Você está na página 1de 143

Ayahuasca, a professora divina

Edson A. Scobin
PARTE UM
O início do caminho para o conhecimento
Estou um pouco sem rumo e até mesmo um pouco depressivo, porque quando
passamos a perceber o mundo verdadeiro, entendemos que tudo é muito
simples e o que acontece em nosso dia a dia, a nossa rotina, poderia ser muito
diferente, o trato entre as pessoas, a vida em si, enfim, nossa evolução ficaria
muito mais fácil, por que então é difícil enxergarmos o óbvio?

Eu também não enxergava e a vida era complicada, vazia e cheia de ilusões,


me mantinha afastado de tudo o que realmente importa e, no fundo, eu sabia
que estava no caminho errado e tinha que mudar, mas eu estava tão afundado
no meu mundinho vazio que ficava atolado, então teve que acontecer algo
mais profundo em minha vida para me despertar e a transformação se iniciar,
não mudança, pois mudança não serve, é superficial, a transmutação do ser,
isso sim é o que leva ao entendimento da simplicidade e da verdade do nosso
estado humano, essa é a grande dificuldade, se entregar completamente à
transmutação total do ser, tanto interior como exterior, esse é o nosso
objetivo, mas somos corrompidos no início de nossa vivência humana e
nosso espírito fica à deriva e sem rumo.

Este é o dilema, por que a humanidade entrou nesse caminho complicado,


egoísta e individualista? Em que as coisas superficiais e materiais têm mais
importância do que o simples ato de ser e viver integrados à natureza e uns
aos outros.

Tudo quanto podemos querer está disponível, mas para que querer tudo, se
tudo o que realmente precisamos já está dentro de nós. Espero que esse
entendimento chegue um dia a todos e parem de procurar ao longe e possam
encontrar a si mesmos.

Perdeu-se a ligação com o divino, com o todo e também entendo que as


pessoas que amamos e que ainda não despertaram não têm culpa de viver
nessa penumbra, penso que o desígnio do Universo, de Deus, tem seus
propósitos, ainda que não os compreendamos e seria muita arrogância da
minha parte achar que poderia ter esse entendimento, por isso fico com esse
aperto no coração.

O despertar do Eu interior traz essa sensação de vazio, pois muitas vezes não
há com quem abrir o coração e você se sente solitário, em um mundo que
parece não ser o seu.

Vivemos em um caos interior e somente nós poderemos superá-lo e impor a


ordem em nosso ser, então talvez possamos progredir a uma consciência
coesa e de harmonia com o todo.

Isso tudo é complicado e tem fases da vida que temos que ser mais humildes,
nos recolher e nos prepararmos para o que tem por vir e se forçarmos a barra,
em vez de aprender vai se perder, então é preciso aproveitar esses momentos
com sabedoria e paciência.

Estou aqui, tentando aprender a viver minha real essência espiritual, enquanto
passo por esta curta existência humana, é um caminho longo e sem volta e às
vezes solitário, mas é o único caminho que leva a evolução do ser, é o
caminho da verdade.

Esses pensamentos levaram o Liviêr a uma introspecção profunda e a


relembrar a jornada que percorreu até aquele momento e do quanto havia se
transformado, inclusive fisicamente e tudo havia começado há uns cinco
anos...
Ele estava naquela tarde como em todas as tardes vazias, de seu mundo vazio,
em seu refúgio predileto, um bar, no fim do expediente em frente ao seu local
de trabalho, quando o seu amigo de longa data, o Oliver apareceu.

Um homem da mesma idade que a dele, 45 anos, com uma barba rala e de
fisionomia bem magra e até frágil, de 1,70 m de altura aproximadamente e
vestia paletó e gravata, pois sua profissão é advogado, veio fazer um convite
ao Liviêr.

Um ser já desperto e que, em outras ocasiões, já havia tentado mostrar-lhe os


caminhos para espiritualidade, porém até aquele momento não era à sua
praia, pelo menos é o que ele pensava.

Então, por nenhum motivo especial, talvez para não dizer não ao amigo, ele
aceitou o convite, que se tratava de uma reunião na própria casa do Oliver e
esse também foi outro dos motivos de aceitar aquele convite, pois não teria
que ir a lugares como igrejas, centros espíritas, ou outros locais desse tipo,
com pessoas diferentes, que realmente o deixavam desinteressado e sem
querer interagir com quem lá frequentavam, que em sua convicção eram
pessoas sem ideias próprias. “Isso não é pra mim, tenho minha religião dentro
de mim”, pensava “falo com Deus diretamente”, o que claro, nunca fazia,
nem uma prece sequer, só se lembrava de Deus quando tinha problemas, ou
em blasfêmias, quanta arrogância e descaso.

Mas então seu amigo começou a explicar o que seria a reunião, a princípio
bastante superficialmente para não o afugentar, pois se lembrava de suas
tentativas anteriores frustradas e não queria que acontecesse o mesmo dessa
vez.

— Então Liviêr, a reunião se dará em minha casa, na verdade na garagem,


onde eu fechei a frente com uma lona e ficaremos sentados em cadeiras e
tocando músicas e tomaremos um chá, um chá indígena... ​— com todo
cuidado com as palavras, ele foi em frente — o qual o nome dado pelas tribos
é ayahuasca, é a mesma bebida que você já ouviu falar, o Santo Daime.

Ele esperou alguma reação ou indagação, mas nada, então ele continuou.

— Ao tomar a bebida, você sentirá uma sensação física diferente em um


estado alterado de consciência, mas não vá achando que é droga — disse
rapidamente, antes que o Liviêr pudesse esboçar alguma reação e já
defendendo a bebida. — Na verdade, eu já pesquisei bastante a respeito e te
garanto que é seguro, já estou fazendo sessões há algum tempo, mas só agora
resolvi te chamar, pensei bem antes disso, mas a algum tempo atrás você me
disse que precisa encontrar um caminho em sua vida, foi onde decidi
convidá-lo.
Uma breve introdução sobre ayahuasca

ayahuasca, nome quíchua de origem inca, refere-se a uma bebida


sacramental produzida a partir da decocção de duas plantas nativas da
floresta amazônica: o cipó Banisteriopsis caapi (mariri ou jagube) com as
folhas do arbusto Psychotria viridis (chacrona ou rainha).
Seu uso expandiu-se pela América do Sul e outras partes do mundo a partir
de meados do século passado, com o crescimento de movimentos espirituais
organizados, sendo os mais significativos: o Santo Daime, a União do
Vegetal, a Barquinha, além de dissidências dessas e grupos independentes
que o consagram em seus rituais em estilos variados de crenças e
ensinamentos, mas sempre mantendo o princípio de expansor da consciência.

É também conhecida pelos nomes: vegetal, daime, yagé, caapi, nixi, hoasca,
natema, vinho da alma, abuelita, chá misterioso, entre outros. O nome mais
conhecido, ayahuasca, significa "liana (cipó) dos espíritos".
Ainda que definido comumente como chá ou decocção, a ayahuasca é um
concentrado, uma redução das fervuras, resultando em um líquido marrom,
de gosto forte e normalmente acidificado. Seu feitio é realizado em
ritualísticas especiais e depois armazenado.

**Fonte: internet
— Este trabalho é na linha indígena, é xamanismo, não tem a ver com as
religiões que você conhece — completou Oliver.

Então Liviêr falou.

— Bom, não sei, eu já ouvi falar sim do Santo Daime e acho que isso não é
pra mim, mas como você está falando que será nessa linha indígena, aí atiçou
minha curiosidade, mas só vou porque é você que está chamando e vou
chamar a minha esposa para ir junto, tudo bem?

— Claro que sim, será um prazer.

Então foi combinada a data, a hora e se despediram.

Após o encontro com seu amigo Oliver, ele não pensou mais no assunto, nem
sequer pesquisou a respeito, simplesmente deixou para lá.

Ao longo daquela semana, a única vez que ele lembrou sobre o compromisso
foi quando convidou Vanessa, sua esposa, para participarem juntos da
reunião, falou muito breve sobre o que seria, até porque ele também não sabia
nada a respeito e ela concordou de imediato, mais por ele, porque ela sempre
o apoiava, ainda mais um convite desse tipo para o lado religioso e vindo do
Oliver, em quem ela confiava totalmente. Ela era uma mulher com cerca de
1,60 m, com 43 anos, tinha uma energia esplêndida, com cabelos castanhos e
espessos, que estavam quase sempre pintados com tons avermelhados ou
marrons, olhos cor de mel, que, quando iluminados, ficavam com um
esverdeado claro, olhos realmente lindos. Sempre apoiando o Liviêr em tudo,
segurava a barra quando ele pisava na bola, o que ocorria com certa
frequência.

Na data do evento, foram à casa do Oliver, chegando um pouco antes dos


outros convidados, inclusive foi uma recomendação do amigo, para poder
explicar um pouco mais aos dois sobre como seria a sessão.

Ao entrarem na casa, Liviêr ficou impressionado com a preparação do local, a


lona que fechava a garagem era muito bem instalada, era azul e nova, cobria
o portão completamente e ele reparou que havia umas roldanas para levantar
a lona, que ficava perfeitamente acomodada na parte superior acima do
portão presa à parede. Cadeiras de plástico brancas, com apoio de braços, já
estavam dispostas pelo recinto e estavam bem separadas uma das outras, ao
todo eram seis cadeiras, portanto, pensou ele “tem mais três pessoas que não
devo conhecer”. No canto da parede à sua esquerda com a parede em frente à
lona, estava uma mesa de aço dobrável cor cinza, com duas garrafas de vidro
de um litro cada, com um líquido marrom escuro e meio espesso, parecendo
café com leite, copos plásticos descartáveis e uma vela branca acesa.
Também espalhados pelas paredes havia vários vasos de diversas plantas,
inclusive algumas samambaias penduradas. Realmente ele sentiu um clima
diferente, com a luz apagada, somente a luz da vela iluminando todo o
ambiente, do lado direito da parede em frente à lona, estava um notebook e
várias caixas de som pequenas acopladas a ele, cinco ao todo, provavelmente
de seu home theater.

Cumprimentaram-se e entraram na sala, ficando sentados no sofá, um


ambiente bem aconchegante, com um tapete bem confortável no chão e uma
mesa de centro, onde estavam vários papéis impressos.

Na sala, estava também à esposa do Oliver, a Aline, de 45 anos, com um


olhar meio ao longe, pois ela tinha um problema de saúde e tomava uns
remédios fortes, por esse motivo ela não participaria da sessão. Como eram
todos conhecidos de longa data, o ambiente estava bem amistoso e
descontraído, com várias piadinhas de ambas as partes para quebrar o gelo.
Após todos estarem bem à vontade, o Oliver pegou alguns papéis de cima da
mesa do centro da sala e começou a explicar.

— Aqui estão algumas informações a respeito da ayahuasca — disse


entregando na mão do Liviêr. Ele os pegou e só deu uma passada de vistas
sobre os papéis e entregou à sua esposa, que começou a ler com mais
interesse.

Então Oliver começou a explicar com mais detalhes sobre a sessão que
estariam prestes a iniciar.

— Esta é uma sessão xamânica — disse ele. — As músicas serão variadas,


mas principalmente músicas indígenas e xamânicas, que são muito legais e
provavelmente vocês nunca as tenham ouvido, pelo menos a grande maioria e
também mantras indianos. Nós vamos tomar o chá e vamos nos sentar, as
sensações demoram um pouco para começar, variam um pouco de pessoa
para pessoa e pode nem acontecer nada, então não criem nenhuma
expectativa a princípio. Essa sensação com a alteração da consciência
chamamos da força da ayahuasca, ou “borracheira” e também terão
provavelmente visões, que chamamos de “mirações”. Vocês poderão sentir
uma sensação de mal-estar, que a pressão parece estar baixando e um
formigamento nas pernas e braços, fiquem tranquilos que isso é normal, ou
como disse antes, pode não acontecer nada, então não fiquem preocupados, o
medo no início também é normal, é uma sensação nova e tudo que é novo dá
medo.

A Vanessa parou de dar vistas nos papéis, colocou-os de volta em cima da


mesinha e ficou prestando atenção no que Oliver dizia, porém o Liviêr ouvia
displicentemente.

E Oliver continuou sua explicação.


— A bebida tem um gosto muito ruim, por isso, assim que tomarmos, vou
passar uns pedaços de maçã para comermos e tirar um pouco do gosto, ok? A
sessão dura quatro horas e, após duas horas, vou convidar a todos a tomar
mais uma dose, não é obrigatório, claro, mas se estiverem dispostos, poderão
tomar e se aprofundar na experiência.

Nesse ponto, o Liviêr questionou.

— Quatro horas? — perguntou assustado.

— Vamos ficar ouvindo músicas durante quatro horas — voltou a falar


incrédulo.

— É isso mesmo, quatro horas e não pode sair durante a sessão — retrucou
Oliver.

E o Liviêr começou a achar que tinha entrado em uma roubada, incrédulo


como sempre.

E o Oliver continuou:

— Se começarem a sentir mal, tem uns colchonetes que vou deixar perto das
cadeiras para deitarem, ok? Outra coisa que pode acontecer é a limpeza, então
vocês poderão ter ânsia de vômito que é bem normal, ou diarreia que é mais
difícil, mas pode acontecer, o importante é que se sentirem a necessidade de
vomitar ou ir ao banheiro, não fiquem segurando, uma que não dá — e deu
uma risadinha — vai logo, quero dizer que não é para ficar lutando contra a
sensação.

Nisso se levantaram e, seguindo o Oliver para o ambiente da sessão, ele


começou a dizer os locais onde o Liviêr e sua esposa deveriam sentar-se,
assim que se acomodaram nas cadeiras, a campainha tocou e chegaram os
outros convidados.
Da cadeira de plástico branca, encostado na parede, ele viu dois homens e
uma mulher entrarem no ambiente, logo ele se levantou e foram apresentados
primeiramente aos dois rapazes de idade entre 25 e 30 anos, sendo um de
nome Paulo, o mais velho, com cabelos bem negros e lisos com uma
acentuada franja, de pele clara e olhos castanhos escuros, o outro rapaz
Marcos, um pouco mais alto, com barba mais espessa, cabelos castanhos
claros e olhos também castanhos claros e, por último, a mulher de nome
Marta, com um pouco mais de 30 anos, cabelos loiros e longos, pele bem
clara e olhos cor de mel, todos bastante simpáticos, depois das apresentações,
o Oliver começou a falar.

— Bom, pessoal, vocês que já participaram das sessões aqui comigo e estão
acostumados não se importem se eu der um pouco mais de atenção ao Liviêr
e à Vanessa, pois é a primeira vez para os dois, ok?

Todos acenaram a cabeça concordando.

E continuou.

— Eu vou preparar as doses, que será mais ou menos 100 ml, e quando cada
um pegar seu copo, espere para bebermos todos juntos, vou dizer uma
pequena prece e todos repitam comigo, em seguida tomaremos, ok?

E assim foi feito e todos ficaram aguardando o Oliver preparar as músicas e


se postar para fazer a prece.

E então iniciou.

— Que Deus nos guie no caminho da luz agora e sempre.

Todos repetiram e o Oliver continuou com mais uma prece em voz baixa e
quando terminou, falou:

— Podemos todos beber.


E assim todos beberam.

O Liviêr não achou nada demais com relação ao gosto da bebida, era como
vinho azedo, tomou sem pestanejar e ainda pensou “Já bebi coisa bem pior e
não reclamei” e inclusive recusou a fatia de maçã oferecida a ele.

Todos se sentaram em suas respectivas cadeiras e a música começou a tocar


em uma altura razoável, porém o som das caixas acústicas de boa qualidade
deixava o ambiente bem agradável.

As músicas indígenas deixaram o Liviêr um pouco perturbado e pensou “O


que estou fazendo aqui? Que roubada o Oliver nos colocou, ficar quatro horas
aqui ouvindo isso, vai ser complicado, ainda sentado nessa cadeira
desconfortável, meu Deus .

Ele foi tentando se acalmar e relaxar, afinal não tinha o que fazer a não ser
esperar e tentar dar uma cochilada, ali mesmo na cadeira, o que ele fazia bem,
dormia em qualquer lugar.

Quando já estava tocando a terceira ou quarta música, eram todas bem


longas, ele começou a sentir um desconforto, um calor por todo o corpo,
como se a pressão sanguínea estivesse sendo alterada e teve que tirar
inclusive a blusa que estava vestindo, pois estava um dia frio, apesar de ser
primavera, era o mês de setembro.

A sensação de desconforto foi aumentando e ele começou a pensar que estava


à beira de um colapso, pegou o colchonete que o Oliver havia colocado
próximo às cadeiras e com certa dificuldade o desenrolou e deitou-se.

Ele não sabia o que pensar nem o que fazer, o desespero foi aumentando e de
repente sua visão mudou, o desconforto diminuiu, luzes começaram a girar,
mesmo com seus olhos fechados, como um caleidoscópio, nesse momento ele
entrou em êxtase, maravilhado com a experiência visual que estava
experimentando.
E de repente veio novamente à onda de mal-estar e junto a sensação de ânsia,
então se lembrou do que o Oliver havia explicado e correu para o tanque que
havia na lavanderia, ao lado da garagem, que era bem ampla. Além do tanque
fixado na parede oposta da parede que dividia os dois ambientes, também
havia uma máquina de lavar com toalhas esticadas em cima, colocada
estrategicamente para essa eventualidade. Na parede do fundo, havia uma
churrasqueira de alvenaria e um balcão de mármore suspenso, preso entre a
churrasqueira e a parede que dividia a garagem e a lavanderia, em cima do
balcão um caldeirão de ferro de tamanho médio, ardendo em fogo, algo que
ele não havia percebido e que o Oliver não havia mencionado, também havia
duas gaiolas, uma com um casal de periquitos e a outra com uma calopsita
amarela, muito bonita.

Ele chegou rapidamente no tanque vomitando muito, após algum tempo e


depois de várias contrações do abdômen, ainda tendo as mirações, pensou “O
que estou fazendo aqui? Vou morrer de tanto vomitar”. Implorou para tudo
aquilo acabar, então depois de uma última contração mais forte e longa, a
sensação de enjoo parou, ele se recompôs e, ao contrário do que imaginava,
em vez de cansado, estava muito bem e com uma sensação de leveza, se
lavou, enxaguou a boca e usou uma das tolhas para se secar.

Ele voltou para a garagem, parando junto a um pequeno portão, que dividia
os dois ambientes e olhou para todos, percebeu que a Vanessa estava com
olhos fechados e deitada no colchonete, os dois rapazes e a mulher
continuavam sentados nas cadeiras, com os olhos também fechados, todos
aparentemente não se deram conta do que havia acontecido com ele, o que até
achou engraçado, pois realmente todos pareciam em um transe profundo e
não percebiam o que acontecia em volta. O Oliver estava no colchonete,
porém sentado com as pernas cruzadas, em posição de semilótus, com os
olhos fechados, mas quando o Liviêr estava parado no portão, ele os abriu e
acenou com a cabeça, como quem pergunta se está tudo bem. O Liviêr
também acenou e sorriu, dando a entender que estava tudo ótimo, então
Oliver voltou a fechar os olhos e se concentrou novamente.

O Liviêr voltou meio cambaleando para seu lugar e, mesmo com os olhos
abertos, ele via as luzes e a sensação de bem-estar tomou conta dele. Ao
deitar-se, fechou novamente os olhos e as mirações iam e vinham, nas cores
do arco-íris, estava encantado e começou interagir com as músicas, conforme
ouvia as letras e as melodias, ele podia ver a música transformando-se em
imagens. Ele começou a vislumbrar o que aparentava ser a imagem de um
pássaro, mais precisamente de um beija-flor, pois estava tocando naquele
momento à música da Elisa Cristal, Voo do Beija-flor, foi a primeira música
que ele conseguiu acompanhar a letra, com a força da “burracheira” lhe
envolvendo, e viajou na onda e nas cores da música e gargalhou alto em uma
felicidade imensa.
Voo do Beija-flor

Voo silencioso do mistério do amor


Fecho os olhos para ver onde vou
Voar pelo infinito daquilo que eu sou
Desvendar o oceano interior
Beija-flor me leva
Beija-flor desperta (em mim)
Me leva nas águas deste rio encantador
Vale dourado do meu lindo beija-flor
Voar neste azul, o sol a se pôr
Vento suave me traz o frescor
Beija-flor me leva
Beija-flor desperta (em mim)
Beija suave e faz abrir todas as pétalas desta flor
Brilho da mata que incendeia o buscador
Passarinho que me encanta, canta o canto do amor
Me leva para onde você for
Beija-flor me leva
Beija-flor desperta (em mim)

** Fonte: Letra tirada da internet


Depois do deslumbre daquele momento, de música e luz, ele começou a
prestar atenção nas ondas da “burracheira” que vinham e iam, e quando
vinham, sentia um zumbido no ouvido e as mirações se apresentavam mais
intensas, logo após, quando a onda ia, ele entrava em um estado de
consciência profunda e imagens das pessoas que ele ama começaram a
aparecer em sua mente, com uma clareza espantosa, primeiramente seus
filhos, como se estivessem um pouco acima dele em um camarote, o
assistindo e sorrindo, em volta deles uma luminosidade incrível de cor
azulada, como uma auréola que os cercava. Ele ficou interagindo com
aquelas imagens por algum tempo, aí se deu conta de que a Vanessa estava
ali com ele e, em um súbito movimento, se sentou para observá-la, que estava
deitada de lado com as pernas dobradas e olhos fechados, como se estivesse
dormindo, aparentando muita tranquilidade e com um leve sorriso no rosto,
um semblante de paz e felicidade. Ficou contemplando sua esposa por um
momento e depois voltou a deitar-se e se entregou a força da ayahuasca por
completo.

Durante todo o processo na primeira parte, ele continuou vendo imagens de


luz e de pessoas de sua família, sua mãe, seus irmãos e seus parentes por
parte da família de sua mãe, aos quais era muito ligado, sempre sorrindo e lhe
estendendo a mão, em várias ocasiões, ele se pegou também com a mão
estendida, como se estivesse os abraçando ou cumprimentando.

Então, de repente, as músicas cessaram e o Oliver começou a falar a todos.

— Senhores, chegamos ao fim da primeira parte, quem quiser se aprofundar


na experiência, estão todos convidados a tomar a segunda dose. — Se dirigiu
à mesa onde estavam os litros com a bebida e começou a encher os copos.

Todos se postaram de pé e se aproximaram do Oliver para pegar suas


respectivas doses e o processo se deu da mesma maneira que no início.

A segunda parte correu com a mesma intensidade, só não houve a limpeza e


com músicas diferentes, com muitos mantras indianos e algumas músicas de
umbanda, porém com a força da “burracheira”, eram de extrema elevação
espiritual e o contato com o divino foi a tônica da segunda parte da
experiência.

Então, quando ele menos esperava, o Oliver quebrou o silêncio que reinava
no ambiente, exceto pelas músicas, que também cessaram.

Oliver disse:

— Senhores, chegamos ao fim da sessão, espero que todos tenham tido uma
boa experiência.

Todos se ajeitaram, os que estavam no colchonete se sentaram nas cadeiras e


se formou um círculo, o Oliver colocou a vela acesa no meio.

Cada um descreveu superficialmente sua experiência.

O contexto geral era de pura gratidão, amor e sentimentos sublimes, os


semblantes de todos eram muito leves e relaxados.

Após isso, o Oliver convidou a todos para tomar um lanche, a mesa na


cozinha tinha bolos, alguns salgados e sucos. Já era por volta da uma hora da
manhã e a sessão havia se iniciado às 20 horas, portanto, ao todo se passaram
cinco horas desde aquele momento em que o Liviêr se achou em uma
situação totalmente apática, onde a expectativa era a mais baixa possível e
agora estava com outra visão, exposto à profunda integração com o todo, com
o Universo, enfim com Deus.

E assim foi a primeira experiência do Liviêr com a professora divina.


Ainda era só a primeira experiência, muita coisa ainda iria ter que acontecer
para uma real transformação se iniciar, mas a semente foi plantada e tudo
agora dependeria dele e de como ele iria digerir tudo aquilo.

No caminho para casa, ele e a Vanessa conversaram pouco, pois, além da


hora, os dois estavam com muita coisa em mente e não entendiam direito
todo aquele turbilhão de emoções, seria necessário algum tempo para
assimilar tudo.

E a vida seguiu adiante, os primeiros dias ele ficou tentando processar


aqueles sentimentos e pensamentos, mas logo a rotina, os vícios e os afazeres
do dia a dia se incumbiram de dizimar tudo e as atitudes e pensamentos
voltaram a ser como antes, vazios e sem rumo.

Durante os primeiros dias, o Oliver manteve contato, com a finalidade


específica de sondar como ele estava reagindo e na esperança que ele voltasse
a uma próxima sessão.

Após uns 15 dias, o Oliver foi pessoalmente convidá-lo.

— Então, Liviêr, estou preparando outra sessão para daqui a 2 dias, eu queria
te convidar para participar novamente, o ideal é uma sessão a cada 15 dias,
pois, durante esse período, a ayahuasca ainda trabalha em seu organismo e
agora seria a hora de renovar todo o processo, o que você me diz?

Ele ficou pensativo, ficou de falar com a esposa e dar uma resposta, pareceu
meio evasivo, mas Oliver manteve as esperanças.

Assim, no dia seguinte, um dia antes da sessão, ele confirmou a participação,


porém iria só, pois a esposa não estava se sentindo bem por aqueles dias e
preferia não participar.

No dia da sessão, ele foi à casa do Oliver e chegou com boa antecedência,
dessa vez já se encontrava lá um antigo amigo de ambos, o Rinaldo, um
homem na casa dos 40 e poucos anos, bem alto, de mais de 1,80 de altura,
moreno, com um rosto bem peculiar. O Liviêr não o via há muitos anos,
porém ele o reconheceu no mesmo instante, os três foram companheiros na
juventude de várias peripécias e eles ficaram muito felizes com a surpresa do
encontro depois de mais de vinte anos sem contato, surpresa essa preparada
pelo Oliver, que não havia comunicado a ambos sobre quem estaria
participando daquela sessão.

Conversaram bastante os três, pondo as conversas em dia, sem abordar o


tema que os reunia ali.

Após um bom tempo de conversa, ouviu-se a campainha e o Oliver foi


receber um casal, que chegara para completar o grupo que estaria junto
naquela ocasião.

O casal em questão se tratava de Paulo e Marta, que o Liviêr já conhecia da


reunião anterior, então Oliver os apresentou para o Rinaldo e todos se
cumprimentaram e continuaram já no ambiente da garagem, onde o Oliver os
recebera e o Liviêr e o Rinaldo o haviam seguido.

