall de
repente, rodeada de devotos que a seguiam com uma lanterna. Veio em nossa direção
com passos rápidos, tocou meu amigo com a mão direita e continuou andando. Nós três
seguimos Seus passos. Havia uma tumba de um santo muçulmano, muito bem
preservada, na esquina de Shahbag. Sri Ma foi ali e adotou as posturas habituais dos
muçulmanos durante suas orações, pronunciando ao mesmo tempo as palavras que eles
utilizam. Meu amigo muçulmano se uniu a eles também. Ao regressar dali, o kirtan
continuou e meu amigo cantou junto com o grupo, bateu palmas com eles e ia dando
voltas. Aconteceu que o homem que estava encarregado da tumba estava ausente
naquela noite e não havia acendido as velas nem oferecido doces, como era costume.
Seguindo instruções de Mataji, meu amigo muçulmano ofereceu batasha (espécie de
doce feito com açúcar e ovos) sobre a tumba e acendeu as velas. Tinha desejo de ver Sri
Ma comendo alguns dos doces. Quando os levou, num prato, Ela comeu alguns deles.
Ele também comeu do prasad oferecido ao final do kirtan. Era um muçulmano ortodoxo
mas tinha um alto conceito de Sri Ma e, depois disso, chegou a ter uma consideração
inquebrantável por Ela.

Por um carinhoso pedido de uma Begun muçulmana, Sri Ma realizou um nemaz


(oração muçulmana) na mesma tumba. A Begun era uma mulher educada. Disse que
havia uma maravilhosa correspondência entre o que disse Mataji e os textos utilizados
durante o nemaz. Mataji disse: “Faz uns cinco anos, quando estava em Bajitpur, vi o
corpo etéreo de um faquir, cuja tumba estava ali. Depois de vir a Shabag tive um
encontro com ele e alguns de seus discípulos. Tinha um porte robusto, de descendência
árabe.” Ao investigar sobre isto, soubemos que era correto.

Uma vez Sri Ma foi à casa de Rai Bahadur Jogesh Chandra Ghosh. Nesse dia
havia kirtan. De repente, observou-se uma mudança n’Ela. A alguns metros de
distância, um jovem muçulmano, vestido como indiano, estava sentado na penumbra,
passando despercebido. Sri Ma abriu caminho entre a multidão, até o jovem, e começou
a cantar “Allah, Allah-há-Allah.” Ao jovem lhe saltaram as lágrimas e ele se uniu a Sri
Ma para rezar as orações habituais. Depois nos disse: “A felicidade e a clareza com que
Sri Ma invocou o nome de Alá está além de nossas melhores possibilidades. Nunca
antes eu havia experimentado tal regozijo como senti esse dia ao pronunciar o nome de
Deus junto a Sri Ma.”
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Sri Ma introduziu o nome de Hari numa família muçulmana muito respeitável.


Enquanto recitavam o nome, lhes saltavam as lágrimas. Tinham grande consideração
por Ma. Em relação a isso, Ela disse: “Os hindus, os muçulmanos e todas as
comunidades do mundo são uma só. Todos adoram a um Ser Supremo e lhe pedem
piedade. O kirtan e o nemaz são um e o mesmo.”

Sri Kali Prasanna Kushari e sua esposa Srimati Mokshada Sundari Devi, a irmã
de Pitaji, amavam muito a Mãe. Em Sua companhia encontraram muito deleite. Numa
ocasião Sri Kushari veio a Dacca mas ficou alojado em outro lugar. Havia falado sobre
questões religiosas com Sri Ma e estava a ponto de partir. Disse, entre risos: “Sua fama
é de ter um grande poder. Se tens tal poder, converta-me em cinzas. ”Dizendo isto,
acendeu umas varetas de incenso e partiu para sua casa, com o incenso nas mãos. Pitaji
e Mataji iam para outro local e todos saíram juntos. O sol esquentava muito. Sri Kushari
cobria Sri Ma com seu guarda-chuva. Os dois caminhavam na frente. De repente
Kushari deu um salto e exclamou: “Ai! De onde chove este fogo sobre minha cabeça?
Está me queimando? Está fazendo de verdade? Por favor, detenha o fogo! Já tenho
suficiente prova do Seu poder!” Para sua consternação comprovou que uma parte do seu
guarda-chuvas estava queimado…

Em outra ocasião diferente, um cavalheiro colocou umas flores a Seus pés. Ela
pegou uma e, indicando as pétalas, o pólen e aludindo a sua essência, ilustrou os
aspectos físicos, astrais e espirituais da vida e fez o povo compreender o jogo eterno do
Divino.

Sri Ma está sempre Se movendo de um local a outro. Em relação a isso disse:


“Encontro um vasto jardim estendido por todo o universo. Todas as plantas e animais,
todos os seres humanos, todos os mente-corpos elevados estão jogando neste jardim de
diversos modos, cada um tem sua própria unicidade e beleza. Sua presença e variedade
me dão grande deleite. Cada um de vocês acrescenta, com suas características especiais,
glória ao jardim. Movo-me de um lugar a outro no mesmo jardim. O que os faz sentir
minha ausência tão profundamente quando me vou desta parte do jardim para a outra,
para alegrar seus irmãos que estão lá?”

Em meados de 1931, enquanto caminhávamos pelos campos de Ramna, Sri Ma


disse: “A oração é uma parte essencial da prática da religião. Seu poder é irresistível; a
oração redime a vida dos seres humanos. Todos os pensamentos e emoções que se
levantam em seu coração deveriam ser oferecidos a Deus. Reze para obter Sua ajuda
com toda seriedade e num espírito de auto-entrega.”

Precisamente nesta época eu estava lendo no jornal que, antes que Lord Irwin
viesse à Índia como Vice- Rei e Governador Geral, ele pediu a opinião de seu pai. Este
último respondeu: “Não se preocupe pelo resultado dos acontecimentos, não temos
controle sobre eles. Reze a Deus e peça que possas antever algo do futuro.” Ambos, pai
e filho, foram à igreja rezar. Quando regressavam, o pai disse: “Terás que ir à Índia.” O
filho confirmou: “Eu também sinto a mesma coisa.”
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Quando Sri Ma escutou isso, falou: “ Este é um bom exemplo da eficácia da


oração. Porém, precisa haver uma fé profunda, como a de um menino. Com a prática
constante os cimentos da fé criam raízes na mente. A oração sincera provém do coração.
Através da devoção, o verdadeiro espírito de oração se desperta em nossas almas,
quando a Divina Graça se manifesta a Si mesma, com os resultados desejados.”

Em outra ocasião disse: “Quando falamos da Graça Divina (Kripa), implica


dizer que algo desce sobre o homem sem nenhuma causa inteligível. Chega a seu devido
tempo, por vontade própria. Vemos que um menino se esquece de sua mãe quando está
muito entretido com um brinquedo, mas a mãe, desde seu próprio amor maternal, se
inclina diante dele e o leva a seu colo. A Graça Divina bendiz os homens do mesmo
modo. O afeto de uma mãe se revela antes que o filho tenha tempo de pensar nela.
Direis que certamente as bênçãos que tem a forma de Graça Divina são o resultado dos
bons atos das vidas anteriores. Desde um ponto de vista pode ser que isto seja certo,
mas desde outro ponto de vista diferente, podemos dizer que, como Deus é
absolutamente livre de todas as cadeias de causa e efeito, não devemos perguntar sobre
Seus motivos. Ainda que tal busca de razões geralmente nos perturbe, Sua piedade
desce equitativamente sobre todos os seres. Quando alguém desenvolve, porém, uma
visão mais elevada, ele começa a sentir o toque Divino. Refugie-se em algo e tente estar
sempre em contato vital com Ele; encontrará o livre fluir de Suas bênçãos sobre tua
alma, tal como o balde cheio de água sai do poço somente quando tiramos a corda na
qual está atado.”

Perguntaram a Ma: “Pode uma pessoa que tenha visto Deus fazer com que
outros O vejam?” Ela respondeu que um homem só pode ter uma visão d’Ele quando
esteja maduro para isso. O que tiver uma visão pode ajudar os outros a tê-la só até certo
ponto. A visão em si mesma só é possível com a Graça de Deus.

Noutra ocasião houve uma discussão sobre as vidas passadas dos homens. Sri
Ma disse: “A reencarnação é um fato. Não há nenhuma dúvida. Quando se retira a
catarata do olho mediante uma operação, se recupera a vista. Do mesmo modo, através
de uma profunda concentração no Divino, quando se recolhe o véu que obscurece nossa
visão e a mente se purifica e se foca no Si Mesmo, o significado dos mantras e das
deidades, as quais são suas formas sonoras, vem até nós e as impressões de nascimentos
anteriores se projetam em nossa consciência. Tal como, enquanto estamos em Dacca,
podemos ter uma imagem mental do que vimos em Calcutá, assim também podemos
projetar uma imagem mais gráfica de nossas vidas passadas em nossa tela mental atual.
Quando os vejo, posso ter a visão de uma série de imagens de suas vidas passadas.”

Um dia, quando estávamos em Calcutá, um cavalheiro e sua esposa vieram ver


Sri Ma com seu filho de uns sete anos. Ao ver o menino Ela disse: “Este menino esteve
relacionado com este corpo como irmão, em sua vida passada.” Um irmão de Sri Ma
morreu muito jovem. Tinha um grave problema no braço, que era dobrado. O garoto
mencionado também tinha o braço curvado.

Às vezes Sri Ma mostra um valor maravilhoso e uma disposição veemente. Não


há rastros de medo n’Ela. O que quer que diga, deve fazer-se. Quando se permite que
Seus pensamentos ou ações funcionem sem nenhum tipo de protesto ou impedimento,
ele contribui ao bem estar da humanidade. Se for obstruído, se produz dano. Nos anos
de Sua juventude exemplos deste tipo ocorriam com frequência.
55

Quando tinha uns quatro anos, costumava ir à casa de Sua bisavó com uma
panela para pegar requeijão batido. Um dia, encheu a panela até quase derramar, o que
irritou a ancião, que disse: “você come requeijão demais, hoje não vai levar nada!” Tão
logo pronunciou a ameaça, a anciã viu, para sua consternação, que se abria um buraco
na panela e todo o requeijão saía pelo orifício. Ela olhou o rosto de Nirmala com
assombro. Depois desse incidente Ela sempre era chamada para que levasse o
requeijão, inclusive quando chegava tarde.

Vimos Sri Ma tornar-se tão severa como um raio, ainda que Ela seja por
natureza tão doce e terna quanto uma flor. Numa ocasião foi tão dura comigo por falar
sem pensar que me ordenou: “Vamos, suma da minha vista!” Noutro dia em que a
desobedeci ao resultado foi que guardou silêncio durante alguns dias. Houve muitos
exemplos nos quais fui o bastante afortunado para receber Seu mais alto castigo. Se
alguém faz o mal e expressa seu arrependimento, Seu doce e compassivo olhar irradia
uma graça tão inefável que a mente do transgressor muda por completo e se torna pura e
feliz. Mas se tem a mente agitada com medo, e orgulho para com Suas palavras, até que
não haja arrependimento sente-se uma terrível angústia.

Uma vez Pitaji se pôs do meu lado e intercedeu por mim, mas Mataji disse: “O
castigo severo é concedido para aqueles que são capazes de suportar. Se queres retirar
uma árvore, no começo deves usar um machado, depois podes usar um facão ou
canivete para cortar os ramos e talos. Assim, o castigo há de ser severo ou pequeno,
segundo a necessidade do caso.”