Dessa vez o Oliver não havia preparado os lugares, as cadeiras estavam


empilhadas no canto junto com os colchonetes, ele deixou-os à vontade para
que escolhessem os lugares e decidir se usariam cadeiras ou colchonetes,
todos escolheram os colchonetes, inclusive o Oliver, e os distribuíram
próximo às paredes e se acomodaram.

E tudo se iniciou como a sessão anterior, porém desta vez o Liviêr aceitou a
maçã, pois o gosto da bebida já era bem mais acentuado, apesar de ser
exatamente a mesma, sentindo certo desconforto no estômago só em segurar
o copo.
A diferença foi o Rinaldo, que não teve uma experiência positiva. Apesar da
conversa descontraída que se deu antes, ele estava muito ansioso e não
conseguiu entrar na força e ficou bastante desconfortável durante todo o
tempo, o Oliver teve que se desdobrar para mantê-lo tranquilo, pois ele queria
ir embora durante a sessão, até que o Oliver decidiu levá-lo para a sala e o
deixou mais acomodado, com a TV ligada com o som o mais baixo possível.

Apesar da situação que se passou com o Rinaldo, para todos os outros as


experiências foram profundas e abrangentes, com muita luz e conexão com o
divino, conforme os relatos após o término da sessão, inclusive com a
participação do Rinaldo que se juntou ao grupo e relatou sua decepção por
não ter entrado na força como todos, inclusive ele tomou as duas doses, mas,
mesmo assim, não conseguiu ter uma boa experiência.

“Uma pena”, pensou Liviêr, que ficou sem entender como alguém poderia
não ter experiência com a ayahuasca, mas era apenas a segunda vez que ele
estava participando e com certeza haveria muitas outras coisas que ele ainda
não entendia e coisas que ele nem desconfiava, que estariam por vir.

Como da vez anterior, nos dias seguintes, ele tentou mudar seu jeito de se
relacionar com as pessoas, principalmente em casa com a esposa e filhos,
mas novamente o de sempre, a rotina o engoliu e após algum tempo tudo
voltou à estaca zero, para o vazio.

E assim se passou algum tempo, ele participou de mais quatro sessões,


sempre com o mesmo roteiro, apenas alternando os participantes, os únicos
constantes era o Liviêr e claro o próprio Oliver, inclusive fizeram uma sessão
somente os dois e o relacionamento entre eles se estreitou ainda mais, eles se
comunicavam quase todos os dias. Além de amigos de longa data, desde o
colegial, ainda eram compadres, o Liviêr é padrinho da filha do Oliver e os
dois são padrinhos de casamento um do outro, então realmente é um
relacionamento bem profundo, porém a vida se encarrega de afastar as
pessoas, principalmente por culpa delas mesmas, que sempre arrumam
desculpas para tudo, só não para o próprio umbigo, para o Ego, para o
egoísmo e assim foi com o Liviêr que, por um bom período, ficou afastado do
amigo, que por muitas vezes o procurou, mas sempre eram contatos
superficiais ou em festinhas de aniversários dos filhos, até que ele também se
distanciou.

Agora estavam unidos novamente em um propósito muito nobre, a evolução


pessoal, pelo menos por parte do Oliver, que já estava naquele caminho há
bem mais tempo. Há pelo menos uns três anos ele teve contato com a
professora divina, em uma chácara de uma cidade do interior, levado por um
amigo psicólogo, já havia feito cursos e estava se preparando e claro teve
acesso à ayahuasca por conta desse tempo que estava na jornada do
conhecimento e começou a ministrar as sessões. Enquanto o Liviêr era
apenas um principiante, sendo um aprendiz, seguindo os passos do amigo.

Oliver, além do contato com a sagrada bebida, também era frequentador


assíduo de um centro espírita kardecista, o qual ele também convidou o
Liviêr para participar.

Liviêr já era simpatizante do espiritismo kardecista e, inclusive, frequentou


algumas vezes um centro próximo à sua casa junto com a esposa, então ele
até balançou em ir com o amigo, porém sempre alguma coisa o impedia, a
rotina o consumia, espiritualidade, elevação pessoal, ele não tinha
consciência disso, no fundo, ele tinha essa necessidade, porém não sabia
como levar isso a outro nível, achava que seu modo de vida vazio era o único
jeito de ser.

Ele participava das sessões com o Oliver, acreditando que poderia mudar e
realmente pensava assim, que aquele era o caminho, pois o conhecimento
proporcionado pela Professora Divina estava começando a entrar em sua
mente, mas lhe faltava forças, sua rotina vazia era o mundo em que ele estava
habituado, sair daquela condição lhe parecia impossível, deixar coisas como
o álcool, conversas em bares, uma vida desleixada e sem compromissos
firmes parecia fora de seu alcance.

O álcool se tornou seu passatempo, o centro do seu mundo há muito tempo,


em seu ponto de vista, era muito bom, sendo mais importante inclusive que a
própria família. Se ele estava contente ou triste não importava, esse
companheiro egoísta estava com ele desde sempre e pensava “se não mudei
até agora, porque mudar então se sou feliz assim”. Quanta ilusão.

O ser contraditório enxerga um caminho que lhe parecia o correto e até quer
segui-lo, mas permanece no caminho que estava habituado, por ser mais fácil,
não conseguindo quebrar paradigmas.

E esse desconforto emocional começou a aumentar e, em várias ocasiões em


que ele conversava com um amigo, que ele conheceu em um bar próximo de
seu trabalho, um lugar onde ele se sentia em casa e conhecia todos que ali
frequentavam, onde almoçava quase todos os dias. Todos chamavam esse
amigo de Gênio, tinha mais ou menos uns 50 anos, com uma barba bem
proeminente e cabelos longos que estavam sempre amarrados em estilo rabo
de cavalo. O dono do estabelecimento chamava-se Saulo, uma pessoa muito
agradável, que estava sempre de bom humor e muito prestativo, que ele tinha
muito apreço. Frequentava aquele local há uns 7 anos e conhecia o Gênio a
uns 6 anos. De vários conhecidos que ele tinha em bares, esse talvez fosse o
único que ele realmente podia chamar de amigo e sempre trocavam altas
ideias e confidências. Em uma dessas conversas, ele relatou com todos os
detalhes sobre as sessões que ele estava participando na casa do Olivier,
então expressou ao amigo sua angústia e a vontade que estava de mudar seus
hábitos e que talvez não tivesse a força necessária para combater o vício do
álcool, que a seu ver era o principal fator que o impedia de dar uma guinada
em seu comportamento.

— Então, Gênio, estou fazendo as sessões com o Oliver e está sendo muito
bom, tudo que vem em minha mente, durante a experiência, me mostra o
caminho certo, mas quando chego aqui no dia a dia, fico perdido e quando
venho aqui para almoçar, já fico nessa expectativa de tomar uma cerveja,
você sabe como é. — E deu uma risada.

— É, Liviêr, sei muito bem como é — disse o amigo. — Se você está na


dúvida, então o melhor é nem vir, porque chegando aqui, já viu, tudo vai te
levar a pegar no copo, meu amigo.

— O pior é que eu sei disso, mas sou um safado, isso sim — falou em tom de
brincadeira.

— Liviêr, esse dilema que você está já é um bom sinal, falta um


empurrãozinho, segue nessa linha que mais cedo ou mais tarde a coisa
acontece.

— Tudo o que estou vivenciando com a ayahuasca é intenso e não quero


correr o risco de perder isso. Quando eu tinha uns 20 anos eu li um livro de
um autor chamado Carlos Castañeda, A Erva do Diabo, que falava sobre uma
experiência desse tipo, onde ele conhecia um índio mexicano de nome Dom
Juan, que o ensinou sobre as plantas de poder, no caso era o peyote, um cacto
alucinógeno que ensinava como ser uma pessoa impecável. Agora estou me
sentindo assim, um aprendiz e o Oliver sendo o índio me ensinando sobre a
planta de poder. — E deu uma longa risada. — No livro, Carlos Castañeda,
depois de alguns anos, desistiu de continuar os ensinamentos, pois era tudo
muito intenso e a mudança que ele tinha que fazer era muito grande, não quis
passar por aquela transformação. Aí fico me perguntando, será que pode
acontecer isso comigo, de desistir?

— Eu também li esse livro — disse Gênio — olha só que coincidência, e


lembro bem, mas não se deixe levar por isso, no livro ele questionava muito
se o que Dom Juan ensinava era real e entendi que essa não é sua questão,
sobre isso você não tem dúvida, não é mesmo?

— Correto, dúvidas não tenho sobre os ensinamentos, mas se terei força de


vontade para fazer o que é preciso, aí sim tenho muitas dúvidas — falou
sério.

O Liviêr ficou impressionado, como o Gênio poderia conhecer Carlos


Castañeda, o qual até então ele pensava ser um autor desconhecido. Em suas
muitas conversas com ele ao longo dos anos, o Gênio já se mostrara bem
inteligente e com vários conhecimentos em áreas diversas, apesar de seu
interesse principal ser a política e no passado ter até se filiado a um partido
comunista, comentou sobre vários livros que havia lido nessa linha, como
Karl Marx.

E a conversa dos dois se estendeu por um bom tempo e, no final antes de se


despedirem, o Gênio o lembrou de uma frase que dizia sempre.

— Mantenha a calma e o sorriso e tudo sempre se resolve. — Os dois


sorriram juntos e seguiram seus caminhos.

Naquele dia, ele ficou bem introspectivo, era véspera do fim de semana e
ficou em casa sem falar muito durante todo o tempo. A Vanessa estranhou,
porque ele não quis sair, nem ir à casa da mãe dela, coisa que eles faziam
praticamente todos os fins de semana, e lá havia um bar bem em frente, que
ele gostava muito de frequentar junto com os cunhados.

Durante a semana que se seguiu, ele manteve o controle e foi ao bar do Saulo
para almoçar normalmente, mas não pediu bebida alcoólica, deu uma
desculpa que estava doente e tomando remédios, então todos estranharam e
fizeram brincadeiras a respeito. O Gênio o acompanhou durante toda semana,
como sempre, eles sentavam juntos no balcão, no mesmo lugar, já eram
lugares cativos e se alguém estivesse sentado no local, quando chegavam, se
levantavam e sediam o lugar. Era muito difícil o dia que os dois não estavam
juntos ali e quando isso não acontecia, todos estranhavam, realmente era uma
dupla inseparável, pelo menos naquele local, porém o Gênio não comentou
sobre os motivos de ele não estar bebendo a costumeira cerveja, que inclusive
sempre dividiam a garrafa, ele sabia o porquê e o apoiou incondicionalmente,
realmente era um bom amigo.

Quando chegou novamente o fim de semana, tudo foi por água abaixo e
aquele pequeno período de abstinência ficou para trás, pois os cunhados
combinaram um churrasco na casa de sua sogra, regado a cervejas e outras
bebidas mais fortes e ele se entregou totalmente à bebedeira e a rotina na
semana seguinte voltou ao normal.

E assim seguia sua vida vazia, sabendo o que precisava ser feito, mas sem a
força necessária para fazê-lo.

Então chegou a data da próxima sessão, dessa vez só participaram ele, o


Oliver e mais um rapaz que foi apresentado ao Oliver por um amigo e seria a
primeira vez que tomaria a ayahuasca. Era para esse amigo participar
também, mas por um imprevisto não conseguiu chegar.

Após o Oliver os apresentarem, pois o rapaz havia chegado bem antes e o


Liviêr estava um pouco atrasado, ele fez todos os preparativos rapidamente
para o início da sessão, já não usavam cadeiras, era só os colchonetes
estendidos no chão. Tomaram o chá e se acomodaram.
O Oliver comentou que a sessão ia ser bem xamânica, que ele havia
conseguido um CD com músicas indígenas diferentes e ia tocá-las.

O Liviêr ficou aguardando a “burracheira”, prestando atenção aos mínimos


detalhes de seus efeitos iniciais, ele já havia se acostumado com todos eles.

E depois de alguns minutos, as sensações começaram, porém agora não era


mais um desconforto, o formigamento no corpo, a ânsia de vômito era agora
desejada por ele, pois sabia que a “burracheira” estava lhe envolvendo, porém
dessa vez a coisa foi um pouco diferente e as experiências que ele estava na
expectativa de vivenciar não aconteceram da forma que ele esperava.

Dessa vez, quando ele estava no tanque fazendo a limpeza, ele começou a
perceber algo muito estranho, ouviu muitas vozes de pessoas parecendo
querer entrar no local, ouviu vozes ameaçadoras, seguida vezes.

— Vamos entrar aí, está acontecendo uma festa aqui. — E muitas risadas. —
Deve ter cerveja, então vamos entrar. — E mais risadas, porém em tom
ameaçador.

Liviêr desesperado gesticulava para o Oliver. Com muito medo, ele pediu
para abaixar o som, o Oliver se levantou e foi até ele e tentou acalmá-lo.

— São pessoas passando na rua falando alto, calma, não se preocupe. — Mas
ele não entendia.

— Se vierem novamente, vamos ter que chamar a polícia — falou baixo e


muito preocupado.

E o Oliver o ajudou a ir até o seu colchonete, ele foi cambaleando muito e


não via as mirações que estava acostumado, deitou-se e falou novamente ao
Oliver.

— Se eles voltarem, vai ter que chamar a polícia, eu já os ouvi pelos menos
duas vezes ameaçando entrar aqui, você não ouviu?

— Calma, Liviêr, foram pessoas passando na calçada conversando, fique


calmo!

O outro rapaz, que aparentemente ainda não tinha entrado na força, ficou
sentado acompanhando a movimentação e os sussurros dos dois.

E antes que o Oliver chegasse ao seu lugar, o Liviêr levantou-se em um salto.


E falou agitado.

— Olha aí eles novamente, vão querer entrar aqui, vamos chamar a polícia,
vocês não estão ouvindo?

E o rapaz deu uma gargalhada e perguntou ao Oliver.

— O que está acontecendo?

— Não é nada, o Liviêr está ouvindo coisas, a força da “burracheira” o pegou


de jeito. — E deu uma risada discreta.

E o Oliver novamente falou com o Liviêr, tentando acalmá-lo.

— Calma, Liviêr, não tem ninguém querendo entrar aqui, foram pessoas que
passaram falando alto, mas já se foram, já te falei, deita aí e relaxa — falou
em um tom imperativo.

Então ele se deitou, mas tudo estava estranho, tudo estava muito escuro, não
havia a sensação de mal-estar físico, mas um sentimento de desespero e
começou a pensar que o Oliver havia colocado algo diferente na bebida.

E seu pensamento seguiu nessa linha de acusação “o que o Oliver tinha


feito?” Agora ele até se lembrava que o gosto do chá estava diferente, ele
estava sentindo sua boca anestesiada e isso não tinha acontecido das outras
vezes, “o Oliver colocou alguma coisa misturada junto com a ayahuasca, para
ver o que acontecia”.

“Filho da mãe, ele me ferrou, o que ele fez comigo? Quando isso acabar, vou
tirar satisfação e nunca mais volto aqui”, pensava ele desesperado.

E as músicas estranhas tocando, ele não conseguia se concentrar em nada,


estava tudo escuro e pedia desesperado pelas músicas que ele conhecia. Cadê
as músicas de luz? Essas só trazem escuridão.

Novamente ele estava tendo sensações difíceis com a ayahuasca, seu único
pensamento agora era que acabasse e, se ele não morresse no processo, não
tomaria nunca mais.

De repente, as músicas mudaram e começou a tocar as músicas mais leves


que ele estava acostumado das sessões anteriores, ele estava deitado de
bruços quase chorando, então ele se voltou de barriga para cima, se animou e
pensou: “Até que enfim as minhas músicas, que bom, agora vou ver as
luzes.” Porém não foi bem assim.

Apesar de o desespero ter passado, ele não via às mirações, porém começou a
sentir algo novo, um zumbido no ouvido muito forte, como se o Oliver
tivesse ligado um ventilador bem próximo a ele. Era uma vibração diferente
e, assim que o zumbido diminuiu, ele começou a ouvir vozes, sempre do lado
de fora, um pouco mais ao longe agora. Novamente veio a sensação de medo,
mas ele tentou se controlar e pensou que aquilo era só da sua cabeça, mas o
som era tão nítido, que ele se sentou e estendeu a cabeça, virando o ouvido
para perceber melhor. A essa altura, ele nem se preocupava mais com as
músicas, ou se o Oliver havia posto algo diferente na bebida, ele estava
intrigado e agora eram mulheres jovens, falando um monte de coisa
incompreensível, todas falando ao mesmo tempo, gritando e xingando.

Então ele começou a perceber um padrão, quando ele sentia a onda da


“burracheira” vir, ele também sentia a vibração no ouvido, como um
helicóptero, logo depois vinham as vozes e esse padrão se repetiu quase até o
fim da primeira parte da sessão. Conforme a força da ayahuasca baixava a
vibração no ouvido, as vozes também diminuíram, mas isso o incomodou
muito, porque ele não conseguia ignorá-las.

Quando o Oliver anunciou o fim da primeira parte, tudo aquilo já havia


diminuído, mas o Liviêr estava muito confuso e foi direto falar com o Oliver.

— Meu Deus, Oliver, o que aconteceu, vocês não ouviam os caras aí fora e
depois as mulheres brigando e xingando? — perguntou ansioso.

— No começo, realmente passou um pessoal falando alto, mas nada demais,


passaram na calçada subindo a rua, aqui em cima nas esquinas tem dois bares
e provavelmente estavam indo pra lá — explicou Oliver.

— Foi muito nítido tudo o que eu ouvi, hoje foi tudo diferente do que as
últimas vezes, você colocou alguma coisa misturada junto com a ayahuasca?

O Oliver deu uma gargalhada e falou:

— Claro que não, é o mesmo chá, olhe ali as garrafas, a “burracheira” foi que
te pegou de jeito, você pensou que seriam só luzes, é? — falou rindo. — A
coisa é séria, meu amigo, e tudo tem seu lado sombrio, ela te mostrou isso, a
vida é assim, nem tudo são flores.

— Nossa, realmente foi dessa forma, tudo escuro, fiquei sem rumo, sem
saber o que fazer e essas vozes, o ruído em meu ouvido e aquelas músicas
indígenas pesadas que você tocou no início, meu Deus, que desespero.

— Eu tive que trocar as músicas, achei que você ia ter um colapso, realmente
você ficou perturbado — disse Oliver sem parar de rir, achando a situação
hilária.
— E o que você acha que aconteceu, Oliver? — perguntou Liviêr com um
semblante sério.

— É assim mesmo, a força da ayahuasca tem várias maneiras de se


apresentar, você vai evoluindo dentro do processo e começa a ter percepções
diferentes do que está à sua volta, o seus sentidos vão se apurando, como
aconteceram com o zumbido em seus ouvidos. No início das mirações, foi o
sentido de visão mais apurado e hoje foi o da audição, como falei antes, tudo
que é novo dá medo e se seguir nesse caminho aos poucos conseguira
entender como tudo isso funciona, tem coisa que não dá para descrever, só
vivenciando para entender.

E continuou.

— Eu até comentei com você que também passei vários apuros no começo,
quando tive contato com a força da ayahuasca, e de vez em quando tenho
umas sessões pesadas, mas já entendo que isso é necessário. Naquele dia em
que o Rinaldo falou que não teve experiência, na verdade ele passou é mal,
não fisicamente, mas internamente, pois logo na primeira vez ele já foi pego
de jeito pela “burracheira” e não soube lidar. Muitas vezes isso acontece para
mostrar ao ser que ele ainda não está preparado. Tanto é que ele não quis
mais participar, foi uma das vezes que falei sobre isso, de como tive
experiências negativas e até mesmo algumas vezes achei que como o Rinaldo
não havia tido experiência alguma e fiquei muito frustrado, como aconteceu
com ele, e você não prestou atenção ou não deu importância e aí está. Todos
que realmente buscam um aprofundamento nos ensinamentos da professora
divina têm que passar por isso. Então vamos seguir em frente, vamos nos
aprofundar na experiência — falou Olivier sorrindo.

O amigo do Oliver não participou da conversa, até porque ele ainda estava
um pouco na força e ficou deitado em seu lugar e nem prestou atenção no que
estava acontecendo.

Então o Oliver fez um sinal para ele se levantar e juntar-se a eles para tomar a
segunda dose, mas ele se recusou e apenas balançou a cabeça negativamente.
Oliver insistiu perguntado se ele tinha certeza e ele novamente apenas
balançou a cabeça confirmando a decisão e fez um sinal que estava bem.

Então preparou as doses apenas para os dois, fizeram as preces e tomaram. O


Liviêr ficou adepto a maçã e comeu sua fatia rapidamente e depois mais outra
para aliviar o gosto e ajudar a engolir, pois agora havia uma sensação de
repulsa pela bebida, tomando com dificuldade e torcendo o nariz.

Voltaram aos seus lugares e ficaram sentados, o amigo do Oliver permaneceu


deitado e parecia dormir profundamente.

As músicas se iniciaram e o Liviêr estava bem relaxado, nem se lembrava do


apuro que passou há pouco.

Após algum tempo, o processo se iniciou e o Liviêr começou a sentir os


formigamentos, o calor e a sensação de enjoo, que veio muito forte. Ele
correu para o tanque e vomitou muito, as contrações do abdômen estavam
fortes e ele sentia um calafrio, o processo durou um bom tempo e o Oliver foi
até ele para ver se estava tudo bem. Liviêr só conseguia balançar a cabeça
negativamente e o Oliver deu uns tapinha em suas costas e falou em seus
ouvidos:

— Lembre-se, tudo tem começo, meio e fim, acalme-se que tudo vai ficar
bem.

Logo após essas palavras, a sensação de enjoo foi passando e Liviêr ficou
com aquelas palavras na cabeça, isso o acalmou profundamente, ele
enxaguou o rosto, se secou com uma das toalhas que estava em cima da
máquina de lavar como sempre e até pensou como a esposa do Oliver é
cuidadosa, mesmo não participando das sessões ela deixava tudo organizado,
então ele voltou para o tanque e abriu a torneira, para se certificar que tudo
havia ficado limpo.

Voltou para o seu colchonete e deitou-se, desta vez ele teve as mirações e
ficou mais aliviado, achando que na segunda parte as experiências seriam
como ele estava acostumado, porém não foi bem assim.

Logo começou o zumbido no ouvido como antes, parecendo um ventilador


ligado próximo a ele e começou a ouvir vozes muito estranhas, não eram
mais as mulheres brigando, mas um som rouco de homem falando bem ao
longe. A princípio, apenas um murmúrio inteligível e logo após parecia latido
e foi se transformando em palavras, começou a perceber como se chamasse o
seu nome ao fundo daquele murmúrio. Ele se sentou imediatamente e esticou
a cabeça, colocando o ouvido à frente, prestando muita atenção e tentando
entender as palavras.

Então seu nome ficou bem claro, a princípio ao longe e aos poucos mais
próximo, porém do lado de fora do outro lado da lona, ele ficou muito
assustado e perturbado, se levantou em um salto e quis chegar mais próximo
à lona, mas se conteve e sentou novamente.

Sentado, ficou olhando para a lona azul e várias partes dela estavam
iluminadas pela luz da vela e outras com sombras, criando formas e ele ficou
prestando atenção às formas que variavam conforme fixava o olhar, eram
rostos humanos de pessoas velhas, passando às vezes para demônios, que o
deixavam atônico e rapidamente fechava os olhos, quando abria, a imagem
humana voltava a aparecer. Ficou naquela “brisa” por um longo período, as
vozes nesse meio tempo diminuíram e então ele se deitou de costas para a
lona e voltou a atenção para as músicas, ficou assim por algum tempo.
Então de repente, ele pensou ter ouvido a lona balançar, girou o corpo
permanecendo deitado, olhou para a lona e viu algo que o arrepiou da nuca
até os pés. Entre o chão e a lona, em uma pequena fresta de uns cinco
centímetros, ele viu sombras caminhando, porém quando ele olhou a lona,
não havia formas de pessoas por trás, somente no rodapé, a impressão que ele
teve é que essas pegadas sombrias pararam mais ou menos em sua direção.
Ele sentou rapidamente para ver melhor e tentar entender à sua visão, as
pegadas sombrias se movimentaram, seguiram a lona até o final e
desapareceram. Seu coração disparou, ele não podia acreditar que era algo
real, lógico que era tudo em sua mente. Ele olhou para o rapaz deitado e para
o Oliver também deitado, ambos com os olhos fechados, quando ele virou-se
novamente para a lona, as pegadas voltaram em sentido contrário, foram e
voltaram de um lado para o outro por algumas vezes. Ele estava estarrecido,
aquilo era tão real e ao mesmo tempo sobrenatural, que ele não podia ignorar
aquilo e pensar que tudo era só em sua mente, ele estava com os olhos bem
abertos e olhando fixamente para o fenômeno, que duraram alguns minutos e
desapareceu.

Ele queria chamar o Oliver para falar sobre aquilo, mas desistiu. O que iria
dizer? No fim da sessão ele comentaria o fato. E começou a rir sozinho em
silêncio, percebendo que havia tido uma experiência espantosa e
sobrenatural.

Ficou olhando mais algum tempo para a direção da lona, para ver se
apareceria algo novamente, mas nada aconteceu. Ele olhou para a lona
tentando visualizar as imagens que vira anteriormente, entre a variação de luz
e sombra projetada pela vela, que estava em cima da mesinha dobrável na
parede oposta e, por mais que ele tentou, era só a lona azul, com luzes e
sombras normais.
Então ele voltou a deitar-se com a barriga para cima e a prestar atenção nas
músicas. Entre uma voz e outra que vinha e ia em seus ouvidos, na qual não
dava mais atenção e nem o incomodava tanto apesar de não conseguir ignorá-
las, ele seguiu a experiência de uma maneira mais tranquila até o fim, pois
achava que mais nada podia surpreendê-lo, quanta ingenuidade.

E as músicas terminaram e o Oliver falou a mesma frase que usava no fim


das sessões.

— Senhores, chegamos ao fim de mais uma sessão, espero que todos tenham
tido uma boa experiência.

E aos poucos após se recomporem, sentaram-se mais próximos e o Oliver


puxou a vela para junto deles e perguntou primeiramente ao rapaz como ele
estava e como fora sua experiência, ele falou bem superficialmente:

— Fiquei muito relaxado, mas não tive nenhuma visão, mas foi muito bom.

— Que bom — respondeu o Oliver com um sorriso, e insistiu: — Não teve


experiências mais profundas?

— Não, foi isso, um relaxamento profundo e estou me sentindo muito bem.

— Muito bom — respondeu ele novamente com um sorriso.

— E você, Liviêr, como foi?

E o Liviêr deu uma risada, balançou a cabeça como sem saber o que dizer e
falou:

— Bom, o que posso dizer é que foi diferente, realmente não sei o que
aconteceu, ainda estou meio atordoado com tudo isso, as vozes e as visões
que eu tive no início foram assustadoras, depois fui tentando ser mais
racional, mas realmente ainda não sei o que pensar a respeito.
— É, você deu uma surtada, fiquei preocupado e até mudei as músicas, senão
você ia entrar em parafuso — falou o Oliver dando risadas.

— É, vamos ver como que fica a mente depois de tudo isso — disse o Liviêr.

Ele ia entrar no mérito das pegadas sombrias, mas achou melhor deixar para
depois e falar a sós com o Oliver em outro momento.

Como sempre, terminaram tomando um lanche na mesa da cozinha,


despediram-se e cada um seguiu rumo às suas rotinas.

Quanto ao rapaz que participou daquela sessão, o Liviêr nunca mais teve
notícias e mesmo o Oliver também não ouviu mais falar dele, nem mesmo
lembrava-se de seu nome.

E Liviêr voltou ao seu dia a dia junto à família e para seu trabalho. Como
sempre após as sessões, ele prestava mais atenção em seu comportamento e
tentava assimilar o que aprendia em sua rotina, porém não era tão fácil e
passando alguns dias ele estava de volta em seu mundo vazio, mesmo sem se
dar conta, já estava envolvido em seus vícios e comportamentos costumeiros.

Passado algum tempo daquela sessão fora do comum, ele marcou um


encontro com o Oliver para conversar a respeito do que vivenciara.

E quando se encontram, o Liviêr começou a falar para o Oliver.

— Naquela sessão, além das vozes que eu ouvi no início, dos caras querendo
entrar na sua casa, teve bem mais, realmente acho que tive uma experiência
mais profunda envolvendo vozes e visões, não quis comentar naquele dia,
pois não estava à vontade com aquele rapaz.

— Aquele rapaz quem me indicou foi o meu amigo psicólogo — falou


Oliver. — Ele me pediu para fazer uma sessão com ele para tentar ajudá-lo,
mas também não fiquei à vontade com ele, acho que a energia dele realmente
estava pesada.

— Mas o que você ouviu e viu além daquela loucura do início? — E deu uma
risada. — Fiquei preocupado com o seu comportamento, mas isso acontece,
como foi a primeira vez, sei que é complicado, no momento em que você
estava fazendo a limpeza, passaram uns rapazes falando alto sobre bebidas e
festas e aquilo ficou na sua mente em um looping, por isso você ouviu a
mesma coisa algumas vezes e isso trouxe a confusão, agora por que você
achou que eles queriam entrar na minha casa só a sua mente para responder.

— Então, depois disso eu comecei a ouvir uma vibração em meus ouvidos


como um ventilador ligado bem próximo de mim e, quando o zumbido
diminuía, comecei a ouvir mais vozes, dessa vez eram moças brigando e
xingando, depois uma voz macabra que chamava meu nome, vi umas
sombras na parte debaixo da lona, que me deixou realmente muito intrigado,
não dá para dizer que foi só da minha mente, pois foi muito real.

— É, Liviêr, estamos mexendo com coisas que não compreendemos, estamos


invocando forças e entidades espirituais nas sessões, disso não tenho dúvidas,
um dia talvez isso fique mais claro e estaremos mais preparados para
entender, o fato é que você foi pego de jeito pela “burracheira” e foi exposto
a essas forças, por isso eu fico insistindo para você ir lá ao centro tomar um
passe de vez em quando, pra se livrar desses espíritos possessores que podem
estar com você, tudo indica que foram esses espíritos que se manifestaram na
sessão e te atormentaram.

— Entendi, vou fazer uma força de ir com você na próxima sessão no centro
espírita.

— Não vou convidá-lo mais, quando você achar que deve ir, é só me falar
que te levo, ok?
— Uma coisa eu sei — completou o Liviêr — nessa sessão perdi a
ingenuidade achando que era só luz, dessa vez só foi sombras.

E conversaram mais um pouco sobre esses e outros assuntos e se despediram,


já combinando a data da próxima sessão.

Naquela mesma semana, Liviêr aceitou o convite do Oliver e foram juntos ao


centro espírita, buscando clarear a mente e aliviar a sensação de peso que ele
sentia e não sabia explicar. Durante o tempo que ele passou no centro foi
gratificante e, no final após ele tomar o passe, ficou com uma sensação leve
que o emocionou e teve vontade de chorar. Antes de encontrar o Oliver que já
o esperava para irem embora juntos, ele foi até o banheiro lavar o rosto e se
recompor.

Já no carro no caminho ele comentou com Oliver a sua sensação de bem-estar


e agradeceu ao amigo, por insistir com ele para ir ao centro.

E depois daquela ocasião, ele foi por várias semanas seguidas ao centro e
inclusive começou um curso de mediunidade, que teria a duração de dois
anos, querendo buscar mais conhecimentos além das sessões com a
professora divina.

Pena que em sua vida vazia nada ia até o fim em termos de buscar
conhecimento, ele já havia desistido da Faculdade de Engenharia de
Software, que parou no segundo ano, depois fez até o primeiro ano outra
faculdade de Administração e há pouco tempo iniciou outra faculdade de
Filosofia, fez somente seis meses, dessa vez com o curso de mediunidade não
seria diferente.

Após algumas semanas, ele simplesmente parou de ir ao curso, alegando que


tinha que dar prioridade à família, uma vez que a cada 15 dias ele já
frequentava as sessões e também estava indo toda a semana no centro.
Porém naquele período, houve apenas uma vez que o Oliver ministrou uma
sessão em que ele participara e as experiências que ele vivenciou foram
novamente complicadas, dessa vez ele passou muito mal fisicamente,
vomitou várias vezes e, por conta disso, nem prestava atenção nas vibrações
no ouvido, vozes ou vultos, pois o mal-estar foi constante. Tomou apenas a
primeira dose, mesmo assim foi naquela condição até o fim, porém, no final,
após todo o expurgo que ele passara, estava leve e se sentindo bem e até
esquisito, mas é assim que funciona, a professora divina usa de todos os
artifícios para ensinar e se tiver que ser pela dor que assim seja, mas no final
ela mostra sua benevolência.

Ele sabia que passou muito mal porque no dia anterior e até mesmo durante o
dia da sessão ele havia ingerido álcool e comeu sem reservas, portanto a
ayahuasca cobrou o preço do descaso.

Ele também parou de ir ao centro, alegando a mesma desculpa esfarrapada,


ficando novamente no vazio de sua rotina, pois, querendo ou não, aquele
período o ajudou a sair por um tempo do seu cotidiano, mas algo o impedia
de dar andamento às mudanças que se apresentavam, algo que parecia ser
mais forte que ele.

Depois daquela fase de frequentar o centro, os dois amigos estavam


realmente próximos, se falando praticamente todos os dias, o Oliver como um
mestre e o Liviêr como aprendiz e estava indo bem, porém, com o
distanciamento do centro por parte do Liviêr, novamente se desligaram um
pouco, até porque, depois de umas semanas, o Olivier ficou doente, inclusive
teve que ficar internado por conta de uma infecção no pulmão. O último
contato que tiveram naquele período foi por conta de uma visita que o Liviêr
e a Vanessa fizeram a ele no hospital e esse afastamento foi por uns dois
meses, onde só se falaram por telefone algumas poucas vezes.
Então, sem as sessões e o contato com o Oliver menos constantes, sua vida se
voltou para seus vícios com mais intensidade e foi uma fase difícil para sua
família, tendo momentos que a união entre eles ficou por um fio, se não fosse
por sua esposa ser uma mulher iluminada, talvez o desfecho fosse diferente e
a história desse ser teria ido por outros caminhos, com certeza o levando ao
fundo do poço, do qual dificilmente teria uma saída digna.

Mas o Universo conspira a favor e quando as pessoas estão em caminhos


conturbados, presas ao egoísmo e ao ego, mas seu espírito tenta se resgatar,
as oportunidades para que isso ocorra se apresentam, basta o ser enxergar e
compreender que seu mundo está desmoronando e seguir o caminho da luz,
também ter pessoas à sua volta que acreditam e que vão lutar até o fim por
esse ser.

E o Liviêr tinha a sorte de ter pessoas assim ao seu lado e ele também sentia,
no fundo da alma, essa necessidade de se ajudar.

Em um domingo, ele tomou a iniciativa de combinar com o Oliver de fazer


um churrasco, Olivier gostou da ideia, porém preferiu que fosse na sua casa,
pois sua esposa estava um pouco triste, porque a filha deles havia viajado
para estudos ao exterior e já fazia alguns meses que ela estava fora. Isso
poderia animá-la e assim aconteceu.

É nesse ambiente amigável e descontraído, que eles entram no assunto da


ayahuasca, a princípio o Liviêr evitou o assunto, mas foi o Oliver que falou.

— E aí, Liviêr, faz tempo que não faço uma sessão, mesmo depois que
melhorei da infecção do pulmão e terminei os remédios, dei um tempo, não
estava me sentindo à vontade.

— O pessoal até me cobrou para saber quando eu ia fazer novamente, mas


não dei nenhuma data, inclusive o meu amigo psicólogo falou sobre um rapaz
que estava querendo vir participar, que ele estava precisando, pois estava em
depressão. O irmão dele teve um problema semelhante depois da morte do
pai e ele participou de uma sessão do Santo Daime, depois ficou muito bem.
Então ele comentou com o rapaz que me conhecia e estou com o contato dele,
estou pensado em fazer uma sessão e chamá-lo. E você, o que me diz?

Ele não havia comentado a fase difícil que passara, até para não parecer que
estava ali por conta disso, para falar sobre ayahuasca, mas no fundo o contato
e a ideia do churrasco teve essa finalidade, pelo menos lá no fundo ele tinha
essa esperança de o Oliver entrar no assunto e para sua felicidade isso estava
acontecendo.

— Eu estou bem — não dando o braço a torcer —, mas se você for fazer eu
estou disposto a participar, até porque as duas últimas foram complicadas,
você sabe, e preciso tirar a prova para saber se sigo no caminho ou se a
professora divina está me dizendo que não está mais disposta a me mostrar
seus desígnios.

— Vou ver com o pessoal quem está disposto a participar e marcar a data, aí
te informo, ok?

— Certo, fico no aguardo então.

E assim foi, terminaram o domingo, que para o Liviêr foi bem proveitoso e
seguiu a semana.

Ele ficou na expectativa da ligação do Oliver para marcar a sessão e ficou


angustiado, pois ele só ligou na semana seguinte.

— Oi, Liviêr, então, vou fazer a próxima sessão daqui a três dias, tudo bem
para você?

— Sim, estou dentro, pode contar comigo — falou bem animado.


— Vai alguém que eu conheço? perguntou curioso.

— Sim, o Paulo, o Marcos e a Marta, que participaram na sua primeira


sessão, e mais o rapaz indicado pelo meu amigo psicólogo que lhe falei, junto
com o irmão e mais um amigo deles.

— Tranquilo, então seremos oito, vai ser a sessão com mais pessoas que vou
participar com você, como vai fazer com os colchonetes? Ou vai usar
cadeiras, porque eu tenho quatro colchonetes, posso levar.

— Com certeza vou querer sim, então vou contar com eles, ok?

— Beleza, então está combinado.

Assim foi feito e, nos dias que antecederam a reunião, foi uma tortura para o
Liviêr, pois parecia que o tempo não passava, a ansiedade foi grande, ele
passou aqueles dias se preparando totalmente, ficou sem ingerir bebida
alcoólica e comeu muitas frutas, verduras e comidas leve, não queria passar
pelo apuro que havia passado na última vez, queria estar preparado na
plenitude para ter uma boa experiência, pois se fosse ao contrário, então
entenderia que não era para ele continuar o trabalho com a ayahuasca.

Enfim chegou o momento esperado, o qual ele se sentia totalmente


preparado, estava animado e chegou cedo, levando os colchonetes como
combinado. Oliver o recebeu com um longo abraço, como se não se vissem
há muito tempo.

— Que bom que você chegou cedo, tenho uma novidade para hoje, mas não
vou oferecer para todos, por isso marquei com você e com o Paulo um pouco
antes, na verdade são duas as novidades, olha isso aqui.

Enquanto ele falava, foram se dirigindo para a lavandeira onde ficava o


caldeirão aceso durante as sessões. Oliver havia explicado anteriormente que
era o fogo sagrado e o propósito de seu uso era de encaminhar os espíritos
que por ali estivessem para luz, o que aprendera em um curso xamânico que
fizera há uns anos atrás.

Atrás do caldeirão estava um tambor de mais ou menos uns 40 centímetros de


diâmetro e uns 8 centímetros de altura, em couro, sem nenhum ornamento, ou
desenhos, era bem simples.

Ele foi pegando o instrumento todo animado, pegou também a baqueta e foi
batendo no tambor, saindo um som grave e bem alto, explicou que ele
deixava perto do fogo para aquecer o couro, para esticá-lo.

— Esse é meu novo brinquedo — falou rindo e meio abobado. — Vamos ver
se na hora eu toco, não sei ainda o que vai acontecer, comprei com o cara que
eu pego a ayahuasca, como viriam mais pessoas, fui buscar um litro e
também comprei o tambor e isso aqui. — Mostrou um frasco de uns 10
centímetros com um pó marrom dentro e dois instrumentos de bambu com
ornamentos, parecendo artefatos indígenas, um maior como um trapézio e um
menor em V.

— Isso é rapé indígena e esses os aplicadores. — Começou a explicar. — É


uma medicina indígena que ajuda a relaxar, tem propriedades curativas, é um
preparo de ervas e cascas de certas árvores misturadas com tabaco e é
utilizado com esses instrumentos aqui. Este maior é o que vamos usar hoje, se
coloca este lado mais fino do instrumento na narina de quem vai receber a
medicina e depois é assoprado pelo outro lado por quem vai aplicar.

O Liviêr, a princípio, não achou aquilo muito atraente, ele conhecia o rapé
comum de tabaco e ele também não fumava, pelo menos esse vício ele não
tinha e não ficou muito entusiasmado com a ideia.

— Bem, Oliver, não sei não, esse negócio de tabaco não é comigo, não fiquei
muito empolgado com isso aí não.

— Bom, vamos aplicar uma vez para você conhecer, se não gostar, fica pela
experiência, você não vai virar fumante ou viciado em tabaco por conta disso.
— E deu uma risada.

— Tudo bem, vamos lá então — concordou relutante.

— Bom, vamos esperar o Paulo chegar e fazemos a aplicação, ok?

O Liviêr balançou a cabeça concordando e foram para a garagem se preparar


para o rapé.

Quando estavam esticando os colchonetes, o Paulo chegou, cumprimentaram-


se e o Liviêr sentou, enquanto o Oliver explicava o que estava para acontecer
ao Paulo.

Oliver colocou duas cadeiras, uma de frente a outra, sentou-se em uma e


chamou o Liviêr para sentar-se na outra, usou uma loção chamada água de
florida nas mãos e borrifou um pouco na mão do Liviêr, que achou a
fragrância muito agradável, depois esfregou uma mão na outra e despejou um
punhado, pegou o aplicador e encheu a ponta com o pó, explicou que ele
deveria manter a boca aberta e respirar por ela e não respirar pelo nariz logo
após a aplicação.

E o Liviêr segurou a ponta do aplicador e colocou no nariz, sem muito jeito e


o Oliver assoprou.
Uma pequena introdução sobre aplicação do Rapé

Kuripe Aplicação Tepi

O rapé nunca deve ser inspirado, deve sempre ser assoprado, tanto ao
autoaplicar-se ou receber o sopro por alguém preparado, deve-se conter a
respiração por alguns segundos para que o rapé não desça pela garganta e
cause algum desconforto, também é importante que a respiração seja feita
pela boca, até que a medicina comece a agir energeticamente.

Existe uma grande diferença entre fazer a autoaplicação do rapé ou por


meio de uma pessoa experiente no ritual. Porém, independentemente da
forma como se faz a consagração, ela deve ser feita com todo o respeito que
a medicina merece. Durante a aplicação, mantenha-se conectado com o
Divino e faça seus pedidos ao Poderoso Espírito do Rapé.

Tipos de sopros do rapé:

SOPRO DA JIBOIA: Sopro que começa suave e vai ficando forte, em um


único golpe, onde, no final do sopro, se trava a passagem de ar. Chama a
força da floresta e a energia de limpeza e cura da jiboia.

SOPRO DA ONÇA: Forte, direto e curto. Chama a força ancestral e o foco.

SOPRO DA TARTARUGA: Comprido e lento do começo ao fim, de forma


constante. Induz a estados profundos de meditação, ajuda a trabalhar a
paciência, traumas e bloqueios familiares.

SOPRO DOS SONHOS: O inverso do sopro da jiboia. Começa forte e vai


ficando suave. Induz aos sonhos, viagens astrais, ativa as capacidades
psíquicas, principalmente a terceira visão.

Existem outros tipos de sopro além desses e também pode desenvolver o


próprio método de aplicação.

Aguarde a aplicação na segunda narina, para só depois limpar o nariz. É


muito importante receber o sopro nas duas narinas, por conta do equilíbrio
como um todo.

A aplicação do rapé, inicialmente, gera algumas sensações de incômodo no


nariz, em algumas ocasiões podemos começar um processo de limpeza com
vômito, queda de pressão, suor ou saliva, dependendo muito de pessoa para
pessoa. Evite engolir a saliva, coloque tudo para fora, permita-se essa
limpeza. Caso o rapé vá para a garganta, não engula. É importante que você
cuspa todo esse excesso de rapé, pois se ingerido, pode causar incômodos,
respire um tempo pela boca, até sentir que já é possível respirar pelo nariz,
respire fundo, concentre um tempo somente em sua respiração.
** Fonte: internet
Claro que ao receber a aplicação do rapé pela primeira vez, o Liviêr não tinha
nenhum dos conhecimentos acima descritos e tão pouco sabia se o Oliver
conhecia a fundo sobre a medicina.

Então veio a sensação do rapé impregnando todo seu ser, a primeira coisa foi
a ardência em seu temporal frontal e começou a lacrimejar muito, em seguida
parecia que ia desmaiar, teve a sensação de seu cérebro apagar por um
segundo, tudo ficou escuro, isso tudo com a aplicação em apenas um dos
lados do nariz, foi com certeza uma das piores sensações que já vivenciou.
Ainda tinha o outro lado, o qual ele estava determinado em não deixar o
Oliver aplicar, mas não deu tempo, sem ele pensar o Oliver colocou o
aplicador na outra narina e assoprou, ele engasgou sentindo o ardume do rapé
em sua garganta se acentuar, pois ele já estava com a ardência da primeira
aplicação, sua mente rodopiou e todo seu corpo começou a formigar,
novamente a sensação de desmaio veio e seu cérebro apagou novamente, ele
praticamente perdeu os sentidos por alguns milésimos de segundos. A tosse o
trouxe de volta, engasgando, tossindo, lacrimejando, jogou a cabeça para trás,
pois não conseguia ficar ereto e piorou, pois o rapé desceu e travou sua
garganta não conseguindo respirar.

O Oliver falava.

— Respira pela boca, respira pela boca! — angustiado. — Calma, relaxa o


corpo e se concentre na respiração.

Mas ele não conseguia ouvir nada, estava babando e seu nariz queimava
muito, então o Oliver lhe deu papel higiênico para poder assoar o nariz.
Assim que assoou a queimação diminuiu e ele conseguiu se recompor,
enxugou a boca e assoou novamente o nariz com toda a força, tentado
eliminar o excesso, novamente ele vivenciava uma sensação de desespero, só
querendo que tudo terminasse.

Então ele tentou se levantar e chegar ao seu colchonete, pois precisava se


deitar, quando se levantou da cadeira suas pernas vacilaram e ele tombou.
Oliver o apoiou segurando-o pelos ombros, o encaminhou até seu lugar e o
ajudou a deitar-se.

Deitado, parecia estar flutuando, o formigamento deu lugar a um calafrio, sua


mente estava paralisada, não pensava em nada, nem mesmo nas sensações
que estava sentindo naquele momento. Depois de um tempo, tirou a blusa que
estava vestindo, então conseguiu relaxar, a única coisa que incomodava era a
queimação na garganta que vinha de vez em quando, a sensação durou uns 10
minutos e depois ele foi voltando a si.

— Oliver, você quer me matar, maluco — falou brincando. — Que coisa foi
essa, meu amigo? Meu Deus, nunca senti nada tão desconfortável, até a surra
que levei da ayahuasca na última sessão não se compara a isso, a diferença é
a duração do mal-estar, pelo menos foi rápido, porque se durasse mais,
realmente acho que iria morrer.

— Isso é medicina indígena, meu amigo, e tudo que cura cobra seu preço. —
E sorriu feliz pelo amigo estar melhor.

Então o Liviêr olhou para o Paulo que já estava deitado, provavelmente


passando por tudo aquilo e deu um sorriso sarcástico, balançando a cabeça e
perguntou para o Oliver.

— E você, não vai fazer o rapé? Jogou a gente nessa e vai ficar de boa.

— Olha aqui em minhas mãos, já estou me preparando, é que eu vou fazer


com o autoaplicador, estava esperando vocês se recomporem.

Em seguida, sentado na cadeira, fez a autoaplicação e ficou imóvel, o Liviêr


acompanhou todo o processo sentado em seu colchonete, aguardando todos
se recuperarem e se preparando mentalmente para a próxima etapa que seria
tomar o chá. Se havia começado com aquela intensidade, ficou imaginando
como seria a sequência daquela noite. Deu um certo frio na barriga ao
lembrar-se da limpeza e todo o desconforto que passara na sessão anterior.

Então, depois de alguns minutos, todos estavam bem e ficaram em seus


lugares sem conversar por algum tempo, até que o Oliver se levantou da
cadeira e quebrou o silêncio.

— E aí, meus amigos, o que me dizem?

E o Paulo foi primeiro a falar.

— Apesar da queimação no nariz e garganta, fiquei de boa, parecia que


estava nas nuvens.

E o Liviêr falou.

— Agora estou melhor, mas não passo por isso nunca mais, não curti nenhum
pouco essa experiência, é melhor deixar isso para os índios, é coisa de doido.
— E todos riram muito.

Logo depois a campainha tocou e a Marta chegou,. Oliver a recebeu e todos


se cumprimentaram e ela escolheu seu lugar, havia trazido um travesseiro e
uma manta, pois estava um pouco frio e ela veio preparada para ficar o mais
confortável possível, estavam no fim do outono e algumas noites estavam
bem frias.

Na sequência, chegaram os outros participantes. Quando os três rapazes


entrara, no recinto, o Liviêr ficou perplexo com o que viu, a aparência deles
era simplesmente fora do comum, parecendo terem saído do filme Mad Max.

O primeiro foi o Roger, de mais ou menos um 1,70 m, aparentando ter uns 30


anos, vestindo bermuda, com muitas tatuagens pelo corpo, seu cabelo era o
mais esquisito possível, de cor castanha com os lados da cabeça raspada e um
tufo para cima amarrado com elástico, lembrando um corte moicano, mas
bem bagunçado, com a barba e cavanhaque grande, porém com os fios ralos,
com olhos castanhos claros e apesar de todo o contesto rebelde, seu olhar era
amistoso e com um sorriso cativante. Mesmo com toda aquela aparência
esquisita, o Liviêr foi com a cara dele no mesmo instante.

O segundo chamado Lucimar, com um 1,75 m de altura, mais ou menos,


cabelos pretos também todo para cima preso com tiara, que de certa altura cai
para o lado, com uma barba grande e espessa, lembrando alguém da região do
Oriente Médio onde aquela visual é bem comum, também todo tatuado e com
roupas folgadas, aparentando ser o mais jovem dos três, com pouco menos de
30 anos. Apesar de toda a esquisitice como o amigo, seu semblante era de
ingenuidade e também se mostrava bem receptivo, não tendo nada a ver com
aquele visual extravagante.

Aparentando ser o mais sóbrio dos três, o Walter era também o mais alto,
com quase 1,80 m de altura, e também o mais velho, com uns 35 anos, bem
magro, sem barba, porém como se estivesse por fazer há alguns dias, cabelos
cortados à máquina quase raspado, com os olhos castanhos claros, vestido
normalmente com camiseta e calça jeans, se tivesse tatuagem não estava
aparente, sua fisionomia carrancuda o fazia parecer antipático, sem ser de
muita conversa.

Então o Oliver fez as devidas apresentações, depois se reuniu com eles em


sua sala para passar as explicações sobre a sessão. Após alguns minutos todos
voltaram para a garagem e todos se uniram próximo ao Oliver que serviu o
chá, fez as preces e todos beberam.

O Liviêr dessa vez ficou sentado em seu colchonete, de pernas cruzadas e


sobrepostas, como em meditação e aguardou os sintomas da “burracheira”
com paciência, não demorou muito para o chá fazer efeito e as mirações
aparecerem. Ele ficou feliz, pois veio com muitas cores e luzes e se deixou
levar, até que a necessidade da limpeza chegou, ele foi calmamente até o
tanque, aguardou as contrações abdominais e começou o processo, quando
terminou estava muito leve e voltou para seu lugar se sentindo muito bem.

Ele espalhou a água de florida na mão, sentou-se novamente na mesma


posição anterior, depois de algumas músicas na força da ayahuasca ele puxou
o capuz de sua blusa, cobriu a cabeça e começou um balanço para frente e
para trás, no ritmo da música, que o levou a um transe profundo de uma
maneira bem diferente do que as últimas experiências que ele havia tido.

Realmente cada sessão era bem distinta e não havia como prever como
seriam as experiências a serem vivenciadas. O Liviêr seguiu naquele ritmo de
balanço, entrando em transe e visualizando imagens nítidas e coesas, onde
estava andando em floresta, cavalgando e até mesmo como se estivesse
voando.

O Oliver usando o maracá, o qual ele sempre usava nas sessões, porém com a
novidade do tambor, variando entre um instrumento e outro junto com os
ritmos das músicas, levaram as sessões a outro nível. No final da primeira
parte, todos estavam eufóricos, a energia que estava emanando no ambiente
era espetacular, todos haviam entrado na força e estavam radiantes, até aquele
momento a sessão estava perfeita.
Todos tomaram a segunda dose e seguiu na força, ninguém fez a limpeza
dessa vez e a energia no ambiente continuou elevada, porém com o tambor
continuando a fazer a diferença, principalmente nas músicas indígenas e de
umbanda que o Oliver costumava tocar sempre na segunda parte.