Há demasiados casos para mencionar a todos, nos quais meninos e meninas,


homens e mulheres, obtiveram ajuda e alívio, direta ou indiretamente, em situações de
enfermidades, em seus negócios ou profissões, em seus exames ou seleção de estudos,
bodas e outros. Para liberar as pessoas das enfermidades da vida, fazia feridas em seu
próprio corpo ou pegava para Si o sofrimento dos pacientes. Tais casos são inumeráveis.
Também há frequentes exemplos de pedidos de desconhecidos, cujas notícias chegavam
por terceiros, que produziam uma imagem em Sua mente do sofrimento que padeciam e
eram aliviados de sua aflição. Sri Ma nos disse que quando escuta orações para a
melhora de uma pessoa, o alívio de alguma forma lhes chegava. Muitas pessoas a viram
em sonhos e sentiram Suas bênçãos em aflições ou enfermidades.

Os pais de uma criança que tinha paralisia se aproximaram de Mataji buscando a


cura. Pediram à menina que rodasse pelo chão. A menina não podia mover-se, nem
sequer rolar pelo chão. Sri Ma estava cortando nozes de betel em pedaços pequenos,
para venerar uma deidade. Jogou uns pedaços para a menina e lhe pediu que esticasse a
mão para pegá-los. Com grande dificuldade conseguiu pegar alguns. Depois disso a
família se foi. Em casa, a menina ficava na cama. Na tarde seguinte, ao escutar um
estrondo de um carro que passava, saltou de repente da cama e correu até ele. Depois
disso começou gradualmente a mover-se.
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Certo dia uma carruagem seguia pela estrada, atravessando os campos de


Ramna. Sri Ma pediu que eu a parasse e subiu nela. O condutor, que era muçulmano,
lhe perguntou ‘aonde quer ir?’ - “Até tua própria casa”, foi a resposta. Sem dizer uma
palavra, seguiu até sua casa. Ao chegar nela, descobrimos que havia um ancião que
estava a ponto de morrer; os parentes choravam ao seu lado. Sri Ma pediu que eu
trouxesse alguns doces, que foram distribuídos entre os presentes e então partimos.
Soubemos mais tarde que o ancião havia se recuperado.

Sri Ma tinha também outras maneiras de dar alívio aos que sofrem. Pediu a um
enfermo que fechasse os olhos ao anoitecer e pusesse as mãos sobre algo. Levando a
cabo Suas instruções, se recuperou. Às vezes pedia a um paciente que comesse a comida
que haviam preparado para Ela e Ela comia a comida do doente. Em casos de febre ou
de problemas graves do estômago, os pacientes que seguiam os conselhos de Sri Ma
comiam comida que não era considerada benéfica pelos médicos, com o resultado que
recuperavam sua saúde anterior em muito pouco tempo.

Quando meu filho tinha uns quinze anos, sofreu de disenteria durante 10 ou 12
dias. Sri Ma veio vê-lo, numa noite. Desde esta noite começou a recuperar-se, mas Ma
teve disenteria durante alguns dias. Também se sabe que pacientes que não estavam
destinados a vir vê-la violavam as indicações da Mãe, ou involuntariamente ou por
engano, pressionados pelas circunstâncias a não segui-las. Em tais casos o resultado
final era previsível, segundo a forma de ser de Mataji. Os Sastras hindus dizem que os
resultados de nossas ações passadas, nesta vida ou em vidas anteriores, só podem ser
neutralizadas com um trabalho firme nesta vida, com a ajuda da Graça Divina. Mas um
trabalho que provoque a intervenção divina é muito difícil de realizar a não ser que
algum santo, por compaixão, se preste voluntariamente a tais esforços.

Sri Ma disse: “Enquanto virem este mundo objetivo, a criação existe para vocês.
Há conflito, na medida em que prevaleçam as noções de tu e eu, felicidade e desgraça,
luz e escuridão. Ponha ênfase em ações que sejam expressão de tua verdadeira natureza,
de teu próprio dever inato como ser humano. Quando renunciar as atividades inspiradas
pelos sentidos e pelos impulsos exteriores, teu ser interior (Anteratma) se despertará.
Então você poderá fixar seu olhar no Ser Supremo e ficará livre da atadura da visão que
percebe o mundo da dualidade.”

Nos primeiros anos de vida de Sri Ma, as oportunidades para Sua educação eram
bem escassas e tampouco Ela prestava muita atenção a isto. Era considerada uma aluna
brilhante em sua classe. Desde a infância não lia livro algum nem praticava caligrafia.
Ainda assim Seus conhecimentos básicos tinham grande solidez. Aquilo que estudava,
dominava a fundo.

Um dia perguntou: “O que é Itália?” Poucos dias depois um professor


universitário italiano, chamado Tucci, veio vê-la em Shahbag. Tinha vindo visitar a
Universidade de Dacca. Fez uma pergunta em inglês, traduzida para Ela em bengali.
Mas antes que tradução terminasse, Ela já havia respondido em sânscrito.

Pedimos-lhe varias vezes que nos desse uma mostra de Sua caligrafia em
bengali. Disse: “Não escrevo nada que tenha um propósito. Quando chegar o momento,
pode ser que você consiga.” Afortunadamente, em 1930 recebemos a mostra.
57

Há muitas fotos de Sri Ma, seu número pode ser de milhares. O que é
surpreendente é que não haja duas iguais. Sj Subodhi Chandra Dasgueta, de Dacca e Sj
Shashi Bhushan Dasgueta, de Chittagong, entre outros muitos fotógrafos, tem feito
numerosas fotos. Em Outubro de 1926 Shashi Bhushan veio a Dacca durante a
celebração do Durga Puja e alguns de nós fomos juntos a Shahbag tirar uma foto de Sri
Ma pela manhã.

Ao chegar lá, aconteceu de ninguém saber onde Ela estava. Finalmente


descobrimos que Ela estava num quarto escuro, em estado de Samadhi. Shashi Bushan
iria embora nesta mesma tarde, por isto estava muito impaciente por fazer a foto de Sri
Ma pela manhã. Fizemos um pedido especial a Pitaji que se aproximasse para pedir-Lhe
permissão.

O mesmo, com minha ajuda, tirou Sri Ma do quarto e a sentou para ser
fotografada. Ela estava, entretanto, num estado de auto-absorção, com Seu corpo e
membros frouxos. Suspeitando que poderia mover-se durante a exposição, Shashi
utilizou 18 placas. Depois, foi para Chittagong. Mais tarde nos escreveu para dizer que,
das 18 placas só a última tinha dado um bom retrato; nas outras havia uma esfera de luz,
em forma de lua, na frente de Sri Ma e, o que era mais estranho, minha figura aparecia
atrás d’Ela, embora eu estivesse fora do campo da câmera. Dou aqui um extrato da carta
que me escreveu Shashi Bhushan, muito tempo depois:

“Enquanto as fotos de Ma eram tiradas, carreguei seis placas de cada vez, em


três turnos, totalizando 18 fotografias. Nas primeiras placas não havia impressões, só
uma esfera de luz cobria cada placa. As seguintes mostravam alguns contornos
borrados; somente na última placa a figura de Ma saiu com todo seu relevo. Você estava
bem longe do alcance da câmera e ao lado dela. Dali você me fazia sinal para que
abrisse a exposição. Desde o começo me sentia nervoso ao fazer as fotos, pois tinha a
obscura suspeita de que as coisas não iam bem, o que me produzia muito mal-estar.
Quando se expôs a última placa, senti meu coração inundar-se de alegria. Nesse
momento comecei a aproximar-me dos pés de Ma, como meu único refúgio. Durante
aqueles dias o incidente mencionado acima me deixou quase angustiado.”

Quando recebemos a foto em Dacca, as pessoas suspeitavam que havia um


truque de fotografo na revelação. Mas quando abordaram Sri Ma para falar sobre o
assunto, Ela se expressou da seguinte forma: “Quando este corpo estava num quarto
escuro, num estado de quase congelado, o quarto inteiro estava iluminado. Quando
tiraram este corpo à luz do sol, o resplendor estava ali, mas gradualmente se foi
encolhendo até converter-se numa esfera de luz à minha frente. Tinha a impressão, na
mente, de que neste momento Jyotish estava de pé, atrás de mim. Agora são vocês que
tem que julgar o que foi feito para que a foto tenha saído como saiu.”
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59

ASHRAM

Todo mundo sentia necessidade de que houvesse um Ashram em Dacca. Fui a


Shahbag numa noite iluminada pela lua. Sri Ma disse: Vamos dar um passeio pelos
campos.” Pitaji, Mataji e eu saímos, nos sentamos sobre a relva perto de um local onde
havia um edifício em ruínas (o lugar atual do Ashram de Dacca). De modo natural, disse
a Ma que Shahbag era propriedade do Nawab (Governador de Província) de Dacca e
não nos seria possível celebrar ali puja, kirtans, etc, por muito mais tempo, era
necessário começar a construir um Ashram. Sri Ma respondeu: “O mundo inteiro está
cheio de ashrams, o que você fará com um novo?” Eu respondi: “Não precisamos de um
grande projeto, só queremos um lugar pequeno onde possamos nos reunir ao redor dos
Teus pés benditos e cantar kirtans.” Pitaji me apoiava. Ma disse: “ Se vocês sentem
vontade de erigir uma construção deste tipo, o solar da casa velha que vemos ali seria o
melhor. É seu velho lar.”

Riu e permaneceu em silêncio. Nessa época havia um templo de Shiva em ruínas


situado entre montes de lixo, ladrilhos e pedras, com mato ao redor. O lugar estava
infestado de serpentes. Depois que o edifício do Ashram foi construído vimos muitas
serpentes grandes ali. Naquela época Sri Ma costumava oferecer leite e bananas no
templo abandonado, em determinadas ocasiões.

Numa segunda-feira ofereceu leite puro com cinco ou seis bananas, numa panela
de barro. Depois de sete dias, por volta das 21:00h, Sri Ma encontrou ali o leite e as
bananas exatamente nas mesmas condições de quando as ofereceu. Nem uma só
formiga havia tocado a panela. Ma disse que tomaria um gole dele. Muitas pessoas
tentaram detê-la, pensando que o leite poderia estar contaminado. Mas Ela tinha que
fazer da Sua maneira. Bebeu um gole e muitos tomaram Seu prasad. O que sobrou no
recipiente permaneceu ali. Na manhã seguinte descobriram que todo o conteúdo havia
sido tomado, sem sobrar nenhuma gota.

Ao perguntar, nos informaram que o templo de Shiva e as terras adjacentes eram


de propriedade do Ramna Kali. Quando abordamos o sacerdote Sj Nittananda Giri, o
mesmo disse que não se desfaria da propriedade por menos de 6.000 rupias.

Quando Niranjan foi transferido a Dacca, meses mais tarde, tentamos reunir o
dinheiro, mas não tivemos êxito. Até princípios de 1927 fiquei de cama, por causa de
uma doença grave. Um dia Niranjan veio ver-me e disse que o Zamindar (coletor de
impostos) de Gouripur, Sj Brojendra Kishore Roy Chowdhury havia enviado 1.000
rúpias.Niranjan acrescentou: “Primeiro tente se recuperar, depois faremos um esforço
para reunir mais fundos.” Niranjan coletou, gradualmente, mais dinheiro, mas
Nittananda Giri insistiu em que lhe pagassem 6.000 rúpias pela propriedade. Depois de
sofrer por mais de um ano e meio, retomei minhas obrigações no Departamento
Agrícola de Dacca. Inspecionamos muitos terrenos para construir um Ashram, mas
nenhum parecia mais adequado que o sugerido por Sri Ma. Estávamos em apertos.
60

No começo de 1929 Ma estava em Calcutá. Sriman Banoy Bhushan Baneerji foi


até lá e teve uma conversa com Ela sobre o começo do Ashram de Dacca. Quando
regressou me contou sobre sua conversa com a Mãe e minhas esperanças renasceram.
Um dia decidi que deveria ver o sacerdote do templo de Ramna e efetuar por fim a
compra de uma parcela. Quando saí de casa vi a imagem de Ma flutuando sobre minha
cabeça, o que me fez ter fé de que meus propósitos se levariam a cabo. O sacerdote
disse: “Já que vocês são incapazes de pagar cem por cento da soma requerida, façamos
um contrato de arrendamento de 500 rúpias com 300 rúpias de renda anual. O templo de
Kali também é de vocês. Posteriormente podemos fazer um arranjo permanente.”
Depois de uma longa discussão decidimos finalmente arrendar a parcela, por enquanto.