Foi incrível, sentia-se algo diferente no ambiente e o Liviêr teve novamente


uma experiência visual fora do comum, ele percebeu entre os vasos de
plantas, que estavam enfileirados na parede oposta a ele, sombras
caminhando entre elas, ele esticou o corpo em direção aos vasos fixando o
olhar nas sombras para tentar definir se poderiam estar sendo projetada por
alguém ou alguma outra coisa, mas estavam todos deitados, então não
poderia ser dos participantes. Ele olhou na direção da vela em cima da mesa
no final da mesma parede que estavam os vasos, mas nada estava na frente da
luz que poderia estar projetando aquelas sombras. Então ele acompanhou
aquela movimentação por alguns segundos e, de repente, elas desapareceram
seguindo em direção à luz da vela quase que instantaneamente. Liviêr
esboçou um sorriso e balançou a cabeça de um lado ao outro, ali sozinho, não
acreditando no que viu, tentando ser racional, mas ao mesmo tempo não
tendo outra explicação, a não ser que viu alguma entidade se manifestando.

Nisso já era quase metade da segunda parte da sessão, logo depois ele se
deitou, pois seu corpo estava meio dolorido, principalmente as pernas por
conta de mantê-las cruzadas e do balanço que ele fez durante quase todo o
tempo e seguiu assim até o fim.

Então o Oliver encerrou a sessão e todos se acomodaram formando um


círculo em volta da vela que ele trouxe para o meio e iniciou perguntando ao
Paulo que estava a sua esquerda.

— E aí, meu caro Paulo, como foi a “burracheira”?


— Foi muito bom, melhor que aquela última que participei há uns meses
atrás, apesar de todas terem sido boas, mas hoje foi diferente, talvez o som do
tambor, não sei, estou me sentindo muito bem e muito agradecido, obrigado
por ceder sua casa para essa finalidade.

— Que é isso, eu que agradeço sua presença, aliás, a de todos, pois sem vocês
não haveria sessão — respondeu Oliver cordialmente.

— E você, Marta? — perguntou a ela seguindo a ordem da esquerda para


direita.

— Ah, Oliver, eu também estou me sentindo muito bem, todas as vezes me


senti assim, leve, mais próxima de Deus, querendo fazer o bem, tive as
mirações e foram maravilhosas, não tive a necessidade da limpeza, enfim,
estou nas nuvens. — Terminou dando um grande sorriso.

— Muito bom, fico feliz, o propósito destes nossos encontros é justamente


esta ligação com o divino.

— E você, Liviêr, o que me diz? As sessões anteriores você passou uns


apuros e hoje como foi? — Pulou a sequência deixando os novatos por
último.

— Hoje foi tudo perfeito, a novidade foi ficar balançando para frente e para
trás, foi sem pensar, simplesmente comecei e me levou a um transe total.

— É, eu percebi, no começo fiquei intrigado, depois me acostumei com seus


movimentos e não prestei mais atenção.

— É estranho, né? Simplesmente começar um movimento praticamente


involuntário, principalmente nos mantras, era irresistível e me deixei levar,
então viajei em minha mente, eu me vi no meio de uma floresta, parecia um
ritual, com uma fogueira grande no meio de uma aldeia indígena, depois
cavalguei com eles. Hoje foi assim, tive muitas experiências envolvendo
outros lugares e, meu amigo, nem sei direito como descrever isso.

Ele quis dividir um pouco mais aquelas emoções, mas, no fim, após algumas
tentativas, ele chegou à conclusão de que certas experiências só vivenciando,
não há como as descrever, também não comentou sobre as sombras, achou
melhor falar com o Oliver em outro momento.

E continuou.

— Mas hoje foi acima de todas as minhas expectativas, estou muito eufórico
ainda e não queria que a experiência terminasse. Agora é tentar mais uma vez
processar tudo isso e tentar tirar proveito para o dia a dia, tentar mudar a
rotina e, como todos, só tenho um sentimento profundo de gratidão. —
Completou entusiasmado.

— É isso mesmo, cada vez realmente é uma lição diferente — explicou


Oliver.

— E você, Walter, o que me diz, teve experiência?

— Sim, tive, eu já havia tomado antes e já tinha uma ideia de como seria,
mas hoje foi um pouco diferente da vez em que fui ao Santo Daime, hoje
parece que fiquei mais à vontade por ser um grupo menor, muito bom e muito
obrigado.

— Ok, então valeu?

— Sim, com certeza — respondeu Walter e ficando em silêncio.

— Ok e o nosso amigo Lucimar, o que nos diz?

— Ah “véio”, foi muito louco, estou sem palavras, sei lá, eu me vi falando
comigo mesmo, me dando umas duras, depois também como o nosso amigo
Liviêr falou, eu estava em outros lugares, não consigo explicar direito, só sei
que foi demais, mano. Estou sentindo muito amor, sei lá, é que posso dizer,
cara, muito amor e agradecer a você e a todos.

Todos riram com o jeito espontâneo que ele falou e então o Oliver perguntou
finalmente ao Roger.

— Então Roger, e você? Você veio indicado por um amigo em comum e eu


estava na expectativa de seu depoimento, o que você nos diz?

— Poxa, Oliver, como todos falaram, para mim não foi diferente, a
experiência foi formidável, me aprofundei em minha mente e vi o que precisa
ver e, claro, coisas que não são tão boas, mas faz parte. Acessei muitas
lembranças e estou muito feliz, só espero ter a oportunidade de poder
participar mais vezes e me aprofundar ainda mais nessas experiências. Como
todos, também quero te agradecer por nos aceitar aqui na sua casa, pessoas
que você nunca viu e nos recebeu com toda essa simpatia e alegria, obrigado
mesmo.

— O que é isso, eu é que agradeço a todos, estou muito feliz, por você e por
todos. Como falei antes, sem vocês aqui não teria sessão, ainda esta de hoje
que realmente foi especial, a energia estava diferente, ninguém passou mal, a
não ser o Liviêr que fez a limpeza na primeira parte, mas foi de boa. — E o
Liviêr concordou com a cabeça e ele continuou: — Eu usei a primeira vez o
tambor, estava sem saber se tocaria, mas essas coisas parece que não é a
gente que comanda, de repente eu simplesmente peguei e comecei bater e aí
foi, não sei se incomodei, mas foi. — E todos riram.

— Eu também tive uma experiência de muita luz e profundidade. —


Continuou Oliver. — Normalmente eu fico prestando atenção se estão todos
bem e aí acabo me boicotando um pouco, mas hoje me deixei levar, por isso
tenho que agradecer a todos novamente.

Depois de mais algumas conversas, o Oliver pegou os apetrechos do rapé e


começou a explicar sobre o que era aquela medicina e ofereceu a todos se
queriam receber uma aplicação. Ele falou que o Liviêr e o Paulo tinham feito
no início e perguntou se os dois queriam repetir o processo. O Paulo aceitou
de cara e o Liviêr simplesmente balançou a cabeça negativamente.

Então, o Oliver puxou um colchonete, sentou-se e o Paulo foi o primeiro a


receber, na sequência, todos participaram daquela pequena sessão de rapé. Só
o Liviêr não participou, mesmo com muita insistência do Oliver.

Todos gostaram muito da experiência do rapé. O Liviêr ficou admirado que


só ele não curtiu aquela medicina e ficou um pouco frustrado.

E depois de algum tempo, depois de todos comentarem sobre a nova


experiência, o Oliver os convidou a tomar um lanche na cozinha, todos o
seguiram e sentaram-se descontraídos. Enquanto comiam, conversaram por
muito tempo a respeito das experiências que vivenciaram e sobre outros
assuntos que os fizeram se conhecer melhor e se aproximarem ainda mais,
principalmente dos novos amigos.

O Liviêr e o Roger, que estavam sentados mais próximos, conversaram


muito, como se fossem amigos de longa data. O Roger, entre uma conversa e
outra, explicou que ele era tatuador e que tinha um estúdio e o Lucimar
também era tatuador e trabalhava com ele e o Walter era seu irmão mais
velho. Assim foi a conversa, se conhecendo uns aos outros, entrando
madrugada adentro.

E ninguém nem notava mais as aparências extravagantes deles, simplesmente


eram o que eram e ninguém se importava, gostavam da presença e do contato
com eles. Liviêr ficou pensando naquele dilema de ter julgado os meninos no
início e comentou sua indignação com ele mesmo e se desculpou, todos
riram, eles nem se importaram, já estavam acostumados.

Os primeiros a se despedir foram o Paulo e a Marta, que apesar de não


chegarem juntos ele ofereceu carona e claro pela hora ela aceitou de pronto,
pois havia chegado de táxi, e foram embora.

Então como os demais estavam ali no ambiente da garagem e os colchonetes


e os apetrechos do rapé estavam à mão, o Oliver ofereceu mais uma pequena
sessão a todos que ficaram. Os rapazes se prontificaram na hora aceitando,
porem o Liviêr aproveitou e se despediu também, não queria realmente
participar daquela medicina por um bom tempo ou talvez nunca mais e foi
embora deixando a todos se preparando para o rapé.

Já no carro pronto para ir embora, o Oliver confirmou que faria a próxima


sessão dali a 15 dias e o Liviêr confirmou que participaria com certeza.
Oliver falou que havia gostado muito dos meninos e que iria chamá-los para
participar novamente. Liviêr ficou feliz em saber que poderia rever os novos
amigos e foi embora muito satisfeito com aquela noite mágica.

Após uma ótima noite de sono e apesar de ter dormido por volta das três
horas da manhã, ele acordou cedo e bem-disposto, acordou a Vanessa com
muito carinho, que claro estranhou, mas ele queria demonstrar todo o amor
possível à família. Depois foi acordar os filhos, primeiro o Murilo com 16
anos, já um rapaz com um 1,75 de altura, olhos grandes e castanhos, um bom
porte físico, sendo um rapaz bem atraente, que acordou resmungando da
hora, também estranhando o carinho excessivo do pai. E por último a sua
filha Isis, com 14 anos, os olhos castanhos bem claros, de vez em quando
pareciam esverdeados como os da mãe, cabelos também castanhos claros, um
pouco mais baixa que o irmão, com a pele também clara e o corpo bem
harmonioso, uma menina realmente muito bonita, que também fez manha
para levantar, mas todos entraram no clima do pai, que estava muito feliz e
conseguiu transmitir a todos aquela felicidade e seguiu o domingo naquele
clima de harmonia.

Durante aquela semana, ele foi almoçar como de costume no bar do Saulo,
encontrou o Gênio, em seus lugares de sempre trocaram muitas ideias. Liviêr
falou sobre todos os detalhes da sessão, porém nos três primeiros dias da
semana ele se conteve e não dividiu a costumeira garrafa de cerveja com o
amigo, mas depois seguiu sua rotina normal que incluía o álcool.

Toda aquela euforia que o Liviêr estava sentindo após a sessão se seguiu nos
primeiros dias, porém, ao longo da semana, foi se perdendo. A rotina o
engolia muito fácil e tudo que vivenciara ficou para trás e como sabia que
teria a próxima, se apegava a isso, na esperança da mudança definitiva.

Naquele período que antecedeu a próxima sessão, ele tentou se aprofundar


um pouco mais sobre a medicina indígena, principalmente o rapé, pois sabia
que todos iam usar novamente e ele seria o único que ficaria de fora. Não
queria ser o chato da turma, porém, com o aprendizado que ele foi
absorvendo durante a pesquisa, foi ganhando confiança e até assistiu um
filme sobre o assunto, O Sopro da Serpente. Ficou entusiasmado e decidiu
que iria participar novamente da aplicação do rapé e tentar aceitar a medicina.

Ele também leu muito a respeito da ayahuasca e seus princípios ativos


tentando entender como funciona o seu efeito.
Uma breve explicação sobre o DMT
DMT E SEUS EFEITOS — ANÁLISE COMPLETA DA SUBSTÂNCIA

DMT — Tudo sobre a molécula

A Molécula de DMT

O DMT é encontrado naturalmente da família da triptamina. Ele trabalha


como um antagonista parcial para diversos receptores serotoninérgicos. O
DMT tem uma alta afinidade com o receptor de serotonina 5-HT2A, no
cérebro onde ele imita os efeitos da serotonina (5-hydroxitriptamina, ou 5-
HT). Sua presença é muito comum no reino das plantas e ocorre em
quantidades de traço nos mamíferos (incluindo humanos), onde ele funciona
como um neurotransmissor muito raro.

É universalmente considerado, por qualquer um que o tenha experimentado


em um ambiente positivo, como uma das mais incríveis experiências que um
ser humano poderia ter.

A experiência é vastamente diferente de tudo o que uma pessoa experimentou


previamente e as circunstâncias mais sóbrias possíveis nunca poderiam se
assemelhar em termos de profundidade e intensidade.

O DMT é degradado pela enzima monoamina oxidase através de um


processo chamado desaminação e, portanto, é uma molécula inativa se
tomada oralmente, a não ser que combinada como um inibidor da
monoamina oxidase (MAOI), tais como a harmalina ou um inibidor
reversível da monoamina oxidase A (RIMA) como por exemplo a harmina. É
assim que o DMT é ingerido tradicionalmente nas tribos sul-americanas,
através de um chá conhecido como ayahuasca.

O DMT é talvez o psicodélico psicologicamente menos intoxicante. É devido


a essa falta de intoxicação mental que muitas pessoas descrevem essa
molécula, não como uma viagem induzida por uma substância, mas uma
experiência genuína que está realmente acontecendo com eles. É interessante
notar que muitas pessoas reportam que o DMT contém menos insights
pessoais em comparação com psicodélicos oralmente ativos como, LSD e
psilocibina, devido aos seus efeitos de curta duração.

Os efeitos mentais do DMT podem ser descritos como extremamente sóbrios


e claros em seu estilo, quando tomado no chá da ayahuasca.

Os efeitos mais proeminentes geralmente incluem:


Aprimoramento do estado mental atual.
Remoção do filtro cultural.
Sensações de fascinação, importância e despertar.
Rejuvenescimento.
Comunicação direta com o subconsciente.
Supressão, perda e morte do ego.
Estados de união de interconexão.

Efeitos Visuais do DMT

O DMT apresenta uma gama completa de aprimoramentos visuais que


geralmente incluem:
Aumento na acuidade visual.
Aprimoramento das cores.
Aprimoramento do reconhecimento de padrões.
Em relação às alterações e distorções visuais, os efeitos experimentados são
detalhados abaixo:
Efeitos de distorção (derretimento, respirar, fundir e fluir) — Em
comparação com outros psicodélicos, esses efeitos podem ser descritos
como altamente detalhado. As distorções são lentas e suaves em seu
movimento, e estáticas na sua aparência.
Rastros.
Imagens persistentes.
Repetição de texturas.
Mudança de cores.
Divisão do cenário.

Isso é seguido por efeitos de geometria, os efeitos corporais incluem seu


corpo ser agradavelmente dobrado em todas as direções ao mesmo tempo a
partir do interior.

Esse fenômeno é geralmente acompanhado por um som crepitante e um tom


extenso de aumento de volume e frequência, proporcional à intensidade dos
efeitos visuais. Esse som é apenas um entre outros efeitos experimentados.

Os outros efeitos consistem em visitar uma realidade alternativa que é tão


real que está mais bem definida do que a vida real. Geralmente, isso se dá
com entidades autônomas múltiplas que se apresentam diante de você. Essas
entidades aparentam estar esperando por sua chegada e não ficam
impressionadas com a chegada do viajante em sua dimensão.

Elas imediatamente começam a recebê-lo e saudá-lo com braços abertos,


passando um sentimento de profunda preocupação com o que precisa ser
mostrado ao usuário no curto período de tempo.
Nesse ponto, apesar de se sentirem completamente sóbrios mentalmente,
muitas vezes ficam agitados e maravilhados, ao mesmo tempo em que as
entidades o encorajam a ficar calmo, não cair no espanto e simplesmente
tentar prestar atenção ao que está acontecendo. É aqui que eles começam a
se comunicar com você usando uma variedade de diferentes métodos, tais
como manipular diretamente o que você pode ver e visualizar, transmitindo
informações telepaticamente para você, utilizando uma linguagem visual de
puro significado linguístico ou matemático, ou uma combinação dos dois. É
através disso que eles ensinam a sua mensagem ou mostram o que eles
querem para você.

Essa mensagem é com frequência algo pessoal para você ou algo que
somente se aplica à lógica do universo em que ela foi ensinada. Essas
entidades, com frequência, são oniscientes e podem tomar qualquer forma,
mas algumas são de aparência comum a vários viajantes. Essas formas
geralmente incluem humanoides extremamente inteligentes e sem corpo,
alienígenas, ou seres de luz.

O estágio final é experimentado como a sensação de ser afastado cada vez


mais do cenário em que você estava colocado, as entidades com frequência
acenam despedidas e o encorajam a voltar quando você tiver a chance.

Uma vez que esse efeito acaba, você se encontrando imediatamente de volta
na realidade com efeitos geométricos visuais fortes, isso é acompanhado por
uma sensação de euforia incrível e uma admiração que satura todas as
partes de seu corpo e mente. A geometria visual permanece por vários
minutos antes de desaparecer completamente, deixando efeitos corporais
benéficos que permanecem por alguns dias, acompanhados de uma sensação
de bem-estar e claridade mental que pode permanecer por semanas após
uma boa viagem.
Efeitos na Saúde, Potencial para Dependência e Tolerância

Similarmente a outras drogas psicodélicas, existem relativamente poucos


efeitos colaterais físicos associados com a exposição adequada ao DMT.
Vários estudos demonstraram que, em doses razoáveis em um contexto
cuidadoso, ele não apresenta nenhuma consequência negativa, tanto em
termos cognitivos, psiquiátricos ou tóxicos. Em ratos, a dose letal média
(LD50) de MDT, quando administrado intravenalmente, é de 110 miligramas
por quilo (mg/kg). Isso significa que 6,6 gramas de DMT puro deveriam ser
ingeridos para que uma pessoa de 60 quilos atingisse a dosagem LD50 de
110 mg/kg dos ratos. Isso é aproximadamente 110 vezes a dosagem usual de
60 mg.

O DMT não é fisicamente viciante e muitos usuários apresentam uma


autorregulação para o uso da substância.

Equívocos

Antes de finalizarmos este artigo, vamos apontar alguns equívocos e


misticismos extremamente comuns que envolvem essa substância por toda a
internet. Esses equívocos envolvem a crença de que o DMT é naturalmente
produzido na glândula pineal e é rotineiramente liberado todas as noites
quando sonhamos, no momento do nascimento e no momento da morte. Não
existe nenhuma evidência científica conclusiva que ele é liberado durante os
sonhos, nascimento e morte. Apesar disso, muitas pessoas na internet
afirmam essas informações com frequência.

Essas ideias foram apresentadas pela primeira vez por Rick Strassman no
livro DMT: A Molécula do Espírito e foram então popularizadas por Terence
Mckenna, em suas obras com mais de vinte livros sobre o assunto.

Isso não é algo que o consenso científico apoia, mas foi provado
conclusivamente que traços de DMT foram encontrados no sangue, urina e
fluído espinal cerebral de alguns mamíferos incluindo os humanos, o DMT
também foi encontrado nas glândulas pineais de ratos, mas isso não significa
que temos qualquer motivo para acreditar que essa substância é liberada
durante o nascimento, morte e sonhos.

Parar a disseminação da pseudociência e para efeito na comunidade


cientifica, é importante, se quisermos que nossa posição seja levada com
seriedade, que entendamos que isso é algo que deve ser visto no âmbito da
hipótese.
** Fonte: internet

Com as informações que havia adquirido nas pesquisas, que pela primeira
vez se propôs a fazer, se sentia ainda mais preparado para a próxima sessão e
estava novamente muito ansioso.

Nos dois dias que antecederam a reunião na casa do Oliver, ele também se
preparou fisicamente, sem o consumo de álcool por mais difícil que poderia
ser, mas era por um bom motivo e também cuidou da alimentação, então
estava se sentindo totalmente pronto quando finalmente chegou o dia.

Ele chegou à casa do Oliver pelo menos uma hora antes do horário
combinado, ajudando a preparar o local. Os dois estavam bem animados e o
Liviêr perguntou quem havia confirmado.

— Bom, o Roger e o Lucimar confirmaram, mas o Walter não virá, no lugar


dele, o Roger vai trazer outro amigo, o Paulo e a Marta não confirmaram,
acho que não vêm.

— Então vou preparar tudo para cinco pessoas — falou o Liviêr.

E começou a ajeitar as coisas, espalharam os colchonetes, a mesa com os


copos, água, maçã e claro a ayahuasca, preparou o computador com as
músicas e as caixas de som e deixou tudo pronto.

O Oliver chegou com os apetrechos do rapé, olhando para o Liviêr com um ar


maroto.

— Olha aqui o que eu tenho pra você, está preparado?

— Então, você caiu do cavalo, vim sim preparado, inclusive fiz várias
pesquisas na internet a respeito do rapé e também do princípio ativo da
ayahuasca e outras medicinas indígenas e vou fazer o rapé sim.

— Muito bem, Senhor Liviêr, gostei do seu empenho, essa preparação é


importante para as experiências serem mais agradáveis, pois você fica ciente
de tudo que o pode acontecer e mais esperto.

— É aos poucos vou pegando o jeito e um dia chego ao seu patamar e viro
um mestre. — E deu uma gargalhada.

— O que é isso, meu amigo, eu sou tão aprendiz quanto você. Vamos esperar
o pessoal chegar para fazer o rapé todos juntos, ok?

E ficaram ali revendo se estava tudo em ordem, até que os rapazes chegaram.

Quando o Oliver abriu o portão para recebê-los, entrou primeiro o Roger, que
os cumprimentou com um grande abraço, demonstrando uma grande
satisfação por estar ali, depois o Lucimar que procedeu da mesma forma e por
último entrou o Regis, que trazia uma sacola com lanches e sucos, que
entregou ao Oliver ao cumprimentá-lo, depois se dirigiu até o Liviêr, se
apresentaram e cumprimentaram-se. Era um rapaz de uns 30 anos, com 1,70
de altura mais ou menos, muito magro, usando uma calça jeans bem apertada
e uma camiseta de rock, também todo tatuado, inclusive o pescoço, cabelos
pretos raspados dos lados da cabeça e a parte comprida caindo para o lado. Se
mostrou bem simpático e amigável, logo de cara o Liviêr gostou do rapaz.

O Oliver o chamou para a sala para passar as explicações sobre como


funcionava a sessão, inclusive sobre o rapé, e logo em seguida quando voltou,
ele foi direto para a mesinha, pegou os apetrechos do rapé e sentou-se no
colchonete.

— Pessoal, hoje vamos iniciar a sessão com a aplicação do rapé, ok? Todos
vão participar?

E todos balançaram a cabeça concordando que iam fazer o rapé, inclusive o


Liviêr, e se posicionaram em um semicírculo ao lado do Oliver. O primeiro
foi o Roger, quando terminou, foi para o seu lugar e assim se seguiu com
todos. O Liviêr ficou por último e dessa vez, apesar da sensação um pouco
desconfortável logo que o Oliver aplicou, após assoar o nariz e o ardume da
garganta parar, ele se sentiu muito bem e com uma sensação de leveza.

O Oliver fez a autoaplicação e depois de alguns minutos ele preparou as


doses do chá e serviu a todos, fez as preces e beberam, seguiram cada um
para o seu lugar, as músicas começaram a tocar e ficaram aguardando a
“burracheira” os absorver.

E aquela noite tudo fluiu muito bem, com o tambor, o maracá, as músicas
elevando a introspecções profundas aos participantes.

E a vida do Liviêr durante os meses que se seguiram foi nessa toada, sempre
participando das sessões, logo após passando por um período de calmaria e
depois de uns dias voltando à rotina que estava acostumado.

As reuniões na casa do Oliver continuaram com uma frequência quinzenal,


variando os participantes, os únicos constantes era o próprio Oliver, o Liviêr
e o Roger que, de vez em quando vinha acompanhado de algum amigo
diferente, os amigos do Oliver também alternavam a participação.

Assim se formou um laço de amizade muito forte entre os três, que estavam
sempre em contato e juntos nas sessões.

Além dos três, quem tinha uma presença mais constante era o Regis, porém
seu trabalho, que era no período da noite, o impedia de participar sempre.

Outro participante que naquele período começou a frequentar as reuniões foi


o Henrique, um rapaz bem magrinho, com 1,65 de altura, usava cavanhaque,
cabelo preto e sempre cortado baixo, e também tatuado. O Liviêr percebeu
que todos os amigos do Roger tinham tatuagens e pensou que, como eles se
tornaram grandes amigos, um dia talvez fosse ele a fazer uma também.

E assim foi durante quase seis meses, sem muitas variações, tanto nas sessões
como na vida do Liviêr, então o Roger apresentou dois novos membros, que
integraram o grupo.

O Arthur, um rapaz na casa dos 30 anos, de boa aparência, com m cabelo de


tom loiro escuro, bem cortados e usando barba bem aparada, muito educado,
sem o perfil extravagante dos amigos apresentados anteriormente pelo Roger,
apesar de sempre serem pessoas excelentes. Como não podia deixar de ser,
sendo amigo do Roger, mostrava várias tatuagens pelo corpo.
O outro amigo que ele apresentou foi o Alexandre, um rapaz moreno e forte,
com um pouco mais de 1,75 de altura, com uma barba bem espessa, cabelo
preto cortado baixo, também com tatuagens.

Nessa sessão, a qual os dois participaram pela primeira vez, estava presente
também o Marcos, o Regis, o Henrique, o Roger, o Liviêr, o Paulo, a Marta e,
claro, o próprio Oliver, num total de dez pessoas, onde todos esses já haviam
participado e seria a sessão com mais participantes até então.

O Oliver estava preocupado com a capacidade de receber todos


adequadamente, pois o espaço de sua garagem não era tão grande e também a
quantidade de colchonetes não seria suficiente.

No dia anterior, ele comentou com o Liviêr sua preocupação, que o


tranquilizou e se propôs a levar mais dois colchonetes completando um total
de dez, juntando com os que ele já possuía.

Assim foi feito e, na noite da sessão, como de costume o Liviêr chegou mais
cedo para ajudar o amigo a preparar tudo.

Conforme todos chegavam, se cumprimentavam e se acomodavam em seus


lugares, o Oliver chamou o Arthur e o Alexandre até a sala para conversar,
como fazia com todos os novatos.

Após voltarem, ele avisou que não fariam o rapé no início, mas sim durante a
sessão e também no final para quem quisesse.