Naturalmente muitos não gostaram deste tipo de arranjo. Porém, se tínhamos


que estabelecer algum Ashram, o local escolhido parecia ser o mais apropriado para dito
propósito. O Ashram era para Sri Ma, nós acreditamos que Ela faria tudo o que era
necessário para isto. Não havia nenhum sentido especular sobre o futuro. Com estas
idéias na cabeça, alugamos a parcela de terra nos termos que nos foram oferecidos. Sri
Mathura Nath Basu, Nishikanata Mitra e Brindavam Chandra Basak, principalmente,
tomaram parte na transação. Em 13/04/1929 pedimos a Sri Ma que pusesse Seus pés
sobre o local em ruínas. Niranjan, naqueles dias, estava chorando a perda prematura de
sua esposa, mas se refez para estar presente na ocasião. Uns dois meses mais tarde
também abandonou este mundo. Com o dinheiro que se conseguiu em coletas, se
puseram os cimentos do Ashram. Onde quer que ele e sua esposa se encontrem agora,
no outro mundo, sua conexão com Sri Ma continua até hoje. Ao menos assim acredito.

Com respeito ao Ashram, Sri Ma disse: “Um Ashram quer dizer um lugar
sagrado que inspira pensamentos divinos no ser humano. Todos seus residentes devem
se esforçar muito por manter a atmosfera pura, mediante oração contínua, sadhana,
pensamentos nobres, meditação e discursos religiosos. Num lugar assim bastaria haver
algumas poucas cabanas cobertas de palha para que os residentes vivessem nelas.” E foi
devido a isto que uma pequena cabana foi erigida para Ma.

Os movimentos de Sri Ma e o jogo de Seus diversos estados de ânimo vão além


da capacidade de compreensão humana. É inútil tentar impedir o que Ela se propõe a
fazer ou perguntar por que Sua ação toma um determinado curso. Em dois de Maio de
1929, Sri Ma entrou no novo Ashram de Ramna. Havia gritos por todas as partes. Sj
Baul Chandra Basak trouxe grinaldas e pulseiras de flores e vestiu a Sri Ma como
Krishnaji. Ela também parecia estar num estado de ânimo lúdico. Mas eu permaneci
alheio, observando Seus movimentos. Pareceu-me que, em alguma parte, estava
espreitando misteriosamente a sombra de uma nuvem. O sorriso e a visão de Ma
pareciam estar indo à deriva, até lugares longínquos. Regressei a minha casa às duas da
manhã. No dia seguinte, ao anoitecer, Pitaji visitou nosso lado do povoado. Alguém
veio com o recado de que Pitaji era chamado no Ashram imediatamente. O acompanhei.
Seriam umas dez e meia da noite. Encontramos todo o povo do Ashram bastante triste e
deprimido. Uma sombra de ansiedade escurecia todos os rostos. Sri Ma estava sentada
ao ar livre, fora dos limites do Ashram. Disseram-nos que havia saído do Ashram logo
ao anoitecer. Havia passado todo o tempo dando voltas pelos campos.
61

Ao ver Pitaji, Mataji disse: “Deixe que este corpo viaje com seu pai; você pode
permanecer, por favor, no Ashram.” Pitaji, depois de muitos protestos, deu seu
consentimento e disse impulsivamente: “Faça-se Sua vontade.” Muitos acompanharam
Ma até a estação. Pitaji e eu ficamos, mas depois de um tempo fomos para lá também.
Pitaji tentou, por todos os meios, fazê-la desistir do projeto, expressando sua
desaprovação, mas Ma permaneceu firme.

O trem para Mymensingh estava pronto. Sri Ma entrou. Pitaji me pediu que
subisse em outro compartimento, a não ser que Ma não quisesse. Obedecendo estas
instruções, a acompanhei.

Depois de partir para Mymensingh à meia noite, vestido só com uma tanga e
sem poder informar a ninguém de minha família sobre minha saída repentina, houve
uma grande luta em meu coração. Mau encontro palavras para descrevê-la. O sol é
chamado de fonte de toda a vida e atividade e, ao terminar a noite, com os raios de sol
matinal, as exigências do escritório e da vida familiar reavivaram a lembrança de
infinitas obrigações que me estavam aguardando. Que escravos da rotina somos! As
cadeias do mundo são demasiado rígidas e sutis para serem rompidas. Minha mente
estava estranhamente nublada de pensamentos obscuros sobre as obrigações deste dia,
inclusive sobre quando eu teria a oportunidade única de sentar-me aos pés de Sri Ma.
Ano após ano eu havia desejado tocar estes pés e Ela havia me tirado, praticamente, das
portas da morte. Parecia-me que nossa atenção, reverência e amor não eram senão
impulsos emocionais fugazes; em realidade veneramos secretamente nossos desejos
egoístas. Sri Ma disse: “Vossas expressões de amor e reverência flutuam sobre vosso
corpo como brisas de vento. A não ser que uma câmara interior de vossa alma se abra,
para deixar que entre uma corrente livre de verdadeira devoção, como podereis oferecer
a verdadeira coisa em lugar da mera aparência?”

Ao chegar a Mymensingh perguntei a Ma: “Onde gostaria de ir agora?” Sua


resposta foi: “Até as colinas.” Eu respondi: “A estação de chuvas está bem entrada. Será
recomendável ir às colinas com Seu velho pai nesta época? Se você quer passar um
tempo em retiro, vamos ao Cox’s Bazar, na costa.” Sri Ma permaneceu em silêncio.

O que ocorre normalmente é que Ela dá uma instrução ou sugestão só uma vez.
Se a cumprimos em seguida, sem vacilar, acaba sendo o melhor para nós; ao contrário
ou ficamos decepcionados com o resultado ou caímos em dificuldades imprevistas.

Conversamos entre nós sobre onde deveríamos ir e decidimos partir para o


Cox’s Bazar no trem da noite. Ao chegar à estação de Ashgunj, havia uma severa
tormenta. Sri Ma disse: “A fúria desta tormenta é uma insignificância comparada ao que
você verá amanhã.” Em Chittagong embarcamos no vapor para Cox’s Bazar. Quando
chegamos ao mar, na boca do Karnakuly, levantou-se uma severa tormenta. Havia um
vai e vem considerável. As ondas começaram a passar sobre a cobertura. Os passageiros
gritavam de medo, mas a alegria de Sri Ma diante da visão do mar agitado não tinha
limites.

Contemplando o jogo da tormenta com as ondas, disse: “Escute o kirtan


ininterrupto que está acontecendo! Se o homem deseja assegurar sua elevação espiritual,
deve recordar constantemente o nome de Deus, cantar a Sua Glória e tentar escutar Sua
poderosa voz através de todas as desordens da vida neste mundo.”
62

Fomos do Cox’s Bazar a Adinath. Sri Ma ficou ali e eu regressei a Dacca.


Depois de alguns dias Pitaji foi a Adinath e levou Mataji a Calcutá. Dali Ela continuou
com Seu pai até Haridwar.

Mais tarde viajou a Dehradun, Ayodhya, Varanasi, Vindhyachal e Nawadwip.


Dali regressou a Calcutá com Pitaji e depois continuou até Chandpur. A encontrei
quando Ela ia de Nawadwip a Calcutá. Soube que então se encontrava comendo só
algumas frutas e um jarro de limonada e que levava já vários dias assim, atirada ao solo
dia e noite, absorta em Suas próprias meditações. Também me dei conta de que se
movia mecanicamente, como uma boneca arrastando um corpo feito de argila mas
dirigido por uma mão invisível. Ao encontrá-la neste estado cheguei à conclusão de que
quando a Divindade adota um corpo visível na terra, tem que se comportar como um
mortal comum em obediência às leis deste mundo material ilusório.

Depois de alguns dias Mataji e Pitaji vieram de Chandpur a Dacca e ficaram ali,
no Ashram de Siddheswari. Pitaji caiu gravemente doente. Após muito sofrimento,
quando se encontrava a caminho de recuperar-se, Mataji caiu de cama. Isto já foi
descrito antes.

Em Outubro de 1929 a imagem de Kali foi transportada a uma nave de ferro


ondulado, construída para este propósito no Ashram de Ramna. Em 1930 roubaram
todos os adornos de ouro da deidade, chegando o ladrão a quebrar-lhe o pulso.

Surgiram dúvidas sobre se a imagem quebrada podia ser venerada. Consultaram-


se muitos pandits sobre este ponto. Mahamahopadhyaya Panchanan Tarkaratna disse:
“Já que a imagem de Kali não foi submergida por ordem de uma pessoa santa depois do
puja anual, também se deveria seguir suas indicações neste caso especial. Ainda que sob
circunstâncias normais não se permite a veneração de uma imagem quebrada.” De
acordo com a indicação de Sri Ma a imagem foi restaurada e venerada.

Muito tempo antes, quando eu disse a Sri Ma que a construção do templo era
necessária para alojar a imagem de Kali, Ma respondeu: “Espere mais um ano.” Passado
um ano desta resposta, no começo de 1931, graças aos esforços de Bhupati Nath Mitra e
Nagendra Nath Roy, a pedra fundamental do templo foi colocada. Quando se cavou
para a colocação dos alicerces descobriu-se quatro ou cinco tumbas, grandes e
pequenas, cada uma das quais contendo um esqueleto, alguns sentados e outros
deitados.

Com relação a isto Sri Ma disse: “ Todo este lugar tem uma santidade própria,
por haver sido residência de Samnyasis no passado. Você foi um deles. Vi alguns dos
santos movendo-se nos campos de Ramna. Estes sadhus desejam que se construa algum
templo sobre suas tumbas para que os homens possam vir e rezar a Deus aqui e manter a
pureza do lugar, para o benefício de todos. Por essa razão este local foi escolhido para
você levantar um Ashram. Os que participam da tarefa precisam ter tido algum tipo de
associação com os finados santos.”

Perguntei a Ma: “Se eu fui um samnyasi, por que tenho que trabalhar tão
penosamente agora?” Sua resposta foi: “Até que o fruto do carma se esgote temos que
continuar o trabalho que não terminamos.”
63

Enquanto Ma estava em Shahbag, antes que o Ashram de Dacca fosse


começado, havia kirtan quase toda noite. Prolongava-se até muito tarde nos dias de lua
cheia ou nova. Um dia de lua cheia eu estava deitado em minha cama. Eram onze da
noite e eu estava muito desperto. Durante longo tempo uma doce melodia chegava
flutuando a meus ouvidos, repetindo estas duas estrofes:

“Hare Murare Madhukeitabhare,


Gopala, Govinda, Mukunda Saure”

Ocorreu-me pensar que Sri Ma estava cantando esta canção em Shahbag. Soava
como Sua voz. Na manhã seguinte soube que Ma havia realmente cantado estes versos.
Cantou somente estas duas estrofes, várias vezes.

Senti-me realmente desgraçado. Ainda que Sri Ma tentasse atrair-me para a


beleza divina do kirtan, pouco interesse por isso eu demonstrava.Uma noite fui a
Shahbag com Niranjan. Havia kirtans. Ma disse: “Aqueles de vocês que não tenham
participado no kirtan, cantem juntos o nome de Deus.” Niranjan e eu cantamos com
vozes muito apagadas, quase inaudíveis, devido a nossa timidez natural. Mas eu senti
um sincero remorso por não haver podido levar a cabo os desejos de Ma por completo.

De repente Ela disse: “Hoje é sábado, amanhã será domingo. Por que vocês não
se sentam juntos algumas horas da noite cantando kirtan?” Niranjan regressou a sua
casa. Eu passei toda noite em Shahbag cantando kirtan. Nas primeiras horas da manhã
Ma começou a cantar, com uma melodia madrugadora: “Hari, Hari, Hari, Hari, Hari,
Hari, Hari bol”

Despertou em mim uma nova inspiração. Deste dia em diante pude sentir que, na
cultura religiosa, o kirtan era um lugar muito mais elevado que outros ritos e práticas
religiosas. A prática atual de cantar kirtan no Ashram toda noite de sábado começou em
Novembro de 1926. Nesse dia, junto ao nome de “Hari” se acrescentou, pela primeira
vez, a palavra “Ma” (Mãe). Em poucos dias se organizou o kirtan por turnos, nas casas
de alguns devotos, cada casa num dia da semana.

Durante o kirtan em Shahbag as palavras “Hari bol” figuraram de forma


proeminente. Cheguei a sentir que, desde que Sri Ma é o objetivo supremo de nossos
pensamentos e adoração, todas as orações da nossa alma são dirigidas a Ela e, portanto,
a palavra “Ma” deveria ser um elemento básico do nosso kirtan. Expressei esse
pensamento a algumas pessoas, mas não prestaram atenção no que eu disse. Eu mesmo
não podia cantar bem. Assim, tive que abandonar esta idéia por algum tempo.

Quando Sriman Anathbandhu e Bramachari Kamala Kanta se uniram ao Ashram


de Dacca, lhes pedi que introduzissem gradualmente a palavra “Ma” nos kirtans. Nessa
época Sj Kulada Kanta Banerji veio a Shahbag. Sentia um profundo respeito pela
realização de ritos e rituais hindus e estava bem versado neles. Ele também duvidou na
hora de introduzir tal inovação no kirtan. Em todo caso, combinaram-se os nomes de
“Hari” e “Ma” em algumas canções. É realmente difícil alterar os hábitos estabelecidos,
a maquiagem mental e os ânimos da expressão. Especialmente nos assuntos religiosos,
permitir-se pensar segundo os cânones habituais é um assunto bastante fácil para a
maioria do povo. Além disso, libertar-se das cadeias da tradição requer uma força de
vontade considerável.
64

Nessa época eu raciocinava desta maneira: “tentamos concentrar nossa atenção


na figura de Ma, todos nossos desejos nos conduzem a tocar o pó dos Seus sagrados
pés. Uma imagem de Sua face flutua sobre o olho de nossa mente, nossas orelhas se
esforçam ao maximo para gravar cada uma das sílabas de Seus lábios, todo nosso amor
e reverência fluem numa corrente continua até Sua Graça. Em tal estado mental, se
durante o kirtan cantamos “Prana Gouranga Nityananda (Gouranga, Nityananda é
minha vida), Eso he Gour, boso he amar hriday prangane (vem, oh Gour, instale-se na
câmara do meu coração)” e rodamos sobre o solo esmagados pela emoção, pode haver
harmonia e ritmo entre nossa canção e o fluir do nosso amor e reverência?”

O objetivo de toda veneração ou concentração é o de dar a todas as múltiplas


tendências uma única direção, desviar todos os desejos débeis e dispersos até o Ser
Divino que se venera. Sob estas circunstâncias se, em vez de permitir que nossos
sentimentos e pensamentos escapem flutuando em belas metáforas do passado remoto,
evocados em temas, toadas e melodias variadas de canções tradicionais, tentarmos nos
concentrar na presença viva da Mãe através de pensamentos, melodias e canções que
levem Seu nome e Suas metáforas pessoais, que tem um atrativo constante para todos
nós, uma nova inspiração reavivará nossa adoração e kirtan. Poderemos alcançar a
concentração e atrair Sua Graça.

Se temos a intenção de ser verdadeiros devotos de Sri Ma, deveríamos ser


capazes de reavivar no kirtan, apenas com o nome de “Ma”, o ardor, a força, a beleza e
a harmonia dos compositores Vaisnavas de antes. A palavra “Ma” é uma palavra que se
forma espontaneamente nos lábios das crianças desde seu nascimento. É o derivado
natural de “OM” e é o alento da nossa vida. O primeiro pranto de um bebê quando
emerge da matriz de sua mãe é “om-ma”, que é o mesmo que Om. É o único som-
simbolo que todos os seres humanos têm para atrair a atenção da mãe sobre seu filho.

Se acreditamos realmente que Sri Ma é a deidade que preside nosso mundo,


então um kirtan com o nome de Ma deveria ser o modo mais fácil e natural de
veneração para nós.

Nesta época compus a seguinte canção, acrescentando o nome de “Ma” ao kirtan


habitual. Sua tradução é essa:

“Na alegria e na dor, na felicidade e na desgraça


chame Ma, Ma, Ma, Ma, Ma,
Quando o bebê sai da matriz de sua mãe
a mãe o coloca em seu colo
e o inicia no mantra Om.

Aprenda a balbuciar Ma, Ma, Ma


aprenda a colocar-se de pé sobre suas próprias pernas
e chegarás gradualmente a esquecer a primeira palavra
com a qual começou sua vida.

Por isso busque nos Vedas e Tantras


para encontrar o limite da ilimitada “Ma”
se alguma vez desejas conhecer a verdade
do teu coração.
65

Funda todos os nomes e formas no mantra “Ma”


diga sempre Ma, Ma e deixe que teus olhos
nadem inundados de lágrimas
Encontre em Sri Anandamayi Ma o refúgio final
da viagem da tua vida.”

No começo de 1928 eu estava em Giridih. Uma manhã vieram me ver Mataji e


Pitaji. Sugeri-lhes que nosso Ashram devia ter uma maneira especial de oração, com um
som-símbolo divino específico, como todo Ashram tem sua forma específica de kirtan.
A pessoa única ao redor da qual todas as atividades dos Ashrams giram, deveria servir
como centro para dar uma direção unitária a todos os bhajans e kirtans que se celebram
ali. Quando se estabelece esta harmonia, nossos esforços de elevação espiritual recebem
um novo impulso. Compuseram varias canções de kirtan com a combinação de “Hari” e
“Ma” e se estabeleceu que se deveria enviar uma canção a Kulada Dada, em Dacca.
Depois da partida de Sri Ma, quando eu estava a ponto de enviar-lhe uma canção, senti
uma urgência interior de tentar uma melodia nova, exclusivamente com o nome “Ma”.
Os coros saíram de seguinte forma:

“Ma, Ma, Ma, Ma, Ma,


Chame (dako) Ma, Ma
Diga (bolo) Ma, Ma
Cante (gao) Ma, Ma
Adore (bhajo) Ma, Ma
Repita (japo) Ma, Ma
Chame, diga, cante, adore, reze Ma, Ma, Ma”

Quando a enviaram a Kulada Dada em Dacca, escreveram-me para dizer que a


composição havia impressionado muito e que a haviam introduzido no kirtan do
Ashram.

Este foi o começo de uma nova forma de kirtan, com o som-símbolo “Ma”. Sem
um desejo entusiasta por obter a Graça da Mãe durante Sua ausência, não se poderia ter
realizado. Quando se compuseram estas canções, Sri Ma estava longe de Dacca durante
vários meses. Seus devotos estavam atravessando uma dor aguda pela separação. O
intenso desejo de voltar a ter Ma entre eles fez com que aquelas orações fossem tão
doces e comoventes!

Depois que se construiu o Ashram de Ramna, cantou-se durante o tempo de


bhajan os hinos sânscritos que haviam emanado dos lábios de Sri Ma durante Seu
estado de profunda concentração. No final de 1931, Ma me chamou a seu lado e disse:
“Os hinos recitados nos bhajans estão incompletos, devido à sua incapacidade de anotar
todas as palavras que saíram dos meus lábios. Você não pode tentar fazer outra
composição?”

Segui Sua sugestão e cheguei à conclusão de que uma canção em bengali teria
maior atrativo do que uma em sânscrito para uma congregação bengali. Inspirado por
Ela, a seguinte canção tomou forma, numa noite, por volta das três da manhã. A
tradução é a seguinte:
66

“Glória a Ti, Sri Anandamayi Ma


sagrada e eterna moradora do coração.
Teu brilho, Mãe Nirmala, ilumina o Universo.
As virtudes celestiais irradiam de Ti, oh Mãe
Rainha de Glória Divina.
Gouri, Svaha, Suadha, Om eres Tu, oh Mãe.

Divinamente agraciada, és a Realidade Absoluta


beleza suprema e perfeita, oh Mãe
O sol e a lua adornam Teu rosto
os céus infinitos coroam Tua cabeça
o universo inteiro é Tua forma gloriosa, oh Mãe.

Tu és o brilho das riquezas do mundo


doçura encarnada, radiante de esplendor, oh Mãe
És encantadora como Lakshmi é para Vishnu
és paz, tranquilidade e misericórdia
Todos os deuses e deusas emanam de Ti, oh Mãe.

Doadora de felicidade e benção, concessora do amor,


sabedoria e liberação és Tu, oh Mãe
Dando a luz ao mundo, Tu és a que o cuida e preserva
e finalmente o devolve a Ti.

Tu és a alma de todos os mantras,


a reveladora dos Vedas
impregnando todo o universo, oh Mãe.

Estás feita de formas e qualidades


e, não obstante, também és informe
e mais além de toda descrição,
radiante de amor e felicidade, oh Mãe.

Comovido por Seu toque, o universo inteiro


animado e inanimado, canta eternamente em Teu louvor, oh Mãe
Unamo-nos todos e, desde nossos corações
ofereçamos obediência a Teus sagrados pés
Salve, salve e de novo salve a Ti, Mãe.”
67

A CAMINHO DE UMA NOVA VIDA

Desde meu primeiro encontro com Sri Ma, seu sempre alegre, simples e
tranquilizador semblante inundou minha vida de um encanto tão inefável que, inclusive
em meio a várias distrações e emoções que passei, cheguei a esquecer minhas
preocupações e tentações.

Um só desejo me consumia: obter uma partícula de Sua Graça. Como as ondas


que sobem, agitando-se no oceano, houve uma profunda explosão em meu corpo, cujo
estrondo buscava noite e dia Seus pés, afogando todos os alvoroços mundanos. Às
vezes, se eu pudesse gritar “Ma, Ma”, como um homem louco e derramar lágrimas por
Ela e cantar Sua glória, encontrava um grande alívio. Mas essas oportunidades eu
raramente podia encontrar em minha casa.

Como eu havia visto no corpo físico de Sri Ma vários bhavas (êxtase espiritual)
sem precedentes, em Sua presença ficava impressionado, com prazer e assombro. Ante
Ela cheguei a sentir que não era senão um menino ou um pobre mendigo, desamparado,
um ser completamente inapropriado para estar sentado a seus pés. De fato, em toda
minha vida nunca me sentei em Sua presença. Costumava estar de pé, a uma certa
distância. Cada manhã eu tinha a sorte de ter o primeiro darshan de Seus pés, porque
muito pouca gente podia ir ao Ashram tão cedo. Algumas manhãs encontrei Ma sentada
tranquilamente num lado da cama, mas com toda languidez do sonho, entretanto, sobre
Suas pálpebras. Às vezes Seus brilhantes olhos e Sua doce face pareciam irradiar
profusamente afeto e graça maternais sobre todos os homens; em outras ocasiões Seu
aspecto ao amanhecer portava toda serenidade e graça de um precioso céu de Outono,
infinitamente brilhante e, contudo, bastante isolado das coisas do mundo. A expressão
de Seu rosto mudava constantemente com as transformações que se produziam em Seus
pensamentos e emoções interiores. Às vezes parecia uma anciã. Outras, em meio a Seus
jogos alegres e de risos sonoros de uma menina feliz, de repente assumia um aspecto tão
sério, pensativo e determinado que nos impunha respeito e medo. Nesse estado Seu
corpo adquiria dimensões não usuais, Seu rosto tinha uma expressão tão solene que nos
fazia sentir que a Mãe Rudrani havia tomado posse de todo Seu ser. Em tais ocasiões,
Seu riso selvagem, Seus olhos revirados e os movimentos de Seus membros – todos
conspiravam para provocar terror em nossos corações, embora depois de um tempo,
Suas expressões habituais de alegria e doçura se restaurassem.
68

Em todos os momentos eu me sentia tão irresistivelmente atraído até Ela que, se


deixasse de vê-la um dia, me sentia mal e minha mente buscava a primeira oportunidade
para obter morada e repouso a Seus pés. Parecia-me que Ela estava sempre chamando
minha alma: “Vem, vem a mim” e que estava constantemente observando, com Seus
olhos sempre atentos, meu verdadeiro bem estar.