Então ele preparou as doses com a ajuda do Liviêr, fizeram as preces e todos
beberam, sempre com aquela sensação de que não ia descer na garganta, pois
o chá causava essa sensação desconfortável ao se tomar, apenas os novatos
não fizeram cara feia.
O Oliver tomou uma quantidade menor que os demais, ele explicou que,
como tinha muitos participantes e ainda dois principiantes, ele queria estar
mais alerta se algo não estivesse bem. Se tudo corresse normalmente, então
ele tomaria um pouco mais durante o processo, assim ele se sentiria mais
tranquilo.

O Liviêr já o conhecia bem e sabia que a aquela atitude era bem típica dele,
queria sempre estar no controle, se preocupava com os detalhes, por isso era
advogado.

Mais uma vez a sessão foi espetacular, com a energia de todos fluindo de
maneira harmônica e com muitas luzes. O Liviêr, porém, foi fundo na visão e
interação com sua esposa e filhos, a qual ele sentia a algum tempo que estava
distante e até correndo risco de perdê-los. Mesmo com toda a mudança que
ele conseguiu com a professora divina, ainda assim ela não se encontrava em
seu dia a dia e essa situação veio fundo em sua experiência.

Logo na metade da primeira parte, ele começou a visualizá-los, como se


estivessem em um camarote acima dele, estavam em volta de uma áurea azul
celeste muito intensa, acenavam e riam para ele, porém aos poucos a visão foi
mudando, não havia palavras, mas ele percebia o que estavam dizendo sobre
o seu comportamento e uma distância entre eles começou a se formar. Ele
esticava a mão, porém não os alcançavam, as lágrimas começaram a rolar em
sua face, então a visão desapareceu de uma vez. Depois de algum tempo
começaram a vir individualmente, primeiro o Murilo, com a fisionomia
fechada, balançando a cabeça negativamente. O Liviêr levantava a mão,
porém ele não estendia de volta e ia se distanciando, já sem a áurea o
envolvendo. Depois a Isis com rosto sorridente e linda, porém aos poucos o
sorriso foi desaparecendo junto com sua fisionomia. Desesperado, ele tentava
manter a visão do rosto de sua filha à sua frente, mas ela sumiu, então a
Vanessa apareceu com uma fisionomia séria, ele tentava mudar em sua mente
aquela visão, mas ele não tinha controle, as lágrimas rolavam e ele em certo
momento se viu sentado em um canto, se via nitidamente e percebia o quanto
estava decadente, inchado, acabado, uma imagem de uma pessoa largada na
sarjeta, no fundo do poço e começou a rir dele mesmo e gargalhou alto,
apontando para a sua própria imagem. Então entendeu o que estava vendo,
que no caminho que seguia aquela era imagem de seu futuro próximo, ele
começou a conversar consigo mesmo, não só mentalmente, mas falando alto,
como em uma conversa normal entre duas pessoas, cobrando seu próprio
comportamento e essa conversa foi por um longo período, até quase o fim da
primeira parte da sessão.

Quando o Oliver convidou a todos a tomar a segunda dose, ele a princípio se


recusou, pois ficou com medo de tudo aquilo que estava sendo cobrado, mas
ponderou e percebeu que aquilo era necessário e então foi em frente.

Os outros participantes estavam bem animados, incluindo o Oliver, que


comentou brincando com o Liviêr, que ouviu a conversa com ele mesmo,
mas não sabia dizer do que se tratava o assunto, só ouvia sua voz e
recomendou que se fosse o caso de acontecer novamente, tentar falar
mentalmente ou mais baixo. O Liviêr deu uma risada sem graça e concordou.

Após a segunda dose, ele voltou pro seu lugar, ficando sentado como toda a
primeira parte, tentando se concentrar nas músicas, para ver se a segunda
parte seguisse por um caminho mais suave, porém, logo na sequência, ele
precisou fazer uma limpeza, o que não tinha acontecido no início e foi para
valer, as dores abdominais foram fortes e ele vomitou muito, ficou no tanque
por pelo menos uns 15 minutos. O Oliver foi até ele umas duas vezes para ver
se estava tudo bem e dar um apoio moral, pois ele sabia que não tinha nada o
que fazer.
Logo após passar a ânsia de vomito, ele ficou bem, melhor que esperava,
porém a “burracheira” aparentemente havia passado, ele se sentiu frustrado,
até quis voltar para o assunto com ele mesmo, mas nada aconteceu, tentava
entrar no transe com as músicas, fazendo o balanço com o corpo para frente e
para trás, sentado com as pernas cruzadas, mas também não fluiu, então ele
se deitou e ficou ali por um bom tempo, ele tentava chorar, mas não
conseguia.

Então ele chamou o Oliver e pediu para ele aplicar o rapé, para ver se ele
conseguia relaxar. De pronto eles se postaram no colchonete e veio aà
aplicação na primeira narina, o Oliver assoprou com vontade e sua têmpora
ardeu como se tivesse entrado uma faca por entre seus olhos, as lágrimas
inundaram seu rosto, ele respirava pela boca enquanto o Oliver preparava a
aplicação na segunda narina. Liviêr se postou rapidamente para receber o
segundo sopro, parecia que ele estava se punindo e veio a segunda onda,
ainda mais forte, sua cabeça ardeu como se várias facas estivessem entrando
pela sua testa. Ele pôs a mão na cabeça segurando-a, mas não adiantava, o
rapé entrou fundo em sua garganta, ele se sentiu sufocado, logo após a
ardência na cabeça diminuiu e ele assou o nariz e melhorou um pouco, seu
olhos lacrimejavam como nunca. Oliver se levantou e ele ficou sozinho no
seu colchonete e começou uma música que o levou a uma emoção profunda,
então as lágrimas não só rolavam em sua face, ele soluçava, colocando para
fora toda uma emoção que ele nem sabia que era possível. Chorou e soluçou
por mais de uma hora, durante esse choro arrebatador, ele falava consigo
mesmo sobre sua esposa, o quanto ele a amava e se cobrando, pois não sabia
mais agir como tal e nem demonstrar sua afeição a ela e aos filhos. Pedia
perdão e percebia todo o esforço e sacrifício que ela fazia para manter aquela
união, o quanto ela o valorizava e o quanto ele também a valorizava, que tudo
teria que ser diferente, chegaria em sua casa e, mesmo durante a madrugada,
iria acordá-la, beijá-la, abraçá-la, demonstrar todo o amor e afeição que ele
tinha por ela. Percebeu que muitas vezes dava mais valor aos outros do que à
sua própria família, que era o centro do seu mundo. Entendendo o quanto
estava no caminho errado, então ele estava decidido que no dia seguinte seria
outra pessoa.

Enquanto ele se banhava em choro, o Oliver veio ver seu estado e acalmá-lo,
naquele momento o Liviêr estava transbordando de amor e disse o que o
amava, que ele era seu melhor amigo. Oliver lhe deu um abraço e disse o
mesmo, percebeu o quanto tinha sorte, além da família, aquele amigo
espetacular, que se não fosse por ele, não estaria ali naquele momento tendo
todo aquele sentimento aflorado. Só o que restava era ele fazer a sua parte e
também os amar, não só em palavras e sentimentos, mas em atitude, pois
todos que o amava já faziam.

E essa sensação de amor infinito o levou novamente a ver as imagens de seus


filhos e sua esposa, envolvidos naquela áurea azul intensa, agora sorridentes e
felizes, ficou contemplando essa visão por um bom tempo.

Depois daquela limpeza do corpo e da alma, ele estava se sentindo o mais


leve que um ser humano pode se sentir, em paz e feliz. Com tudo em sua
mente bem definido, ficou deitado curtindo aquela sensação até o fim da
sessão e só pensava que, assim que terminasse, ele iria para casa o mais
rápido possível, não iria nem tomar o lanche com o pessoal.

Quando terminaram as músicas e o Oliver anunciou o fim da sessão, ele já


estava sentado, havia ido até o banheiro um pouco antes e lavado o rosto,
estava com o semblante sereno e tranquilo. Quando todos se sentaram em
círculo com a vela no meio e começaram os depoimentos, o Liviêr estava
sentado à esquerda do Oliver e propositalmente ele começou a perguntar pelo
primeiro à sua direita deixando-o por último.

E o primeiro foi o Paulo, que relatou:

— Bom, pessoal, eu já tive várias experiências e sei que uma é diferente da


outra, mas hoje não sei o que dizer, a energia que senti foi muito intensa,
talvez por estarmos com mais gente, a energia deve ter sido maior, estou
muito feliz com uma sensação de paz e amor me preenchendo por completo.

— Que bom, Paulo, eu estava preocupado por ter mais participantes que o de
costume hoje e ainda com o Arthur e o Alexandre sendo a primeira vez, mas
também senti a energia como você e, no início, me controlei para acompanhar
a todos, mas, depois de um tempo, percebi que tudo estava fluindo bem e
tomei a outra metade da dose e me entreguei — falou Oliver, que na
sequência perguntou a Marta.

— E você, Marta, o que nos diz de sua experiência?

— Bom, o que dizer? Simplesmente agradecer, este é o maior sentimento que


posso expressar neste momento, estou em paz, feliz, cheia de amor e
emocionada com toda a experiência. Enfim, Oliver, obrigado a você e a todos
aqui presentes, por compartilharem isso comigo.

— Nós também te agradecemos, Marta, por sua companhia e tenho certeza


que todos sentem o mesmo.

E assim foi perguntado um a um, que relataram as suas experiências na


mesma linha de sentimentos, ficando para o final o Alexandre, o Arthur e o
Liviêr.

E chegou a vez de o Alexandre falar:

— Nossa, meus amigos, eu estou atordoado com tudo que experimentei. Eu


já participo há alguns anos no candomblé, presenciei e senti muitas coisas lá,
mas aqui foi bem mais profundo, não há muito como falar mais do que já foi
dito por todos, também foi o que senti, uma sensação intensa, profunda e de
agradecimento. Acho que hoje esse sentimento de agradecimento foi a tônica
para todos, então, mais uma vez obrigado.

— E você, Arthur? O que pode nos acrescentar como foi essa primeira
experiência? — perguntou Olivier.

— Quando o Roger nos convidou a vir participar, ele nos falou dos
sentimentos, das mirações, de como tudo é intenso, então eu já vim com uma
expectativa, porém quando estamos aqui, não há como descrever em palavras
e fui fundo em minha mente, foi muito diferente das minhas experiências na
umbanda. No princípio, passei uns perrengues, mas aos poucos me soltei e,
principalmente na segunda parte, fui levado às sensações que pelo que vi foi
na mesma linha de todos. Então é isso, agradeço também a oportunidade de
estar aqui e se possível participar novamente para me aprofundar ainda mais.

— É isso aí, todos hoje tiveram uma boa experiência, fico feliz e você, meu
amigo, como foi? Acompanhei sua limpeza e que limpeza, hein? O que pode
nos contar? — perguntou Oliver ao Liviêr, fechando o grupo.

— Bom, meu amigo, não achei que seria possível uma jornada interior tão
profunda e renovadora como hoje, não há palavras para descrever e o único
pensamento que tenho agora é pôr em pratica o aprendizado. E digo a todos,
se de agora em diante eu não conseguir levar esse aprendizado para minha
vida e mudar meu cotidiano, então não mereço estar aqui e aí tenho que
desistir, pois não teria o porquê continuar, pois o mais difícil é enxergar a
verdade e não saber lidar com ela.

— Parabéns pela reflexão, espero do fundo do coração que você possa


converter esses sentimentos em atitudes — falou Oliver emocionado e fechou
a sessão, convidando a todos para o lanche da madrugada.

Todos se postaram à mesa e enquanto comiam, como sempre acontecia,


interagiam entre si, principalmente com os novos integrantes do grupo, que se
sentiram muito à vontade e conversaram ainda mais sobre as experiências de
cada um.

Ao chegar em casa, o Liviêr foi até a Vanessa, que estava dormindo


profundamente e ficou admirando-a por um instante, mas não a acordou,
como estava relaxado e feliz, deitou-se ao lado dela e dormiu profundamente,
deixando toda a demonstração de carinho e amor que estava sentindo para
quando acordasse, tentaria agir daquela forma sempre dali por diante.

E assim foi a mudança naqueles primeiros dias, foi grande e a Vanessa e seus
filhos ficaram intrigados e felizes com o comportamento dele, que inclusive
ficou sem ingerir álcool por umas duas semanas, porém com o decorrer do
tempo ele voltou a beber e a ter algumas atitudes mais estúpidas com todos.
Apesar de ter melhorado seu comportamento e estar se policiando para evitar
magoar principalmente à sua família, sua transformação ainda não havia se
iniciado completamente e a rotina se seguiu por mais um tempo sem muitas
novidades.

Nas sessões, agora sempre constando com a presença do Arthur e do


Alexandre, formou-se um grupo bem consistente, sempre participando além
deles o Liviêr, o Roger, o Henrique e o Olivier, de vez em quando se
integrava alguém diferente em uma sessão ou outra, porém os seis se
tornaram um grupo muito unido, se reunindo religiosamente a cada 15 dias.

Após alguns meses, com as reuniões sempre na casa do Oliver, o Henrique


propôs de fazer uma sessão em uma chácara no interior, que o seu pai era o
proprietário. Todos se empolgaram com a possibilidade de se reunirem em
um lugar diferente, junto à natureza e em céu aberto, inclusive podendo fazer
uma fogueira, seria perfeito.

Então, após combinarem e resolverem todos os detalhes, marcaram a data


para o evento.

Na ocasião, além dos seis, participariam também mais quatro pessoas que já
haviam participado anteriormente na casa do Oliver em outras reuniões.

Foram em dois carros e chegaram ao fim da tarde, porém ainda com céu
claro, o que permitiu conhecer bem o local.

A chácara era grande e bem estruturada, entre o muro com o portão de


entrada e a casa havia um espaço grande com o terreno limpo e com brita
espalhada, um espaço bem adequado onde fariam a sessão. Ao lado esquerdo
da casa, era a garagem que seguia até o fundo, onde se chegava a uma ampla
área de lazer, com churrasqueira, fogão a lenha e todos os equipamentos de
cozinha. Ao lado direito, uma piscina enorme com um comprimento que
seguia toda a área de lazer. A casa era composta por uma sala, banheiro e três
quartos bem amplos, sendo que a sala também estava preparada para ser um
quarto, não havia cozinha, pois essa estava disposta junto com a área de lazer.

Ao lado direito da casa, havia um terreno com uma área aberta que terminava
em uma pequena mata. Não havia vizinhos desse lado e, entre o espaço onde
ficava a casa e a mata, existia um pequeno vale que corria um riacho,
realmente era um lugar espetacular.

Depois de conhecerem o local, foram preparar o espaço da frente, onde


montaram uma grande fogueira, usaram a lenha que foram buscar em um
terreno que ficava a uns 300 metros, com muita madeira de eucalipto já
cortados e espalhados por lá, em volta, distribuíram cadeiras para contemplá-
la e ao lado delas os colchonetes. Oliver preparou o som e tudo ficou pronto
para um pouco mais tarde, quando se iniciariam os trabalhos. Nesse meio
tempo entre ajeitar as coisas e aguardarem ansiosamente tudo o que a noite
prometia, fizeram algumas sessões de rapé.

Programaram de fazer uma sessão mais longa para aproveitar bem a ocasião,
com seis horas de duração.

Por volta das nove horas da noite, o Liviêr acendeu a fogueira, após alguns
minutos, ela tomou uma bela forma e o fogo ficou consistente e todos se
reuniram a sua volta.

O Oliver preparou a mesa onde estava a ayahuasca, serviu as doses nos copos
e convidou a todos para a comunhão da bebida sagrada.

Tudo correu muito bem, a tônica da noite foi o deslumbre do céu estrelado,
era lua cheia e tudo estava iluminado com uma mística mágica.

Para o Liviêr, foi mais uma vez especial, com reflexões importantes sobre seu
despertar, sendo respondidas perguntas que o incomodavam e então uma voz
interna começou a debater com ele.

— Você percebe como os seres humanos enxergam a vida de uma maneira


negativa? — disse a voz internamente. — E isso gera dores e desconforto,
quando tem a opção de ver as coisas de modo diferente, mais positiva, não o
faz. Realmente o ser humano é contraditório e sempre prefere ver o mundo da
forma mais obscura, tentam sempre prever a situação mais trágica, como
quando uma pessoa que se ama se atrasa, sempre pensa o pior e não
simplesmente que encontrou um amigo e ficaram colocando a conversa em
dia, ou algo do gênero. E ainda quando a pessoa chega bem e feliz, ficam
chateados e bravos. Durante aquela apreensão da espera ainda pensa, tomara
que esteja com um problema sério, sofrido um acidente, ou algo assim,
porque senão vai se ver comigo. Olha o cúmulo do egoísmo de que o ser
humano é capaz, cobra-se das pessoas que se ama uma satisfação constante
ou as condena e o fato é que o sentimento é real e profundo, mesmo que tente
se desculpar e se convencer do contrário.

Todos os seres sabem ou já foram expostos a essa verdade de como seria


mais fácil e mais leve esta passagem terrena se agissem de forma diferente,
então por que procurar viver enfatizando o lado espiritual, que é muitas vezes
um caminho solitário, se a grande maioria dos seres terrenos seguem por
outro e só aí então chegar a verdade? Qual é a recompensa se todos os demais
seguem sem se questionar e chegarão ao final no mesmo lugar, seja em um
plano espiritual, em outra dimensão ou simplesmente como adubo para os
próximos seres viventes?

A resposta é simples, quando você desperta e percebe a ilusão do mundo em


que se vive, a prisão que é a rotina sem a perceber, o modo como se é
manipulado desde o nascimento por esta atual humanidade corrompida,
perdendo todos os objetivos do ser ao entrar nesse plano material, vivendo
em um ciclo de vícios e ilusões. Entenda que não estamos aqui por um mero
acaso, que tem um objetivo, que quando se desperta fica claro, não há uma
maneira de explicar esse sentimento, só quem está vivenciando esse
desenvolvimento espiritual pode entender, por isso esse caminho vale sim a
pena, pois se o ser existir somente para viver uma vida material, qual seria
então a razão da existência do todo? Por mais que quem não esteja nesse
caminho não entenda ou não queira entender, pois a complexidade do
universo ou multiverso ou qualquer que seja a nomenclatura dada à estrutura
da matéria a qual está confinado, e não tem tal compreensão para as razões de
este plano existir além da simples existência material, vazia e sem
compromissos e que os cientistas, ateus ou qualquer um que enxergue ou viva
por essa ótica discorde, é óbvia, está em atingirmos a evolução tanto do
espírito quanto do intelecto, que de fato já vem acontecendo desde o início
dos tempos. Porém, se perdeu essa visão nos últimos séculos, onde o
materialismo está sendo a tônica da vivência humana e que agora, com toda a
disponibilidade da informação e consequente amplitude dos conhecimentos,
há uma gama muito maior de seres buscando a compreensão da necessidade
de mudar e, naturalmente, há mais seres despertos à procura da evolução,
como no início da existência humana, onde o lado espiritual era muito mais
desenvolvido e agora estamos voltando a essa era.

Portanto, siga nesse caminho espiritual, entendendo os paradigmas de sua


consciência, que a recompensa virá e será a plenitude do ser, o único caminho
possível para uma humanidade evoluída.

Com tudo isso bombardeando sua mente, ele mais uma vez teve a certeza de
que a transformação de seu ser era uma necessidade, mas como e quando isso
ocorreria de fato era uma incógnita.
PARTE DOIS
O despertar
O que poderia acontecer na vida do Liviêr para as coisas tomar um rumo
diferente? Ele tinha aquela necessidade desde a juventude, de sair da rotina,
mudar sua vida radicalmente, sempre estava esperando algo acontecer, havia
vezes que até torcia para que algo ruim acontecesse para vivenciar algo
diferente, mesmo que fosse ruim, porém diferente.

E aquela sensação de vazio, que faltava algo sempre o acompanhou, claro


que não era o tempo todo, ele não era um depressivo e a grande maioria do
tempo ele se sentia feliz, apesar daqueles insights que o levavam àquele
desejo de algo acontecer e sua vida mudar.

Ele era um homem bem-sucedido em seu ponto de vista, sempre se deu bem
na área profissional, não era de grandes posses financeiras, mas se
enquadrava na dita classe média e sua família estava sempre bem cuidada,
apesar de momentos de má fase, como acontece para todos os seres, para ele
não era diferente, mas isso nunca o atrapalhou e, no geral, sua vida era
realmente tranquila, então por que aquela sensação o perseguia?

Nos últimos anos antes do encontro com a professora divina, sua vida havia
sim dado uma guinada. Na área financeira, ele começou a trabalhar por conta
própria, junto com sua esposa Vanessa e um sócio chamado Aurélio, uma
sociedade que deu muito certo desde o início. O Aurélio era uma pessoa
muito engenhosa, inteligente e, apesar de ser mais novo que o Liviêr, sempre
houve um respeito mútuo entre os dois, as ideias batiam, o entrosamento
entre eles era perfeito e se tornaram grandes amigos.

E só se conheceram um mês antes de se tornarem sócios, foi realmente algo


que as pessoas ficam a vida toda esperando acontecer e com ele finalmente
aconteceu.
Trabalhando em um ambiente tranquilo, com sua esposa ao lado, com um
sócio que se transformou em seu irmão, isso o levou a passar por um
momento de plenitude, como se tudo estivesse se encaixando e talvez aquele
fosse o que ele tanto esperava. Claro, se sentia em uma felicidade plena,
porém aquela felicidade o levava a querer comemorar e o álcool se tornou
mais uma vez um grande problema, como o companheiro extremamente
egoísta que é, acabou cobrando o preço.

Nessa fase, foi onde o Liviêr começou a frequentar o bar do Saulo


assiduamente, inclusive em horários de expediente, pois seu trabalho exigia
pouco em termos de horário e ele acabava tendo um tempo livre, porém, em
vez de dedicar esse tempo para aprimorar-se em algo mais valioso, não, seu
companheiro infiel cobrava sempre sua presença e assim foi durante alguns
anos, até que, em certo momento, o seu grande companheiro e sócio quis
seguir em caminho separado. A princípio, tanto o Liviêr como a Vanessa
ficaram sem entender, então o Aurélio acabou se abrindo e explicando sua
decisão.

O pai do Aurélio era muito próximo a ele e não gostava das visitas do Liviêr
ao bar do Saulo com aquela frequência e impedia o Aurélio de acompanhá-lo,
achava que o Liviêr era uma má influência para o filho. Apesar do Aurélio ter
já seus 30 anos, ele obedecia ao pai fielmente, era uma relação bem diferente
de pai e filho que ninguém entendia.

Então ele disse que não aguentava mais a pressão do pai e eles iam tocar o
negócio por conta própria. Mesmo bastante contrariado, o Aurélio acabou
saindo da sociedade.

Durante o primeiro ano que se seguiu após o fim da sociedade, o Liviêr e a


Vanessa se adaptaram bem e tudo corria tranquilo, porém, com o Aurélio não
aparentava estar como previsto. Durante todo aquele tempo ele não abriu
nenhum negócio próprio e esporadicamente tinha negócios específicos, que o
Liviêr o ajudava a desenrolar, eles não haviam em nenhum momento perdido
o vínculo. Mesmo com a desaprovação do pai, o Aurélio ia quase todos os
dias no local de trabalho do Liviêr e de vez em quando até mesmo escondido.

E muitas vezes o Aurélio se mostrou arrependido de ter saído da sociedade e


até mesmo depressivo, não foi por falta de convite, as portas estavam abertas
para ele voltar a trabalhar junto com o Liviêr e a Vanessa, mas ele não
cogitava essa possibilidade para não ir contra o pai.

Naquela mesma época, foi quando o Oliver convidou o Liviêr para participar
da primeira sessão. Ele sempre comentou em detalhes com o Aurélio sobre
suas experiências e sempre ficou em aberto a possibilidade de ele participar,
por mais que o Liviêr insistisse, nunca deu certo.

No final daquele ano, o Aurélio relatava sua angústia, já estava tomando


remédios pesados e sempre dizia:

— Sabe aquela sensação de domingo à noite, quando você sabe que a


segunda irá chegar quando acordar e você sente aquele vazio no estômago
que a gente não sabe explicar, então, eu sinto isso todo o tempo.

O Liviêr e a Vanessa sempre o ouviam e tentavam animá-lo e ele comentava:

— Por isso que eu adoro vir aqui, vocês sempre me põem para cima.

Então, um dia no bar do Saulo, em um local meio estratégico que se por


ventura o pai do Aurélio aparecesse não os veria, era o mês de dezembro, ele
falou ao Liviêr:

— Eu vou me matar.
— O que? Que loucura é essa que você está falando? — E o Liviêr deu uma
risada meio sem graça. — Essas coisas não são para pessoas como você,
inteligente, perspicaz e que sabe o que faz.

— Mas é sério, eu estou planejando tudo e vai ser mais rápido que você
pensa.

— Ô, Aurélio, eu sei que você está falando isso sem pensar, são esses
remédios fortes que você fica tomando, depois fica sem noção, mas se você
está falando isso, o que eu posso te dizer ou fazer para você parar com essas
ideias loucas? Você sabe que pode contar comigo para tudo, me diz aí o que
eu devo fazer?

— Não se preocupe, eu sei que se precisar posso contar, por isso estou aqui
agora. — E deu um sorriso tranquilizador e se levantou e pegou mais uma
garrafa de cerveja, quando sentou mudou totalmente o assunto.

Conversaram ali por mais um bom tempo e aquele assunto se perdeu.

O Liviêr não pensou mais a respeito do que o Aurélio havia dito e seguiu com
sua rotina normalmente, pois no fundo ele não levou a sério aquela ameaça.

Após algum tempo, o Aurélio pediu ao Liviêr para que se encontrassem após
o expediente que ele queria conversar, o Liviêr achou estranho pelo horário,
mas foi ao encontro dele.

Foi em uma quarta feira e foi uma noite agradável, falaram sobre vários
assuntos e nada a respeito daquela ideia idiota que o Aurélio havia dito antes.
Eles foram a três bares diferentes, um que o Liviêr conhecia, outro que o
Aurélio conhecia e outro que os dois frequentavam juntos de vez em quando.
Beberam e se divertiram até por volta das 10 horas da noite, quando se
despediram e seguiram para casa.
No dia seguinte, tudo estava bem, o Liviêr ligou para o Aurélio para saber se
depois do encontro ele havia ido direto para casa e ele confirmou que sim e
que estava tranquilo. Mais uma vez o Aurélio agradeceu pela companhia da
noite passada e se despediu de uma maneira um pouco formal, o Liviêr até
achou estranho, mas deixou para lá e seguiu em seu dia normal de trabalho.