Muitos dias tentei, com uma forte vontade, apagar todo pensamento sobre Ela,
mas Ela escapava de cada um dos meus intentos perversos e capturava minha mente e
minha razão mais ainda. Tais intentos me deixavam exausto e mudo como um torrão de
barro. Não podia encontrar nenhum meio para apagar minha sêde de afeto de Sri Ma.
Assim comecei a debilitar-me e meu corpo caminhou até a crise.

Finalmente, em 04/01/1927 caí enfermo. Ao princípio comecei a sentir uma dor


aguda na região do coração. Nenhum remédio podia me aliviar. Sri Ma veio ver-me um
dia e passou Sua suave e tranquilizadora mão sobre meu peito. Ao tocar-me minha dor
diminuiu. Mas a doença tornava-se cada vez mais séria. Poucos dias mais tarde Ma veio
ver-me, uma noite. Sentou-se ao meu lado, na cama, e disse algo para Si mesma. Muito
depois, Ela me disse haver falado com a enfermidade: “Já fez o que podia, agora é hora
de se deter.” Deste dia em diante Sri Ma deixou de vir me ver. Durante os últimos
meses de sofrimento não tive a sorte de vê-la.

Era necessário para mim. O desejo intenso de vê-la me faria esquecer a dor
provocada pela doença. Nestes dias minha mente girava em torno de Seus pés dia e
noite. Impregnava todo meu ser, por dentro e por fora. Mais tarde eu soube que Sri Ma
havia dito um dia, em Shahbag, que Ela era o sangue que estava nos lábios de todas as
pessoas. Ao ouvir este comentário Pitaji veio, em seguida, me ver. Eu vomitava sangue
nestes dias e minhas forças estavam quase acabando. Em muitas ocasiões Ma
costumava guiar-me com Suas sugestões até um remédio, bastante antes que a
informassem verbalmente sobre as mudanças que ocorriam em minha doença.

Uma noite tive uma crise muito aguda. Os médicos que me atendiam declararam
meu caso irremediável. Eram duas da manhã. Chovia a cântaros, com um ruído
ensurdecedor. Os cães ladravam, fazendo mais terrível a escuridão. Comecei a ter visões
espantosas, todo o pêlo do meu corpo se levantou. Nesse momento vi, tão claro quanto à
luz do dia, a Sri Ma sentada ao lado direito da minha almofada. Uma agradável surpresa
veio sigilosamente até mim. Antes que o primeiro momento de assombro se dissipasse,
a encontrei passando Sua mão pela minha cabeça. Era tão tranquilizador! Num instante
caí num sono profundo.

Deste dia em diante, durante uns dez meses, o tempo que estive confinado,
sempre sentia que Ma estava sentada em minha cama, perto da almofada, com uma
feição muito tranquila e serena e não queria entregar-me à morte.

Às vezes quando durante horas seguidas, não podia suportar a dor da tosse,
seguida de cuspir sangue, costumava repetir o nome de Ma e logo a intensidade da dor
diminuía.

Durante minha doença Sri Ma pediu a Brahmachari Jogesh que fosse, durante
um ano, ao oeste da Índia e que vivesse lá de esmolas, sem nenhuma residência fixa.
Possivelmente o fizesse com a intenção de desviar algum de meus sofrimentos.
69

Depois de alguns meses de doença, enquanto ocupava uma casa do governo,


perto de Shahbag, Mataji partiu até Haridwar, para assistir ao Kumbha Mela (maior
festival religioso da Índia). Meu estado sofreu uma segunda recaída e um telegrama foi
enviado para Rishkeshi. Mas Ela não veio. Soube mais tarde que, quando Pitaji esteve
preocupado por mim, Ela lhe disse: “Vi Jyotish sentado em meu colo, sem dar muita
importância à sua enfermidade.”

Após uns cinco meses de tratamento eu quis provar quanta força eu havia
adquirido com o tratamento médico. Tentei dar uns poucos passos, apoiado contra a
parede do quarto. O esforço me causou, nesta mesma noite, um abundante vômito de
sangue. Quando informaram ao doutor, ele deixou instruções aos habitantes da casa de
que devia estar deitado sobre a cama, sem mover-me.

Sri Ma regressou a Dacca uns quatro ou cinco meses depois e veio ver-me.
Perguntou: “Como você se sente agora?” Disse: “Não tenho muita dor, mas me sinto
muito incomodado devido a não ter podido tomar um banho frio durante muito tempo.”
Era o mês de Maio. O calor era asfixiante. Ma sentou-se um pouco e logo se foi. No dia
seguinte voltou com Pitaji, à uma da tarde. Naquele momento todos da casa dormiam.
Minha filha de 12 anos, que estava incumbida de me vigiar, também estava adormecida.
Sri Ma disse: “Gostaria que você tomasse um banho; se te agrada, há um depósito logo
ali; vai e toma um bom banho.”

Esse depósito estava afastado uns 60 ou 70 metros. Logo que escutei a voz de
Sri Ma, esta produziu uma nova força de amor e devoção em meu frágil corpo. Meu
corpo não era senão um esqueleto. A advertência do médico de não abandonar minha
cama atravessou minha mente por um instante e depois se desvaneceu. Neste estado,
enquanto, cambaleante, tentava me colocar de pé e pegar outro calção para colocar após
o banho, Pitaji rapidamente me segurou e me levou até o depósito. O piso da minha casa
estava a um metro e meio por cima do nível do solo. Baixei as escadas e andei todo o
trecho. Era um depósito reserva da hospedaria da universidade muçulmana situada em
uma das suas margens. Havia também um letreiro que dizia que o depósito não deveria
ser utilizado para lavar-se ou banhar-se. Mas este dia não se via nenhum habitante da
hospedaria. Além disso, em minha casa, todo mundo dormia. Desci ao depósito e me
dei um delicioso banho. Ao voltar para casa estendi a roupa molhada no varal e me
deitei na cama para descansar.

Tão logo caí na cama minha filha acordou. Encontrou Sri Ma sentada ao seu
lado.Ao atravessar o campo para tomar banho, muitas sementes espinhosas grudaram no
calção que eu usava. Quando meu servente Khagen viu o pano cheio daquelas sementes
espinhosas sua dedução natural foi que eu havia andado pelo campo ao meio-dia. Isto
foi comunicado a minha esposa a qual mostrou o calção à Sri Ma e se queixou de que eu
houvesse andado pelo campo ao meio-dia, contra a proibição expressa do médico. Sri
Ma riu, sem dizer uma palavra. Eu estava surpreso, perguntando-me como pude haver
andado através do campo ao descoberto para tomar uma ducha no depósito, em plena
luz do dia, passando despercebido e como pude ter forças para suportar um esforço
assim. Era uma proeza além de toda compreensão.
70

Depois de uns quatro meses, quando abandonei Dacca para mudar para um
clima mais saudável, contei a história a Niranjan. Posteriormente, após recuperar-me,
retomei minhas obrigações no escritório e contei então o fato aos meus médicos, que
não deram crédito à história. Minha esposa, à princípio, tampouco acreditou. Quando
lhes descrevi a história completa, finalmente acabaram acreditando.

Enquanto a doença estava em plena atividade, desenvolvi um gosto muito forte


por comer arroz. Os médicos que me atendiam não permitiram que eu o comesse.
Niranjan fez um pedido a Mãe dizendo: “Ma, Jyotish quer comer arroz cozido; os
médicos não o permitem. Se morre, teremos uma grande aflição por não haver podido
satisfazer este seu desejo antes da morte.” Sri Ma riu e disse: “Se Jyotish tem um
desejo veemente de comer arroz, deveriam dar-lhe.” Poucos dias depois Pitaji trouxe
arroz cozido de Shahbag e me deu para comer, mas ninguém percebeu.

Naqueles dias Sri Ma costumava vir me ver uma vez ao dia. Uma manhã veio
muito cedo e, depois d’Ela ir embora, Brahmachari Kamalakanta me trouxe umas flores
de champak. Olhei as flores com pesar, porque não teria oportunidade, esse dia, de
oferecê-las aos pés de Sri Ma com minhas próprias mãos. À tarde Kulada Dada me
trouxe uma rosa preciosa. O mesmo pensamento doloroso se repetiu. A rosa ficou na
mesa, junto com as flores de champak. Que flores tão bonitas não pudessem ser
depositadas aos pés de Ma me desiludia muito. Justo nesse momento Ela entrou, de
repente, em meu quarto, foi até a mesa e se reclinou. Olhou-me durante 3 ou 4 minutos,
bastante abstraída e logo foi embora. Pensei que Ela havia levado as flores. No dia
seguinte, lhe perguntei sobre isto. “Não sei com certeza o que levei, mas devo haver
levado algo daqui. Fui à casa do Zamindar de Dhankora e dei algo a uma mulher que
estava ali. Depois fui à casa de um vice-magistrado, onde havia uma mulher doente e
também deixei algo ali.” Mais tarde soube que, na primeira casa Ela havia dado a rosa e
na segunda uma flor de champak. A mulher enferma logo se recuperou.

Sri Ma disse:“A intensa adoração do Divino é o núcleo de toda veneração, de


toda oração. Em nosso coração jazem mananciais eternos de poder divino e em cada
esforço estão as raízes dos impulsos criativos, preservativos e destrutivos do Ser.”

Acabo de recordar outro incidente. Durante minha doença Pitaji ordenou que
todos os dias me enviassem, desde Shahbag, prasad de arroz. O arroz, porém, só era
oferecido no templo às duas da tarde e o prasad costumava chegar a minha casa muito
mais tarde. Um dia, em minha casa, fizeram uma crítica adversa a toda a organização.
Isto me produziu tanto mal estar que cheguei a sentir que não havia necessidade de que
me trouxessem prasad em meio a tanto desgosto e crítica entre os membros de minha
família. O dia transcorreu. Eram duas da manhã e não havia chegado nenhum prasad de
Shahbag. Ocorreu-me que minha reticência em receber prasad entre tantos desgostos
era, provavelmente, a causa de que se houvesse deixado de enviar. Chorei e chorei sobre
minha cama e o prasad chegou em meia hora. Soube que Sri Ma acabava de levantar da
cama ordenando: “Vão rápido levar prasad para Jyotish.” Me deu a entender, mais tarde,
que quando, durante o meio-dia precedente, buscaram permissão de Sri Ma para que se
enviasse o prasad como de costume, Ela disse não. De modo que a prática de enviá-lo
ficou interrompida. Em conexão a isso, Sri Ma disse: “Não faço nada por vontade
própria; vocês riem e choram de acordo com vossos impulsos e vossos desejos se
cumprem.”
71

Durante minha enfermidade, fui a Vindhyachal para mudar de ar. Aconteceu que
me encontrei com a Mãe em Calcutá, no caminho de Vindhyachal, e pedi que Ela
também fosse. Não quis. Ao chegar a Vindhyachal passei toda noite chorando por Ela.
Tão só um dia depois chegaram ali Mataji e Pitaji.

Sri Ma disse: “A aspiração de toda prática religiosa é sublimar todos os impulsos


egoístas e dar-lhes uma direção unificada até a divindade. Logo que o ego deixe de
funcionar, o ‘Tu’ eterno toma seu lugar.”