No dia seguinte, no início da noite, o Liviêr recebeu uma ligação de um


amigo em comum com o Aurélio e deu a notícia bombástica.

— Liviêr, o que aconteceu com o Aurélio? Estou tentando ligar para ele e
não estou conseguindo, me falaram que ele deu um tiro na cabeça, mas eu
não acreditei, como não estou conseguindo falar com ele, eu te liguei para
saber o que está acontecendo?

— Pelo amor de Deus, que conversa é essa, meu amigo? Não estou sabendo
de nada, mas acho que isso não é verdade, inclusive estava com ele antes de
ontem e falei com ele ontem e estava tudo bem.

— Então, mas parece que aconteceu algo sim, pois não foi só uma pessoa que
me falou. Vai até casa dele e verifique o que pode estar acontecendo.

— Está certo, vou lá agora e depois te falo, mas não deve ser nada.

Então o Liviêr pegou a Vanessa e foram até a casa do Aurélio, que era
próxima da casa da mãe dela, onde eles estavam naquela noite.

Chegando lá, havia várias pessoas do lado de fora da casa, então ele percebeu
que realmente a coisa era séria. Ele ficou no carro sem saber o que fazer, a
Vanessa foi procurar alguém para conversar e entender o que estava se
passando.

Ela encontrou com uma amiga da família que confirmou a tragédia, o Aurélio
havia dado um tiro na cabeça durante a tarde e foi fatal.

Quando a Vanessa voltou ao carro, o Liviêr já havia entendido o que se


passara, ela não precisou falar nada, eles seguiram de volta à casa da mãe
dela sem conversar.

Aquela noite foi uma das piores na vida do Liviêr, não dormiu e ficou a noite
toda tentando compreender e entender o que deixou de fazer para poder ter
ajudado o amigo, que confessou a ele que tomaria aquela atitude. Ele não se
conformava e se culpava de não ter feito algo para impedir aquela tragédia.

Toda aquela lembrança veio à tona na mente do Liviêr sem piedade, logo
após a sessão na chácara, como se o cobrasse que, se houvesse uma mudança
anteriormente, o seu amigo, sócio e irmão, talvez não tivesse saído da
sociedade por causa de suas atitudes, ele estaria vivo naquele momento,
forçando a barra interiormente para ele ter coragem e tomar uma atitude que
mudasse de vez seu jeito de ser e agir, principalmente com sua esposa e
filhos, pois talvez fosse ele a perder tudo e depois não teria mais volta como
aconteceu com o Aurélio.

Não que de fato ele tivesse culpa de o amigo ter se matado e, por mais que
ele pudesse pensar dessa maneira, isso era mais uma forma de pensar que o
mundo gira em torno dele mesmo, o Ego falando mais alto, pois por certo
havia fatores que levaram o Aurélio a tomar aquela atitude que o Liviêr não
poderia nem desconfiar. É até ridículo ele achar que era tão importante assim
na vida do amigo, que poderia levá-lo aquela atitude por sua causa.

Mas isso martelava em sua mente e ele começou a agir um pouco diferente
em seu dia a dia, ele não parou de vez de tomar bebida alcoólica, mas
diminuiu bem, principalmente durante o período do meio da semana, até
pediu ajuda ao Oliver para conseguir uns remédios para poder parar de beber,
pois lá na chácara uns dos participantes era seu amigo psicólogo que indicou
um remédio que seria muito bom para aquela finalidade.

Então se seguiu aquela nova rotina na vida dele e da família, trabalhando com
mais dedicação durante o dia e durante a noite ele começou a ler, coisa que
sempre gostou, mas que o amigo egoísta não permitia. Mesmo ingerindo
álcool apenas nos fins de semana, ele ainda não estava contente, ele queria
parar de vez e aguardava que o remédio fizesse o efeito.

Naquele período, as sessões haviam mudado, não estavam sendo mais na casa
do Oliver, pois o número de participantes havia crescido após aquela sessão
espetacular na chácara e ele precisou ir atrás de outro lugar para receber a
todos. Na verdade, há algum bom tempo o Oliver comentava com o Liviêr
que queria achar outro lugar para as sessões, pois ele se preocupava com as
consequências de tudo que poderia ficar implicado em sua casa.

Ele foi apresentado a Mariza por seu amigo psicólogo, uma pessoa realmente
iluminada, uma moça na casa dos 30 anos com os cabelos claros e compridos,
magra, corpo bem feito, bonita e com um semblante bem calmo. Sua
aparência fazia jus ao trabalho que ela praticava, ela tinha um espaço
holístico onde ela ministrava várias atividades como Ioga, Shiatsu, Reiki,
entre outras voltadas ao equilíbrio do corpo e da mente, um local com as
dimensões e a energia ideal para o evento.

E assim foi pelo menos umas quatro sessões naquele ambiente agradável, que
era uma casa ampla, onde o salão com uma área de quatro metros de largura
por seis metros de comprimento acomodava bem umas 20 pessoas deitadas
nos colchonetes, com dois banheiros e uma cozinha que antecedia a sala, era
realmente um lugar perfeito.

Durante aquelas sessões, várias pessoas que o Liviêr não conhecia se


juntaram ao grupo e sempre era muito bom conhecer pessoas naquele
ambiente de espiritualidade elevada, o que dava mais força para ele continuar
na mudança que estava determinado a promover em sua vida.

Na última sessão em que o Liviêr participou no espaço da Mariza, foi na


primeira semana de um mês de dezembro. Foi algo mais uma vez muito
diferente e estranho. Dessa vez estavam participando 16 pessoas, todos já se
conheciam e o clima era sempre bem amistoso e alegre, porém ele estava um
pouco apreensivo e até comentou com o Oliver no caminho, pois sempre iam
juntos de carro até o local, sobre a insegurança que estava sentindo, sobre
aquela sensação sem uma explicação lógica. O amigo o acalmou e, após os
preparativos, tudo ocorria bem, todos tomaram o chá, se acomodaram em
seus colchonetes e as músicas começaram a tocar.

Logo no início na primeira música, veio no Liviêr um desconforto físico, não


do tipo que ele estava acostumado, como os formigamentos e as ânsias ou
coisas do gênero. Foi uma dor estranha no corpo, nos músculos, como se
estivesse levantado muito peso momento antes. Tentou relaxar balançando os
braços, ficou sentado e começou a balançar o corpo para frente e para trás
como um pêndulo, um movimento que ele sempre fazia durante as sessões
quando estava na força da ayahuasca, mas estava muito no início e a
“burracheira” ainda não o tinha pego. O desconforto em suas costas foi
insuportável e ele se deitou, tentou se acalmar e prestar atenção nas músicas,
esperando a força da ayahuasca envolver seu ser. Após algum tempo, a
“burracheira” chegou forte, o formigamento nas extremidades do corpo foi
bem acentuado e o desconforto no abdômen também veio forte, porém sem a
sensação de ânsia, o que o deixou preocupado, pois sempre que vomitava ele
ficava bem e entrava nas experiências profundamente.

Como a dor no abdômen estava muito forte, ele se levantou cambaleando e


foi para o banheiro, iria tentar forçar o vômito enfiando o dedo na garganta.
Já decorria uma meia hora do início da sessão e ele estava sofrendo bastante
até aquele momento. Quando ele chegou ao banheiro, a porta ficou
entreaberta e ele se sentou no chão, colocou os dedos na garganta tentando
forçar o vômito, mas não conseguiu e piorou ainda mais o desconforto. Ele
levantava a cabeça para o alto e revirava os olhos, tentando entender o que
estava acontecendo e acabou se deitando no chão, com as pernas para dentro
do banheiro e o tronco e a cabeça para fora. De onde ele estava, não dava
para ver os outros participantes, pois havia uma parede com uma pia para
lavar as mãos, que dividia os espaços do banheiro e o salão. Ele tentava
chamar o Oliver, mas não conseguia pronunciar nenhuma palavra, apenas uns
gemidos, que o som alto das músicas abafava completamente. Então ele
achou que estava passando por uma situação realmente preocupante e que de
fato poderia morrer naquele momento, se é que dá para saber qual é essa
sensação, então ele pensou.

— Não posso morrer aqui, vou comprometer todo mundo, o Olivier, a


Marisa, como vão explicar a minha morte, a ayahuasca seria culpada, de jeito
nenhum.

Ele voltou com o corpo inteiro para dentro do banheiro e então se agachou de
frente ao vaso. Durante todo aquele processo que parecia uma eternidade,
estava tocando a música “Ayahuasca Luz Divina Ilumina”, e então ele se
concentrou na música e a força da ayahuasca envolveu todo o seu corpo e sua
mente, e então veio o vômito, forte e abundante, que durou alguns minutos e,
durante a limpeza entre as contrações do abdômen, ele sentiu algo
impressionante. Ele percebeu como se uma sombra fosse puxada pelas suas
costas, por cima de seus ombros, ele inclusive olhou para cima e viu com
toda nitidez possível a sombra, já alguns centímetros acima de sua cabeça e
acompanhou aquele movimento até a sombra sumir pelo teto do banheiro.

Ayahuasca luz divina ilumina

Foi no romper na madrugada, que se ouviu os pássaros cantar, anunciando o povo e as matas que
rei Huascar vem chegando.
Vento que sopra, fruta cai e ninguém percebe quanto tempo leva a cigarra a cantar.
Suaves canções, os elementais, os cristais coloridos feito o arco íris.
Oh, íris, nos teus olhos claros, íris.
Oh, íris, ayahuasca luz divina ilumina.
Foi no romper na madrugada, que se ouviu os pássaros cantar, anunciando o povo e as matas que
mestre Yajé vem chegando.
Vento se lança, luz se derrama, senhor das plantas, ama Magé da paz, curandeiro das matas, nosso
guia nos ensina.
Rei Huascar, mestre Agé na água luz refletia.
Cipó que agarra folha sagrada, rainha de luz ilumina, a luz divina.
Oh, mina d’água cristalina.
Oh, mina!
Mina d’água cristalina.
Foi no romper na madrugada, que se ouviu os pássaros cantar, anunciando o povo e as matas que
mestre Yajé vem chegando.

** Fonte: Letra retirada da internet


Como se fosse cronometrado, no mesmo instante que terminou a música,
terminou também processo de limpeza e o desconforto que ele estava
sentindo e, no lugar daquela angústia, veio uma sensação de alívio, leveza e
paz profunda indescritível, então seu semblante ficou leve e em seu rosto se
desenhou um sorriso sublime.

Ele foi até a pia e se enxaguou com abundância, molhou o cabelo se


refrescando, se enxugou com papel-toalha e voltou para o salão, olhou com
ternura para todos ali deitados, sentiu um privilégio enorme por participar de
tudo aquilo e por ter passado por aquela experiência de libertação plena e
total. Ele sorria agora, quase gargalhando de felicidade e deitou-se
profundamente relaxado.

Várias visões de sua família vieram nitidamente em sua mente, ele seguiu
deitado e interagindo com as visões de olhos fechados, seguindo dessa
maneira até o fim da primeira parte.

Quando o Oliver anunciou que chegara a ora de se aprofundarem na


experiência tomando a segunda dose do chá, todos se levantaram e se
reuniram em volta da mesa. O Liviêr estava nitidamente com um ar de
felicidade e radiante, Roger percebendo o estado do amigo, veio conversar
com ele.

— E aí, Liviêr, como foi sua experiência, parece que foi boa, né?

— Ah, foi sim, Roger, eu tive uma sensação muito forte de libertação, depois
de um início complicado, senti muita dor física e depois de uma meia hora fui
ao banheiro e foi complicado. — E ele contou ao amigo o que se passara.

— Caramba, foi pesado, então. — E deu uma risada suave. — Para mim está
devagar, não entrei na força, estou meio frustrado.
— Poxa, que pena, Roger, mas fica tranquilo que na segunda parte vai ser
diferente e você vai ter as experiências, se for o caso, toma uma dose um
pouco maior.

— É, eu já falei com o Oliver e ele vai colocar um pouco mais pra mim.

E então se juntaram aos outros e tomaram a segunda dose.

Seguiu então a segunda parte daquela sessão, que ele ainda não sabia, mas
seria um divisor de águas em sua vida. A sensação de relaxamento
permanecia, quando a força da professora divina chegou renovando toda a
energia em seu corpo e ele se entregou às experiências profundas e
introspectivas, prestando atenção a toda as visões e informações que vinham
em sua mente.

Em certo momento, teve novamente outra visão mais marcante. Estava


deitado e percebeu uma mão sobre seu peito e, em um movimento, puxou
uma sombra que saia de sobre sua pele, a percepção daquela imagem foi
muita nítida e real, como se aquela sombra estivesse sendo arrancada do seu
corpo, que era a parte negativa de seu ser que o prendia aquela vida vazia.
Logo após, veio novamente a sensação de relaxamento profundo e começou a
entender que as coisas em sua vida seriam diferentes daquele momento em
diante, que estaria livre das coisas que o prendiam nas rotinas e nos vícios
que o afligia.

Ele continuou deitado em seu colchonete bem tranquilo, esperando continuar


naquela sensação de paz e relaxamento e assim foi, porém, faltando uma meia
hora para terminar, ainda com a força da ayahuasca bem ativa, ele teve um
novo momento de revelação. Como se uma entidade falasse nitidamente ao
seu ouvido, ele prestou muita atenção ao que foi dito.
— Esta será a última sessão que você vai participar aqui nesse ambiente e,
por algum tempo, estaremos afastados, pois haverá uma necessidade de
seguir outros caminhos para seu desenvolvimento, mas fique tranquilo, não
estará abandonado, mas há momentos em que se precisa passar por algo
diferente e inesperado para seguir adiante.

Logo após aqueles pensamentos e meio sem entender, veio então uma
profunda sensação de frustação. Ele olhou para o lado procurando o Oliver,
mas ele não estava em seu lugar e nem a Marisa, pois foram as duas pessoas
que ele quis ver. Ele estranhou, mas ficou sentado aguardando eles
aparecerem. Depois de algum tempo, a Marisa entrou e foi direto até o
notebook e mudou a música, na verdade, já estava no fim da sessão e ela
voltou algumas músicas, que se repetiram.

O Liviêr ficou acompanhando a movimentação da Marisa e resolveu ir ver o


que estava acontecendo, pois Oliver era muito sistemático e não era normal
aquele tipo de situação, ainda mais não sendo ele a mexer nas músicas.

Ele estranhou toda aquela situação e até esqueceu momentaneamente tudo o


que vivenciara até aquele momento, então ele se levantou e foi ver o que
estava acontecendo.

Quando saiu na parte externa do salão onde estavam, era um quintal bem
amplo e inclusive onde estavam estacionados os carros, ele viu o Oliver
deitado em um colchonete passando mal, se aproximou e passou a mão na
testa do amigo que olhou para ele com um riso desconcertado e falou.

— É, Liviêr, fazia tempo que não ficava tão derrubado.

— Mas há uma hora você estava bem, a “burracheira” te pegou no final?

— Foi mesmo, eu não sei bem o que aconteceu.


— Ok, descansa então, você sabe que daqui a pouco estará tudo bem.

E o Oliver sem olhar para ele fez um sinal de positivo e ficou deitado com os
olhos fechados.

O Liviêr voltou ao seu lugar e ficou ali sentado. Já com a força da ayahuasca
o deixando, olhou para todos que, aos poucos, também voltavam da
experiência e se sentavam, aguardando o fim da sessão.

De repente, tudo voltou a sua mente, estava desconcertado com tudo aquilo.
Então ele se levantou e foi até o Roger, pois, apesar da música continuar,
todos já haviam entendido o que estava acontecendo e estavam esperando o
Oliver melhorar. E falou ao amigo sobre tudo o que ocorrera.

— Então, Roger, o que você pensa de tudo isso?

— Olha, Liviêr, isso tudo é muito complexo, você sabe que é difícil falar a
respeito, você terá que processar isso para saber o que significa.

— É, eu sei, agora já estou assimilando a ideia de não participar de sessões


aqui na Marisa, agora no final fiquei com uma sensação muito estranha de
que aqui não é o meu lugar.

— Que estranho você me falar isso, pois eu ia comentar com você a mesma
coisa, que eu não ia vir mais aqui. Senti desde o início essa sensação de
desconforto por estar aqui neste ambiente, tanto é que eu não tive uma
experiência profunda, na verdade, na segunda parte eu dormi.

— É, meu amigo, hoje foi tudo muito estranho, até o Oliver está passando
mal no final, nunca o vi assim.

Mesmo com as músicas de fundo e as luzes apagadas, todos começaram a


conversar e a se levantar, pois perceberam que não ia ter os tradicionais
relatos do fim da sessão que o Oliver comandava, pois ele justamente não
estava entre eles.

Após algum tempo, o Liviêr tomou a frente, acendeu a luz e deu a sessão por
encerrada, convidou a todos ao lanche costumeiro que eles faziam ao fim das
sessões e foi até o Oliver que já estava mais disposto e já havia se levantado.

— E aí, meu amigo, já recuperado? — perguntou o Liviêr

— Já, apesar de ainda estar meio zonzo, não me lembro da última vez que
fiquei assim.

— Pois é, fiquei meio sem saber o que fazer, pois todos ficaram conversando
e esperando você melhorar. Aí finalizei a sessão acendendo as luzes, até
porque está ficando meio tarde e fiquei preocupado com o pessoal.

— Claro, fez muito bem, porque eu não teria condições, obrigado.

E depois que todos comerem, arrumaram tudo e despediram-se, o Oliver, que


já estava recuperado, e o Liviêr foram embora juntos de carro e conversando
sobre tudo o que se passara, pois não tiveram oportunidade lá no final.

— É, Oliver, desde o início eu estava achando que algo estranho estava por
acontecer hoje, eu tive uma revelação estranha de que eu não participarei
mais de sessões, não sei se aqui na Marisa ou em qualquer lugar. — E o
Liviêr relatou sua experiência ao amigo.

— Não fique com isso em mente, vamos esperar para ver o caminho que se
mostrará a você, muitas vezes não entendemos as mensagens recebidas pela
professora divina.

Aquela foi a última sessão antes das festas do final de ano e, como todos os
anos, o Liviêr e sua família passava o Natal em uma chácara no interior, junto
com a família da sua mãe e seus irmãos e esse ano, inclusive, a família de sua
sogra e de sua cunhada, iriam passar todos juntos.

A expectativa para aquele Natal era a melhor possível, pois todas as pessoas
importantes na vida do Liviêr estariam lá e seria quatro dias de festas, tudo já
preparado com antecedência, sendo que aquela ocasião estava sendo
preparada desde o meio do ano em todos os detalhes.

O dia do Natal seria no domingo e o Liviêr com sua família chegou quinta-
feira na chácara, junto com a família de sua sogra e da cunhada. Quando
chegaram lá, estavam no local outros familiares que os receberam com muita
alegria e toda aquela expectativa de festa preencheu o ambiente e a todos os
presentes.

Na sexta-feira, os demais familiares chegaram e a festa estava completa, com


muita bebida, comida e o Liviêr, claro, se deixou levar e aproveitou tudo ao
extremo, incluindo o abuso da bebida alcoólica, uma vez que era tudo festa e
no começo do ano ele abdicaria de vez do álcool, mas agora ele não estava
pensando nisso, ele só queria aproveitar.

E assim foi até no sábado à tarde, quando a maioria resolveu ir até ao centro
da cidade e, apesar de o Liviêr não querer ir, pois queria ficar na chácara e
aproveitar a piscina já que estava muito calor, porém a Vanessa insistiu e ele
acabou indo junto.

No centro da cidade, cortava um rio muito bonito, com uma forte correnteza e
com várias quedas d’água, formando algumas pequenas cachoeiras.
Acompanhando uma das margens, havia um parque linear de uns 500 metros,
onde todos foram caminhar e admirar o rio.
O Liviêr e seu concunhado resolveram sentar em uma pedra saliente dentro
do rio, próxima à margem, onde a água batia com certa força em suas costas e
a correnteza passava ao lado deles. Ficaram ali por um momento, porém
todos começaram a caminhar descendo o rio, então resolveram sair. O
concunhado do Liviêr estava mais próximo da margem e se levantou para
sair, nisso a força da água arrancou sua bermuda, o deixando só de sunga.
Liviêr em movimento tentou pegá-la, porém a força da água em suas costas o
lançou para dentro da correnteza, que o levou rio abaixo. Ele começou a
tentar nadar para a margem, porém a correnteza muito forte o deixava à
deriva, seguindo o fluxo da água. Foi levado por uns 20 metros até cair em
uma queda d’água de uns 4 metros, onde foi jogado com força para o fundo,
bateu a cabeça nas pedras e ficou desmaiado e preso no fundo.

Todo aquele acontecimento foi acompanhado pela filha do Liviêr, que assim
que ele foi lançado para dentro da água, ela foi acompanhando os
movimentos dele e vendo com exatidão o local de sua queda.

Abaixo daquela queda d’água formava uma piscina natural, onde havia
alguns jovens na faixa de uns 15 anos nadando por ali e a Isis começou a
gritar aos meninos para socorrer seu pai e ela apontava o local onde ele havia
caído.

Um dos jovens mergulhou, porém não encontrou nada e argumentou a Isis


que a água deveria ter levado seu pai para mais adiante, mas ela insistiu
firmemente que ele estava ali. Então o rapaz mergulhou novamente e viu o
corpo de um homem aparentemente morto preso nas pedras abaixo, ele subiu
e chamou mais um amigo para ajudá-lo a puxar o corpo para fora da água e
assim fizeram.

Quando chegaram à margem, todos já estavam indo em direção aos meninos


puxando o corpo para fora. A primeira a chegar foi a Vanessa, desesperada
vendo aquela cena surreal de seu marido desfalecido na margem do rio. Um
dos jovens fazia massagem no peito dele tentando reanimá-lo, mas ele não
tinha experiência e ela envolveu seu tórax, passando por baixo de seus braços
uma tolha que estava com ela, justamente para dar a ele para se secar quando
saísse do rio, porém antes quando estava na parte mais acima sentado na
pedra, não naquela situação inconcebível.

Segurando a toalha, ela conseguiu puxá-lo mais um pouco para fora d’água e
aumentou ainda mais seu desespero, ela viu muito sangue saindo da cabeça
dele e gritando e chorando, pedia desesperada para chamarem o resgate.

Ela começou a passar a toalha molhada na cabeça dele para tentar avaliar o
tamanho do corte. Dando um alívio profundo em sua alma, ela viu o Liviêr
abrir os olhos e a expelir água pela boca, então com a sensação de desespero
misturada com alívio. Ela começou a xingá-lo e dar tapas no braço dele,
porém logo ela se recompôs e começou a tentar falar com ele para ver seu
real estado, mas ele apenas balbuciou algumas palavras inteligíveis, então ela
ficou ali sentada com ele sem saber o que fazer e com as pessoas em sua
volta esperando o resgate chegar.

O resgate chegou muito rápido, em menos de 3 minutos eles já estavam ali


com o Liviêr, o amarraram na maca e o levaram para ambulância, onde
começaram a diagnosticá-lo melhor, puseram a máscara de oxigênio em seu
nariz e o entubaram para evitar uma convulsão e seguiram para o hospital, a
Vanessa foi com eles na ambulância.

Enquanto o resgate estava preparando o Liviêr para ser levado ao hospital,


todos que estavam ali acompanhando o ocorrido começaram a perceber que a
situação estava sob controle e eram na maioria da família. Todos muito
abalados tentavam entender tudo aquilo. Abraçados em um choro já um
pouco mais contido estavam os filhos do Liviêr, o Murilo confortando a Isis,
que se mostraram fortes, porém abatidos. Todos estavam em volta deles,
ajudando e os apoiando. Quando a ambulância partiu, todos entraram nos
carros e voltaram para chácara, uma vez que nada mais havia a fazer ali na
cidade.

O Liviêr acordou por voltas de umas oito horas após o acidente, assim que
abriu o olho ainda atordoado, olhou em volta entendeu que estava em um
hospital, ao seu lado viu a Vanessa, tentou dar um sorriso para aparentar que
estava bem e foi dizendo:

— Já estou bem, quando poderemos ir embora. — Não entendendo a


gravidade do ocorrido.

— Você acha mesmo que vai poder sair daqui hoje? Você foi entubado, está
desacordado há mais de oito horas, levou pontos na cabeça, estão esperando
você acordar para fazer vários exames, estávamos com medo de você ficar
em coma, você quase morreu — falou ela com ar de choro.

— Foi só um susto — insistiu ele.

— É, realmente foi — respondeu ela — o maior susto que se pode dar em


alguém.

Ele ainda estava meio sonolento e a Vanessa falou.

— As crianças estão aqui esperando você acordar para te ver, vou chamá-las.
— Ele balançou a cabeça que sim.

Os dois entraram no quarto, que era uma enfermaria com várias camas, seis
ao todo, a dele estava no canto do quarto próximo à parede com uma janela.
Se aproximaram ao mesmo tempo ao lado dele, que deu uma risada sem
graça e falou:

— Oi, crianças, já estou bem, viu? Fiquem tranquilos.

— Agora, né, pai, mas como íamos ficar tranquilos com o que aconteceu —
falou o Murilo com um tom de reprovação.

— É, eu sei, vem aqui me dê um abraço.

E se debruçaram em cima dele com ternura, ficaram mais um momento no


quarto e depois saíram, pois não era hora de visitas e foi aberta uma exceção
para eles poderem ver o pai.

A Vanessa contou o que a Isis fez e ele se emocionou e ficou pensando o


quanto devia estar sendo difícil para ela.

Então, depois de algum tempo, seu corpo começou a mostrar os estragos do


acidente, ele começou a sentir uma dor forte no seu lado esquerdo, ele tentou
se virar para ver, mas não conseguiu. Com algum esforço ele se virou um
pouco e a Vanessa viu uma mancha roxa enorme que vinha desde as costelas
até a coxa, ela ainda não tinha visto aquele hematoma e se espantou com
aquela situação.

— Nossa, Liviêr, que horror! Suas costas, nádegas e coxas estão todas muito
roxas — falou com um ar de desespero.

— É, eu estou sentindo dor em todo o meu lado esquerdo. — E, em um


esforço, ele se virou e viu uma pequena parte das manchas.