De Vindhyachal fui a Chunar. Sri Ma também foi. Um dia disse: “Você não sai
nunca para passear?” Eu respondi: “Estou fraco demais para andar. Como poderia fazê-
lo?” No dia seguinte, ao amanhecer, me levou com Ela para dar um passeio.
Caminhamos cinco ou seis milhas, pelas altas planícies, assim como por colinas baixas
e voltamos às 11 horas. Enquanto íamos colina abaixo, me senti muito débil e só podia
caminhar à duras penas. Ma se voltou e disse: “ Nossa casa não está longe.” Em dez
minutos apareceu uma charrete, de modo bastante inesperado, numa pequena rua. Caso
contrário, teríamos que caminhar uma milha mais para chegar a um ponto de parada. Eu
tinha medo de que o grande esforço, devido a um passeio tão longo, pudesse agravar a
enfermidade. Mas nada disso aconteceu. Pouco depois Sri Ma disse: “Tanto no mundo
de trabalho diário como na esfera espiritual, a paciência é o melhor amparo.”

A uma pequena distância de minha casa, Pitaji, Mataji e eu nos sentamos numa
relva. Mataji disse que gostaria de se banhar com água colhida do poço que havia perto
dali. Começou a me pressionar, como uma menininha. Eu lhe disse: “Vou chamar meu
servente.” Ela respondeu: “Não, não deves fazê-lo.” Me senti desconcertado, pois
naqueles lugares todos pegam água dos poços antes do pôr do sol. Senti-me com pena,
porque pensava que não poderia fazer que se cumprissem os desejos de Sri Ma. Mas,
para minha surpresa, apareceu um homem com uma lanterna, no poço, para tirar água.
Pedimos-lhe que pegasse água para o banho de Ma também. Sri Ma disse: “O que quer
que buscais pode ser conseguido sempre que a sêde pelo objeto de vosso desejo
impregne cada fibra de vosso ser.”

Durante minha doença passei uns dias em Giridih. Um dia estava desejando ver
a Ma e, para minha surpresa, vi que Ela e todo seu grupo chegaram na manhã seguinte.

Depois desta mudança de ares regressei a Calcutá. Inclusive lá cuspia sangue ao


tossir. Meus médicos recomendaram-me passar o resto dos meus dias em algum lugar
saudável. Sri Ma ordenou: “Volte ao teu trabalho e retome tuas obrigações ali.” Fui a
Dacca. Pitaji e Mataji me acompanharam até o escritório e partiram depois de deixar-me
sentado em minha própria cadeira.

Nesta época o Sr. Finlow, diretor do Departamento de Agricultura era meu


chefe. Ele me tinha em grande estima. Disse-me: “Faça só o trabalho que puder, o resto
envie ao meu próprio escritório.” Me perguntou: “Bom, me diga somente uma coisa:
como conseguiu se recuperar desta doença feroz?” Em resposta lhe disse: “É pela graça
de Mataji, que vive no Ramna Ashram. Não me deu remédio algum. Ainda que tenha
seguido as prescrições dos médicos, Sua piedade tem sido minha única salvação.” Ele
disse: “Entre nosso povo se ouvem casos similares. Acredito no que dizes.”
72

Uma noite um vizinho meu, um ancião de uns 80 anos de idade de nome


Shyama Charan Mukherji, veio à minha casa. Quando a conversa tratava de Sri Ma eu
disse: “É somente pela Sua Graça que ainda estou vivo.” Ele retrucou impulsivamente:
“Pode alguém, pela graça de outro, viver mais tempo do que a duração que tem
predestinada?” No curso desta discussão ele, de repente, ficou calado e, segundos
depois, foi embora. Na manhã seguinte regressou para dizer: “Sabes por que deixei tua
casa tão bruscamente? Quando falávamos sobre Sri Ma vi, sobre o encosto da tua
cadeira, uma luz tal como se fosse o sol. Nesse momento havia escuridão lá fora e não
havia luz no quarto. Olhei ao redor e não pude encontrar a fonte de semelhante luz a
essa hora; assim, decidi meditar sobre o fenômeno antes de comentá-lo. Depois de uma
cuidadosa reflexão cheguei à conclusão de que tudo é possível, através da Graça de um
Grande Ser. Na realidade , Ela te está protegendo desde o princípio.”

Alguns meses depois do primeiro darshan de Sri Ma, Niranjan lhe disse, em
Shahbag: “Ma, frequentemente pensamos que, depois que se ponha em funcionamento
Teu Ashram, ambos, eu e Jyotish viveremos ali como brahmacharis durante nossa
próxima encarnação.” Ma me olhou e perguntou: “Por que estás calado? Não serias
capaz de fazê-lo inclusive com este corpo?”

Três ou quatro anos depois, quando retomei minhas obrigações, depois de


recuperar-me, Sri Ma recordou a conversação acima mencionada e disse: “Pense em
como você renasceu.” Então , pegou uma corrente de ouro de Seu pescoço e a colocou
sobre mim dizendo: “Deste dia em diante podes estar seguro de que és um brahmachari
e de que tiveste tua reencarnação.”

A pequena cabana, com varandas por todos os lados, que havia erigido no
Ashram segundo minhas próprias idéias, era utilizada por Ma. Ela ficava em qualquer
uma das duas grandes varandas. Disse-me que eu havia sido um dos sannyasis que
habitavam o lugar, e que o lugar que eu inconscientemente havia escolhido para
construir-lhe a cabana, era o mesmo lugar onde havia passado minha vida durante meu
anterior nascimento.

Senti que foi pela minha especial boa sorte que o corpo físico de Ma ficasse no
mesmo local onde realizei meu sadhana durante minha existência prévia. Provavelmente
meu carma havia dirigido o curso dos acontecimentos pois, quando vi a Sri Ma pela
primeira vez, pareceu-me que Sua pessoa encarnava a todos os deuses e deusas e senti
que havia sido a Deusa que presidia toda a série de meus nascimentos anteriores.

Desde finais de 1929 e durante três anos completos, costumava ir a Ramna


muito cedo, pela manhã, com o desejo de ser o primeiro a vê-la. Com este propósito, me
levantava da cama às duas da manhã, terminava minhas orações habituais e o culto até
as quatro e meia e depois saía. Alguns dias aconteceu de eu confundir o horário e sair
muito mais cedo. Ao ouvir o relógio dando as horas, em alguma casa ao longo do
caminho, me dava conta de que havia saído cedo demais. Nesse caso, andava pelos
campos de Ramna ou me sentava junto à porta de Ramna Kalibari, esperando a luz do
amanhecer. Entrava no Ashram às cinco da manhã e andava pelos campos com Sri Ma,
regressando para minha casa as 10:30 ou 11:00h. Alguns dias cheguei ao meio dia ou
inclusive as 13:00h.
73

Nunca me sentei na presença de Ma. Meu corpo inteiro permanecia erguido com
um sentimento de alegria interior. Quando alguém me pedia que sentasse, me sentia
bastante incomodado.

Sri Ma normalmente estava bastante calada durante nossas voltas habituais.


Rompia Seu silêncio somente em casos excepcionais. Eu costumava seguir Seus passos
sem dizer uma palavra.

Um dia um velho advogado, de nome Sri Ashwiri Kumar Guha Thakurta, foi ali
para um passeio matinal e disse a Ma: “Vim aqui mas não para ver aTi, Mãe, mas para
conhecer Teu filho favorito e observar com meus próprios olhos como ele vem a Ti tão
cedo, toda manhã, faça frio, calor ou chuva e como segue cada um dos Teus passos em
absoluto silêncio. Só a contemplação disto me dá uma grande alegria.” Eu então lhe
disse: “Abençoe-me para que eu possa passar o resto da minha vida desta maneira.” O
ancião me abraçou contra seu peito e disse: “Já estás abençoado.”

Às vezes caía um forte aguaceiro durante as primeiras horas da manhã, mas em


várias ocasiões observei que quando começava a pronunciar o nome de Ma com os
lábios, a chuva cessava por um momento e me custava pouco chegar a Sua casa.
Durante o tempo chuvoso ou através da densa névoa do inverno não houve nenhum tipo
de obstáculo para passear com Ma cada manhã, durante três anos completos.

Houve uma época que os distúrbios hindu-muçulmanos se espalharam por


Dacca. Antes que começasse o estalido, Sri Ma exclamou um dia: “Terrível!
Monstruoso!” Quando perguntei sobre o significado de tais expressões Ela disse: “Por
toda cidade escutei berros, lamentos e gemidos.” Mas inclusive quando a crueldade
comum estava no auge, não deixei de fazer meus passeios matinais. Meu vizinho Srijut
Bhawani Prasad Neogi costumava considerar-me como seu irmão menor. Um dia me
preveniu, dizendo: “Estou muito preocupado por ti até que voltes. Apunhalamentos,
assassinatos, assaltos, estão na ordem do dia por toda cidade. É apropriado que andes
sozinho em tal atmosfera?”

Eu costumava pensar que, como Sri Ma não dizia nada contra minhas excursões
matinais, não tinha que temer. Assim, continuei a rotina normal da minha vida.

Um dia estava no caminho para o Ashram de Ramna. Os candeeiros da rua


estavam acesos. Não se via ninguém. Passei pelo bangalô de Dak e andei uns 60 metros
mais quando percebi um tipo robusto, enrolado num pano, escondido atrás de uma
árvore. Seguia-me.

Perguntei-lhe aonde ia; respondeu-me que iria comigo. Fiz-lhe saber que ia ao
Ashram de Ramna. Disse que também iria. Seu aspecto era suspeito e eu tinha muito
medo. De repente, eu gritei: “Não, não deve vir comigo!” Dito isto, andei depressa, com
passos largos, sem olhar em direção alguma. Depois de haver me afastado, olhei para
trás e vi como o homem havia ficado imóvel como um tronco no local onde o havia
deixado. Quando cheguei ao Ashram, encontrei a Mãe de pé, na porta, com Seu
afetuoso olhar fixo em mim. Caí a Seus pés e relatei o que havia ocorrido. Não disse
uma só palavra. Mais tarde soube que tinha ocorrido um assassinato naquele mesmo
bairro.
74

ATÉ TERRAS DISTANTES

Podemos observar em cada fase da vida que são necessárias três coisas para o
êxito na luta pela existência: um objetivo nobre, uma firme determinação e uma
dedicação de todo o coração ao dever. Ainda que em alguns casos não se consiga
nenhum êxito tangível com estas virtudes, ao menos, desse modo, se desenvolve a
disposição para fazer o bem e um trabalho substancioso que dá frutos na primeira
oportunidade.

Depois de regressar às minhas obrigações no escritório, passei três anos de


trabalho ininterrupto. Um dia, no Ashram, Sri Ma colheu uma flor e, arrancando todas
as pétalas, disse: “Muitos de teus samskaras se desprenderam e muitos mais cairão
como as pétalas desta flor, até que Eu fique como teu apoio principal, tal como o talo
desta flor. Compreendes?” Dizendo isto, começou a rir. Perguntei: “Ma, como posso
alcançar este estado?” Ela respondeu: “Todos os dias recorde isto uma vez, não precisas
fazer mais nada.”

Para dizer a verdade, este pensamento se fundiu profundamente em minha alma


e permaneceu comigo na rotina cotidiana de minha vida. Todos os pensamentos
dispersos foram gradualmente dirigidos a um fim. Ainda que diferentes idéias
normalmente me trouxessem distração, havia um grande desejo em mim de manter-me
firmemente aderido ao pensamento fundamental de que Sri Ma estava dentro de mim,
como minha espinha dorsal.

A partir daí me convenci de que, seja o que for que um homem consiga com
uma prática religiosa constante, com o isolamento mental do objeto dos sentidos, pode
ser conseguido através do poder da palavra de um Mahatma.

Depois de uns sete ou oito meses, Sri Ma disse um dia, durante um passeio
matinal: “Escute, sua vida atual está chegando ao fim.” A ouvi, mas não provocou
nenhuma resposta profunda dentro de mim.