Pôs também a mão na cabeça e percebeu o corte, aí a Vanessa começou a


relatar como tudo tinha acontecido. Ele estava sonolento e, conforme ela ia
falando, o sono ficou incontrolável e ele apagou novamente.
O Liviêr acordou já por volta das 3 horas da manhã do dia de Natal, a
Vanessa estava ao seu lado, ele ainda estava meio grogue por conta dos
remédios, mas olhou para ela e entendeu todo o esforço e dedicação daquela
mulher. Ela estava com a mesma roupa da hora do acidente suja de terra, ele
queria agradecê-la, mas não conseguiu falar, estava com um nó na garganta,
seus olhos se encheram de lágrimas, ele apertou a mão dela e os dois se
entreolharam emocionados.

A Vanessa falou que estavam preparando um quarto e que ele ia ficar


internado, para exames mais detalhados e acompanhamento. Então caiu a sua
ficha e percebeu a gravidade do acidente e o quanto perto da morte ele
passou. Ele tentava, mas não se lembrava de nada e a Vanessa relatou mais
detalhes do acidente a ele.

Se qualquer fator fosse diferente, ele não estaria mais ali, se o rapaz
demorasse alguns segundos a mais ou a Isis não fosse a menina determinada
que é insistindo com o rapaz o local exato em que ele caiu, em vez de estar
acordado ao lado da Vanessa, estaria morto.

E pensou “teria sido uma morte tranquila, se simplesmente não acordasse ali,
como seria? Em vez de abrir os olhos no hospital, ter despertado em outro
plano, ou simplesmente não acordar e ser um sono eterno”. Aqueles
pensamentos de como seria a morte o consumiu por alguns momentos até
adormecer novamente.

Por volta de umas 6 horas da manhã, ele acordou com a maca em movimento,
a Vanessa não estava do lado dele, a enfermeira que empurrava a maca não
falou nada com ele, mesmo percebendo que havia acordado. Ele também
permaneceu calado e, naquele momento, decidiu que ia ser o melhor paciente
possível, não ia reclamar de nada e suportar as dores e procedimentos que
fosse submetido.

Chegou ao quarto, onde havia duas camas, uma delas já ocupada por um
senhor de uns 65 anos, estava dormindo com os tubos de soro e remédios
pendurados em um pedestal ao lado da cama, com uma mangueira que levava
até seu braço esquerdo. O Liviêr o olhou, mas não viu seu rosto, pois ele
estava deitado de lado voltado para a parede. A outra cama ficava ao lado da
parede com uma janela, onde, com muito esforço, ele saiu da maca e deitou-
se. A cama era bem mais confortável que a maca, mas as dores do seu lado
esquerdo o incomodaram muito pelo esforço da manobra de trocar de lugar.
Na parede à frente, tinha uma porta que dava acesso ao banheiro e, ao lado da
porta no alto, um suporte com uma televisão de 14 polegadas antiga.

A enfermeira saiu em seguida e ele ficou só olhando o teto do quarto, tentou


dormir, mas não conseguiu, pois as dores em seu lado esquerdo estavam
muito fortes. Ele tentou olhar melhor os hematomas, uma vez que a cama era
mais larga e ele podia se virar com mais facilidade, mas só conseguia ver
com um pouco de esforço uma parte das costas e das nádegas. Depois de
algum tempo, outra enfermeira entrou no quarto, o paciente da cama ao lado
ainda dormia, ela trazia na mão uma bandeja de inox com um copo com água
e comprimidos e pediu que o Liviêr tomasse, que seria para ajudar com as
dores, desde que acordou foi a primeira coisa que havia posto na boca. A
enfermeira avisou que em uma meia hora iria vir um enfermeiro para ajudá-lo
a tomar banho e tirar a sonda.

Só então ele prestou atenção que estava com uma mangueira enfiada em sua
uretra e na hora ele sentiu um desconforto enorme. Depois de algum tempo,
entrou no quarto o enfermeiro moreno e bem forte, que cordialmente avisou
que iria retirar a sonda, que iria sentir um ardume e um desconforto quando
fosse retirada a mangueira e sem cerimônia puxou. O Liviêr se contorceu
dobrando as pernas e levando a mão ao local, porém não fez nem uma
menção de reclamar da dor. O enfermeiro balançou a cabeça positivamente,
como um apoio moral e avisou que iria ajudá-lo para tomar banho. Quando o
Liviêr estava no chuveiro que ele conseguiu ver o quanto era grande o
hematoma em seu corpo.

Ele não havia pensado na Vanessa naquele tempo em que chegara ao quarto
e, quando voltou para cama se sentindo melhor, pensou em todos, como teria
sido o clima na ceia de Natal, lembrou-se dos seus filhos e como a Vanessa
teria dormido, se teria ido para chácara e se estava ali sozinha em alguma
cadeira sentada, esperando sem nenhum conforto. Uma sensação de culpa o
invadiu e ficou deprimido, não lutou contra, simplesmente fechou os olhos e
deixou a tristeza o envolver.

Não demorou muito e a Vanessa chegou, ele estava no auge daquele


sentimento e, quando olhou para ela, seus olhos lacrimejaram, ela
carinhosamente pôs as mãos em sua testa, mas não falou nada, os olhares que
trocaram disseram tudo.

Depois de algum tempo com a presença da Vanessa ali, ele se sentiu melhor,
então tentou relaxar. Apesar das dores no lado esquerdo, queria dormir para o
tempo passar mais rápido. Com os olhos fechados por algum tempo em vez
de dormir, começou a ter umas visões estranhas.

Ele estava em uma estrada batida de pedras pequenas e redondas, que cortava
uma montanha. Ele descia em direção a uma planície, do seu lado direito
havia um precipício. Ele enxergava toda a planície abaixo para onde se
dirigia, a visão era turva e sombria, a montanha ao seu lado esquerdo era
vermelha, parecia que larvas vulcânicas escorriam por toda sua face. Ao
longe na estrada, ele podia ver outras pessoas caminhando à sua frente na
mesma direção, as visões eram muito vividas e parecia que ele realmente
vivenciara aquela experiência e podia perceber todos os detalhes e continuou
a percorrer aquele caminho.

Quando chegou ao pé da montanha, a planície se abriu à sua frente e ele viu


um mar de gente, o terreno agora era todo enlameado com várias árvores
espaçadas pela área, onde as pessoas se aglomeravam em volta, como se
fossem ilhas em um mar de lama. Agora tudo era cinza e a sensação de pavor
o envolveu, os rostos das pessoas eram de expressão de dor e desespero, ele
queria abrir os olhos e apagar aquelas imagens da mente, mas não conseguia.
Apesar de estar bem consciente e saber que tudo parecia lembrança, porém
muito vividas, como se realmente ele tivesse vivenciado tudo aquilo. Então,
se lembrava daquele lugar macabro e as pessoas caminhando em direção às
árvores, que eram encorpadas e altas, com as copas bem abrangentes, onde
dezenas de pessoas cabiam embaixo. Ele também se dirigiu para uma delas
que aparentemente tinha menos gente em volta. Apesar da multidão e do ar
de desespero, não havia barulho e ninguém falava, inclusive ele. Mesmo com
toda a curiosidade, não dirigia uma palavra a ninguém, parecia em transe
querendo chegar perto da árvore, então, de súbito, abriu os olhos e, apesar de
a visão sumir, ele ficou com tudo aquilo na mente por algum tempo, mesmo
tentando desviar o pensamento para outra coisa, aquilo não sai de sua cabeça.

Ele conversou um pouco com a Vanessa, mas não falou sobre as visões, ela
tinha puxado conversa com o homem na cama ao lado e os apresentou. Ele já
estava ali há uma semana, com um problema em seu dedão no pé direito, que
estava muito inflamado. Apesar do tempo ali no hospital, estava com boa
aparência e com a barba feita, não parecia uma pessoa doente, mas o
problema dele era sério. Ele contou que, se seu pé não melhorasse, os
médicos tinham lhe dito que teria a possibilidade de amputar, o problema era
realmente sério, ele era diabético, o que dificultava ainda mais o processo de
recuperação e de diminuir a inflamação e falou com ar bem calmo: — Talvez
se me dedicasse mais à minha saúde, não precisaria estar aqui perdendo as
festas do fim de ano com minha família, mas é sempre assim, não nos
dedicamos as coisas que é realmente importante.

As palavras daquele homem bateram forte na mente do Liviêr, que afundou


em tristeza imediatamente. Vanessa continuou a conversa com o senhor,
porem o Liviêr, levado pela melancolia, fechou os olhos e, após algum
tempo, adormeceu. Quando acordou, já era hora do almoço, era sua primeira
refeição desde o acidente, mas ele não conseguiu comer direito, devia ser o
soro e os remédios.

No meio da tarde, ele estava tranquilo, bem relaxado e com os olhos fechados
e novamente a visão das pessoas em volta das árvores naquele ambiente
cinzento e pantanoso veio nitidamente em sua mente. Ele estava tentando
chegar perto de uma daquelas árvores, porém, quando caminhava em sua
direção, ele percebia que, apesar de ter muitas pessoas aglomeradas, elas
estavam distantes dele. Conforme caminhava, o espaço se abria e a árvore
ficava mais longe. Ele parou intrigado e olhou em volta e tinha pessoas em
sua volta, porém distantes dele e na frente da árvore se aglomeravam de
novo. Então, após algum tempo parado no mesmo local, ele olhou para baixo
e viu o chão lamacento, reparou que havia crânios e ossos espalhados e
afundados na lama. Ele sentiu uma sensação de repulsa e medo, quando
olhou novamente para frente, estava diante da árvore, o tronco era enorme de
quase 2 metros de diâmetro. Ele colocou a mão direita no tronco e
imediatamente uma luz intensa e branca o cegou. Abriu os olhos e viu a
Vanessa ao seu lado, ela estava mexendo no celular e ele não falou nada com
ela, ficou tentado assimilar aquela visão. Ele já havia passado por várias
experiências como aquela nas sessões com a ayahuasca, mas ali, naquele
momento, estava tudo muito estranho e ele não entendia o que estava
acontecendo. Pensou então que era só efeito dos remédios ou coisa do tipo,
porém, durante alguns dias, ele ficou sonhando com aquelas imagens e, em
outras ocasiões, teve aquelas visões novamente como se estivesse acordado,
sempre naquele contexto.

Ele ficou no hospital até a tarde do dia 28. Quando teve alta, eles foram para
casa de seus parentes ainda na cidade do interior onde estavam seus filhos,
foram recebidos com muita alegria e todos fizeram piadas sobre o acidente,
mas no fundo era a maneira de deixar o clima mais leve e seguir a vida em
diante e assim foi. No dia seguinte, o Liviêr e a família seguiram de volta
para casa, deixando todo o ocorrido para trás, porém, na mente do Liviêr,
estava tudo muito claro e nada do que aconteceu iria ser em vão, o quanto
drástico e inesperado haviam sido aqueles dias, drástica também seria sua
transformação.

Após as festas do final de ano, que o Liviêr passou tranquilo, sem consumo
de álcool e com uma alimentação mais leve, até porque os remédios que ele
continuava a tomar o obrigavam a se controlar. Ele tentou voltar à sua rotina
normal e ao trabalho, porém, durante aquelas primeiras semanas, ele passou
por uma situação complicada, com insônia, dores no corpo e com muito mau
humor, acabou ficando sem trabalhar por uns dias. A televisão ficou
insuportável e nada o satisfazia, foi um período complicado, também para a
Vanessa e para seus filhos, era a abstinência.

Durante um desses dias em que ele não foi trabalhar, se sentindo entediado
foi até a prateleira de livros, na qual ele tinha muitos títulos. Escolheu Júlio
Verne, Vinte mil léguas submarinas, um livro que ele tinha há anos e sempre
quis ler, mas aquela vida desleixada que ele vinha levando até aquele
momento não deixava espaço para esses prazeres mais profundos.

Então, ele se afundou nas aventuras pelos sete mares com o capitão Nemo,
novamente ele sentia um prazer que só um livro pode proporcionar e, ao
terminar, ele imediatamente leu outro e outro, livros clássicos, de aventura,
filosóficos e de tudo que estava à mão. Lia em média um livro a cada três
dias, isso o tranquilizou e aquelas sensações de angústia, mau humor, tédio,
as insônias, tudo melhorou, inclusive o relacionamento com sua família.
Passando o período dos remédios, sem esforço algum ele continuou longe de
seus vícios, com vontade de ler várias coisas diferentes e se lembrou do livro
a Erva do Diabo de Carlos Castañeda. Ele foi a um sebo próximo ao seu
trabalho e encontrou além do que estava procurando, mais seis títulos do
autor e se dedicou aos ensinamentos do feiticeiro e xamã mexicano Dom
Juan de Matos, relatados com exuberância por Castañeda.

Ele via nos ensinamentos de Dom Juan sobre as ervas de poder uma relação
com o que ele aprendera com a Professora Divina, sentiu então uma
necessidade enorme de participar de outra sessão com o Oliver, já fazia uns
três meses que não participava e, apesar de o contato entre eles continuar
próximo, após aquela última sessão em dezembro antes do acidente, não
falaram mais sobre o assunto, porém agora era diferente e o Liviêr ligou para
ele para conversar a respeito.

O Oliver falou que, desde aquela última sessão de dezembro, havia feito
outras três em sua casa e não mais na Marisa, havia voltado às origens, porém
não o havia chamado pelos remédios fortes que estava tomando e que, na
próxima semana, faria uma sessão e, se ele estivesse se sentindo bem, seria,
claro, muito bem-vindo.

E assim foi, o Liviêr passou aquela semana lendo Castañeda, se preparando e


aguardando ansioso a hora do reencontro com a professora divina e também
com seus companheiros, que desde a última sessão não falava com eles.

Quando o Liviêr chegou à casa do Oliver naquela noite, ele não encontrou o
pessoal de sempre e foi logo perguntado sobre o Roger e sua turma. Oliver
falou sem muito detalhe que eles não estavam vindo mais, só o Arthur e o
Alexandre que continuavam vindo e que os dois logo estariam chegando,
porém os demais estavam seguindo outra linha.

O Liviêr estranhou, mas não insistiu sobre o assunto, foi logo cumprimentar
os outros participantes daquela noite, que já se encontravam ali, dois deles o
Alfredo e o Fernando, ele conheceu na última sessão que participara na
Marisa e havia mais um casal que ele não conhecia. Logo após, chegaram o
Arthur e o Alexandre, ele ficou muito feliz em revê-los e os cumprimentou
com um forte abraço.

A sessão então se iniciou, tudo correra como o Liviêr estava acostumado,


teve as mirações e a limpeza, porém a experiência não foi tão profunda como
ele esperava. Por tudo que ocorrera em sua vida naqueles últimos meses, ele
esperava algo mais profundo e que o levasse às experiências como Castañeda
descrevia com as plantas de poder, mas, como sempre, a Professora Divina
que conduz os ensinamentos e tudo vem ao seu tempo.

A surpresa daquela sessão é que o Alexandre encorpou uma entidade durante


quase todo o tempo do trabalho. Liviêr a princípio viu tudo com certo
espanto, pois nunca havia presenciado tal fenômeno e, em um momento do
trabalho, o Alexandre incorporado estava aplicando passes nos participantes e
chegou junto ao Liviêr. Ele sentiu uma energia muito forte, que logo após o
deixou bem relaxado e as dúvidas que ele estava tendo a respeito daquele
fenômeno se dissiparam, pois foi uma experiência profunda e viu tanto no
semblante como no comportamento dele algo inusitado.

Ao final, ele conversou com o Alexandre que explicou que já desenvolvia


aquele trabalho há alguns anos no candomblé, porém só há alguns meses ele
estava tendo a incorporação e que ali na sessão com a ayahuasca. Teria sido a
segunda vez, explicou que a entidade que ele recebia era o Exu Marabô,
descreveu como era o trabalho da entidade e que o Liviêr se preparasse, pois,
durante o passe, o Exu percebeu com clareza sua potencialidade para aquele
trabalho também e que se ele poderia ter uma experiência daquelas de uma
forma inesperada durante os trabalhos, é que provavelmente já havia
acontecido de uma forma sútil, porém, como o Liviêr não tinha experiência, a
energia fluiu e ele não entendeu, mas para ele não se preocupar, pois tudo
acontece ao seu tempo.

Durante aquela semana, o Liviêr ficou com tudo aquilo martelando em sua
mente e, apesar de ter achado a princípio que a experiência em si não foi tão
profunda, ele estava enganado, aquele sentimento com a professora divina e
as palavras do Alexandre, que tudo vem ao seu tempo, o fizeram perceber
que tudo o que vinha acontecendo com ele desde o primeiro contato com a
ayahuasca até aquele momento era uma preparação e que o tempo de sua
transformação havia chegado a um ápice, que daquele ponto em diante não
havia mais volta.

Na reunião seguinte, o Roger estava lá e foi uma agradável surpresa para o


Liviêr de revê-lo, ficaram algum tempo conversando antes da chegada dos
outros participantes, pois haviam chegado um pouco mais cedo e colocaram
as conversas em dia. O Roger falou que havia feito um desenho para ele,
porém havia esquecido no estúdio e que era para ele ir buscar depois. Liviêr
ficou bastante comovido com a lembrança do amigo e lhe deu um forte
abraço de agradecimento. Roger era um grande artista e já havia presenteado
o Oliver com um quadro que ficava em sua sala e todos que viam apreciavam
muito, então Liviêr sabia que aquele presente era algo especial. Logo depois,
chegaram o Alfredo e o Fernando e, na sequência, chegaram o Arthur e o
Alexandre, que formaram junto com o Oliver o grupo de trabalho daquela
noite.

A primeira parte da sessão correu tranquila, o Liviêr teve as mirações, fez a


limpeza e interagiu com as músicas, tendo uma experiência intensa, onde a
conexão com sua esposa e filhos foi constante.

Na segunda parte, ele teve uma experiência diferente de tudo que


experimentara até então. Em certo momento, ele sentiu uma presença forte
junto a ele, não algo físico, mas uma energia que o envolvia, ele se lembrou
da conversa que tivera com o Alexandre na sessão anterior sobre entidades e
incorporação, porém não parecia algo que ele descrevera e de como
acontecia, parecia mais como uma projeção astral e a energia com ele fosse
algo alienígena. Após algum tempo tentando racionalizar sobre aquilo, ele
deixou fluir. Ele estava sentado com as pernas cruzadas e pegou a manta que
sempre levava às sessões e jogou por cima do corpo, puxou o capuz preso na
blusa que usava e cobriu a cabeça, ficando apenas com o nariz e a boca de
fora, olhando para baixo pela fresta do capuz, ele começou a falar em voz
baixa.

— Se teremos esta conexão, quero fazer um acordo, sei que tentar entender
tudo isso ainda não deve ser possível para mim, mas me permita ter um
vislumbre do que você vê, de como você vê e eu me entrego de corpo e
mente.

Imediatamente sua visão mudou ficando turva e embaçada, aos poucos


começou a perceber imagens diferentes, parecendo de outro ambiente, de
outro lugar. Tentou se concentrar nas imagens e, aos poucos, foi percebendo
um lugar amplo, um salão bem iluminado, porém as luzes ofuscavam sua
visão. Ele enxergava vultos também iluminados em uma áurea azulada
intensa, esguios e compridos, com uns 2 metros de altura, braços alongados
com as mãos aparentando ter apenas três dedos, a cabeça ovalada, com olhos
negros e pequenos, quando se deslocavam pareciam flutuar e não caminhar.
Olhando ao seu redor, ele percebeu que havia vários deles, espalhados por
aquele ambiente.

O salão era muito alto e uma abóboda gigante parecendo ser de vidro
envolvia todo o teto. Espalhados pelo ambiente, havia vários itens eletrônicos
e transparentes, era perceptível os botões e caracteres estranhos aparecendo
em visores e, mais ao longe, em um portão enorme, o qual não era possível
mensurar seu tamanho, entrava e saia o que pareciam ser naves ou aviões de
pequeno porte.

A princípio, o Liviêr ficou confuso e se sentiu desorientado, porém, após


algum tempo parado e olhando ao redor, ficou maravilhado com tudo que via,
parecia estar em outro planeta. Claro que pensou serem alucinações, tentava
racionalizar dizendo isso a si mesmo, mas, conforme sua visão ia se
adaptando ao lugar, ele percebia o ambiente cada vez mais detalhado. De
repente ele se viu novamente na garagem do Oliver e percebeu que estava de
olhos abertos enquanto teve aquelas visões.

Ficou parado, sentado em seu colchonete, tentando entender o que aconteceu,


quando de repente começou a falar em voz baixa, o som de sua voz saiu
diferente do que ele estava acostumado, era pausada e suave, com uma dicção
perfeita e começou a dizer algo como instruções.

— Ser, apenas sinta a energia fluir, não há necessidade de tentar encontrar


explicações ou expressar o que é dito ou visto, suas palavras não encontrarão
meios para tal.

E continuou a pronunciar frases complexas e de maneira pausada. O Arthur


que estava sentado ao lado do Liviêr notou que estava acontecendo algo
diferente e ficou prestando atenção por algum tempo, depois o Alexandre que
estava incorporado e ficava andando de um lado para o outro parou em pé
perto do Liviêr.

Após alguns minutos, o Liviêr viu o Arthur se levantar e passar pelo


Alexandre e ir até a lavanderia, foi ao tanque jogou água no rosto. Alexandre
o seguiu e o Liviêr os percebeu conversando, pois, apesar do que estava
acontecendo, ele tinha plena consciência de tudo e sabia o que estava
acontecendo ao seu redor.

O Oliver percebendo uma movimentação mais intensa na lavanderia onde


eles estavam há algum tempo, se levantou e foi até o Liviêr, perguntou se
estava tudo bem e se poderia parar de falar em voz alta, pois parecia estar
incomodando os demais. O Liviêr apenas olhou para ele e o ignorou, porém
tentou tomar o controle e parar de falar em voz alta, mas não conseguiu, era
mais forte que ele e seguiu pronunciando as frases. O Oliver então foi se
juntar ao Arthur e o Alexandre no outro ambiente, o Liviêr percebeu que os
três ficaram um bom tempo lá e, quando voltaram, ficaram prestando atenção
nele, cada um em seu lugar, menos o Alexandre, ainda incorporado, que ficou
em pé próximo a ele. Até que, aos poucos, as frases que o Liviêr pronunciava
ficaram mais pausadas até cessar e todos seguiram mais relaxados até o fim
da sessão.

De tudo que foi dito, pouca coisa o Liviêr se lembrava e conseguia repetir, os
demais que o ouviram conversando sozinho também não podiam dizer o que
realmente foi dito, pois todos estavam na força da ayahuasca e cada um em
suas próprias experiências, além das músicas em som alto, que dificultava a
compreensão das palavras.

Mas o Liviêr havia entendido bem tudo que se passara com ele naquela noite,
era uma experiência interna e que seria difícil ele expressar algo com clareza
a outras pessoas naquele momento, que aquelas informações seriam
importantes em seu crescimento pessoal ao longo do processo e aos poucos
ele as entenderia.

Quando estavam na mesa tomando o lanche, a conversa fluía e o Liviêr


perguntou ao Arthur.

— O que vocês conversaram quando estavam na lavanderia?

— O Alexandre incorporado no Exu confirmou que você também estava


incorporando uma entidade, mas era para ficarmos tranquilos, porque era
uma preparação.

— Mas parecia ser algo de outro planeta, foi muito diferente do que eu
imaginava. — Deram uma risada e se juntaram na conversa com os demais
sem se aprofundarem no assunto.

Quando o Liviêr começou a prestar atenção no que Fernando estava falando


sobre a glândula pineal e sobre um meio de descalcificá-la através de sons
chamados binaural, que era baixada pela internet, esses sons eram de
frequências diferentes e tinham a função de ativar essa glândula, se os
ouvisse por algum tempo e por vários dias, como uma meditação.

A princípio, o Liviêr não deu muita importância àquele assunto, mas depois
isso seria de fundamental importância no seu desenvolvimento espiritual.
Após aquela sessão, o Oliver ficou um tempo sem poder fazer outra
novamente, pois sua esposa ficou doente e, durante a recuperação dela que
durou quase um mês, ele ficou impossibilitado.

Nesse período, Liviêr lia tudo que podia sobre incorporação, se aprofundando
também nos conhecimentos sobre a ayahuasca, ele precisava entender aquela
experiência e precisava de resposta.

Ele e a Vanessa foram algumas vezes visitar o Oliver e sua esposa e, durante
as visitas, o Liviêr quis entrar no assunto sobre a possibilidade do Olivier
fornecer um pouco da ayahuasca, pois ele pretendia fazer uma sessão em sua
casa, junto com a Vanessa e um primo deles que já havia participado uma vez
das sessões na casa do Oliver, mas ele desconversava e ficou bem claro que
não iria atendê-lo.
Então, em suas pesquisas pela internet acessando alguns blogs, ele teve
contato com uma pessoa da capital mesmo, que poderia fornecer a sagrada
bebida e de pronto ele combinou para ir buscar. Como era no meio da semana
e ele só iria no sábado, naquele meio tempo o Liviêr teve uma intuição de
falar com Roger, pois estava sem vê-lo naquele período e não sabia se ele
teve contato com a Professora Divina.
Então resolveu ir até seu estúdio para explicar que ele conseguira esse contato
e se ele gostaria de ir junto.

Na quinta-feira daquela semana, o Liviêr foi até o estúdio do Roger, o lugar


era incrível, repleto de quadros com pinturas psicodélicas, crânio de animais
pendurados e várias estatuetas umbandistas nas prateleiras, mas tudo muito
harmonioso, deixando o ambiente atrativo e nada vulgar, com a fragrância de
incenso e defumadores no ar, deixando uma energia mística no ambiente.
O Liviêr entrou, cumprimentou o Roger, que apresentou outro tatuador, o
Michael, um rapaz novo, de uns 25 anos, com aproximadamente 1,70m de
altura e acima do peso, com barba grande, porém meio rala, com a cabeça
bem redonda e raspada, claro, o corpo cheio de tatuagem, também com
piercing no nariz e alargadores grandes nas orelhas, com um sorriso largo e
bem cativante.

O Roger apresentou o estúdio ao Liviêr que ficou bem impressionado,


especialmente com os desenhos, que a maioria o Roger havia pintado a mão.
— Meu amigo, seu trabalho é muito bom, eu tinha visto aquele quadro que
você fez para o Oliver, mas vendo todos esses quadros, me deixou de queixo
caído.

— Que isso, faz parte do meu trabalho, as tatuagens são desenhos


específicos, mas os desenhos a mão livre dão mais liberdade e, por falar
nisso, o desenho que fiz para você está aqui. — E foi até um armário e pegou
um rolo fino e comprido.

Ao entregar o desenho ao Liviêr, explicou:

— Fazia tempo que eu não ia às sessões com Oliver, desde aquela última na
Marisa. Eu só voltei naquela que participamos juntos, fui mais para me
despedir e entregar este desenho, que acabei me esquecendo de levar. — E
deu uma risada.