Por essa época Sj Bhagavan Chandra Brahmachari também costumava dizer


muitas vezes: “Prepare-se, um santo vai descer do Himalaia para levar-te consigo.”
Tinha uma natureza infantil e eu pensei que estava de brincadeira comigo.
75

Uns poucos meses depois, tirei uma licença de 4 meses. Estava buscando uma
estação de montanha para mudar de ares. Enquanto isso, em 12 de Junho de 1932, lá
pelas 22:30, Sri Ma enviou Brahmachari Jogesh até mim perguntando se eu poderia
acompanhá-la. Quis saber onde Ela desejava ir. Sua resposta foi: “A qualquer lugar.”
Fiquei calado. Ela perguntou: “Por que ficou calado?” Meditei sobre o fato de que não
teria tempo de informar ninguém sobre o assunto. Assim que, apegado à atração do
mundo, disse: “Tenho que pegar dinheiro em casa.” A Mãe disse: “Pegue aqui o que
precisar.” Eu disse: “Está bem” com os lábios; mas senti que meu filho e minha esposa
apareciam desde as profundezas do meu coração, dizendo: “Aonde vais? Abandonando-
nos?”

Apesar disso, com uma manta, uma colcha e um calção, parti com Mataji e
Pitaji. Ao chegar à estação Sri Ma disse: “Reserve bilhetes até o fim desta linha.”
Fizemos uma reserva para Jagannath Gunge. Ao chegar lá, no dia seguinte, Sri Ma
disse: “Vamos até a outra margem.” Dalí fomos a Katibar. Sobraram apenas umas
poucas rúpias mas, bastante inesperadamente, me encontrei com um velho amigo, que
me deu 100 rúpias e uma grande quantidade de frutas e caramelos. Dalí fomos a
Lucknow, descemos em Gorakphur e pegamos o expresso para Dehradun.

No dia seguinte, depois de chegar a Dehradun, descansamos numa dharmasala


(hospedaria para peregrinos e viajantes). Era um lugar desconhecido para nós. Todas as
pessoas me eram estranhas e tudo me parecia novo.

Sri Ma disse: “Vejo que é tudo velho.” Aonde iríamos na continuação era
bastante incerto. Pela tarde Pitaji e eu fomos andar e descobrimos que havia um templo
de Kali nas proximidades. Fomos até lá e nos disseram que, a umas três ou quatro
milhas de distância, no povoado de Raipur, se levantava um templo de Shiva que estava
bastante solitário e que era um lugar adequado para fazer vida de retiro. Em seguida, um
pandit de Raipur veio encontrar-se conosco. Tivemos uma conversa com ele e o
acompanhamos a Raipur na manhã seguinte. Pitaji gostou do local. Quando buscamos a
opinião de Mataji, Ela disse: “Decidam vocês, para mim todos os lugares são bons.”

Desde a manhã de quarta-feira, 8 de Junho de 1932, ambos, Mataji e Pitaji


começaram a viver no templo.

Acontecimentos posteriores se publicarão mais adiante, se este for o desejo de


Mataji.
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SRI SRI MA

Está mais além da inteligência comum compreender o que Sri Sri Ma representa
e o que é em realidade. Ainda que Ela sempre diga: “Sou somente vossa filhinha louca”,
em todos os aspectos de Sua vida, em Seu sempre encantador Lila entre nós, todos os
poderes da Divindade encontram expressão em formas tangíveis.

Em Sri Ma encontramos uma fonte perene de alegria e doçura, ainda que esteja
rodeada dia e noite pelo ruído, rumores e milhares de súplicas de toda classe de pessoas.
Seus olhares tranquilos e serenos, Sua elegante e sempre sorridente resposta a todas as
perguntas, Seu maravilhoso sentido de humor trazem satisfação e alegria a todas as
almas. Sua forma de viver é tão universal e tão omni-abarcante que poderia chamar-se
Amor Maternal Encarnado.

Alguns dizem que é a Deusa Suprema do Universo em forma humana. Outros,


por sua vez, são da opinião que Ela alcançou a perfeição através de uma evolução
psíquica espontânea, sem nenhum esforço de Sua parte. Para nós Ela parece ser
qualquer coisa que se considere que é. Ao vê-la, pela primeira vez, ficamos estimulados
pelo fervor religioso, inclusive quando se é quase insensível às idéias religiosas. Em Sua
presença os pensamentos de Deus e Sua Glória florescem em todo seu brilho em
corações que estão tão secos como o pó e as vibrações da vida universal que tudo
penetra se apoderam do coração, com um marulhar infinito como o de um vasto oceano
de felicidade.

Quando lhe perguntaram, numa ocasião, quem era Seu mestre ou de quem havia
recebido iniciação, comentou: “Nos primeiros anos meus pais foram meus guias; na
vida de casada, meu marido, e agora, em qualquer situação da vida, todos os homens e
coisas do mundo são meu guru. Mas uma coisa é certa, o Ser Supremo é o único guia
para todos.”

Desde este ponto de vista, das pessoas do mundo, Sri Ma é uma filha, esposa e
mãe ideal. Para um aspirante à vida espiritual, Suas palavras e comportamento tem um
significado profundo, indicando formas de cultura espiritual e de práticas yóguicas,
assim como as verdades básicas do dualismo, não dualismo, monismo dualista e outras
doutrinas filosóficas.
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As mudanças físicas que se fazem manifestas em Seu corpo nos levam a


conclusão de que Ela é uma vaisnava confirmada; no culto tântrico de Shiva, Kali,
Durga e outros deuses e deusas ou nas realizações de sacrifícios religiosos védicos tem
causado admiração entre eminentes filósofos orientais e ocidentais. A única diferença
que encontramos entre Sri Ma e os Grandes Mestres que alcançaram a perfeição através
do bhakti yoga, jnana yoga ou carma yoga, em suas linhas particulares, está o fato de
que em Sri Ma todos os caminhos de sadhana alcançam uma maravilhosa síntese. É
através desta harmonia das diferentes maneiras de aproximar-se da Divindade que todo
tipo de pessoas recebe inspiração de Sua presença.

Seu aspecto afável e doce, Sua paciência e resistência pouco comuns, Seu
espírito de sacrifício e simplicidade, Seus modos sempre alegres e com senso de humor
ao tratar a homens, mulheres e crianças, Sua clara e imaculada visão e Sua boa vontade
até todos os seres vivos, Seu amor por todos os homens independentemente de qual seja
sua casta, credo, comunidade e nacionalidade, Sua absoluta liberdade frente ao prazer, a
dor e similares, fazem d’Ela uma figura única nos tempos modernos. Não se pode dizer
que tenha obtido a perfeição através do próprio esforço já que, os que a tem observado
desde Sua infância asseguram que Ela tem sido a mesma em pensamentos e ações toda
Sua vida. Nunca foi vista realizando exercícios religiosos ou espirituais de nenhum tipo.

Os fenômenos naturais ou sobrenaturais que se manifestam em seu corpo


ocorreram espontaneamente, pelo bem de todos os seres humanos. Essas manifestações
não dependiam de Sua vontade, nem funcionavam contra Ela, nem tampouco eram o
resultado de nenhum esforço devocional de Sua parte. Quando se oferecem no fogo do
altar, manteiga refinada junto com outras oferendas, as chamas se acendem por uma lei
natural, mas o perfume que emana purifica e aviva toda a atmosfera. Depois de um
tempo não restam sinais da oferenda sacrificial, mas as chamas continuam queimando-
se em pureza e luminosidade. Exatamente da mesma forma, quando os devotos de Sri
Ma trazem oferendas a Seus pés com o melhor de seu amor e reverência, o toque destes
presentes faz com que a fonte do seu coração brote, como o fluir natural do leite do
peito da mãe ao ser tocado pelos lábios do bebê. Assim, no caso da Mãe, Sua palavra,
Seus olhares, tudo expressa amor por Seus filhos. Sua face se ilumina durante um tempo
com uma chama divina e pouco depois volta à sua serenidade habitual.

N’Ela não há conflito, nenhum impulso até a ação ou inação perturba a


serenidade de Sua vontade. Está completamente impregnada da luz da verdade suprema,
que forma os alicerces de todos os princípios e práticas religiosas e dos códigos morais
do mundo que tem sido revelados à mente humana em diferentes épocas, pelo bem do
universo.

Um vislumbre dessa verdade, uma sugestão d’Ela, brilha em todas Suas ações,
palavras e canções. Sua vida ilustra o grande fato de que o homem, enquanto cumpre
suas obrigações diárias dócil e alegremente e mantém relações sociais pode ainda assim
avançar em seu caminho espiritual.

É chegada à hora de que avaliemos a quantidade de bem que estão fazendo em


nossa vida social a multidão de pessoas que está engrossando o número de samnyasis e
sadhus. Sair das fronteiras da vida familiar e dos limites dos direitos e responsabilidades
civis para tentar abrir caminhos fáceis para elevar espiritualmente a família, a sociedade
e a nação não é assunto fácil.
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Há pessoas que tem alcançado altos níveis de grandeza espiritual ao retirar-se e


viver uma vida de reclusão em Ashrams solitários ou em covas nas montanhas. Sua
grandeza individual não eleva o nível cultural geral das massas a nenhum grau
apreciável. Nem tampouco se elevam os níveis de vida massificada. Através de sua
inspiração se tem estabelecido muitos ashrams em diferentes partes do país, os picos
dos templos ali erigidos podem levantar-se ao alto dos céus, o atrativo dos cultos e os
hinos e musicas devocionais cantados pela manhã e a noite induzem a muita gente de
longe e de perto a gastar mais dinheiro na empresa; a distribuição gratuita de prasad
pode atrair multidões de homens famintos dos arredores, como se fossem moscas. Mas a
influência de tais instituições construídas às expensas de tanto trabalho e dinheiro ajuda
pouco em fazer nossa vida social mais sã e brilhante, sem conseguir estender o
conhecimento e a alfabetização, o amor maior pelos homens, nem fomentar um desejo
mais ardente pela Vida Divina. Nossa sociedade se estropia mais e mais através da
inveja mútua, a rivalidade e as insignificantes disputas por bagatelas. Aqueles que são
fortes de coração, com um espírito de responsabilidade social e de serviço
desinteressado, só com dificuldade encontram campo para um trabalho real e eficaz,
estando meio paralisados por idéias sociais estancadas na divisão de classes dos velhos
tempos da ortodoxia. Por outro lado, encontramos a cada passo, oposição a qualquer
esforço de reforma. A cultura pela qual se asseguram a saúde física e mental, que faz o
homem forte e resistente através da realização da Graça de Deus em todos os caminhos
da vida, que refina e transforma nossos impulsos egoístas e de mente estreita num
impulso de serviço desinteressado e de auto-sacrificio, independente de casta ou credo,
está desaparecendo rapidamente de nosso país e só restam dúvidas de que o alcance e o
campo de uma cultura tal está minguando entre nós.

Chegou à hora de nos perguntar-nos o que é que nos levou a este estado de
coisas. Estamos caindo nas estreitas vias de cultos e preconceitos desgastados pelo
tempo. As idéias e os ideais dos velhos tempos e os da era atual estão se encontrando
cara a cara e tem produzido paralisia em nossa vida social e religiosa. Sri Ma se
encontra no começo dos caminhos.

Sempre encontramos em Sua vida e em todas Suas atividades um desejo ardente


de assegurar o bem estar do mundo, deixando a carga de que cuidem do Seu corpo a
outros e liberando-se completamente de todos os cuidados de Suas próprias
comodidades corporais. Assim ficou completamente livre para ajudar a causa dos
desamparados e oprimidos, dos enfermos e destituídos, além de ajudar aos ricos e
poderosos que sempre sofrem diversas doenças psíquicas e mentais em suas vidas
saciadas e consentidas.

Sua vida abre os olhos de todos nós. Mostra com Suas atividades cotidianas
como podemos unir cada minúsculo detalhe da vida com o infinito e como podemos
cultivar uma nova perspectiva em nossas relações com os homens e fazer deste mundo
um lugar de nova alegria, esperança e paz.