O Liviêr pegou o desenho e, antes de desenrolar para apreciá-lo, perguntou:


— Mas por que você não foi mais, o que aconteceu?

— Houve uma divergência com o pessoal novo que estava indo na Marisa e
resolvi dar um tempo, como eu não me senti mais à vontade, eu procurei
outros caminhos.

Nesse meio tempo, o Liviêr desenrolou o desenho que era espetacular, um


quadro de 50 centímetros de largura por 80 centímetros de comprimento. Na
parte superior, estava desenhado um índio com o rosto pintado de vermelho
na faixa dos olhos, com um cocar de penas verdes e azul na cabeça, no meio
um beija-flor e mais abaixo um lobo e os olhos de um felino, em volta,
muitas figuras de rosto humano como entalhados em madeira e vários outros
detalhes da natureza, contornando todo o desenho, realmente um trabalho
impressionante.

O Liviêr o agradeceu com um forte abraço e, depois de um tempo, enrolou


com cuidado o desenho e falou:

— Então, Roger eu não sei qual o caminho você está procurando, mas eu
também estou em busca de algo. Na verdade, eu estou com um contato para
ter acesso a ayahuasca e quero fazer um trabalho sem ficar dependendo de
outros fatores. Vim aqui para ver se você gostaria de ir comigo buscar e
também ficar com o contato e ter acesso a ela também.

O Roger deu uma risada e falou:


— Ô Liviêr, agradeço muito essa sua atitude, mas esse é o caminho em que
estou agora, eu já estou tendo acesso a ayahuasca desde o início do ano.
Depois da divergência com o Oliver, procurei uns contatos que meu irmão
tinha e já estou fazendo umas sessões aqui no estúdio.

— Que bom, então não foi só eu que ficou se sentindo preso. — E o Liviêr
deu uma risada discreta.

— Mas vamos fazer o seguinte, Liviêr, vou pegar também um litro com o seu
contato para ter outras fontes, vou te dar o meu contato também. — E a
propósito — prosseguiu Roger — neste sábado vou fazer uma sessão aqui,
você quer vir participar?

— Com certeza, pode contar comigo.

O Liviêr ficou mais um tempo ali no estúdio admirando o ambiente e também


o desenho que havia ganhado do amigo. Depois de se despedir do Roger e do
Michael, confirmaram que iriam juntos buscar a ayahuasca e a participação
da sessão no sábado.
Quando o Liviêr voltou no estúdio, ele não sabia quem estaria na reunião. O
Roger explicou que seria uma reunião pequena, apenas eles dois, o Arthur e
uma amiga dele que o Liviêr ainda não conhecia.

O Liviêr levou um maracá que ele havia adquirido há alguns dias atrás e uma
machadinha de pedra que ele havia confeccionado, para energizá-la durante a
sessão e transformá-las em objeto de poder, conforme ele aprendera em suas
leituras e pesquisas sobre xamanismo.

Após esperar algum tempo, a amiga do Roger chegou. Seu nome era Solange,
uma mulher jovem aparentando uns 30 anos, morena com os cabelos pretos e
lisos, olhos castanhos escuros, com um pouco mais de 1,70 de altura,
aparentando ser bem tímida e estar meio sem jeito.

Depois de apresentá-la, o Roger começou os preparativos para iniciar a


sessão. Ele seguiu os mesmos procedimentos que já estavam acostumados,
tomaram o chá, iniciou as músicas e se deitaram.
Depois de uns 10 minutos, o Liviêr começou sentir a chegada da força, ele foi
até o banheiro para fazer a limpeza, mas, após algum esforço, ele não
conseguiu então voltou para o seu colchonete um pouco frustrado, se sentou
e, após alguns minutos, sem nenhuma cerimônia ele pegou o maracá e
começou a tocá-lo, acompanhando a música que estava tocando e não parou
mais. Tocou praticamente a primeira parte da sessão inteira, ele os demais se
surpreenderam como havia entrado no ritmo e o elogiaram pelo seu
desempenho.

Na segunda parte, eram mais mantras e o maracá não encaixava muito e ele o
usou pouco. Os mantras o levavam a uma introspecção mais profunda e, em
um relaxamento total com os olhos abertos, sua visão estava estrábica e
olhava para o teto fixamente, quando de repente ele começou a visualizar
uma imagem extraordinária, algo que ele procurava desde que começou essa
sua nova fase.

Ele viu uma imagem clara de um ser flutuando próximo ao teto, era um
pouco diferente dos seres que ele havia visualizado antes, mas também era
envolvido por uma áurea azul e brilhante, o corpo era fino e muito comprido,
aparentava não ter membros, era um Ser de Luz que aparentava olhar
fixamente para ele enquanto flutuava no mesmo lugar. Liviêr tentou
racionalizar e procurar uma fonte de luz que projetava aquela sombra, mas
logo percebeu que não era possível ser uma sombra projetada, pois não era
próximo a uma parede e sim no ar, no meio do estúdio. Ele sorriu e cutucou o
Arthur que estava deitado no colchonete ao seu lado e, sorrindo apontou para
o alto, ele não entendeu e o Liviêr falou:

— Você não está vendo? — disse apontando para o alto e sorrindo.

O Arthur só balançou a cabeça, não entendendo nada.

— Tudo bem, depois eu te falo — respondeu o Liviêr quase gargalhando.

Ele voltou sua atenção novamente para o Ser de luz, que ainda estava lá
flutuando, ele sentiu uma energia forte percorrer seu corpo, a interação com o
Ser de Luz durou algum tempo e, durante esse processo, ele percebia ideias
fluindo em sua mente.

E uma dessas ideias falava sobre a luz, de que toda luz do universo existe
apenas de uma única maneira, a luz é proveniente da energia, só existe luz
onde existe energia, portanto todos os seres vivos também são Seres de luz,
pois seus corpos produzem energia o tempo todo, porém são luzes não
visíveis ao olho humano e essa frequência de luz interage entre os seres.
Entre outras informações, essa ficou gravada na mente do Liviêr nela, porém
ele não a entendia naquele momento.

Durante algum tempo, ele ficou olhando fixamente para o ser e tentava
perceber todos os detalhes, se convencendo de que era real. Então aquela luz
fez um movimento em sua direção e foi afinando ainda mais até se
transformar em um fio luminoso, comprido e sumir.
O Liviêr estava radiante com um sorriso enorme na cara e começou a dar
socos leves na parede atrás dele, o Arthur olhou para ele e ele olhou de volta,
balançou a cabeça e disse:

— Inacreditável o que aconteceu, depois eu te conto. — E o Arthur balançou


a cabeça concordando e voltou a se concentrar.

O Liviêr ficou ali parado com os olhos e boca aberta olhando para o teto,
tudo durou alguns minutos, mas para ele havia durado muito tempo e quando
se deu conta, as músicas pararam e o Roger estava falando que a sessão havia
terminado.

O Liviêr ficou deitado mais um pouco, enquanto os demais se levantavam e


começaram a conversar sobre suas experiências, depois de um tempo, o
Roger foi até ele e deu um toque em seu joelho e perguntou como tinha sido a
sua experiência.

Ele então se recompôs se sentou e contou a todos o que havia se passado,


tanto na primeira como na última extraordinária visão do Ser de luz.
O Roger comentou que seu irmão Walter também já havia visto esse Ser de
luz e a descrição que deu fora idêntica à que o Liviêr havia descrito e
complementou:

— Como duas pessoas em momentos diferentes podiam ter a mesma visão se


fosse apenas alucinação.

Todos balançaram a cabeça concordando, depois de um tempo conversando e


debatendo a respeito, foram comer, menos a Solange que não estava se
sentindo bem. Ela vomitou muito durante a sessão e ainda estava com a
sensação de ânsia, apesar de estar melhor e querer ir embora, pois seu marido
já estava vindo buscá-la.
E os três ficaram conversando por pelo menos mais umas duas horas,
refletindo sobre as experiências que para todos haviam sido extraordinárias.

Nessa conversa, o Roger comentou sobre os exercícios que fazia para


desenvolver a glândula pineal e sua importância para o caminho da
espiritualidade, o que deixou o Liviêr muito interessado, pois ele já havia lido
sobre o assunto, porém bem superficialmente e também o Fernando, um dos
participantes das reuniões na casa no Oliver, havia falado a respeito, mas o
Roger falou com mais propriedade, o que fez o Liviêr pesquisar mais e se
aprofundar nesse novo meio para ajudar seu despertar.

O Liviêr, agora tendo a guarda da ayahuasca, planejava conduzir uma sessão,


porém, com a possibilidade de participar no estúdio e também com o Oliver,
ele resolveu se preparar melhor e esperar um pouco mais.
Uma breve descrição sobre a Glândula Pineal

OS EGÍPCIOS SABIAM DAS CAPACIDADES DO CÉREBRO HUMANO, A


GLÂNDULA PINEAL É SIMBOLIZADA PELO OLHO DE HORUS.

A glândula pineal (também chamada de corpo pineal, epífise cerebral,


epífise ou o “terceiro olho”) é uma pequena glândula endócrina no cérebro
dos vertebrados. Ela produz a melatonina derivada da serotonina, um
hormônio que afeta a modulação do padrão vigília/sono e funções sazonais.
A sua forma assemelha-se a uma pequena pinha (daí o seu nome) e está
localizada perto do centro do cérebro, entre os dois hemisférios, escondida
num sulco onde os dois corpos talâmicos arredondados se juntam.
A glândula pineal ou o terceiro olho de cada ser humano pode ser ativado
para as frequências do mundo espiritual e permite que se tenha a sensação
de conhecimento profundo, euforia divina e da capacidade de amar
incondicionalmente. Quando a glândula pineal está sintonizada a
frequências apropriadas, com a ajuda da meditação, yoga ou vários métodos
esotéricos, métodos ocultistas, permite à pessoa viajar para outras
dimensões. Isto é mais conhecido como viagem astral, projeção astral ou
visualização remota.
A glândula pineal tem sido considerada — desde René Descartes (século
XVII), que afirmava ser a glândula o ponto da união substancial entre corpo
e alma — um órgão com funções transcendentes. Além de Descartes, um
escritor inglês com o pseudônimo de Lobsang Rampa entre outros
dedicaram-se ao estudo deste órgão.
Descartes ajustou o conceito metafísico de alma com a posição anatômica da
pineal para construir a dualidade corpo–alma. Mas as pesquisas realizadas
com técnicas de neuroimagem embasam a concepção monística, reforçando
a visão do consenso científico.
Com a forma de pinha (ou de grão), é considerada por estas correntes
religioso-filosóficas como um terceiro olho, devido à sua semelhança
estrutural com o órgão visual. Localizada no centro geográfico do cérebro,
seria um órgão atrofiado em mutação com relação a nossos ancestrais.
Os defensores dessas capacidades transcendentais do órgão consideram-no
como uma antena. A glândula pineal tem na sua constituição cristais de
apatita. Segundo essa teoria, esses cristais vibrariam conforme as ondas
eletromagnéticas que captassem, o que explicaria a regulação do ciclo
menstrual conforme as fases da lua, ou a orientação de uma andorinha em
suas migrações. No ser humano, ela seria capaz de interagir com outras
áreas do cérebro como o córtex cerebral, por exemplo, que seria capaz de
decodificar essas informações. Já nos outros animais, essa interação seria
menos desenvolvida. Essa teoria pretende explicar fenômenos paranormais
como a clarividência, a telepatia e a mediunidade. Em Missionários da Luz,
obra espírita psicografada por Chico Xavier atribuída ao espírito André
Luiz, a epífise é descrita como a glândula da vida espiritual e mental, que
caracteriza um órgão de elevada expressão no corpo etéreo, onde presidem
os fenômenos nervosos da emotividade, devido à sua ascendência sobre todo
o sistema endócrino desempenha papel fundamental no campo sexual (no
terreno concreto, tal função é apontada desde 1958 e, atualmente, passou a
ser amplamente aceita em terreno concreto), é descrita ainda como ligada à
mente espiritual através de princípios eletromagnéticos do campo vital (o
que até agora a ciência formal não pode identificar), comandando as forças
subconscientes sob a determinação direta da vontade.
** Fonte: internet
Exercícios específicos para a glândula pineal
É indicado ao praticante fazer estes exercícios sentado e com os olhos
fechados.
Observe a localização da glândula pineal no topo do crânio.
Faça os exercícios procurando sentir a localização da pineal.
Coloque também sua atenção na respiração, lembrando-se do alimento
necessário ao Sistema Nervoso Central.
Massagear o alto do crânio
Faça um movimento circular com a polpa dos dedos das duas mãos sobre o
couro cabeludo no alto da caixa craniana. Investigue vagarosamente até
encontrar uma reentrância. Sinta-a com os dedos. Esse ponto corresponde à
moleira dos recém-nascidos.
Massageie esse ponto usando os dedos indicador e
médio. Procure perceber qual o sentido mais confortável (sentido horário ou
anti-horário).
Massageie lentamente o ponto sem provocar atrito com a pele. Perceba que
o couro cabeludo, muito colado no início, se desprende melhor depois de
certo tempo.
Faça essa massagem sem pressa, no seu ritmo e no seu tempo.
É importante salientar que esse ponto é o local de união de todos os
meridianos. A prática é ótima antes de dormir, pois a glândula pineal é a
rainha do sono profundo.
Massagear para frente e para trás o couro cabeludo com os dedos
Outra forma indicada e confortável é puxar o couro cabeludo para frente e
para trás sempre a partir desse ponto (no alto da caixa craniana).
Tamborilar o alto do crânio com os dedos
A seguir, você vai tamborilar com os dedos médios o ponto, no alto da caixa
craniana, onde se localiza a glândula pineal. A ação do toque deve ser
amorosa, não use força.
Perceba o que está sentindo. Você poderá sentir calor, salivação, enjoo, um
mental tranquilo.
Massagear a fronte na linha do início do couro cabeludo e a “coroinha”
Coloque o dedo médio e indicador da mão direita na
fronte, precisamente no início do couro cabeludo, alinhados com o nariz.
Massageie esse ponto com os dois dedos.
Escolha a direção que for mais confortável e agradável.
Faça as massagens nos pontos cranianos sempre vagarosamente e
observando seu próprio ritmo e tempo.
Continue massageando esse ponto e, com os dedos da outra mão, encontre
uma reentrância na parte posterior do crânio (um pouco mais atrás do topo
da cabeça), acima do cerebelo.
Essa reentrância ou depressão corresponde ao lugar chamado de
“coroinha”.
Os religiosos costumam marcar bem essa região, usualmente
rasurando os cabelos num formato circular.
Coloque o dedo médio e indicador sobre esse ponto e massageie no sentido
que achar mais confortável.
Perceba as sensações (dor, calor, lágrimas, relaxamento nos nervos
oculares, sensação de estímulo da tiroide, sensação do palato, sensação de
sair do tempo).
Irradiando calor com as mãos
Em seguida, aqueça as mãos friccionando-as e colocando-as no topo da
cabeça.
Deixe que as mãos escolham qual deve ficar em cima e qual deve ficar
embaixo.
Perceba o calor que a fricção das mãos provoca. Sinta o calor irradiando
para a pineal e a resposta receptiva dessa glândula ao calor.
Faça contato com a glândula pineal, enviando-lhe afeto, reconhecendo todo
o complexo trabalho que faz no seu organismo. Reconheça sua importância
no equilíbrio geral do
organismo e no retardamento do envelhecimento. Ao fazer isso, a glândula
recebe calor e magnetismo.
** Fonte: internet
Depois de entender um pouco mais sobre a glândula pineal e sua importância
para os caminhos de transformação pessoal que ele buscava, o Liviêr
começou a praticar os exercícios e também a meditar usando as frequências
binaurais.
Como ele leva os filhos na escola de manhã, acorda mais cedo e a Vanessa os
buscava a noite, pois tanto o Murilo quanto Isis, além da escola normal
faziam cursos técnicos nesse período, ele ficava sozinho que o permitia fazer
a meditação com o ambiente mais tranquilo e silencioso.

E assim foi por um tempo, ele acomodava-se em uma posição confortável, às


vezes sentado e de vez em quando deitado, com fones ouvia principalmente a
frequência binaural de 963 Hz, por uma hora.

Até que, então, uma noite ele acordou de madrugada e percebeu um zumbido
em seu ouvido, a principio intenso e que foi diminuindo aos poucos, porém
não sumiu e, a partir daquele momento, ele começou a percebê-lo
constantemente, principalmente quando se deitava, em momentos de mais
silêncio, ou quando ele se concentrava.

Isso o motivou a trabalhar ainda mais a sua glândula pineal, pois sabia que
um dos meios de saber que ela estava trabalhando, é justamente os zumbidos,
pois seriam os cristais de apatitas vibrando.
Sons binaurais
Binaural é o som capaz de alterar o comportamento do cérebro, foi
descoberto em 1839 pelo cientista alemão Heinrich Wilhelm Dove. Ele
descobriu que, quando os sinais de duas frequências diferentes são
apresentados separadamente — um para cada ouvido —, o cérebro detecta a
variação de fase e tenta conciliar essa diferença sincronizando o
funcionamento dos hemisférios esquerdo e direito. Isso resultaria em ganhos
terapêuticos.
Em 1973, uma pesquisa publicada pelo biofísico Gerald Oster no Hospital
Monte Sinai, em Nova York, usou as batidas para comprovar que a
estimulação auditiva melhorava o funcionamento do cérebro.
Profissionais que aplicam o método dão conta de que os áudios têm o poder
de acessar o subconsciente humano. As combinações das batidas e ruídos
seriam capazes de causar frenesis cerebrais ou aquietar a mente por
completo, desencadeando um sono profundo.
O cérebro influencia diretamente o estado da mente. Definidas pela
frequência com que pulsam, as ondas cerebrais são correntes que fluem
pelas ligações neurais.
Frequências do cérebro:
Delta: são as mais lentas e estão associadas ao sono profundo. É o reino do
inconsciente.
Theta: entre 3 e 7 Hz, presentes na meditação profunda e sono leve. Reino do
subconsciente.
Alfa: entre 8 e 13 Hz, ligadas à tranquilidade e relaxamento com olhos
fechados e repouso sensorial. Acessadas durante a meditação.
Beta: as mais rápidas. Estão associadas ao estado de vigília, à lógica e ao
raciocínio.
Além de ajudar durante as meditações, as batidas binaurais ajudam a
descalcificar a glândula pineal.
** Fonte: internet
Então, com todo esse empenho de se transformar, tendo como principal
caminho a ayahuasca, a professora divina, que o guiava desde o inicio dessa
nova jornada, e agora trabalhando sua glândula pineal, para ajudar em seu
desenvolvimento espiritual e o despertar de sua consciência, se abrindo para
possibilidade de conhecer novas entidades, outras dimensões, projeção astral,
meditação e em muitos outros meios que mostram quanto nossa realidade é
apenas uma fração de um todo de que está aí ao nosso redor, ele percebeu que
tinha muito a aprender e o caminho a percorrer estava só no início, porém já
desperto para essa nova realidade.
O Roger foi daquele momento em diante seu grande companheiro nessa
jornada, não que o Oliver não continuava sendo, muito pelo contrário, porém,
mesmo o Roger sendo mais jovem, tinha umas ideias e conhecimentos mais
voltado para que o Liviêr estava procurando, em uma linha fora da religião,
diferente do Oliver que é espírita kardecista e estava a algum tempo fazendo
as sessões neste intuito religioso. Tanto o Liviêr como o Roger estavam
procurando a expansão da consciência, desenvolver a espiritualidade, acessar
o eu interior, onde a unidade entre os seres é a tônica e, nesse ponto de vista,
a religião pelo contrário divide, levando a doutrinas e ideias especificas, onde
os membros se colocam diferentes dos demais e muitas vezes não aceitando
ideologias diferentes gerando preconceitos, segregação, conflitos e também
não entendendo que, no fim, todos procuram o mesmo caminho, então porque
todos não caminharem juntos.
A única lei universal que todos os grandes seres iluminados, Jesus, Buda,
Maomé, dentre outros, ensinam e pregam é o amor pleno e incondicional a
todos os seres, inclusive a si mesmo. Se essa simples e verdadeira lei fosse de
fato honrada, todas as demais ficariam sem sentido e, por consequência, as
religiões com suas doutrinas, dogmas e mandamentos.
Então, seria muito mais fácil a evolução da humanidade, mas isso o Liviêr
sabia que ainda era uma utopia.
Um belo texto que ilustras as ideias sobre religião e
espiritualidade

A religião alimenta a mente. A espiritualidade alimenta a alma.

A religião aprisiona, segrega. A espiritualidade liberta e une as almas a um


único princípio O Amor Divino.

A religião não é apenas uma, são centenas. A espiritualidade é apenas uma.

A religião é para os que dormem. A espiritualidade é para os que estão


despertos.

A religião é para aqueles que necessitam que alguém lhes diga o que fazer e
querem ser guiados. A espiritualidade é para os que prestam atenção à sua
Voz Interior.

A religião tem um conjunto de regras dogmáticas. A espiritualidade te


convida a raciocinar sobre tudo, a questionar tudo.

A religião ameaça e amedronta. A espiritualidade lhe dá Paz Interior.

A religião fala de pecado e culpa. A espiritualidade lhe diz: “Aprenda com


os eErros”.

A religião reprime tudo, te faz falso. A espiritualidade transcende tudo, te faz


verdadeiro.
A religião não é Deus. A espiritualidade é tudo e, portanto, é Deus.

A religião inventa. A espiritualidade descobre.

A religião não indaga e nem questiona. A espiritualidade questiona tudo.

A religião é humana, é uma organização com regras. A espiritualidade é


divina, sem regras.
A religião é causa de divisão. A espiritualidade é causa de união.

A religião lhe busca para que acredite. A espiritualidade você tem que
buscar.

A religião segue os preceitos de um livro sagrado. A espiritualidade busca o


sagrado em todos os livros.

A religião se alimenta do medo. A espiritualidade se alimenta na Confiança e


na Fé.

A religião faz viver no pensamento. A espiritualidade faz Viver na


Consciência.

A religião se ocupa com fazer. A espiritualidade se ocupa com Ser.

A religião alimenta o ego. A espiritualidade nos faz Transcender.

A religião nos faz renunciar ao mundo. A espiritualidade nos faz viver em


Deus, não renunciar a Ele.

A religião é adoração. A espiritualidade é Meditação.

A religião sonha com a glória e com o paraíso. A espiritualidade nos faz


viver a glória e o paraíso aqui e agora.

A religião vive no passado e no futuro. A espiritualidade vive somente no


presente, no agora.

A religião enclausura nossa memória. A espiritualidade liberta nossa


consciência.

A religião crê na vida eterna. A espiritualidade nos faz consciente da vida


eterna.

A religião promete para depois da morte. A espiritualidade é Encontrar Deus


em Nosso Interior durante a vida.
**Autor desconhecido — texto tirado da internet
Essas ideias o envolviam e ele e o Roger as compartilhavam. O entrosamento
entre eles foi pleno, as conversas fluíam, o que levou a estarem mais
próximos e as sessões no estúdio serem periódicas. Nessa fase, deu-se de fato
o início de uma transformação mais profunda em seu ser, o que levou o
Liviêr a quebrar vários paradigmas e foi se moldando à sua nova realidade.
Os seus vícios como o álcool não faziam mais parte de sua vida, outra coisa
que ele modificou em sua rotina foi seu hábito alimentar, sendo agora adepto
às frutas e vegetais e evitando o consumo de carnes, seu trato com as pessoas,
principalmente com sua família, melhorou consideravelmente, sendo
perceptível por todos que o conheciam. Claro que ainda havia falhas e
momentos de perda de controle, raiva e até algumas vezes se sentia
deprimido, mas isso faz parte do aprimoramento, ainda era um ser com
muitos paradigmas a quebrar, mas com certeza estava no caminho certo, com
sua família ao seu lado, pois agora ele sentia que fazia parte dela novamente,
com seus amigos, os quais podia contar e dividir esse aprendizado, e com a
ayahuasca, sua Professora Divina mostrando os caminhos e seus
ensinamentos, para que um dia ele consiga alcançar o que todo o ser desperto
almeja, o conhecimento de si mesmo.

E depois de relembrar toda sua jornada em um devaneio profundo, ele voltou


a si, novamente com seus pensamentos.
Estou tentando compreender a transformação das pessoas, como tem início, o
que dá o start. Acho que, claro, todos já nascem com essa predisposição,
porém, com o modo de vida que se é exposto, isso vai se perdendo e a
principal função do ser, que é justamente a transformação, a evolução, se
perde, com os conceitos impostos, com a rotina de vida onde a preocupação
principal é agradar aos outros, com o jeito que as informações são passadas
de forma vaga e superficial, sem valorizar o primordial que é o ser em si e
sim um coletivo corrompido.

Pois bem, acho que o start da transformação do ser pode se iniciar quando,
em algum momento, ele se encontra em uma situação que nada à sua volta
faz sentido. Ele busca de várias maneiras se saciar com coisas que
ilusoriamente lhe dão um bem-estar momentâneo e depois vem à desilusão e
a depressão, tudo vai se desmoronando, aí chega o famoso fundo do poço.
Quando esse start não é acionado, é por que, para a maioria dos seres, a vida
se mantém estagnada, nem boa nem ruim, simplesmente não faz diferença.
Até talvez queira a transformação, mas aí faz pequenas mudanças, que não
levam a nada e são rápidas, porque mudança não é transformação e quando
você está realmente lá no fundo, aí vem outro problema, falta à força de
ignição para dar o start inicial, como virar a chave do carro e ligar o motor de
partida, tem que ter alguma força para dar o start inicial, como, no caso do
carro, tem uma energia elétrica armazenada na bateria que faz a ignição e o
processo de transformação começar, transformando o combustível em força,
gerando a energia necessária para o movimento. Igual é para o ser, a energia é
que faz a transformação acontecer e o combustível é nossa determinação, sem
determinação não há transformação, talvez só mudanças superficiais.
Então, será que é preciso que algo aconteça, um acidente ou uma perda
profunda, uma desilusão? Será que realmente é preciso chegar a essa situação
para começar uma transformação pessoal e de como entendemos a vida?
Hoje entendo que não, esses fatores colocam os seres em uma encruzilhada e
dão a oportunidade de começar de novo, de escolher um novo caminho, mas
essa escolha pode acontecer em qualquer momento da vida, o que se precisa
para isso é somente uma grande e verdadeira DETERMINAÇÃO.
**As informações, pesquisas e textos obtidos pela internet são
meramente informativas e não compõem o conjunto da obra do
autor.

Você também pode gostar