Do ponto de vista mundano, não possui nada que possa chamar de Seu. Todos os
lugares do homem público comum, os templos, as dharmsalas, os ashrams públicos e as
cabanas são agora Seus únicos lugares de residência – lugares nos quais qualquer
pessoa, desde o mais alto ao mais baixo, podem vir a Ela sem nenhum impedimento.
Tem se dedicado inteira e completamente ao bem do mundo. Todos os seres vivos são
Seus próprios parentes e amigos.
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Como dissemos anteriormente, Ela disse: “Acho que o mundo inteiro é um vasto
jardim, com vossa beleza e graça individual. Movo-me de um lado para o outro. O que
os faz ficar tristes quando os abandono, somente para estar ali, em meio aos vossos
irmãos?”

Em outra ocasião disse: “Não tenho necessidade de dizer ou fazer nada; nunca
houve necessidade, tampouco há agora, nem haverá no futuro. O que encontrastes
manifestado em mim no passado, o que vês agora e o que observareis no futuro é só
para o vosso bem. Se pensais que há algo meu, peculiar, tenho que dizer-lhes que este
algo é o mundo inteiro.”

As magníficas atividades criativas da Mãe Universal que encontramos reveladas


em qualquer lugar do mundo, podem ser observadas em todas Suas palavras e ações, em
Seu intercâmbio social com todo tipo de gente, em todos os lugares. Para aqueles que
são Seus devotos é como uma menininha que pede mostras de seu amor; para aqueles
que são infelizes devido às doenças e outras penas mundanas, Sua inquietude maternal
para aliviá-los toma forma em diversos remédios. Todas estas atitudes procedem de uma
reserva de um forte poder espiritual que sempre trabalha ao fundo.

Mostra a mesma consideração e reverência por todas as religiões, por todas as


instituições sociais e leis, por todas as formas de educação. Isto ilustra a grande verdade
de que tudo neste mundo é a encarnação de um Ser Supremo. Disse: “Todos os
pensamentos religiosos fluem numa direção, como todos os riachos vão para o oceano;
e todos somos Um.” Se alguém lhe pergunta: “A que classe pertences, onde é Teu lar?”-
contesta com um sorriso: “Desde vosso ponto de vista comum, este corpo pertence à
Bengala do Leste e é da classe brâmane; mas se pensais fora destas distinções artificiais,
compreendereis que este corpo é um membro de uma só família humana.”

Às vezes a ouvem dizer: “Tenha fé neste corpo. Tua fé, de todo coração, te
abrirá os olhos.” De vez em quando também diz: “Este corpo não é senão uma boneca,
como vocês desejaram jogar com ela, ela segue jogando.”

Destes e de outros comentários se faz evidente que em Sua pessoa o poder que
jaz detrás deste mundo fenomênico tomou forma. Suas atividades emanam de uma
fonte-origem e voltam a ela. Não tem sentido de dualidade. Às vezes diz: “Só Tu és e
somente Tu” e em outras “Só Eu Sou e tudo está contido em Mim.”

Numa ocasião disse: “Há alguma diferença essencial entre eu mesmo e você
mesmo? Somente porque Ele é, também há você e eu. Se, com uma fé incondicional,
uma forte devoção e um coração cheio de amor, qualquer um de vocês puder exclamar:
‘Mãe, vem, vem a mim, Mãe, não posso passar os dias sem Ti’ estejam seguros, a Mãe
Universal estenderá Seus braços até vocês e os apertará contra Seu peito. Não a
considerem somente como um refúgio misterioso em suas horas de aflição. Recordem
sempre, Ela está muito perto de vocês, guiando todas as forças de suas vidas. Caminhem
com esta convicção; Ela tomará de seus ombros todo o peso das responsabilidades e
lhes dará forças para cumprir o carma.”

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NOTA
Os hinos que saíram espontaneamente dos lábios de Sri Ma não estão em
sânscrito nem em outra língua que nos seja conhecida. Há certas palavras e expressões
neles que estão em sânscrito e os hinos parecem ter natureza de orações. Deveriam ser
considerados como mantras, nos quais cada sílaba tem seu próprio significado e não
pode ser substituído por nenhum sinônimo. A tradução dada no texto não deve,
portanto, ser considerada uma reprodução dos hinos. E mais: parece que os sons que
saíram dos lábios de Sri Ma nem sempre foram reproduzidos corretamente.
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GLOSSÁRIO

Ananda - Felicidade, deleite, alegria. O arrebatamento que está além da felicidade e da


dor e que não pode ser afetado por eles.

Asana - Postura yóguica ou pose física. Cada postura corresponde a um estado


particular da mente. As posturas yóguicas ajudam a concentração. Algumas têm
também propósitos curativos.

Atma ou Atman - O verdadeiro Si Mesmo. Existência ou Ser Supremo que é da


natureza da Autoconsciência e do Autodeleite, e mais além de todas as manifestações da
natureza.

Avidya - Ignorância da verdadeira natureza do Si mesmo ou da Realidade. Qualquer


conhecimento que não seja o de Si Mesmo pertence à categoria de avidya.

Bhakti Yoga - Caminho de realização espiritual através da devoção pura e do amor a


Deus.

Bhajan - Canções religiosas.

Bhava – Êxtase espiritual, humor transcendental. Estes bhavas normalmente acontecem


em estados elevados do caminho do bhakti.

Brahmachari – Estudante religioso que se entrega às práticas espirituais e ao serviço e


mantém o celibato.

Brâmane – Membro da casta sacerdotal, a casta mais elevada da sociedade hindu. A


obrigação especial de um Brâmane é a de aspirar ao Brahmavidya, o conhecimento da
Realidade Suprema. Um brâmane verdadeiro tem que ser brâmane de nascimento, de
conduta e de conhecimento do Brahman.

Brajadhana – Vrindavan (Brindavan) e os povoados ao redor, onde se supõe que Sri


Krishna viveu.

Chakras – Zonas do corpo humano que representam os campos de diferentes forças


físicas e que devem ser conquistadas, purificadas e sublimadas pelo yogue.

Caitanya Deva – O grande apóstolo do Vaishnavismo, nascido em 1485 em Bengala,


que ensinou o caminho do amor divino para a compreensão de Deus. Passou a maior
parte da vida num estado de intoxicação Divina e experimentou muitos estados
transcendentais (bhavas) que também causaram certas transformações no corpo.
Também chamado de Senhor Gouranga.
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Carma – Ação, o resultado da ação, tal como a lei de causa e efeito pela qual as ações
inevitavelmente produzem seu fruto.

Dal (dhal) – Lentilhas ou outra espécie de feijão cozido, geralmente servido com pão
sem levedura e outros vegetais, prato muito popular na Índia.

Darshan – Visão. Fala-se em ter darshan de um santo, sábio ou deidade, o que significa
ser abençoado ante sua visão ou presença;

Dharmasala – Hospedaria para peregrinos e viajantes.

Dharba - Espécie de erva utilizada para o culto.

Faquir – Espécie de mendicante religioso ou santo muçulmano.

Guna – Propriedade ou aspecto da substância primordial (Prakriti). Os três gunas são:


Sattva (harmonia, agilidade, luminosidade); Rajas (movimento, o que produz o
movimento) e Tamas (inércia, lentidão, obscuridade). Os três gunas atuam e reagem
continuamente uns sobre os outros e sempre estão, enquanto o mundo existe, num
estado de equilíbrio alterado.

Guru - Guia ou mestre espiritual.

Hari - Deus, um dos três nomes de Vishnu, o que sustenta e conserva o universo, o que
é venerado pelos vaishnavas.

Isvara (Ishwara) – O Senhor do Universo, Deus.

Kali – Um dos nomes da Mãe Divina.

Kirtan – Cântico dos nomes e da magnificência de Deus. Pode ser realizado por uma
pessoa ou por um grupo de pessoas acompanhado de instrumentos musicais.

Lila - Jogo. Movimentos e ações do Ser Supremo que são livres por natureza e que não
estão sujeitos às leis

Lakshmi - Consorte de Vishnu. É a Deusa da riqueza e prosperidade e guardiã do lar.

Mahabhava – É o tipo mais alto de amor e auto-dedicação à Divindade. Estado de


profundo amor estático pela Divindade.

Mantra - Sons de grande potência, representação sonora de Ista Devata (Divindade


escolhida). O nome e a forma são inseparáveis. Portanto, se o nome está embebido de
vida, a forma que representa não pode deixar de se revelar, sempre que a prática seja
suficientemente intensa.
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Mudra - Gesto. Postura particular do corpo ou de parte dele, que representa a expressão
de uma Deva Shakti (força natural mais elevada, poder de uma divindade) concreta.
Sem esta postura uma shakti determinada pode não funcionar. Os mudras são realizados
para produzir as mudanças necessárias na mente e no caráter. No caso de Sri Ma, estes
mudras apareciam espontaneamente.

Nemaz – Oração muçulmana.

Pandit – Alguém instruído em sânscrito ou nas escrituras hindus.

Parabrahman – A Realidade Suprema, o Absoluto.

Pranama - Reverência. Uma postura de entrega, que salienta a pequenez de alguém na


presença daquele a quem se oferece a reverência.

Pranava - A sílaba mística Om, que é o som primordial, que representa a Realidade
Suprema Espiritual.

Prasad - A comida oferecida a uma deidade ou santo se converte em prasad quando foi
aceita e portanto abençoada. É então consumida pelos devotos.

Puja - Culto cerimonial hindu.

Puri - Espécie de pastel de farinha de trigo, frito com manteiga refinada ou azeite.

Rudra - Deus Shiva em seu aspecto terrível, como destruidor.

Rudrani - Consorte de Rudra, tem uma aparência espantosa.

Sadhaka – Aquele que pratica sadhana.

Sadhana - Prática espiritual levada a cabo com o propósito de preparar-se para a auto
realização.

Sadhú - Alguém que dedica sua vida ao esforço espiritual e está livre de laços
familiares e de negócios.

Sakti - Energia Divina. No hinduísmo, a Sakti está simbolizada geralmente por uma
mulher divina.

Sakti Mantra - A representação sonora da Deusa do Universo ou Mãe do Mundo.

Samadhi - Estado no qual a mente está completamente concentrada em seu objeto de


contemplação (Savikalpa Samadhi) ou deixa de funcionar, permanecendo somente a
Pura Consciência, revelando a Si Mesma (Nirvikalpa Samadhi).

Samskara – Disposições mentais, que atuam como sementes e tem uma tendência a
germinar como ações. Estes samskaras são normalmente trazidos de encarnações
anteriores. São destruídos quando brilha a luz do Supremo Conhecimento (Jnana).
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Samnyasi - Alguém que chega ao samnyasa. Segundo o sistema hindu, o samnyasa é o


último estágio da vida, na qual o homem ou a mulher renuncia a família, posses, casta,
posição social, etc, ou seja, de tudo a que está apegado e entrega-se à Divindade.
Tecnicamente, pode ser de dois tipos: vividisa samnyasa, que é precedido por um
sentido de desapego ao mundo ou vidvat samnyasa, que é o samnyasa verdadeiro,
precedido pelo nascimento de Brahnajanana (realização do Brahman).

Svarupa - O verdadeiro Si Mesmo do homem.

Uttarayan Sankranti – Solstício de inverno.

Yantra - Diagrama geométrico de diferentes desenhos, que representa a ação e


expressão de diferentes forças sobrenaturais que representariam uma forma particular do
Supremo Poder Divino ou o corpo do Homem Cósmico. Normalmente tem duas
características em comum: o centro, que é um ponto dentro de um triângulo ou
quadrado e o limite externo, que é um quadrado. O ponto é chamado ‘bindu’ e
representa a essência do Ser em equilíbrio. É concebido como um trono no qual se senta
a Pessoa Suprema. O quadrado que forma o limite exterior representa os aspectos
físicos e sensíveis do devoto, com portas de acesso apropriadas para levá-lo até o
interior.
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